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Processo nº 569/02
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
A. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo (Secção do Contencioso Administrativo), proferiu o Relator a seguinte DECISÃO SUMÁRIA:
'1. A e B, sociedades comerciais com sede no Porto, vieram interpor recurso para este Tribunal Constitucional, ‘ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art. 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro’, do acórdão do Tribunal Central Administrativo (Secção de Contencioso Administrativo), de 7 de Agosto de 2002, que negou provimento ao recurso jurisdicional por elas interposto, ‘indeferindo o pedido de suspensão de eficácia do acto’ (‘o despacho do Presidente da Câmara Municipal do Porto, de
4-4-2002, que revogou com fundamento em invalidade o despacho do anterior Presidente da mesma Câmara, de 4-1-2002’). No extenso requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade dizem as sociedades recorrentes que pretendem ‘ver apreciada a inconstitucionalidade da interpretação restritiva adoptada pelo douto Acórdão conjugadamente das normas dos nºs 1 e 2 do artº 10º e do nº 3 do artº 12º do DL 445/91, de 20.11 LPTA (para as 'quais remete o nº 1 do artº 37º do mesmo diploma), por uma banda, e do nº 1 do artº 76º da LPT A, por outra banda, na medida em que tal interpretação circunscreve a obrigatoriedade da consideração dos prejuízos invocados em pedido de suspensão de eficácia apresentado pelas duas requerentes
à primeira destas e líder do consórcio (a A), pelo facto de ter figurado ela apenas como requerente do pedido de informação prévia cujo deferimento foi revogado pelo acto suspendendo, quando ambas as ora recorrentes são co-titulares do terreno onde se pretende construir, e membros do consórcio promotor do empreendimento imobiliário projectado para o mesmo terreno’, sublinhando, ‘por cautela, que ainda que se entenda não serem em si inconstitucionais o º 3 do artº 12º do DL 445/91 (quando prescreve que ‘a deliberação da câmara municipal é constitutiva de direitos’), nem a al. a) do º 1 do artº 76º da LPTA (quando prevê que a suspensão só será decretada se a execução o acto vier a causar
‘provavelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender em recurso’), o certo é que é inconstitucional a interpretação desses normativos adoptada pelo acórdão recorrido (por violação designadamente dos artºs 61º, n.° 1 e 62º CRP , e dos artºs 20º, º 5 e 268º, º 4, CRP(‘Com efeito, quando o mesmo acórdão interpreta aquela norma (nº 3 do artº 12º do DL 445/91) no sentido restritivo de que a
‘deliberação da câmara municipal' só é ‘constitutiva de direitos’ para a entidade que figura como requerente do pedido de informação prévia, e não também para os demais comproprietários do terreno e membros do consórcio promotor do projectado empreendimento imobiliário, e quando do mesmo passo entende que os prejuízos de difícil reparação que provavelmente venham a sofrer estes últimos com a revogação do deferimento do mesmo pedido não podem ser considerados à luz do n. o 1 do artº 76º da LPTA, tal entendimento conflitua com a lei fundamental’) e esclarecendo ainda que ‘não poderá o recurso ser rejeitado pelo facto de as recorrentes não terem suscitado esta questão de inconstitucionalidade ‘durante o processo’, apenas o fazendo na presente petição de recurso, na medida em que a interpretação dada às normas legais acima referidas pelo acórdão do TCA ora recorrido foi de todo imprevisível, não podendo razoavelmente as recorrentes contar antecipadamente com a sua aplicação’.
2. O acórdão recorrido, na parte que aqui pode interessar, limitou-se, relativamente ‘à verificação do requisito ‘a execução do acto causa provavelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso’, a constatar simplesmente que ‘apenas a 1ª requerente A, interveio no procedimento de PIP, apenas a ela se referindo o deferimento de 4-1-20002, a intenção de revogação e a própria revogação de 4-4-2002’ e, assim, sendo, ‘não poderão ser considerados os eventuais prejuízos que as requerentes invocam e são reconduzidos sobretudo à extinção da 2ª requerente B, concluindo que a não verificação do apontado requisito ‘implica que a suspensão não possa ser concedida, não se impondo a ponderação conjunta dos requisitos do artº 76º, nº 1, da LPTA, uma vez que aquela não verificação impede a concessão da providência’. Daqui resulta à evidência que o acórdão recorrido não fez aplicação de nenhuma das normas que as sociedades recorrentes identificam do Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de Novembro, nem mesmo elas vêm citadas no aresto. Pretendendo as sociedades recorrentes ver no acórdão recorrido uma interpretação de tais normas ‘no sentido restritivo de que a ‘deliberação da câmara municipal' só é ‘constitutiva de direitos’ para a entidade que figura como requerente do pedido de informação prévia, e não também para os demais comproprietários do terreno e membros do consórcio promotor do projectado empreendimento imobiliário’, a verdade é que isso não decorre, qua tale, do acórdão, que se coloca apenas no quadro da consideração dos ‘eventuais prejuízos que as recorrentes invocam’, na óptica do artigo 76º, nº 1, a), da LPTA. Saber se a ‘deliberação da Câmara Municipal’ só é ‘constitutiva de direitos’ para uma ou para as duas sociedades recorrentes, porque apenas só uma delas
‘interveio no procedimento do PIP’, é uma questão que não foi abordada no acórdão recorrido, que se localizou na consideração das ‘eventuais prejuízos que os requerentes invocam’. Em consequência, não há no acórdão recorrido aplicação de tais normas, ou de uma sua dimensão interpretativa, invocadas pelas sociedades recorrentes e, assim, não se verifica um dos pressupostos específicos do tipo de recurso de que elas se serviram (e isto independentemente de saber se as sociedades recorrentes deveriam ou não ter suscitado a questão de inconstitucionalidade relativamente a essas normas do Decreto-Lei nº 445/99, nas alegações de recurso apresentadas perante o Tribunal a quo, isto é, durante o processo e com a exigência do nº 2 do artigo 72º da Lei nº 28/82). Com o que, e neste ponto, não pode tomar-se conhecimento do presente recurso.
3. Quanto à norma do nº 1, a), do artigo 76º da LPTA, ou quanto a uma sua dimensão interpretativa, é jurisprudência firme do Tribunal Constitucional que ela não enferma de inconstitucionalidade, em si mesma ou quanto a certa interpretação dela, como se pode ver da jurisprudência identificada no Guia da Jurisprudência do Tribunal Constitucional, volº. 2º, págs 117 e 118, Coimbra Editora, 2001, não interessando aqui estar a citar os vários acórdãos. Com o que, neste ponto, não merece provimento o recurso.
4. Termos em que, DECIDINDO, não tomo conhecimento, em parte, do recurso, negando-lhe provimento noutra parte, e condeno cada uma das sociedades recorrentes nas custas, com a taxa de justiça fixada em seis unidades de conta'. B. As recorrentes vieram 'dela apresentar RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA dessa Secção ao abrigo do nº 3 do artº 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional', tratando exaustivamente em alíneas separadas das seguintes matérias:
'B) A QUESTÃO DE DIREITO SUBJACENTE NO ORDENAMENTO INFRA-CONSTITUCIONAL C) A REPERCUSSAO DOS DIFERENTES ENTENDIMENTOS SOBRE O ALCANCE DO Nº 3 DO ARTº
12º DA DL 445/91 (OU, EM ALTERNATIVA, DA AL. A) DO Nº 1 DO ARTº 76º DA LPTA) NO PLANO CONSTITUCIONAL' Naquela alínea B) pretendem as sociedades reclamantes, censurando o despacho reclamado, demonstrar que 'está o recorrido acórdão do TCA a chamar à colação, isto é, no caso, a aplicar , as normas que no (então vigente) regime geral do licenciamento de obras particulares que regulam ou prevêem a fase da iniciativa do procedimento do PIP , ou seja, o nº 3 do artº 12º do DL 445/91'. Isto porque a conclusão do acórdão recorrido leva a que 'se não podem ser considerados os prejuízos, é porque - entende necessariamente o TCA - em casos como o sub judicio aquela deliberação ( de deferimento do PIP) só é constitutiva de direitos (direitos esses indemnizáveis, em caso de lesão - passe a redundância) para o titular do terreno que figure no procedimento do PIP como requerente', mas, diferentemente para as sociedades reclamantes, 'a deliberação da câmara municipal prevista no nº 3 do artº 12º do DL 445/91é constitutiva de direitos não apenas para o co-titular do terreno que figure como requerente do PIP, mas também para os demais eventuais co-titulares do mesmo terreno que não hajam figurado como requerentes do mesmo PIP - pelo que são eles tocados quer pelo deferimento do PIP, quer pela sua revogação (através, respectivamente, da ampliação e da diminuição da respectiva esfera jurídica)'. E acrescentam depois:
'Isto posto, passemos vagarosamente, como convém, à constatação que se segue: das duas uma, se se acolher o entendimento perfilhado pelo recorrido Acórdão do TCA, naturalmente que não são invocáveis pelos co-titulares não requerentes, nos Tribunais Administrativos, em sede de (pedido de) suspensão de eficácia, quaisquer prejuízos, o que inclui aqueles cuja reparação seja provavelmente de difícil reparação; mas se ao invés se acolher o entendimento perfilhado pelas ora reclamantes, então são invocáveis pelos ditos co-titulares não requerentes em tal sede os citados prejuízos (melhor dizendo, a forte probabilidade da sua ocorrência). Mas importa ainda prevenir uma possibilidade: é ela a de, mesmo que se aceite o entendimento das ora reclamantes que se acaba de enunciar, por alguma especial razão tais prejuízos, ainda que tutelados pelo direito substantivo (porquanto se trata de danos provocados por um acto administrativo lesivo a direitos adquiridos com o deferimento do PIP também pelos co-titulares do terreno, apesar de não terem eles figurado como requerentes no procedimento do mesmo PIP), tais prejuízos, dizia-se, não terem a correspondente tutela processual em sede cautelar, designadamente pelo facto de, repita-se, por qualquer razão misteriosa, estarem eles excluídos da previsão da al. a) do nº 1 do artº 76º da LPTA. Nesta hipótese alternativa, a posição do recorrido Ac. do TCA assenta então num entendimento restritivo não do nº 3 do artº 12º do DL 445/91, mas da al. a) do nº 1 do artº 76º da LPTA - norma esta que o próprio despacho ora reclamado considera aplicada e identificada -, centrando-se a discordância entre o TCA e as ora reclamantes neste normativo. Também tal hipótese foi prevenida pelas ora reclamantes no seu recurso para esse Alto Tribunal' (segue-se a identificação da 'a problemática jurídica subjacente ao ordenamento jurídico infra-constitucional', levando-se em consideração a destrinça 'entre actos ou autorizações reais (categoria a que se grosso modo se reconduzem as decisões que recaem sobre os chamados PIP) e actos ou autorizações pessoais', para concluir que 'é obviamente e desde logo um despropósito exigir que todos os comproprietários de um terreno - e podem ser às dezenas: basta ter presente o correntíssimo caso das situações resultantes de herança - subscrevam um pedido de informação prévia relativo a tal terreno, por forma a fazer depender a existência do direito substantivo (e correspondente tutela jurisdicional) constituído também nas respectivas esferas jurídicas (na sua qualidade de co-proprietários) pelo deferimento do PIP. . . do facto procedimental de terem subscrito também o requerimento do PIP!!!'). Na alínea C) pretendem as sociedades reclamantes 'salientar que os diferentes entendimentos perfilhados sobre o alcance do nº 3 do artº 12º do DL 445/91 (ou, em alternativa, da al. a) do nº 1 do artº 76º da LPTA) não são irrelevantes no plano constitucional'. E fazem-no nestes termos:
'Com efeito, a interpretação destes normativos levada a cabo pelo Acórdão recorrido do TCA, e confirmada pelo despacho reclamado, para além de errada ( dir-se-ia mesmo, e salvo o devido respeito, absurda) - o que para o presente recurso não releva - o facto é que ela também não é irrelevante no plano constitucional. Com efeito, a conclusão de que ‘não poderão ser considerados os eventuais prejuízos que as requerentes invocam e são reconduzidos sobretudo à extinção da
2ª requerente B.’, a qual como vimos parte de uma premissa infundamentada de que tais prejuízos não podem ser considerados pelo facto de não ter a 2ª impetrante figurado como requerente no Pedido de Informação Prévia, e portanto como destinatária quer do deferimento do pedido, quer da sua revogação, implica ou pressupõe uma interpretação intoleravelmente restritiva de normas legais concretizadoras de direitos, liberdades e garantias. E isto quer o recorrido Ac. do TCA assente num entendimento restritivo do nº 3 do artº 12º do DL 445/91, quer assente num entendimento restritivo não daquela norma substantiva, mas da norma processual contida na al. a) do nº 1 do artº 76º da LPTA - porquanto quer uma quer outra destas normas são normas restritivas-concretizadoras de direitos fundamentais, respectivamente do nº 1 do artº 62 CRP ( direito fundamental de natureza análoga de propriedade) e do nº 4º do artº 268º (também direito fundamental de natureza análoga à tutela jurisdicional efectiva), ambos da CRP . Com efeito, o acto que incide sobre o PIP, quando tem efeitos positivos ( de deferimento ), se por um lado é menos do que uma autorização constitutiva
(porquanto, e diferentemente da licença de construção, não tem um conteúdo imediatamente permissivo, apenas certificando o preenchimento de algumas condições necessárias, designadamente a conformidade da construção projectada, nos seus parâmetros fundamentais, face às normas urbanísticas e de ordenamento territorial vigentes ), por outro lado é mais do que aquela figura. Com efeito, ela consubstancia ‘a formulação de um juízo liminar, fundado em elementos pretéritos, e não de um compromisso ad futurum, traduzindo, assim, uma declaração de ciência e não uma declaração de vontade’ (Ac. STA, 1.a Secção, de
3/7/70), sendo que o que é objecto dessa declaração é já o preexistente direito de propriedade do titular do terreno, incluindo a faculdade de edificação, tal qual ele se configura nos instrumentos de planeamento urbanístico aplicáveis.
(...) Pois bem, um entendimento da referido nº 3 do artº 12º do DL 445/91 que se traduza na negação da constituição desse direito na esfera dos comproprietários com o deferimento do PIP ( ou do direito à indemnização pelos prejuízos sofridos por uma revogação ilegal desse indeferimento - o que vem a dar exactamente no mesmo) em razão do incumprimento de um suposto ónus de figurarem os ditos contitulares como requerentes no respectivo procedimento torna tal norma, assim interpretada, inconstitucional por violação conjugadamente do artº 62º, nº 1 e do artº 18º, nº 2 ambos da CRP , por se traduzir numa restrição desnecessária e desadequada ao direito de propriedade que viola o princípio da proibição do excesso em sede de direitos, liberdades e garantias consignado neste último preceito da Lei Fundamental. O mesmo se diga, mutatis mutandis, se se entender que o Tribunal recorrido deslocou o seu entendimento restritivo para as normas processuais, no caso para a al. a) do nº 1 do artº 76º da LPTA: também esta última norma, assim interpretada, se torna inconstitucional por violação conjugadamente do nº 4 do artº 268º, e do artº 18º, nº 2 ambos da CRP , por se traduzir numa restrição desnecessária e desadequada ao direito à tutela jurisdicional efectiva que viola o princípio da proibição do excesso em sede de direitos, liberdades e garantias consignado neste último preceito da Lei Fundamental. Pois bem, uma vez que existe uma interpretação alternativa a estas que não apresenta o carácter lesivo dos referidos direitos fundamentais, deverá ser essa a interpretação que deverá prevalecer, quanto mais não fosse por força do princípio interpretativo de aproveitamento dos actos jurídicos, que manda acatar
, de entre as interpretações possíveis de que pode ser objecto uma norma jurídica, aquele entendimento que salvaguarde a norma em questão de um juízo de invalidade'. C. O recorrido Presidente da Câmara Municipal do Porto não apresentou resposta à reclamação. D. Cumpre decidir. Conquanto as sociedades reclamantes se esforcem por querer desmontar o rumo argumentativo simples em que assentou a DECISÃO reclamada, o certo é que, pese todo esse esforço contra-atacante, não conseguem alcançar tal objectivo. Desde logo é diminuto o relevo que se queira dar, como fazem as sociedades reclamantes, à questão subjacente ao ordenamento infra-constitucional, na óptica do regime do Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de Novembro, pois tudo isso é essencialmente matéria de fundo da causa e aqui estamos perante uma providência cautelar, em que importou apenas nas instâncias ponderar os requisitos exigidos pelo artigo 76º, nº 1, da LPTA, para saber se todos eles se verificam ou faltava algum deles (e para o acórdão recorrido bastou a não verificação do requisito positivo do 'prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defende ou venha a defender no recurso', na linha do decidido na primeira instância, e daí que não haja que 'proceder à avaliação da bondade da pretensão dos requerentes, uma vez que tal avaliação não bole com a não verificação [desse] requisito'). Se, como acertadamente concluiu o acórdão recorrido, é irrelevante a 'avaliação da bondade da pretensão dos requerentes' (sublinhado nosso), a dita questão subjacente ao ordenamento infra-constitucional perde terreno e não serve para rebater a afirmação da DECISÃO reclamada de que 'o acórdão recorrido não fez aplicação de nenhuma das normas que as sociedades recorrentes identificam do Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de Novembro, nem mesmo elas vêm citadas no aresto'. E não a fez seguramente como sua última ratio decidendi. Desde logo não há no acórdão recorrido a mínima alusão àquele diploma legal, nem
é inequívoco que uma sua aplicação implícita deva extrair-se da consideração de que um dos requerentes não interveio no processo administrativo. Mas depois, e decisivamente, no acórdão se acrescenta, em jeito de conclusão final, que 'os prejuízos que se poderão vir a verificar reconduzir-se-ão ao lucro que deixarão de embolsar, por eventual acto ilegal do recorrido, afigurando-se o mesmo de natureza quantificável'. O que significa que há uma outra razão em que assenta o julgamento do incidente. Com o que se mantém aquela afirmação transcrita da DECISÃO reclamada. E. Querem ainda as sociedades reclamantes detectar, 'em alternativa', no acórdão recorrido e no plano constitucional, um 'entendimento restritivo para as normas processuais, no caso para a al. a) do nº 1 do artº 76º da LPTA: também esta
última norma, assim interpretada, se torna inconstitucional por violação conjugadamente do nº 4 do artº 268º, e do artº 18º, nº 2 ambos da CRP , por se traduzir numa restrição desnecessária e desadequada ao direito à tutela jurisdicional efectiva que viola o princípio da proibição do excesso em sede de direitos, liberdades e garantias consignado neste último preceito da Lei Fundamental'. Para elas, e no essencial, a conclusão a que chegou o acórdão recorrido 'de que
‘não poderão ser considerados os eventuais prejuízos que as requerentes invocam e são reconduzidos sobretudo à extinção da 2ª requerente B.’, a qual como vimos parte de uma premissa infundamentada de que tais prejuízos não podem ser considerados pelo facto de não ter a 2ª impetrante figurado como requerente no Pedido de Informação Prévia, e portanto como destinatária quer do deferimento do pedido, quer da sua revogação, implica ou pressupõe uma interpretação intoleravelmente restritiva de normas legais concretizadoras de direitos, liberdades e garantias'. Só que, como ficou dito na DECISÃO reclamada, a norma questionada do nº 1, a), do artigo 76º da LPTA – esta sim, aplicada no acórdão recorrido – tem sido repetidamente apreciada no Tribunal Constitucional, quanto à sua conformidade com a Lei Fundamental, apurando-se sempre uma jurisprudência firme quanto a um juízo de não inconstitucionalidade. Como desenvolvidamente se analisa no acórdão nº 412/00, tirado em sessão plenária, a propósito dessa norma, e remetendo para jurisprudência anterior, ela, 'quando faz depender o decretamento da suspensão de eficácia do facto de o acto impugnado ser adequado a causar prejuízos de difícil reparação, não restringe o direito ao recurso contencioso'. E acrescenta-se no acórdão:
'Limita-se, antes, a regulamentar o exercício de um tal direito em termos que, já se viu, são razoáveis e proporcionados - e nessa medida necessários - à prossecução do interesse público visado com a prática do acto impugnado (cfr. artigo 266º da Constituição) e à 'necessária eficácia' da Administração (artigo
267º, nº 2 da Constituição), sem descurar os legítimos interesses do requerente, pois que o protege contra a risco de prejuízos de difícil reparação. E também não há inconstitucionalidade por violação da garantia de tutela jurisdicional efectiva mediante a adopção de medidas cautelares adequadas, consagrada a partir de 1997 no nº 4 do artigo 268º, seja porque os limites resultantes dos interesses constitucionalmente protegidos que já se referiram são visados à partida pela exigência constitucional de adequação daquelas medidas cautelares, ou seja porque se deduzem sistematicamente da protecção constitucional ao interesse público prosseguido pela Administração e à necessária eficácia desta.'(Acórdãos, 48º vol. Pág. 185). Para quê adiantar e transcrever outros arestos, aliás, identificados no Guia da Jurisprudência do Tribunal Constitucional? E não é a dimensão interpretativa ou o 'entendimento restritivo' a mudar a face da questão de (in)constitucionalidade que se pode colocar perante o nº 1, a), do artigo 76º, pois a conclusão a extrair sempre será a da não desconformidade dessa norma com a Lei Fundamental, seja qual for a sua aplicação no caso concreto, com esta ou aquela dimensão ou 'entendimento'. Com o que não há motivo para divergir do juízo de constitucionalidade perfilhado na DECISÃO. Em suma, o que nela ficou decidido não sai abalado da reclamação, improcedendo, por consequência, e em toda a sua extensão, os fundamentos em que assenta. F. Termos em que, DECIDINDO, indefere-se a reclamação e condenam-se as sociedades reclamantes nas custas, com a taxa de justiça fixada em 15 unidades de conta. Lisboa, 26 de Novembro de 2002 Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa