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Processo nº 573/02
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. - Nos presentes autos de recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A, sendo recorrida B, foi proferida, em 14 de Outubro último, nos termos do nº 1do artigo 78º-A daquele diploma legal, decisão sumária, do seguinte teor:
'1. - Nos presentes autos de recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são recorrente A e recorrida, B, o recorrente, inconformado com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Abril de 2002, interpôs ao abrigo da alínea b) do nº1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, o presente recurso para o Tribunal Constitucional, tendo por objecto diversas normas do Código de Processo Civil e do Código Civil, que indica no requerimento de interposição, por entender que a interpretação e aplicação que as instâncias e o STJ fizeram daqueles preceitos é inconstitucional.
É do seguinte teor o requerimento do recorrente:
'A, recorrente nos autos à margem devidamente identificado, em que é recorrida B, esgotados que foram os outros recursos, não se conformando com o douto Acórdão do STJ, de 04/04/2002, no que agora interessa, na parte que se pronuncia ou não se pronuncia sobre as conclusões 1,
2, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 27, 29, 38, 48, 52, 57, 60, 63, 64, 65, 66, 68, 69 e
70 das alegações de recurso e não se conformando com ele, por entender que a interpretação e aplicação que as instâncias e o STJ fizeram dos artigos 3°, 3°-A, 154°, n° 3, 158°, n° 1, 486°, n° 1, 516°, 646°, n.º 4, 653°, n° 2, 659°, n° 2, 664°,666°, n° 3, 668º, n° 1, al. b), do C PC, e dos artigos 342°, n° 1, 344°, 346°, 1779°, 1780° e 1786° do CC viola os artigos 1º, 20°, n.ºs 1 e 4, 37°, n.ºs. 1, 2 e 3, 204°, 205°, n° 1 e
208° da Constituição da República Portuguesa, isto é. que aqueles artigos do CPC e CC violam os referidos preceitos da CRP, tal como foram interpretados e aplicados pelas instâncias e pelo STJ, ao abrigo do disposto no artigo 70°, n° 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional para apreciação da constitucionalidade dos artigos atrás citados do CPC e CC. Pretende que seja apreciada a constitucionalidade de tais normas do CPC e CC, na interpretação e aplicação que as instâncias e o STJ delas fizeram. Os vícios invocados nas alegações nomeadamente falta de fundamentação e inconstitucionalidades mantêm-se no Acórdão do STJ, que não se pronuncia sobre as inconstitucionalidades senão em duas linhas conclusivas. Foram violadas as disposições dos art°s 1°, 2°, 20°, nos 1 e 4, 37°, n.ºs 1, 2 e
3, 204°, 205°, n° 1 e 208° da CRP e os princípios constitucionais da boa-fé, confiança legítima, certeza e segurança jurídica Foi suscitada a inconstitucionalidade nas partes II, III, IX e XVI das Alegações que se transcrevem:
(...) E nas conclusões n.ºs 1, 2, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 27, 29, 38, 48, 52, 57, 60,
63, 64, 65, 66, 68, 69, 70, que se transcrevem:
«XVII CONCLUSÕES
1. O Acórdão da Relação do Porto violou o disposto na 2ª parte do n° 2 do art°
722° do CPC e art° 344°, n° 2, do CC;
2. A autora ao não sujeitar-se a exames psiquiátricos, ao não permitir que os médicos juntassem aos autos as suas fichas clínicas fez inverter o ónus da prova, nos termos do art° 344° do CC;
5. Assim, tendo-se invertido o ónus da prova, nos termos do art° 344° do CC, devem ter resposta positiva os quesitos 52,53,62,63,65,81 e 127. O quesito 39 deveria ter resposta negativa;
6. O Acórdão da Relação do Porto carece de fundamentação pelo que é nulo; Como não vem fundamentado, o Acórdão viola o disposto nos art°s 208°, n° 1 (actual
205°- n.º 1), da CRP , 158°, 659°, n° 2, 666°, n° 3, 668°, n° 1, alínea b), do CPC, e por isso, é nulo. Melhor, os artigos atrás referidos do C.P.C., na interpretação e aplicação que as instâncias deles fizeram, violam o artigo 205°, n° 1, da CRP .
7. As instâncias interpretaram-nos como se não fosse necessário dizer quais as premissas das conclusões, quando o contrário se impunha.
8. O Acórdão viola o disposto no art° 2°, 20°, nos 1 e 4, 37°, n.ºs 1, 2 e 3,
204°, 205°, n° 1 (ex-208°, n° 1) e 208° da CRP;
9. São inconstitucionais os art°s 3°, 3°-A, 154°, n° 3, 158°, n° 1, 486°, n° 1,
653°, n° 2, e 668°, n° 1, alínea b ), do CPC na interpretação e aplicação que as instâncias, incluindo o Tribunal da Relação do Porto deles fizeram, por violação das disposições constitucionais referidas na conclusão anterior, sendo certo que a apreciação da inconstitucionalidade é de conhecimento oficioso, nos termos do artº 204° da CRP;
10. O Acórdão consagra soluções diferentes de todas aquelas que até agora têm sido adoptadas pela doutrina e jurisprudência.
11. Assim, viola os princípios constitucionais da boa fé, da confiança legítima, da certeza e segurança jurídica, consagrados no art° 2° da CRP , que, assim, foi violado.
27. O que o R. alegou fê-lo no exercício do direito de defesa e do princípio do contraditório, como resposta à P .i. da A. ou como defesa da filha e do R., contra os actos da A.;
29. O R. confiou nos despachos judiciais, nos documentos médicos, literatura médica e em que o Tribunal ordenasse e a A. se sujeitasse aos meios de prova requeridos pelo R. e previstos na lei;
38. A matéria alegada nos articulados não pode constituir fundamento de divórcio por violação culposa do dever de respeito;
48. A sentença e o Acórdão consagram uma interpretação insólita, imprevisível e até contraditória com despachos anteriores do mesmo juiz, afronta a lei, a jurisprudência, o senso comum, com a qual, razoavelmente, não se podia contar;
52. A alegação dos factos não constitui violação culposa do dever de respeito;
57. A acção deve ser julgada improcedente por não provada, não se decretando o divórcio, sob pena de serem violados ainda os artºs 1779°, 1780° e 1786° do Código Civil.
60. O Acórdão consagra uma interpretação insólita e imprevisível, ao arrepio da jurisprudência e do senso comum, com a qual razoavelmente se não podia contar;
62. Disposições violadas:
63. Do Código de Processo Civil: art°s 3°, 3°-A, 154°, n° 3, 158°, n° 1, 486°, n° 1,516°, 646°, n° 4, 653°, n° 2, 664° e 668°, n° 1, al. b );
64. Do Código Civil: art°s 342°, n° 1, 344°, 346°, 1779°, 1780° e 1786°;
65. Da Constituição da República Portuguesa: art°s 2°, 20°, n.ºs 1 e 4, 37°, n.ºs, 1,2 e 3, 205°, n° 1 (ex-208°, n° 1), 208°.
66. Foi ainda violado o art° 204° da CRP porque as instâncias aplicaram normas que infringem a Constituição ou os princípios nela consignados.
68. As instâncias interpretaram e aplicaram as ditas normas atrás referenciadas em todas estas conclusões, (que se consideram inconstitucionais na interpretação e aplicação que delas fizeram) no sentido de ser vedado ao recorrente ter feito as afirmações que fez e de entender que tais afirmações conduzem a que se decretasse o divórcio, quando deveriam tê-las interpretado no sentido de lhe ser permitido produzi-las sem quaisquer consequências.
69. As normas o violadas que terão sido fundamento da decisão deveriam ter sido interpretadas e aplicadas no sentido de dar como não provada nenhuma matéria alegada pela A. e dar-se como provada toda a matéria alegada pelo R., e concluindo-se, finalmente, pela absolvição do R., não se decretando o divórcio e condenando-se a A. como litigante de má-fé.
70. Sugere-se que seja fixada a seguinte jurisprudência: «As afirmações proferidas num articulado duma acção de divórcio ou de regulação do poder paternal não podem constituir fundamento de divórcio por violação culposa do dever de respeito» .'
2. - O recurso foi admitido pelo Conselheiro relator o que, no entanto, não vincula o Tribunal Constitucional: nº 3 do artigo 76º da Lei nº 28/82 citada.
3. - Entende-se, ao abrigo do nº 1 do artigo 78º-A do mesmo diploma, ser de proferir decisão sumária de não conhecimento do recurso, por inverificação dos respectivos pressupostos de que depende a admissibilidade deste tipo de recurso, designadamente por o recorrente não ter suscitado durante o processo, de forma adequada, a questão de constitucionalidade, sendo manifesto que o que pretende é sindicar a decisão recorrida.
4. - Na verdade, o recorrente não diz no requerimento de interposição qual a interpretação dada pelo Supremo Tribunal de Justiça às normas impugnadas que pretende ver apreciada, mas remete para as alegações e respectivas conclusões onde afirma ter suscitado tais questões. Porém, analisando as conclusões das alegações do recurso para o STJ, respeitantes à decisão recorrida, e independentemente de se apurar se os preceitos invocados foram aplicados pelo aresto recorrido, verifica-se, não só, que o recorrente imputa o vício de inconstitucionalidade à própria decisão, mas também que o que pretende é discutir o acerto da decisão quanto aos seus fundamentos, com vista a demonstrar, como refere nas conclusões n.ºs 68º e 69 que:
'68. As instâncias interpretaram e aplicaram as ditas normas atrás referenciadas em todas estas conclusões, (que se consideram inconstitucionais na interpretação e aplicação que delas fizeram) no sentido de ser vedado ao recorrente ter feito as afirmações que fez e de entender que tais afirmações conduzem a que se decretasse o divórcio, quando deveriam tê-las interpretado no sentido de lhe ser permitido produzi-las sem quaisquer consequências.
69. As normas violadas que terão sido fundamento da decisão deveriam ter sido interpretadas e aplicadas no sentido de dar como não provada nenhuma matéria alegada pela A. e dar-se como provada toda a matéria alegada pelo R., e concluindo-se, finalmente, pela absolvição do R., não se decretando o divórcio e condenando-se a A. como litigante de má-fé.'
Ou seja, o recorrente pretende impugnar a fundamentação da decisão recorrida, reabrindo a discussão sobre a matéria de facto, o que obviamente está fora do
âmbito do recurso de constitucionalidade.
5. - Em face do exposto e dada a inverificação do pressuposto de admissibilidade do tipo de recurso em causa, decide-se, nos termos do nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, não tomar conhecimento do objecto do recurso. Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 6 unidades de conta.'
2. - Notificado, vem agora o recorrente reclamar para a conferência, nos termos do nº 3 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82.
Em seu entender, o recurso deve ser admitido por se verificarem os respectivos pressupostos de admissibilidade, nomeadamente verificando-se suscitação adequada da questão de constitucionalidade, alegada que foi, no requerimento de interposição do recurso, a interpretação pelas instâncias das normas impugnadas, sendo certo que não se pretende sindicar a matéria de facto.
O recurso deve ser admitido, enfermando a decisão sumária de vício de violação por errada interpretação e aplicação dos artigos
75º-A, nº 5, e 78º-A, nº 1, da Lei nº 28/82, 'que foram interpretados no sentido do não conhecimento do recurso quando deveriam ter sido interpretados em sentido contrário'.
A recorrida, notificada, nada veio a dizer aos autos.
3. - Decidindo, há que concluir em termos substancialmente idênticos aos esquematizados na decisão sumária.
Na verdade, o recorrente, agora como reclamante, insiste na argumentação primeiramente aduzida que originou a decisão em reclamação, como relevantemente o demonstra a transcrição das conclusões 6, 7, 8, 9, 11 e 70 do requerimento de interposição de recurso, onde se acusa a decisão de omissão de leitura e análise:
'6.- O Acórdão da Relação do Porto carece de fundamentação pelo que é nulo; Como não vem fundamentado, o Acórdão viola o disposto nos artºs. 208º, nº 1 (actual nº 205º - nº 1), da CRP, 158º, 659º, nº 2, 666º, nº 3, 668º, nº 1, alínea b), do CPC, e por isso, é nulo. Melhor, os artigos atrás referidos do C.P.C., na interpretação e aplicação que as instâncias fizeram, violam o artigp 205º, nº 1, da CRP.
7.- As instâncias interpretaram-nos como se não fosse necessário dizer quais as premissas das conclusões, quando o contrário se impunha.
8.- O Acórdão viola o disposto no artº 2, 20º, nºs. 1 e 4, 37º, nºs. 1, 2 e 3,
204º, 205º, nº 1 (ex-208º, nº 1) e 208º da CRP;
9.- São inconstitucionais os artºs. 3º, 3º-A, 154º, nº 3, 158º, nº 1, 486º, nº
1, 653º, nº 2, e 668º, nº 1, alínea b), do CPC na interpretação e aplicação que as instâncias, incluindo o Tribunal da Relação do Porto deles fizeram, por violação das disposições constitucionais referidas na conclusão anterior, sendo certo que a apreciação da inconstitucionalidade é de conhecimento oficioso, nos termos do artº 204º da CRP;
11.- Assim, viola os princípios constitucionais da boa fé, da confiança legítima, da certeza e segurança jurídica, consagrados no artº 2º da CRP, que, assim, foi violado.
70.- Sugere-se que seja fixada a seguinte jurisprudência: «As afirmações proferidas num articulado duma acção de divórcio ou de regulamentação do poder paternal não podem constituir fundamento de divórcio por violação culposa do dever de respeito».'
Ou seja, a matéria de reclamação não tem a virtualidade de alterar o juízo anteriormente formulado quanto à inadmissibilidade do recurso.
4. - Em face do exposto, indefere-se a reclamação e confirma-se a decisão sumária proferida nos autos.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 15 unidades de conta. Lisboa, 20 de Novembro de 2002- Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida