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Proc. nº 785/02
3ª Secção Relator: Cons. Gil Galvão
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório.
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, foi proferida decisão (fls. 238 e 239) que não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional que A (ora reclamante) havia interposto da decisão daquele Tribunal de 30 de Setembro de 2002 (fls. 229 a 231). Escudou-se o Tribunal, para tanto, na seguinte fundamentação:
'Após a revista estar devidamente processada, o processo foi remetido para o Supremo Tribunal de Justiça. Em parecer inicial, o Sr. Procurador Geral da República, Adjunto, considerando que na decisão recorrida a equidade predomina sobre a legalidade, entende que de tal decisão não é admissível recurso para o Supremo, nos termos do n.º 2 do artigo 1411º do C. P. Civil. Sobre tal parecer ouviram-se as partes interessadas. O recorrente, em resposta, vem discordar totalmente desta interpretação. Entende que o dispositivo do n.º 2 do art. 1411º do CPC quando refere «critérios de conveniência e oportunidade», em que faz prevalecer a equidade sobre a legalidade, não se aplica ao caso concreto de um recurso sobre uma decisão de atribuição de casa de morada de família, nomeadamente com os fundamentos que constituem o recurso. Entende ainda que nunca o critério de legalidade poderá ser afastado qualquer que seja a decisão. Conclui que a sê-lo constitui violação do art. 26º da Constituição da República Portuguesa, configurando-se inconstitucionalidade por omissão. Requer que o recurso seja admitido. Em despacho fundamentado, mas com base nas regras de interposição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o interposto recurso não foi admitido. O recorrente veio, então, interpor recurso para o Tribunal Constitucional do despacho que não admitiu o recurso, atento o não provimento da pretensa violação do art. 26º da Constituição. Decidindo:
É manifesto que o recorrente não percebeu bem o teor do despacho que não admitiu a revista. Esse despacho não deu provimento à pretensa violação do art. 26º da CRP nem tinha de dar, pois não se conheceu nele da não admissibilidade do recurso de revista por virtude da equidade predominar sobre a legalidade, nos termos do n.º
2 do art. 1411º do C. P. Civil. A não admissibilidade do recurso de revista teve por fundamento as regras processuais a seguir nos recursos cíveis para o Supremo Tribunal de Justiça e nada mais. A questão da violação do art. 26º da CRP ficou a jusante da fundamentação do despacho em crise, pelo que não chegou a ser apreciada, por ser manifestamente inútil.
É, pois, evidente que o recurso agora em apreço para o Tribunal Constitucional é manifestamente inviável. Pelo exposto, nos termos do nº 1 do art. 76º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, não recebo o recurso em apreço'.
2. Inconformado com esta decisão que não lhe admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional, apresentou o recorrente a presente reclamação, que tem o seguinte teor:
'A, recorrente nos autos à margem referenciados, não se conformando com o despacho de fls. 238 a 239, que indeferiu o requerimento de interposição do recurso, vem nos termos e para os efeitos do n.º 4 do art. 76º da Lei n.º 28/82 reclamar para o Tribunal Constitucional porquanto, a questão por si levantada da violação do art. 26º da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente pelo afastamento do critério da legalidade pelo da equidade com base no art. 1411º do CPC constitui fundamento de recurso para o Tribunal Constitucional nos termos da alínea b) do art. 70º da Lei n.º 28/82 a que acresce a inconstitucionalidade por omissão por falta de medidas que dêem cumprimento à norma constitucional do citado art. 26º da Constituição'.
3. Já neste Tribunal foram os autos com vista ao Ministério Público, que se pronunciou no sentido manifesta improcedência da reclamação, posição que fundamentou nos seguintes termos:
'A presente reclamação é manifestamente infundada, desde logo, porque a decisão recorrida não aplicou a «norma» a que vinha reportado o recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade interposto através do deficiente requerimento de fls. 240: na verdade, a ratio decidendi de tal despacho – que, aliás, o reclamante nem sequer curou de impugnar, no âmbito do STJ, mediante reclamação para a conferência – em nada se relaciona com a norma constante do art. 1411º do CPC, assentando exclusivamente na interpretação e aplicação das regras procedimentais que regem sobre o objecto e extensibilidade dos recursos de revista e de agravo em 2ª instância'.
Dispensados os vistos, cumpre decidir. II. Fundamentação.
4. É por demais evidente, como vai ver-se, a improcedência da presente reclamação.
4.1. O recurso previsto na al. b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional pressupõe, designadamente, que a decisão recorrida tenha aplicado no julgamento do caso, como ratio decidendi, a norma cuja inconstitucionalidade o recorrente pretende ver apreciada. Ora, no caso dos autos, é manifesto - como, bem, se demonstra no despacho reclamado, que supra já transcrevemos integralmente - que a decisão recorrida não aplicou, como ratio decidendi, o preceito cuja constitucionalidade o recorrente pretenderia, presumivelmente, ver apreciada - o artigo 1411º do Código de Processo Civil. Como resulta evidente dos seus próprios termos, a decisão recorrida - o despacho do Ex.mo Conselheiro Relator do processo no Supremo Tribunal de Justiça, de 30 de Setembro de 2002 (fls. 229 a 231) - manifestamente não fundamentou a inadmissibilidade da revista no artigo 1411º do Código de Processo Civil, mas sim em outros preceitos daquele diploma, que expressamente cita, relativos às regras processuais que regem a admissibilidade dos recursos de revista e de agravo em 2ª instância. Tanto basta, pois, para que se conclua pela impossibilidade de conhecer do objecto do recurso que o recorrente pretendeu interpor e, em consequência, para que se indefira a presente reclamação.
4.2. Acresce, porém, que uma outra razão sempre conduziria à não admissão do recurso que o recorrente pretendeu interpor.
É que, não tendo o reclamante requerido a intervenção da conferência para reapreciação do despacho proferido pelo relator em 30 de Setembro de 2002, este despacho não constituiu uma decisão definitiva do tribunal recorrido, pelo que não era dele admissível recurso para o Tribunal Constitucional, uma vez que não estavam esgotados os meios impugnatórios possíveis na ordem jurisdicional de que o recurso provêm (cfr. artigo 70º, n.ºs 2 e 3 da LTC). Assim, também por esta razão, a presente reclamação tem de ser indeferida. III. Decisão. Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta. Lisboa, 6 de Fevereiro de 2003 Gil Galvão Bravo Serra Luís Nunes de Almeida