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Proc. nº 237/2002
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam em Conferência na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
1. A e outros, recorrentes nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26 de Abril de 2001, que havia ordenado a reforma da conta de custas então impugnada (no sentido da sua redução) bem como a baixa dos autos à 1ª instância para a realização de diligências probatórias e posterior decisão sobre o benefício de apoio judiciário requerido. O recurso foi julgado deserto, tendo os recorrentes interposto recurso do acórdão do Tribunal da Relação do Porto para o Tribunal Constitucional, para apreciação da norma do artigo 13º do Código das Custas Judiciais, na parte em que prevê (em conjugação com a tabela anexa) a taxa de justiça aplicável a processos cíveis com o valor de 2.550.000.000$00, e da norma ínsita nos artigos
669º, 670º, 741º, 742º, 743º, 759º e 760º do Código de Processo Civil, interpretada no sentido de um pedido de esclarecimentos não ter a virtualidade de suspender o prazo de alegações. A Relatora proferiu despacho nos seguintes termos:
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, em que figuram como recorrentes A e outros e como recorrido o Ministério Público, é submetida à apreciação do Tribunal Constitucional 'a norma que se extrai da Tabela Anexa ao artigo 13º do Código das Custas Judiciais', e 'a norma que se extrai do dispositivo conjugado dos artigos 669º, 670º, 741º, 742º, 743º, 759º e
760º, todos do Código de Processo Civil, na interpretação (...) segundo a qual um pedido de esclarecimento legalmente devido não tem a virtualidade de suspender o prazo para apresentação de alegações'. Quanto a esta última questão, os recorrentes tiveram oportunidade de suscitar a inconstitucionalidade da norma que pretendem impugnar na resposta à questão prévia suscitada pelo Ministério Público, isto é, antes da prolação da decisão recorrida, pois então foram confrontados com a aplicação da dimensão normativa considerada inconstitucional. Não tendo suscitado tal questão na resposta de 4 de Janeiro de 2002 (fls. 153 e ss.), verifica-se que não foi suscitada a questão de constitucionalidade durante o processo (a suscitação da questão no requerimento de arguição de nulidade seria intempestiva; de resto, no requerimento de fls. 162 e ss. não é suscitada qualquer questão de constitucionalidade normativa). Sendo o presente recurso interposto ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, não se verifica o respectivo pressuposto processual, pelo que o Tribunal Constitucional não tomará conhecimento do seu objecto.
2. Notifiquem-se os recorrentes para produzirem alegações quanto à questão relativa ao artigo 13º do Código das Custas Judiciais, suscitando-se a referida questão prévia, à qual os recorrentes poderão responder, nos termos do artigo
3º, nº 3, do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 69º da Lei do Tribunal Constitucional.
Os recorrentes apresentaram alegações que concluíram do seguinte modo:
1) As tabelas para cálculo da taxa de justiça não são directamente aplicáveis, apenas podendo servir de critério geral de orientação, devendo ser-lhes introduzidas as necessárias correcções impostas pelas regras da hermenêutica jurídica, em vista das características do caso concreto.
2) Uma Taxa só é Taxa enquanto implique o sinalagma; uma Taxa cujo montante aumenta directamente e sem limites na proporção do valor da acção, como é a prevista na Tabela Anexa ao artigo 13° do Código das Custas Judiciais, não é Taxa, é um Imposto, nos termos da Lei Geral Tributária; na realidade, as custas sub iudicio, dado o seu montante e a sua natureza de aumentarem directamente e sem limites na proporção do valor da acção, não se destinam a remunerar nenhum
'serviço público especifico'.
3) A norma que se extrai da Tabela Anexa ao artigo 13° do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo DL nº 224-A/96, de 26 de Novembro, na parte em que prevê a taxa de justiça aplicável a processos cíveis com o valor de
2.550.000.000$00, é organicamente inconstitucional por violação da reserva legislativa da Assembleia da República [al i) do art. 167° da Constituição, revisão de 89; agora, al i) do art.165° da Constituição, revisão de 97], conforme virá declarado, com as legais consequências. SEM PRESCINDIR,
4) Mesmo quando se entenda que os aqui recorrentes deveriam pagar ao Estado cerca de 65 000 euros em contrapartida do 'serviço público especifico' lhes veio prestado na Relação do Porto e no Supremo Tribunal de Justiça nos acórdãos que não admitiram o recurso de agravo, e que estamos, por isso, afinal perante uma Taxa, o que, sem conceder, se admite por mero dever de patrocínio; Então,
5) Esse montante é desproporcionado em relação aos 'serviços fornecidos', sobretudo quando os recorrentes eram réus e tinham que se defender (não é réu quem quer); sobretudo quando a Casa do Douro, co-ré única responsável, pagou zero escudos de custas; sobretudo quando o Banco autor pagou zero escudos de custas tendo perdido um recurso; e sobretudo quando se curou, na Relação e no Supremo, de... não lhes aceitar um recurso interimário numa causa em que são vencedores.
6) A norma que se extrai da Tabela Anexa ao artigo 13° do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo DL nº 224-A/96, de 26 de Novembro, na parte em que prevê a taxa de justiça aplicável a processos cíveis com o valor de
2.550.000.000$00, é materialmente inconstitucional por violação do princípio constitucional da proporcionalidade no âmbito do acesso à justiça (arts. 18°, nº
2 e 20° da Constituição), conforme virá declarado, com as legais consequências.
Por seu turno, o Ministério Público contra-alegou, concluindo o seguinte:
1° - Carece de utilidade processual a dirimição de uma questão de constitucionalidade – reportada à 'proporcionalidade' da exigência aos réus de determinado montante, a título de custas, num caso em que o acórdão recorrido determinou precisamente, quer a reforma parcial da conta de custas, objecto de reclamação, quer a reponderação do âmbito do beneficio de apoio judiciário parcialmente outorgado aos réus –implicando tal decisão inelutavelmente a reformulação do montante da taxa de justiça devida e a eventual reponderação da exigibilidade das quantias liquidadas.
2° - Termos em que – atento o carácter instrumental da fiscalização da constitucionalidade – não deverá conhecer-se do presente recurso.
Em resposta à questão prévia suscitada pelo Ministério Público, os recorrentes afirmaram o seguinte:
1) Um cão será sempre um cão, um gato será sempre um gato, uma taxa poderá ser uma taxa, ou não.
2) Uma taxa só é taxa enquanto implique o sinalagma; uma taxa cujo montante aumenta directamente e sem limites na proporção do valor da acção, como é a prevista na Tabela Anexa ao artigo 13° do Código das Custas Judiciais, não é taxa, é um imposto, nos termos da Lei Geral Tributária; as custas sub iuditio, dado o seu montante e a sua natureza de aumentarem directamente e sem limites na proporção do valor da acção, não se destinam a remunerar nenhum 'serviço público específico' de administração da justiça.
3) Carece, por isso, de razão o Ministério Público – sendo «manifesto e incontroverso» que se encontra isolado nas certezas absolutas sobre a «taxa de justiça» (cf. resulta, aliás, da abundante jurisprudência e doutrina que cito nas minhas alegações) – devendo improceder a questão prévia que suscitou. Cumpre apreciar e decidir.
II Fundamentação
2. Os recorrentes, no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, indicaram as normas dos artigos 669º, 670º, 741º, 742º,
743º, 759º e 760º do Código de Processo Civil. Nas alegações apresentadas não responderam, porém, à questão prévia suscitada no despacho de fls. 184, transcrito supra. Nessa medida e por mais nenhuma consideração se justificar, não se tomará conhecimento de tal questão de constitucionalidade, pelas razões constantes do referido despacho.
3. Os recorrentes insurgem-se, ainda, nos presentes autos, contra o critério normativo de determinação do valor da taxa de justiça devida na acção em causa. Ora, a apreciação da questão de constitucionalidade que constitui o objecto dos presentes autos pressupõe que a decisão quanto ao montante devido a título de taxa de justiça seja definitiva, isto é, que a decisão seja definitiva quanto ao critério a aplicar. Com efeito, caso assim não aconteça, o juízo que o Tribunal Constitucional vier a formular será inútil, uma vez que a decisão recorrida ainda irá ser alterada pelas instâncias. Nos presentes autos, a decisão recorrida determinou, como se referiu, a reforma da conta de custas no sentido da redução do valor devido pelos ora recorrentes. Por outro lado, foi também determinada a realização de diligências probatórias necessárias para a reponderação do decidido em sede de apoio judiciário. Verifica-se, assim, que o critério de determinação do valor das custas contra o qual os recorrentes se insurgem não corresponde àquele que necessariamente, em cumprimento do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, virá a ser aplicado. Acresce que ainda não existe decisão definitiva relativa ao apoio judiciário. A decisão impugnada, tendo de ser necessariamente alterada, não é portanto ainda definitiva. Desse modo, a apreciação da questão de constitucionalidade suscitada
é inútil, uma vez que a realidade processual subjacente irá ser alterada. O que se deixa exposto é suficiente para se concluir pelo não conhecimento do objecto do presente recurso.
III Decisão
4. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do objecto do presente recurso de constitucionalidade.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 15 UCs. Lisboa, 20 de Novembro de 2002- Maria Fernanda Palma Paulo Mota Pinto Bravo Serra Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa