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Proc. nº 618/02 TC – 1ª Secção Relator: Consº. Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1 – Nos autos supra identificados em que é recorrente C, foi proferida a seguinte decisão sumária:
'No presente recurso, interposto ao abrigo do artigo 70º nº 1 alínea b) da LTC por C, identificado nos autos, do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que não admitiu o recurso por aquele interposto com fundamento no que estabelece o artigo 310º nº 1 do Código de Processo Penal, decide-se, de acordo com jurisprudência pacífica deste Tribunal no sentido de que a norma
ínsita naquele preceito legal não enferma de inconstitucionalidade material
(cfr. Acórdãos nºs 299/98, 300/98, inéditos e 30/2001 in Diário da República, II Série, de 23/3/2001), negar provimento ao recurso.'.
Alegando que conhecia já a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a constitucionalidade do artigo 310º nº 1 do CPP, mas que dispunha de argumentação inovadora sobre a matéria que justificaria uma reponderação da questão, o recorrente veio reclamar para a conferência da referida decisão sumária.
Na sua reclamação apela para o que já expendera no tribunal 'a quo' quando confrontado com a posição assumida pelo Ministério Público no sentido da inadmissibilidade do recurso (recurso da decisão instrutória para a relação). E transcreve um excerto da peça então apresentada nos seguintes termos:
'Porém, a decisão instrutória, tal como o legislador a congeminou – diz-se bem: 'congeminou' – não deixa de constituir o culminar de uma fase processual constitucionalmente adscrita e a qual o legislador 'congeminou' como podendo ser uma fase terminal. O processo, ocioso será acrecentá-lo, bem pode terminar por força da decisão instrutória. E é nosto que reside o nó górdio deste pensamento que se crê inovador: a referida fase processual, tal como
'congeminada' pode pôr fim, ou não, ao processso. Porém, nos casos em que se verifique esta última hipótese, ou seja, naqueles nos quais, mesmo por força de uma absurda 'dupla conforme', estaria vedado o recurso de matéria de facto, isso
é algo de constitucionalmente intolerável. Porque, o vedar-se o recurso, em toda a sua amplitude, numa tal circunstância, relativamente a qualquer decisão final proferida nessa fase – e atente-se, para que dúvidas não sejam cabidas, que o respondente não está a referir-se à tonteria corporizada no artigo 291º nº 1 do CPP – é dizer que, relativamente a um direito fundamental, o de obter uma decisão da banda de um Juiz (artº 32º nº 4 da Constituição) o processo penal não assegura o direito ao recurso, ao arrepio do disposto na segunda parte do nº 1 do artigo 32º do diploma fundamental, na redacção da Lei Constitucional nº 1/97. Ou seja; o disposto no nº 1 do artº 310º do CPP é, pelo menos, desde o momento em que entrou em vigor a nova redacção do nº 1 do artigo 32º nº 1 da Constituição da República, materialmente inconstitucional.
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Quer dizer, ao fazer apelo à consideração das disposições conjugadas dos artigos 32º nº 4 e 32º nº 1 – atentem Vas Exas, por favor, na circunstância de que já aí se fazia apelo, em primeiro lugar e como fulcro da nova perspectivação, ao disposto no nº 4 do artº 32º e só após ao nº 1 do mesmo normativo, ambos da Constituição da República – estava a querer significar-se que esta se baseava na consideração da funcionalidade constitucional da instrução'.
O Ministério Público entende que a reclamação é 'manifestamente improcedente'.
Cumpre decidir.
2 – A decisão sumária reclamada é de manter.
Com efeito – e é esta a justificação do tipo de decisão adoptado pelo relator – a jurisprudência do Tribunal Constitucional é pacífica no que concerne à constitucionalidade da norma do artigo 310º º 1 do CPP.
E não seria a circunstância de um recorrente invocar um novo preceito ou princípio constitucional supostamente violado, por si só, bastante para considerar plausivelmente abalada aquela jurisprudência em termos de deixar de ser lícita a opção pela 'decisão sumária'.
A verdade é que se não reconheceu – nem reconhece – na invocação do disposto no artigo 32º nº 4 da Constituição razão suficiente para uma reponderação da questão.
Poderia argumentar-se com a prematuridade desse juízo num momento em que se dispõe apenas do requerimento de interposição do recurso.
No caso, porém, tal argumento não colhia.
É que naquele requerimento o reclamante deixara já expresso o seu entendimento, por remissão para a(s) resposta(s) que oportunamente apresentara
às contra-alegações e parecer do Ministério Público no recurso para a Relação de Lisboa, onde vinha suscitada a questão da inadmissibilidade do recurso por irrecorribilidade da decisão instrutória, sendo ainda certo que, conforme o juízo feito no tribunal recorrido, não ocorria divergência entre a acusação e o despacho que a recebera.
E, como se deixou transcrito, a posição assumida pelo ora reclamante não abandonava a tese da violação do artigo 32º nº 1 da Constituição, mas pela via da infracção ao disposto no artigo 32º nº 4.
Ora, não se vê que a irrecorribilidade da decisão instrutória, quando o processo deva prosseguir – como foi o caso – e discutindo-se apenas – como na situação que deu lugar ao presente recurso – o que o juiz de instrução deu como suficientemente indiciado para receber a acusação, ponha em causa o disposto no artigo 32º nº 4 e, por via deste, o artigo 32º nº 1, ambos da CRP.
Com efeito, o que o artigo 32º nº 4 da CRP garante é que a instrução
(quando tem lugar) seja dirigida por um juiz, podendo aceitar-se que esta direcção constitua uma garantia de defesa do arguido.
Mas daí não se segue que, tendo havido instrução dirigida por um juiz (não está em causa esta garantia), o artigo 32º nº 1, ao consagrar que o processo criminal assegure todas as garantias de defesa incluindo o recurso, imponha o recurso de todo e qualquer tipo de decisão instrutória, designadamente a que pronuncia o arguido pelos mesmos factos constantes da acusação (o arguido não ficou privado do direito a uma decisão judicial), cobrando aqui inteira legitimidade a jurisprudência que o Tribunal Constitucional tem proferido sobre a constitucionalidade do artigo 310º nº 1 do CPP.
3 – Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 Ucs.
Lisboa, 12 de Novembro de 2002- Artur Maurício Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa