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Processo nº 563/01
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1.A recorrida A. , veio, 'ao abrigo dos art. 69º da Lei nº 28/82 (LTC) e 668º nº
1 alínea d) Código de Processo Civil, deduzir' uma 'RECLAMAÇÃO por NULIDADE
(«OMISSÃO DE PRONÚNCIA»)', dizendo, no essencial, que no acórdão falta 'a análise de outros 2 juízos de (in)constitucionalidade' e que são:
'1ª ) - de saber se, ainda que caracterizado este tributo como ‘taxa’, tal taxa
(mesmo que dentro dos limites de uma proporcionalidade muito ampla: que a relacione com a ‘utilidade’ recebida pela prestação pública em concreto e por isso seja entendida não invadir o espaço de tributação próprio do imposto) não colidirá, por si, enquanto ‘taxa’, em certas situações concretas, como a presente, com o princípio material da proporcionalidade (resultante de a prestação, aqui, não muito distinta de uma mera publicitação em jornal, traduzindo-se em operação de mera cópia efectuada por mero funcionário Ajudante na Conservatória, em escassos minutos, impor como contrapartida 15 mil contos de receita ! ! . . . )
2ª ) - de saber se um tal ‘tributo’ [mesmo, pois, desligado da correspectividade económica com o (os custos do) serviço prestado], enquadrado como ‘taxa’, assim, com uma margem tal livre de imposição de conteúdos genéricos, pode, então, ser ditado por uma mera Portaria, de um só Ministro: ou se, na entidade Estado, uma tal ‘taxa’, deste tipo mais livre e incondicionado, só pode ser consagrada por fonte mais solene, por Decreto-Lei ou Decreto Regulamentar ( o ministro, sozinho, não tem o grau de autonomia regulamentar’ de que gozam, por exemplo, as autarquias...)' Depois de a sociedade reclamante pretender demonstrar que 'deveriam tais duas outras vertentes (questões) de (in)constitucionalidade ter sido também apreciadas: não deixando de fora o confronto da ‘norma’ em crise com outras normas constitucionais, nestes dois outros vectores apresentados', conclui deste modo:
'Não bastava a única ou inicial questão de saber se o emolumento é um ‘imposto’ ou uma ‘taxa’ - para efeitos de saber se submetido ou não à ‘credencial parlamentar’, ao regime específico dos impostos.
É preciso também julgar a questão de saber se, mesmo como taxa, é ‘taxa’ livre e isenta de critérios de proporcionalidade, ou se antes é, no caso (muito diferente nos seus pressupostos do da intervenção notarial e nos montantes respectivos ), uma tributação materialmente desproporcionada, ainda que ‘taxa’ e não imposto. E julgar também quanto à questão de saber se pode, assim (livremente desligada de limites materiais) ser editada por mera portaria de um só ministro, como imposição coactiva genérica de serviços obrigatórios e (por ora) em monopólio, ou se (nos termos dos art. 122° nºs 6 e 7 da CRP) o deverá ser por norma de fonte superior: envolvendo, ainda que não o Parlamento, sim o Primeiro-Ministro e o Presidente da República. Tal como foi suscitado na alegação, contra a hipótese da constitucionalidade da norma em crise, propugnada no recurso; e tal como se suscitou em fundamentos da inicial impugnação do acto'.
2. Respondeu à reclamação o Ministério Público recorrente, sustentando o seguinte:
'1º
É manifesta a inverificação da pretensa nulidade por omissão de pronúncia, já que o acórdão reclamado dá resposta clara e integral a todas as questões jurídico-constitucionais que integram o objecto do recurso interposto.
2º Em primeiro lugar, é obviamente irrelevante, para a dirimição da questão suscitada, o facto de a receita em causa ter o seu suporte em norma constante de portaria ou de decreto-lei, não credenciado pelo Parlamento.
3º Na verdade, assente que estamos perante uma ‘taxa’, em termos jurídico-constitucionais, como inquestionavelmente decorre da jurisprudência firmada pelo Plenário do Tribunal Constitucional, não se entende sequer qual é a
‘omissão’ pretensamente verificada, já que nada obsta, como é evidente, a que as
‘taxas’ sejam objecto de tratamento e regulação em diplomas de índole regulamentar.
4º E não sendo, aliás, tal questão sequer suscitada pelo reclamante na sua contra-alegação (cf. conclusões 16º e 17º, pgs. 116/117), pelo que não é obviamente possível ‘criar’, em sede de arguição de pretensas nulidades, questões ‘novas’, que a parte não curou de colocar, no momento próprio, à apreciação do Tribunal.
5º Relativamente à questão da pretensa ‘desproporcionalidade’, é evidente que ela encontra resposta e tratamento adequado na jurisprudência deste Tribunal, citada no acórdão questionado – não podendo obviamente confundir-se a omissão de pronúncia com a possibilidade de a parte naturalmente não ter sido convencida pela argumentação ali expendida pelo Tribunal.
6º Aliás, é manifesto que o verdadeiro objectivo do reclamante, como resulta da pretensão deduzida a fls. 170, não é a ‘anulação’ do acórdão viciado pela invocada nulidade, mas a - pura e simples – inversão da decisão de mérito proferida, o que obviamente transcende a finalidade processual do pedido de arguição de nulidades'.
3. Sem vistos, cumpre decidir.
É bom de ver que o acórdão reclamado assentou no julgamento contido no acórdão nº 115/2002 e evidentemente remeteu para os fundamentos desse aresto, deles se apropriando. Ora, nesse acórdão ficou claramente caracterizado como taxa um emolumento do tipo do que está consagrado na Portaria questionada e para se chegar a tal caracterização o Tribunal debruçou-se sobre a temática da 'desproporção entre a quantia a pagar e o valor do serviço prestado, sendo o 'crivo da proporcionalidade' um parâmetro a que largamente se ateve o acórdão nº 113/2002. Há, pois, apenas que remeter para a leitura desse acórdão. Por consequência, e para encurtar razões, não há no acórdão reclamado nenhuma omissão quanto à 'questão de saber se, mesmo como taxa, é ‘taxa’ livre e isenta de critérios de proporcionalidade, ou se antes é, no caso (muito diferente nos seus pressupostos do da intervenção notarial e nos montantes respectivos ), uma tributação materialmente desproporcionada, ainda que ‘taxa’ e não imposto'. Ela foi tratada, por remissão para o acórdão nº 115/2002, podendo concluir-se, como conclui o Ministério Público recorrente, que' é evidente que ela encontra resposta e tratamento adequado na jurisprudência deste Tribunal, citada no acórdão questionado'. Com o que, e neste ponto, por inexistir omissão de pronúncia, não merece atendimento a reclamação.
4. Melhor sorte não alcança a outra parte da reclamação, quanto à omissão de pronúncia sobre uma pretensa questão da fonte de criação da taxa em causa: 'ser editada por mera portaria de um só ministro, como imposição coactiva genérica de serviços obrigatórios e (por ora) em monopólio, ou se (nos termos dos art. 122° nos 6 e 7 da CRP) o deverá ser por norma de fonte superior: envolvendo, ainda que não o Parlamento, sim o Primeiro-Ministro e o Presidente da República'.
É que no acórdão nº 115/2002, ao concluir-se pela caracterização do emolumento como taxa, afastou-se a exigência da prévia credencial parlamentar e implicitamente afastou-se a exigência da intervenção do poder legislativo na sua directa criação, por não estar em jogo nesse domínio o específico princípio da legalidade fiscal, em nenhuma das suas dimensões. Assim sendo, e porque ao Governo, considerado singularmente (ministros) ou colegialmente (Conselho de Ministros), cabe o poder regulamentar, à luz da competência administrativa definida no artigo 199º, da Constituição, é irrelevante que o emolumento em causa tenha tido a sua fonte numa Portaria, como foi o caso. Não havendo obstáculo a que as taxas sejam criadas e reguladas em actos normativos de cariz regulamentar, não se impõe uma fonte normativa de grau superior (e também a sociedade reclamante não demonstra a razão de ser de tal fonte). Nem, aliás, a sociedade reclamante havia verdadeiramente discutido tal questão nas suas contra-alegações, pois o ponto de vista aí defendido era o de que
'seria necessária a sua previsão e consagração através da forma (e procedimento) de acto legislativo (...) uma vez que tal matéria é matéria de competência relativa da Assembleia da República – artigo 165º, nº 1 alínea i) e artigo 103º nº 2 da C.R.P.', mas a isso foi dada resposta no acórdão reclamado. Tal como respondeu o Ministério Público recorrente 'não é obviamente possível
'criar', em sede de arguição de pretensas nulidades, questões 'novas', que a parte não curou de colocar, no momento próprio, à apreciação do Tribunal'. Com o que, e também neste ponto, por inexistir omissão de pronúncia, não merece atendimento a reclamação.
5. Termos em que, DECIDINDO, indefere-se a reclamação e condena-se a sociedade reclamante nas custas, com a taxa de justiça fixada em dez unidades de conta. Lisboa, 9 de Outubro de 2002- Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma Paulo Mota Pinto Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa