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Processo n.º 877/12
3.ª Secção
Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, veio A. interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante, LTC).
2. A recorrente enunciou o objeto do recurso, nos termos seguintes:
“i. Artigo 14.º, n.º1, alínea a) da Lei da Liberdade Religiosa quando aplicada com a interpretação de que a possibilidade de dispensa de trabalho por motivos religiosos apenas se verifica quanto aos trabalhadores em regime de horário flexível (…)
ii. Artigo 14.º, n.º 1, alínea a) da Lei da Liberdade Religiosa quando aplicada com a interpretação de que a escolha de profissão exercida pela Recorrente implica a aceitação e cumprimento de todos os deveres inerentes a esse ofício, fazendo equivaler ao significado de deveres a impossibilidade de exercício de direitos, liberdades e garantias, sem que se verifiquem os seus pressupostos de restrição (…)
iii. Artigos 109.º, 116.º a 118.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, quando aplicados com a interpretação de que não determinam a obrigatoriedade da notificação das oposições apresentadas nos autos pelo CSMP (…)
iv. Artigo 12.º, n.º 3 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Ficais quando aplicado com a interpretação de que o Tribunal do Pleno, quando funciona como Tribunal de 2.ª instância não pode conhecer de matéria de facto (…)”
3. No Tribunal Constitucional, foi proferida Decisão sumária de não conhecimento do recurso.
Na fundamentação de tal decisão, refere-se o seguinte:
“3. No requerimento de interposição de recurso, a recorrente não esclarece, de forma inequívoca, qual a decisão recorrida relativamente a cada uma das questões de constitucionalidade enunciadas.
Na verdade, não obstante demonstrar conhecer a subordinação do recurso de constitucionalidade, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, ao princípio da exaustão das instâncias - referindo expressamente que este recurso apenas pode ser interposto de decisões que não admitam recurso ordinário - não identifica a concreta decisão que, em relação a cada uma das questões colocadas, lhe parece corresponder à última palavra dentro da ordem jurisdicional respetiva. Ao invés, da sua exposição resulta que pretende recorrer das várias decisões do Supremo Tribunal Administrativo, que, alegadamente, aplicaram “normas legais com interpretação materialmente inconstitucional”, a saber, “as decisões proferidas em 14.12.2011, 20.01.2012, 23.02.2012, 05.06.2012 e 18.10.2012”.
Nestes termos, a apreciação de cada uma das questões enunciadas será perspetivada em função das várias decisões referenciadas, a esse propósito, pela recorrente.
4. O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos cumulativos da admissibilidade do recurso, da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a existência de um objeto normativo – norma ou interpretação normativa - como alvo de apreciação; o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); a aplicação da norma ou interpretação normativa, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida; a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o tribunal a quo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa; artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
Vejamos, então, se os aludidos requisitos se encontram preenchidos in casu.
5. No tocante à primeira questão colocada, resulta do requerimento de interposição de recurso que as decisões que, na perspetiva da recorrente, aplicaram critério normativo inconstitucional, extraído do artigo 14.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 16/2001, de 22 de junho (Lei da Liberdade Religiosa), correspondem aos acórdãos proferidos em 14 de dezembro de 2011 e 5 de junho de 2012.
Ora, o primeiro acórdão referido, manifestamente, não convoca a interpretação normativa enunciada.
De facto, tal aresto limita-se a convolar o processo numa providência cautelar antecipatória, concluindo que não se verificam os requisitos do seu deferimento.
Para fundamentar tal conclusão, o tribunal a quo refere que o deferimento estaria dependente da demonstração, nomeadamente, da circunstância de ser “evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal”. Porém, no caso, “a simples enunciação do problema – saber se a Requerente, em razão dos mandamentos religiosos que professa, tem direito à não prestação de serviço nos dias de sábado e saber se a recusa do reconhecimento desse direito ofende o conteúdo fundamental do seu direito à liberdade religiosa – evidencia a sua complexidade e a consequente impossibilidade do mesmo poder ser resolvido num processo urgente (…). Dito de forma mais impressiva, não é possível sem uma ponderação mais cuidada do que a exigida num processo caracterizado pela celeridade do seu processamento afirmar que o direito que a Requerente reclama é manifesto e que, por isso, é evidente a procedência da pretensão que ela irá formular da mesma forma que não é possível afirmar que a mesma não tem qualquer fundamento”.
O acórdão em análise, em nenhum momento, procede a uma análise mais aprofundada da pretensão principal da recorrente - nomeadamente esclarecendo qual a sua interpretação do artigo 14.º, n.º 1, alínea a), da Lei da Liberdade Religiosa – por considerar, em conformidade com o já exposto, que tal análise implica uma ponderação mais cuidada, incompatível com a celeridade da presente providência cautelar.
Nestes termos, não sendo o critério normativo, enunciado pela recorrente a título de primeira questão, aplicado no acórdão recorrido, datado de 14 de dezembro de 2011, fica prejudicada a admissibilidade do recurso, nesta parte.
Sempre se dirá que, ainda que tal critério tivesse sido aplicado, dificilmente o acórdão referido corresponderia à última decisão relativa a tal matéria, no âmbito do presente processo cautelar, uma vez que a recorrente do mesmo interpôs recurso para o Pleno da Secção.
Relativamente ao acórdão proferido pelo Pleno em 5 de junho de 2012, igualmente se verifica a falta de coincidência entre a respetiva ratio decidendi e o critério normativo enunciado como primeira questão, no requerimento de interposição de recurso.
Na verdade, o acórdão recorrido não fundamenta a solução de confirmação do acórdão de 14 de dezembro de 2011 no sentido interpretativo questionado pela recorrente, nem adere sequer a tal interpretação. Apenas refere que o artigo 14.º da Lei n.º 16/2001, de 22 de junho “não prevê expressa e literalmente a situação da autora (Magistrados do Ministério Público), pois a mesma não se encontra num regime de “trabalho em regime de flexibilidade de horário”, para daí concluir que “perante os termos da Lei, que efetivamente numa interpretação literal prevê apenas os trabalhadores em regime de flexibilidade de horário, não pode dizer-se, desde já e sem uma análise jurídica complexa, que (…) a pretensão da autora é manifestamente procedente”.
Correspondendo a interpretação da lei a uma tarefa complexa, que convoca vários elementos – que não apenas o literal – é manifesto que, quando o acórdão se refere à ausência de previsão legal “expressa” e “literal” da situação da autora, se abstém de assumir posição sobre o correto sentido interpretativo da norma em causa, pretendendo apenas deixar claro que o acórdão de 14 de dezembro de 2011 “decidiu bem quando entendeu não ser possível, desde já e com toda a segurança, que a «procedência da sua pretensão [da recorrente] é manifestamente evidente»”.
Pelo exposto, não correspondendo o critério normativo, enunciado pela recorrente a título de primeira questão, à ratio decidendi do acórdão de 5 de junho de 2011, fica prejudicada a admissibilidade do recurso visando tal acórdão, nesta parte.
6. A recorrente enuncia a segunda questão como correspondendo à interpretação, extraída do artigo 14.º, n.º 1, alínea a), da Lei da Liberdade Religiosa, conducente ao sentido de que a escolha de profissão exercida pela Recorrente implica a aceitação e cumprimento de todos os deveres inerentes a esse ofício, fazendo equivaler ao significado de deveres a impossibilidade de exercício de direitos, liberdades e garantias, sem que se verifiquem os seus pressupostos de restrição.
O referido preceito legal dispõe que “[o]s funcionários e agentes do Estado e demais entidades públicas, bem como os trabalhadores em regime de contrato de trabalho, têm o direito de, a seu pedido, suspender o trabalho no dia de descanso semanal, nos dias das festividades e nos períodos horários que lhes sejam prescritos pela confissão que professam, nas seguintes condições: (…) [t]rabalharem em regime de flexibilidade de horário (…)”.
À recorrente incumbia enunciar, no requerimento de interposição do recurso, o concreto critério normativo - enquanto regra abstratamente enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente genérica – que pretende ver apreciado, em termos tais que o Tribunal Constitucional, no caso de concluir pela sua inconstitucionalidade, pudesse reproduzir tal enunciação, de modo a que os respetivos destinatários e operadores do direito em geral ficassem cientes do concreto sentido normativo julgado desconforme com a Lei Fundamental. Tal enunciação teria, forçosamente, de refletir uma conexão com o preceito legal selecionado, traduzindo um dos seus sentidos possíveis e contendo um “mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil) relativamente ao teor literal do preceito (cfr. Acórdãos n.os 367/94, 106/99 e 410/06, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Ora, analisada a enunciação da questão colocada pela recorrente, resulta manifesto que não existe um mínimo de correspondência entre a mesma e o teor literal do artigo 14.º, n.º 1, alínea a), da Lei da Liberdade Religiosa, não consubstanciando tal enunciado uma interpretação normativa, reportada a tal preceito.
Conclui-se, deste modo, pela inidoneidade do objeto do recurso, nesta parte.
Sempre se dirá que nenhum dos dois acórdãos referidos pela recorrente a propósito desta questão - datados de 14 de dezembro de 2011 e de 5 de junho de 2012 – utiliza, na sua fundamentação, qualquer afirmação – explícita ou implicitamente - semelhante a esta segunda questão constante do requerimento de interposição de recurso. Aliás, como já referimos, tais acórdãos limitam-se a concluir pela não verificação dos pressupostos da medida cautelar requerida, nomeadamente por não ser evidente a procedência da pretensão substantiva da recorrente, a formular no processo principal, distanciando-se claramente de uma análise mais profunda de tal pretensão.
Pelo exposto, não se conhecerá desta segunda questão formulada no requerimento de interposição de recurso, que manifestamente não corresponde a um objeto idóneo.
7. Quanto à terceira questão colocada, a recorrente identifica-a como a interpretação, extraível dos artigos 109.º, 116.º a 118.º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, no sentido de que tais preceitos “não determinam a obrigatoriedade da notificação das oposições apresentadas nos autos pelo CSMP”.
A enunciação formulada pela recorrente – além de não depurada de elementos casuísticos – não detém um mínimo de correspondência com o teor literal dos preceitos selecionados.
Ora, ainda que se admita alguma fluidez na seleção dos preceitos legais, a que o recorrente deve proceder para compor o arco legal de suporte ao critério normativo enunciado, tal fluidez não pode comportar as situações de total falta de conexão com o conteúdo das disposições legais escolhidas, sob pena de se desvirtuar esta específica exigência de seleção.
A este propósito, refere o Acórdão n.º 175/06 deste Tribunal Constitucional (disponível, no sítio da internet já aludido):
“A indicação do concreto preceito legal sob cuja veste a norma aparece no nosso sistema jurídico é elemento essencial para o conhecimento da questão de constitucionalidade, não podendo ter-se por adequadamente suscitada uma questão de constitucionalidade sem uma tal identificação, em virtude de, no nosso sistema de fiscalização concreta de constitucionalidade, apenas, poderem constituir objeto do recurso normas jurídicas que estejam recortadas em disposições ou preceitos que resultem do exercício de um poder normativo (conceito funcional de norma).
(…)
A identificação da base legal à qual se imputa a norma cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada é, pois, um momento insuprível do controlo de constitucionalidade, na medida em que importa saber se essa base legal elegida para a fiscalização de constitucionalidade se apresenta como idónea a suportar esse sentido (…)”.
Assim, mesmo depurando a formulação da questão enunciada das suas referências casuísticas, e considerando, em consequência, que a recorrente pretenderia ver apreciada a constitucionalidade do entendimento de que não é obrigatório proceder à notificação, ao requerente, da resposta do requerido ao requerimento inicial da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, antes da prolação da decisão, teremos de concluir que tal critério normativo não poderia assentar em base legal que não incluísse a referência ao artigo 110.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, por tal disposição se reportar à fase da tramitação processual correspondente. Aliás, é este o preceito a que o acórdão de 5 de junho de 2012 expressamente alude, no contexto do tratamento desta matéria.
Salienta-se ainda que, da análise do requerimento de interposição de recurso, resulta que a recorrente considera que as decisões que, na sua perspetiva, teriam convocado o entendimento alegadamente inconstitucional, correspondem ao acórdão de 23 de fevereiro de 2012 – além da decisão do relator de 20 de janeiro do mesmo ano – e acórdão de 5 de junho de 2012.
Ora, ainda que a recorrente tivesse logrado identificar, certeiramente, a base legal do entendimento normativo, que erige como objeto do recurso, sempre a admissibilidade do mesmo estaria prejudicada, quanto às decisões de 20 de janeiro e 23 de fevereiro de 2012, que não correspondem à última palavra sobre a matéria, no âmbito do presente processo cautelar, uma vez que a recorrente interpôs recurso para o Pleno da Secção, vindo a ser proferido o acórdão de 5 de junho de 2012, único aresto em relação ao qual teria sentido útil discutir a verificação dos restantes pressupostos de conhecimento do objeto do recurso, não fora a circunstância de a total falta de correspondência entre o arco legal selecionado e o critério normativo enunciado – que já analisámos - tornar ociosa ulterior apreciação, por prejudicar, por si só, a admissibilidade do recurso, quanto a esta terceira questão.
8. Relativamente à quarta questão, refere a recorrente que apenas a suscitou no requerimento de arguição de nulidade do acórdão do Pleno datado de 5 de junho de 2012, “por ter sido este o único momento em que (…) foi confrontada com a aplicação materialmente inconstitucional da sobredita norma”, salientando que tal entendimento foi mantido no acórdão de 18 de outubro de 2012.
Decorre, assim, do requerimento de interposição de recurso, que as decisões que, na perspetiva da recorrente, aplicaram o critério normativo agora em análise correspondem aos acórdãos proferidos em 5 de junho de 2012 e 18 de outubro do mesmo ano.
Ora, o último acórdão referido, manifestamente, não convoca a interpretação normativa enunciada. Pronuncia-se, sim, sobre a alegada nulidade decorrente de omissão de pronúncia, que a recorrente invoca - a propósito do tratamento de tal questão dado pelo acórdão de 5 de junho de 2012 - concluindo pela improcedência da arguição de tal vício e deixando claro que “[s]aber se a interpretação acolhida no acórdão é ou não inconstitucional extravasa o âmbito da arguição de nulidade, pois prende-se com o acerto da decisão tomada”.
Nestes termos, não tendo a recorrente colocado qualquer questão de constitucionalidade reportada aos critérios normativos referentes ao regime do vício de nulidade, conclui-se que o recurso, visando o acórdão de 18 de outubro de 2012, é inadmissível.
No que concerne ao acórdão de 5 de junho de 2012, a recorrente reconhece que não suscitou a questão de constitucionalidade, em momento prévio à sua prolação.
E, na verdade, analisada a peça processual que suporta as alegações de recurso do acórdão de 23 de fevereiro de 2012 – peça em que deveria ter sido suscitada ou renovada a suscitação da questão de constitucionalidade que se pretenderia ver apreciada - constata-se que a recorrente não enunciou nem problematizou a conformidade constitucional do critério normativo, que erigiu como objeto da quarta questão do recurso para o Tribunal Constitucional.
Justifica a recorrente tal omissão, alegando que não havia sido, antes, confrontada com tal critério normativo.
Tal justificação, porém, não colhe, como melhor explicitaremos.
Na verdade, a jurisprudência constitucional vem entendendo, de forma criteriosa e necessariamente restritiva, a exceção ao princípio de que a suscitação da questão de constitucionalidade deve preceder a prolação da decisão recorrida, reservando-a para aquelas situações, absolutamente atípicas, em que o recorrente não podia razoavelmente antecipar a possibilidade de uma dada dimensão normativa – objetivamente surpreendente - ser acolhida na decisão recorrida.
De facto, recaindo sobre as partes o ónus de analisarem as diversas possibilidades interpretativas, suscetíveis de virem a ser seguidas na decisão, cumpre-lhes, em observância de um dever de litigância tecnicamente prudente, a formulação de um juízo de prognose que antecipe as várias hipóteses, razoavelmente previsíveis, de enquadramento normativo do litígio, de modo a confrontarem atempadamente o tribunal com as inconstitucionalidades que poderão viciar as normas ou interpretações normativas convocadas.
Ora, no caso, não correspondendo a interpretação normativa adotada pelo tribunal a quo, extraída do artigo 12.º, n.º 3, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, a um critério normativo surpreendente – sendo antes perfeitamente previsível, atenta a jurisprudência nesse sentido existente e o teor literal do preceito - não se encontrava a recorrente desobrigada do cumprimento do ónus de suscitação prévia da respetiva questão de constitucionalidade. Tendo incumprido tal ónus, ficou prejudicada a sua legitimidade para interpor o presente recurso, ex vi artigo 72.º, n.º 2, da LTC.
Pelo exposto, julga-se inadmissível o recurso que visa o acórdão de 5 de junho de 2012, quanto a esta quarta questão.
9. Relativamente à questão de isenção de custas, colocada pela recorrente, cumpre referir que tal isenção, a que se reportam os artigos 4.º, n.º 1, alínea c), do Regulamento das Custas Processuais, e 107.º, n.º 1, alínea l), do Estatuto do Ministério Público, – na atual redação, que mantém inalterado o conteúdo normativo, nesta parte, apenas modificando a letra da alínea – apenas é aplicável aos processos em que exista um estrito nexo causal entre o exercício da atividade profissional e a intervenção em juízo, de modo a que possa afirmar-se que tal intervenção resultou da necessidade de afirmar um direito funcional decorrente de tal atividade ou de exercer defesa contra atos lesivos dirigidos ao titular, no contexto e com ligação causal direta às funções profissionais exercidas.
No presente caso, tal circunstancialismo não se verifica, não sendo a intervenção em juízo conexa com a relação funcional, mas antes derivando da relação de serviço com a entidade a que presta a sua atividade profissional. De facto, o presente recurso insere-se no âmbito de uma ação dirigida à defesa de um direito fundamental da recorrente – liberdade de religião e de culto – cuja titularidade é pessoal, e não apresenta qualquer conexão natural com as funções próprias do Ministério Público. Assim, não obstante o objeto da ação se relacionar com a atividade profissional da recorrente - na medida em que envolve a pretensão da mesma de não ver restringido o exercício pleno de um direito fundamental enquanto presta serviço profissional - não poderemos considerar verificada a específica conexão causal pressuposta pelas normas em análise, que consagram a isenção de custas.
Nestes termos, improcede a pretensão da recorrente, igualmente nesta parte.”
É esta a Decisão sumária que é alvo da presente reclamação.
4. Manifesta a reclamante a sua discordância, relativamente ao não conhecimento da terceira questão colocada no requerimento de interposição de recurso.
Salienta, para fundamentar tal posição, que o Supremo Tribunal Administrativo baseou a não notificação da recorrente, relativamente à oposição deduzida pelo Conselho Superior do Ministério Público, nos artigos 109.º, 116.º a 118.º, todos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante, CPTA). Exemplifica tal afirmação, transcrevendo excertos das decisões de 20 de janeiro, de 23 de fevereiro e de 5 de junho, todas de 2012.
Aceitando, porém, que o referido acórdão de 5 de junho faz referência ao artigo 110.º, n.os 1 e 2, do CPTA, refere a reclamante que, de facto, poderia ter incluído tal preceito no âmbito do seu pedido de apreciação de inconstitucionalidade. Não o tendo feito, deveria ter-lhe sido endereçado um convite ao aperfeiçoamento, nos termos do artigo 75.º-A, n.º 5, da LTC.
Assim, conclui a reclamante que a Decisão sumária proferida deverá ser substituída por convite, dirigido à recorrente, nos termos expostos.
Igualmente discorda a reclamante da decisão proferida, quanto a custas, afirmando que são as funções exercidas, enquanto magistrada do Ministério Público – na medida em que impõem a existência de turnos aos sábados - que colocam em causa o exercício do direito fundamental de liberdade de religião e culto, pelo que se encontra presente a específica conexão pressuposta pela isenção de custas prevista nos termos dos artigos 4.º, n.º 1, alínea c), do Regulamento das Custas Processuais, 107.º, n.º 1, alínea i), do Estatuto do Ministério Público, e 4.º do Regime de Custas do Tribunal Constitucional.
5. O Conselho Superior do Ministério Público, na sua resposta à reclamação, refere que, ao contrário do que conclui a reclamante, a circunstância de, nos acórdãos proferidos, ser repetidamente dito que “(…) nem o art.º 109.º nem os art.ºs 116.º a 118.º do CPTA fazem referência à obrigatoriedade da notificação das oposições (…)” deveria ter alertado a reclamante para o facto de tais preceitos não servirem de base legal para a sua pretensão de fazer valer a obrigatoriedade da notificação por que pugna.
Quanto à pertinência de um convite ao aperfeiçoamento, igualmente não assiste razão à reclamante, uma vez que “permitir-se o suprimento de uma omissão é coisa diferente de ser o Tribunal constitucional a “corrigir” o requerimento de interposição de recurso, dando a indicação ao recorrente de que não é das normas que ele indicou que deve pedir a apreciação de constitucionalidade, mas sim de outra ou outras.”
No que concerne à pretendida isenção de custas, refere o reclamado que o artigo 4.º, n.º 1, alínea c), do Regulamento das Custas Processuais se aplica apenas aos membros dos Conselhos Superiores da Magistratura, do Ministério Público e dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aplicando-se, por sua vez, aos Magistrados do Ministério Público a isenção a que alude o artigo 107.º, n.º 1, alínea i), do Estatuto do Ministério Público. Porém, esta última norma de isenção subjetiva apenas abrange o exercício das funções em sentido estrito, sendo por isso operante somente nos casos em que a causa tenha, na sua origem, o exercício de funções da magistratura, excluindo situações em que, mesmo verificando-se alguma conexão com o exercício de funções, se encontra ausente o sentido estrito de tal expressão, nomeadamente nos casos relativos ao mérito ou disciplina.
Nestes termos, conclui o reclamado que deve improceder a pretensão da reclamante.
II - Fundamentos
6. Face ao teor da reclamação deduzida, conclui-se que a reclamante apenas se insurge contra a decisão sumária proferida, quanto ao tratamento dado à terceira questão colocada no requerimento de interposição de recurso e quanto à condenação em custas.
Defende a reclamante que lhe deveria ter sido dirigido um convite ao aperfeiçoamento, que lhe permitiria acrescentar a indicação do artigo 110.º, n.os 1 e 2, do CPTA ao pedido de apreciação de inconstitucionalidade.
Tal pretensão, porém, só pode partir de um equívoco quanto ao sentido e alcance do convite ao aperfeiçoamento, previsto no artigo 75.º-A, n.os 5 e 6, da LTC.
De facto, o convite ao aperfeiçoamento apenas se destina a permitir suprir a omissão de indicação de algum dos elementos previstos no artigo 75.º-A, da LTC.
No presente caso, porém, a reclamante não omitiu a indicação das disposições legais em que fez assentar a questão de constitucionalidade que enunciou. Pelo contrário, indicou as mesmas, não o tendo feito, porém, de forma certeira.
Pelo exposto, não podendo ter o convite ao aperfeiçoamento a virtualidade de permitir à recorrente alterar o objeto do recurso - nomeadamente o arco de disposições legais que definiu no requerimento de interposição respetivo – é manifesto que as razões que conduziram ao não conhecimento do recurso, quanto à questão em análise, são insupríveis.
Nestes termos, reitera-se a fundamentação aduzida na Decisão sumária proferida, concluindo-se pela improcedência da reclamação, nesta parte.
Igualmente quanto à pretendida isenção de custas, os argumentos aduzidos pela reclamante não infirmam a correção do juízo efetuado, na Decisão sumária proferida, consubstanciando-se sobretudo numa manifestação de discordância face ao sentido de tal decisão. Assim, quanto a este ponto, dando por reproduzida a fundamentação da decisão reclamada, nada mais se impondo acrescentar, conclui-se pelo indeferimento da reclamação apresentada.
Não existindo motivos para alterar a Decisão sumária proferida, com a qual se concorda, decide-se confirmar a mesma.
III - Decisão
7. Pelos fundamentos expostos, decide-se confirmar a decisão sumária reclamada, proferida no dia 9 de maio de 2013, e, em consequência, indeferir a reclamação apresentada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º do mesmo diploma).
Lisboa, 15 de Julho de 2013. – Catarina Sarmento e Castro – Lino Rodrigues Ribeiro – Maria Lúcia Amaral