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Processo nº 247/01 Plenário Rel. Cons. Tavares da Costa
(Consª Maria Fernanda Palma)
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional
I
1. - Nos presentes autos de fiscalização concreta de constitucionalidade, em que figuram como recorrente o Ministério Público e, como recorrido, A, o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 27 de Junho de
2000, recusou a aplicação da norma do artigo 24º, nº 5, do Código das Expropriações aprovado pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 438/91, de 9 de Novembro, quando interpretada no sentido de se considerar equiparado a 'solo para outros fins' o solo situado numa zona que o Plano Director Municipal da Maia classifica como área florestal de produção condicionada, onde não é admissível a construção urbana, zona expropriada com vista à construção de uma central de incineração de resíduos urbanos e respectivo aterro sanitário de apoio (da LIPOR – Serviço Intermunicipalizado de Tratamento de Lixos da Região do Porto) e concretamente destinada à execução da via de acesso às instalações da central de incineração.
Interposto recurso obrigatório pelo Ministério Público, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, a Conselheira relatora no Tribunal Constitucional, considerando a questão
'simples', por já ter sido objecto de decisão deste Tribunal, proferiu Decisão Sumária no sentido de julgar inconstitucional a norma do artigo 24º, nº 5, do Código das Expropriações.
2. - Na sequência de reclamação do Ministério Público para a conferência, nos termos do nº 3 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, foi decidido determinar o prosseguimento do processo, pelo acórdão nº
354/2001, de 10 de Julho de 2001.
Nas alegações posteriormente apresentadas, o Ministério Público concluiu:
'1º O princípio constitucional da justa indemnização visa obviar a que aos expropriados manifestamente possam ser arbitradas indemnizações insuficientes para compensar o dano sofrido com a privação do bem, claramente desajustadas do montante que derivaria da aplicação da ‘teoria da diferença’, prevista na lei civil, e do valor venal ou de mercado do bem expropriado.
2º Estando o valor venal do prédio expropriado limitado em consequência da existência de uma legítima restrição legal ao ‘jus aedificandi’ – resultante da inserção em terrenos especialmente adequados à actividade florestal, nos termos do PDM – e não tendo o proprietário qualquer expectativa razoável de os ver desafectados e destinados à construção por particulares, não pode invocar-se o princípio da ‘justa indemnização’, de modo a ver reflectido no montante indemnizatório arbitrado ao expropriado uma potencialidade edificativa dos terrenos, que se configura como legalmente inexistente.
3º Na verdade, destinando-se a expropriação exclusivamente à construção de equipamentos sociais incompatíveis com a edificação pelos particulares, na sua proximidade – e não à transformação de prédio até então legalmente ‘rústico’ em
‘urbano’ situado em zona perfeitamente urbanizável – verifica-se que a parcela de terreno expropriado não passou a deter, supervenientemente ao acto expropriativo, qualquer aptidão edificativa, sendo mesmo a especial afectação de parcela à construção de infraestruturas viárias destinadas a servir equipamentos sociais – necessariamente distanciados dos núcleos urbanos – absolutamente incompatível com qualquer vocação edificativa do terreno expropriado.
4º Na situação ‘sub juditio’ não ocorreu qualquer prévia desafectação da parcela de terreno expropriado, situada em área reservada pelo PDM a uso florestal, pelo que – nesta medida – inexiste qualquer analogia com o caso versado no acórdão nº
267/97.
5º Não se vislumbra, no caso dos autos qualquer actuação preordenada da Administração, traduzida em ‘manipulação das regras urbanísticas’, com vista a desvalorizar artificiosamente o terreno, reservado a fins rústicos, para mais tarde o adquirir por um valor degradado, destinando-o então à construção de edificações urbanas de interesse público, o que afasta decisivamente a aplicação da jurisprudência firmada no acórdão nº 267/97.
6º Termos em que deverá proceder o presente recurso.'
O recorrido contra-alegou, sustentando a inconstitucionalidade da norma em apreciação.
3. - O Tribunal Constitucional proferiu novo acórdão – nº
121/2002, de 14 de Março de 2002 – onde se decidiu:
a) Não julgar inconstitucional a norma do nº 5 do artigo
24º do Código das Expropriações de 1991, interpretada por forma a excluir da classificação de 'solo apto para a construção' solos integrados em área reservada pelo Plano Director Municipal a uso florestal, expropriados para construção de acessos a uma central incineradora;
b) Por conseguinte, conceder provimento ao recurso e determinar a reforma da decisão recorrida em conformidade com o presente juízo sobre a questão de constitucionalidade.
4. - Notificado, o recorrido pediu a aclaração do aresto, o que veio a ser desatendido pelo acórdão nº 218/2002, de 22 de Maio último.
Reagiu o mesmo mediante interposição de recurso para o plenário do Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo
79º-D da Lei nº 28/82.
Invocou para o efeito, na essência, que o julgamento da questão de constitucionalidade constante do citado acórdão nº 121/2002 diverge do sentido anteriormente adoptado quanto à mesma norma por outro aresto deste Tribunal, o nº 267/97, da 2ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, de 21 de Maio de 1997, impondo-se, assim, uniformização de jurisprudência.
Oportunamente alegou A, que assim concluiu:
'a) De facto a parcela em causa foi expropriada para construção da central de incineração, edifícios de apoio e aterro sanitário como consta da declaração de utilidade pública; b) Da parcela foram utilizados apenas 300 m² para a via de acesso à Central, tendo o restante sido utilizado para a construção; c) A parcela estava inserida em zona de protecção florestal pelo PDM; d) Porém, a parcela não estava sujeita a exploração florestal constando dos autos exactamente a sua apetência agrícola, lavradio; e) Não havia pois razões de facto ou de direito que motivassem tal inserção em zona florestal; f) Facto que, por si só, já permitia antever fácil a desafectação do terreno à classificação constante do PDM, atenta a sua arbitrariedade; g) Acresce que a parcela confrontava com uma mancha prevista no PDM para equipamento onde se podiam construir equipamentos colectivos, públicos ou privados, e também residências de habitação, comércio e indústria; h) A proximidade com esta mancha permitia ao proprietário ter uma legítima expectativa de que a desafectação da Reserva Florestal seria realidade a curto prazo (aliada a proximidade da mancha urbana à inserção arbitrária na reserva florestal); i) Reforçada pela inserção do terreno na freguesia urbana de Moreira da Maia, a confrontar com o IC24, polo de desenvolvimento e com excelentes ligações à Maia, Matosinhos, Porto, Aeroporto, Porto de Leixões, Terminal Tir, Sonae, etc.; j) E corroborada pelo facto de nela a expropriante ter concretizado um empreendimento urbano – que teve de ser implantado na sua maioria, e foi-o, em terreno urbano; K) Efectuando o mesmo empreendimento, parte em terreno urbano, e parte em terreno florestal e não pagando o mesmo preço, há violação do Princípio da Igualdade, nas suas vertentes externa e interna, da Proporcionalidade e da Justiça; l) A não actualização do PDM ao fim da expropriação consciente ou inconsciente, traduz-se numa verdadeira manipulação das regras urbanísticas; m) Já que pelo terreno para o mesmo fim paga valores substancialmente diferentes
– 800$00 m² ou 7 200$00 m²; n) A expropriação demonstrou, supervenientemente, que a parcela expropriada tinha a mesma potencialidade que os terrenos contíguos que eram urbanos, afectos a equipamento, tendo concretizado esta realidade; o) Confirmando a proximidade da capacidade construtiva; p) A não ter existido qualquer desafectação prévia da parcela – o que não se demonstrou ainda nos autos – a situação é desfavorável à expropriante, por manifesto desrespeito à lei e a decisão recorrida traduz o benefício do infractor; q) E traduz verdadeira manipulação das regras urbanísticas; r) A própria lei em vigor, hoje no seu artigo 26º nº 12 vem dar inteira razão ao por nós defendido; s) Tal como na situação prevista no Ac 267/97 a situação de facto subjacente a estes autos, a jurisprudência constitucional tem de impedir que a Administração depois de ter integrado um terreno em zona florestal, integração essa de que resulta uma proibição de construir que não é acompanhada de indemnização, venha posteriormente a nele construir um equipamento público pagando pelo terreno um valor de solo como não apto para construção quando o terreno ao lado, por acaso parte do mesmo dono foi pago como de construção, por decisão transitada em julgado. Uma vez que está demonstrada a muita próxima aptidão edificativa e que a expropriação confirmou, e pelas demais razões essenciais já tratadas concluímos pela existência de uma analogia essencial entre as duas situações, o que nos coloca a questão de (in)constitucionalidade da norma do nº 5 do artigo 24º do CE/91, quando aplicada neste caso concreto; E uma vez que há acórdãos de sentido oposto impõe-se a uniformização [...].'
Por seu lado, o representante do Ministério Público junto deste Tribunal suscitou a seguinte questão prévia:
'1- Conforme jurisprudência uniforme e reiterada deste Tribunal, o recurso de uniformização de jurisprudência, previsto no artigo 79º-D da Lei nº 28/82, pressupõe que as secções do Tribunal tenham proferido decisões de mérito antagónicas sobre a mesma questão de inconstitucionalidade normativa.
2- Pressupondo, deste modo, tal recurso que haja sido sucessivamente julgado – constitucional e inconstitucional – o mesmo segmento ou dimensão normativa de certo preceito legal.
3- Ora, no caso dos autos é manifesto que foram diversos os segmentos ou dimensões normativas do artigo 24º, nº 5, do Código de Expropriações apreciados nos acórdãos nºs. 267/97 e 121/2002.
4- Tal circunstância decorre, aliás, expressamente dos termos do próprio acórdão nº 121/2002 – transitado em julgado e que se dá aqui por reproduzido – onde se afirma (fls. 790) que se verifica ‘de forma decisiva, que, no que, conforma se explicou (e resultava já dos acórdãos nºs. 20/2000 e 243/01), interessa para a apreciação jurídico-constitucional da norma em crise, este caso, tal como os decididos nos acórdãos nºs. 20/2000 e 243/01, não pode considerar-se semelhante ao subjacente no acórdão nº 267/97’.
5- Tal implica que – sendo diferentes os segmentos normativos do referido preceito legal, apreciados num e noutro dos acórdãos citados – não há qualquer contradição jurisprudencial sobre a mesma ‘norma’, a dirimir pelo Plenário do Tribunal Constitucional.
6- Termos em que não deverá conhecer-se do mérito do recurso interposto para o Plenário, nos termos do artigo 79º-D da Lei nº 28/82, por inverificação dos respectivos pressupostos de admissibilidade.'
O recorrente, em resposta, pronunciou-se no sentido do indeferimento da questão prévia.
Subsequentemente, apresentou a Conselheira relatora um memorando propugnando o conhecimento do objecto do recurso (e a inconstitucionalidade da norma em discussão) por entender existir identidade substancial de sentido nos dois acórdãos em questão, o nº 121/2002 e o acórdão fundamento, o nº 267/97. Não logrado vencimento, foram os autos conclusos ao primeiro juiz vencedor, para elaboração de acórdão.
II
A questão relativa à verificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso para o plenário previsto no artigo 79º-D da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro.
1. - Nos termos do nº 1 do artigo 79º-D deste diploma, '[s]e o Tribunal Constitucional vier a julgar a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade em sentido divergente do anteriormente adoptado quanto à mesma norma por qualquer das duas secções, dessa decisão cabe recurso para o plenário do Tribunal, obrigatório para o Ministério Público quando intervier no processo como recorrente ou recorrido'.
O fundamento deste tipo de recurso há-de ser constituído, assim, por duas decisões contraditórias das Secções no julgamento de uma questão de inconstitucionalidade ou ilegalidade de uma dada norma jurídica, na sua substantividade considerada – o que pressupõe pronúncias contraditórias sobre a questão de inconstitucionalidade ou de ilegalidade de uma mesma norma e, desde logo, subtrai do seu âmbito meras divergências de matriz adjectiva, nomeadamente quanto aos sentido e alcance das normas reguladoras dos pressupostos de admissibilidade do recurso (neste sentido, inter alia, cfr. os acórdãos nºs. 458/94, 729/95, 987/96 e 509/2000, este último inédito, os três primeiros publicados no Diário da República, II Série, de 19 de Novembro de 1994 e 24 de Maio e 19 de Dezembro de 1996, respectivamente).
Importa, por conseguinte, apurar se, no caso sub judice, se encontra preenchido aquele pressuposto, o que vale dizer se a questão de inconstitucionalidade subjacente é substantivamente idêntica e, sendo-o, se foi julgada em sentido divergente no aresto sob recurso e no acórdão fundamento.
Consoante a resposta a dar se conhecerá, ou não, do objecto do recurso.
2. - O acórdão nº 267/97 julgou inconstitucional a norma do nº
5 do artigo 24º do Código das Expropriações de 1991, 'enquanto interpretada por forma a excluir da classificação de «solo apto para a construção» os solos integrados na RAN expropriados justamente com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola'.
No caso então discutido – e já houve oportunidade de, também, assim se ponderar no acórdão nº 419/2002, inédito – estava em causa uma parcela de terreno, que fazia parte da RAN mas que dela fora desafectada para o efeito de ser expropriada, que não poderia ser avaliada como terreno apto para construção, ainda que dotada de todas as infraestruturas, sendo a expropriação destinada à construção de um quartel de bombeiros. No julgamento de inconstitucionalidade, então efectuado, teve-se em conta a circunstância de a parcela em questão ter sido desafectada da RAN, para o mencionado fim, de tal modo que o direito de edificar não podia deixar de ser considerado no cômputo de indemnização de expropriação. Acresce que na situação nesse processo analisada o Tribunal detectou um comportamento da Administração que implicitamente considerou estar próximo da figura do 'abuso de direito' – o que transparece claramente (como se sublinhou no mencionado acórdão nº 419/2002) do segmento em que se reconhece ter havido alguma tentativa 'de manipulação das regras urbanísticas por parte da Administração', traduzidas na 'classificação dolosa' de um terreno como zona verde (ou reservada a uso agrícola),
'desvalorizando-o, para mais tarde o adquirir, por expropriação, pagando por ele um valor correspondente ao de solo não apto para construção'.
E escreveu-se:
'O alcance da decisão proferida no citado acórdão n.º 267/97 foi explicitado pela jurisprudência constitucional posterior no sentido de que o que interessa para efeitos de 'justa indemnização' não é o facto de o terreno deixar de ser agrícola, pois isso não afecta a necessidade da sua qualificação como 'solo apto para a construção', mas sim a circunstância de o terreno ter ou não uma muito próxima ou efectiva aptidão edificativa, que resulta do facto de o expropriante lhe dar uma utilização para construção urbana (cfr. os acórdãos n.ºs 20/2000,
247/2000, 219/2001, 243/2001, 121/2002, 172/2002, bem como o acórdão recorrido, n.º 155/2002) [o primeiro está publicado no Diário da República, II Série, de 28 de Abril de 2002, o terceiro e o quarto no mesmo jornal oficial, II Série, de 6 de Julho e 4 de Julho de 2001, respectivamente, e o último, no citado Diário, II Série, de 1 de Junho de 2002]. Segundo o critério defendido por este Tribunal, 'só a existência desta possível aptidão edificativa justificaria que os terrenos em causa pudessem ser qualificados como «aptos para construção», com a consequente eventual violação da Constituição no caso de o não virem a ser'. Ora, partindo deste critério, o Tribunal, nos casos que foram submetidos à sua apreciação, deu resposta diferente à questão da constitucionalidade consoante a potencialidade edificativa dos terrenos que, em cada processo, estavam em causa. Assim, o Tribunal entendeu que a desafectação dos terrenos da RAN/REN para efeitos de expropriação com vista à construção de vias de comunicação não traz a tais terrenos uma maior potencialidade edificativa (acórdãos n.ºs 20/2000,
247/2000, 219/2001, 243/2001, 121/2002, 172/2002). O mesmo se decidiu no acórdão recorrido (nº 155/2002), em que a desafectação dos terrenos da RAN/REN para efeitos de expropriação se destina à construção de uma central de incineração de resíduos e respectivo aterro sanitário. Em todos estes caos, considerou o Tribunal que a potencialidade edificativa não existia antes, uma vez que os terrenos se inseriam na RAN/REN, e que a expropriação (e a desafectação) não gerou tal potencialidade edificativa, uma vez que neles não se edificaram construções urbanas; antes se implantaram equipamentos que carecem, em absoluto, de estar distanciados dos núcleos urbanos.'
No citado acórdão nº 20/2000 decidiu-se, porém, 'não julgar inconstitucional a norma do nº 5 do artigo 24º do Código das Expropriações [de 1991] ... interpretada por forma a excluir da classificação de
'solo apto para a construção' solos integrados na Reserva Agrícola Nacional expropriadas para implantação de vias de comunicação'.
Posteriormente, no acórdão nº 243/01, também já citado, o Tribunal Constitucional veio novamente a não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 24º, nº 5, do Código das Expropriações de 1991, interpretada no sentido de excluir da classificação de solo apto para a construção, o solo integrado na Reserva Agrícola Nacional expropriado com a finalidade de nele se construir uma auto-estrada.
2. - No caso vertente, sobre o qual se pronunciou o acórdão nº
121/2002, verifica-se, como aí se escreveu, 'que a parcela de terreno expropriada, cuja indemnização está em causa, estava integrada numa área que o Plano Director Municipal da Maia classific[ou] como área florestal de produção condicionada, na qual não é admissível a construção urbana.
Assim, quem – e mesmo em casos como o decidido pelo Acórdão nº 267/97 – considerar que a Constituição da República, pela determinação do pagamento de uma 'justa indemnização', não impõe a qualificação como 'solo apto para construção' de terrenos nos quais se não podia construir, mesmo que expropriados para neles se edificar construções urbanas – isto é, quem não concorde com o juízo de inconstitucionalidade a que se chegou nesse aresto
–, sempre chegaria, no presente processo (por identidade ou mesmo maioria de razão), igualmente a uma conclusão de inexistência de inconstitucionalidade. E esta posição poderia, designadamente, basear-se na circunstância de o expropriado não ser titular, anteriormente à expropriação, de expectativas legítimas relativas à potencialidade edificativa do terreno, já que bem sabia
(ou devia saber) que, segundo o Plano Director Municipal, já nele não podia construir.
Não tendo o proprietário expectativa razoável de ver o terreno desafectado e destinado à construção, não poderia invocar o princípio da
'justa indemnização', de modo a ver calculado o montante indemnizatório com base numa potencialidade edificativa dos terrenos que era para ele legalmente inexistente, e com a qual não podia contar'.
O aresto proferido nos presentes autos – nº 121/2002 – claramente afirma não haver, no caso sub judice, que repetir o julgamento de inconstitucionalidade contido no acórdão nº 267/97, uma vez que, contrariamente ao inicialmente defendido (na decisão sumária de 7 de Maio de 2001), a situação agora em apreciação não é substancialmente semelhante à situação em apreciação no processo no qual foi proferido o acórdão nº 267/97.
Como se escreveu nesse aresto:
'No presente caso, o termo de comparação entre as duas situações de facto há-de buscar-se, pois, para tais efeitos, na(s) ratio(nes) decidendi da jurisprudência segundo a qual, em determinadas circunstâncias, a equiparação a 'solo para outros fins' – ou seja, a não qualificação como 'solo apto para a construção' – de solo que, por lei ou regulamento, não podia ser utilizado na construção, viola os princípios constitucionais da justiça e da proporcionalidade. Importa, por isso, recordar a distinção que se fez entre o que se considerou ter sido o fundamento decisivo no Acórdão n.º 267/97 e as situações julgadas pelos Acórdãos n.ºs 20/2000 e 243/01. Pode ler-se neste último aresto a este respeito:
«Do julgamento de inconstitucionalidade feito no citado acórdão n.º 267/97 não decorre, porém, que o dito n.º 5 do artigo 24º também seja inconstitucional quando [...] a parcela expropriada é destacada de um terreno integrado na Reserva Agrícola Nacional com vista à construção de uma auto-estrada, em vez de, como aconteceu no caso sobre que incidiu aquele aresto, o destino da parcela expropriada ter sido a edificação de um quartel de bombeiros: desde logo, porque, embora em ambos os casos se tenha dado ao terreno expropriado uma utilização não agrícola, na presente situação, a expropriação não pressupôs a libertação do terreno daquela Reserva Agrícola, enquanto que, na hipótese julgada naquele aresto, foi necessário proceder à sua desafectação da referida Reserva. Ora, quando o terreno expropriado é afectado à construção de uma auto-estrada, não pode falar-se em aptidão edificativa: o terreno não a tinha, porque estava integrado na Reserva Agrícola Nacional, e o destino que lhe é dado continua a não a revelar. E, por isso, não pode dizer-se que, num tal caso, haja injustiça ou se viole a igualdade com o facto de, na indemnização a pagar ao expropriado, se não entrar em linha de conta com a potencialidade edificativa do terreno: esta, pura e simplesmente, não existia, nem decorre da expropriação.
Como se sublinhou no acórdão n.º 20/2000 (publicado no Diário da República, II série, de 28 de Abril de 2000) – que concluiu não ser inconstitucional a norma constante do n.º 5 do artigo 24º do Código das Expropriações de 1991,
'interpretada por forma a excluir da classificação de ‘solo apto para a construção’ solos integrados na Reserva Agrícola Nacional expropriados para implantação de vias de comunicação' –, a ratio decidendi daquele acórdão n.º
267/97 baseou-se 'não na desvinculação de uma utilização agrícola pela expropriação, ou na ilegitimidade de expropriação de prédios impostos na Reserva Agrícola Nacional, mas na circunstância de, nesse caso, a interpretação normativa em apreço conduzir à não consideração de ‘solo apto para a construção’ de prédios expropriados justamente com a finalidade de neles se construir prédios urbanos, em que, portanto, a ‘muito próxima ou efectiva’ potencialidade edificativa fica demonstrada pelo facto de a expropriação – aliás acompanhada de desafectação da Reserva Agrícola Nacional – ser efectuada para edificação de construções urbanas'. E acrescentou-se nesse aresto: Em lugar da eliminação da utilização agrícola, é, pois, relevante, para tal juízo de inconstitucionalidade da não qualificação do terreno como ‘solo apto para a construção’, a potencialidade edificativa efectiva que se vai actualizar na construção visada pela própria entidade expropriante. O que interessa, para efeitos de ‘justa indemnização’, não é o facto de o terreno deixar de ter aptidão agrícola – como acontece quer na construção de um prédio urbano, quer com os terrenos nos quais se constrói uma auto-estrada -, pois isso não afecta a necessidade da sua qualificação como ‘solo apto para a construção’. Relevante para esse efeito é, sim, o facto de terem ou não uma muito próxima ou efectiva aptidão edificativa, que resulta do facto de o expropriante lhe dar uma utilização para construção. Um pouco mais adiante, o mesmo aresto n.º 20/2000 insistiu: Repete-se que a alteração da destinação agrícola, só por si, não impõe uma indemnização como ‘solo apto para a construção’, pois não baseia a existência de uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa. Da construção da auto-estrada não resulta, na verdade, a potencialidade edificativa de construções urbanas, relevante para a qualificação como ‘solo apto para a construção’, como resultaria se a expropriação, com desafectação da Reserva Agrícola Nacional, fosse para construção de um prédio urbano. Por sua vez, FERNANDO ALVES CORREIA – que dá nota da dissemelhança entre os casos que estiveram na origem dos citados acórdãos nºs 267/97 e 20/2000 – sublinha que o 'sentido profundo' do julgamento de inconstitucionalidade constante do acórdão n.º 267/97 'é o de impedir que a Administração, depois de ter integrado um determinado terreno na RAN – integração essa de que resulta uma proibição de construção, mas que não é acompanhada de indemnização, já que tal proibição é uma mera consequência da vinculação situacional
(Situationsgebundenheit) da propriedade que incide sobre os solos integrados na RAN, isto é, um simples produto da situação factual destes, da sua inserção na natureza e na paisagem e das suas características intrínsecas –, venha, posteriormente, a desafectá-lo, com o fim de nele construir um equipamento público, pagando pela expropriação um valor correspondente ao de solo não apto para a construção'. 'Na verdade – acrescenta –, se o Tribunal Constitucional coonestasse um tal comportamento da Administração e não julgasse inconstitucional a norma do artigo 24º, n.º 5, do Código das Expropriações de
1991, na referida interpretação, estaria a legitimar a ‘manipulação’ das regras urbanísticas por parte da Administração, que poderia traduzir-se na integração de um terreno na RAN, desvalorizando-o, para mais tarde o desafectar, para nele construir, adquirindo-o, por expropriação, e pagando por ele um valor correspondente ao de solo não apto para a construção' (cf. A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código das Expropriações de 1999, Coimbra, 2000, página 52).» Ou seja, e por outras palavras: o que fundou o juízo de inconstitucionalidade da não qualificação do terreno como 'solo apto para a construção' para efeitos indemnizatórios não foi a circunstância de o terreno deixar de ter utilização agrícola ou florestal, nem a circunstância de nele se vir a construir uma via de comunicação ou um acesso a um equipamento público, ou, mesmo, de tal acesso dever ser considerado ainda funcionalmente integrado neste equipamento. Foi, antes – como, aliás, se disse já nos Acórdãos n.ºs 20/2000 e 243/01, para os quais se remete – a circunstância de a inexistência de uma muito próxima ou efectiva aptidão edificativa, pressuposta na qualificação do solo como apto para outros fins (que não a construção), ser contrariada pelo próprio destino que o expropriante concretamente lhe dá, ao utilizá-lo para construção. E isto é assim porque, caso se não considerasse esta utilização, e se admitisse a indemnização do expropriado como se o solo não fosse apto para construção se estaria a coonestar a possibilidade de 'manipulação' das regras urbanísticas por parte da Administração.'
3. - Conclui-se, em face do exposto, não poder a norma em apreciação considerar-se semelhante à subjacente no acórdão nº 267/97.
Como mais se ponderou no acórdão nº 121/2000, está agora em causa 'a expropriação de uma parcela de terreno no qual o Plano Director Municipal não permitia a construção e que a entidade expropriante destinou à implantação, nele, de um acesso (uma via de comunicação) às instalações da central de incineração, e não à edificação ou construção de qualquer prédio urbano. Se esta última utilização poderia infirmar a negação da qualificação como 'solo apto para construção', o mesmo não pode dizer-se, porém, da utilização que foi dada ao prédio.
É certo que, em ambos os casos, o prédio expropriado deixa de ter a utilização a que estava destinado. Porém, como se salientou no Acórdão n.º 20/2000,
'(...) no caso de expropriação para edificação de prédio urbano, a expropriação visa justamente a concretização da aptidão edificativa cujo afastamento estava subjacente à exclusão da classificação como ‘solo apto para construção’. Isto, enquanto no caso de implantação de uma auto-estrada [ou, no caso, de uma via de acesso] não se vem a verificar, pelo destino dado ao prédio expropriado, que este tivesse qualquer muito próxima ou efectiva aptidão edificativa de prédios urbanos, ou que fosse assim ‘solo apto para construção’, sequer para o expropriante. Apenas no primeiro caso pode dizer-se que a exclusão de uma indemnização como
‘solo apto para construção’ se apresenta ofensiva dos princípios constitucionais da justa indemnização e da igualdade – apenas nesse caso a não consideração do valor do terreno como ‘solo apto para construção’ é injusta e conduz a uma desigualdade (em relação a outros expropriados), por ser desmentida desde logo pela utilização visada com a expropriação. Deve, pois, entender-se que a ratio decidendi do Acórdão n.º 267/97 se baseou
(...) na circunstância de, nesse caso, a interpretação normativa em apreço conduzir à não consideração como ‘solo apto para construção’ de prédios expropriados justamente com a finalidade de neles construir prédios urbanos, em que, portanto, a ‘muito próxima ou efectiva’ potencialidade edificativa fica demonstrada pelo facto de a expropriação – aliás, acompanhada de desafectação da RAN – ser efectuada para edificação de construções urbanas.'
A esta luz, não é relevante para conduzir a um juízo de inconstitucionalidade o argumento de que a via de acesso construída no terreno expropriado o foi por necessidade e em função da edificação da central incineradora, sendo, como tal, desprovida de autonomia, até porque a expropriação se realiza porque vai ser construída uma central incineradora e não especificamente para efeitos de construção de uma via de comunicação.
Como mais se ponderou no acórdão nº 20/2000 – e se reafirma no acórdão nº 121/2000 – '[...] estando o valor do prédio expropriado limitado em consequência da existência de uma legítima restrição legal ao jus aedificandi, e não tendo o proprietário qualquer expectativa razoável de o ver desafectado e destinado à construção por particulares, não pode invocar-se também o princípio da justa indemnização para pretender ver reflectido no montante indemnizatório arbitrado ao expropriado uma potencialidade edificativa dos terrenos, legalmente inexistente e que não foi confirmada pela finalidade dada aos solos depois da expropriação (que não foi a edificação de construções urbanas, mas sim a construção de uma auto-estrada) [no caso de uma via de acesso
à central de incineração].'
4. - As considerações explanadas permitem, assim, concluir pela inexistência da alegada contradição jurisprudencial.
Não consubstanciando os acórdãos nºs. 267/97 e 121/2002 valorações da norma do nº 5 do artigo 24º do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei nº 438/91, de 9 de Novembro, de modo a entender-se que essa norma foi julgada em sentidos divergentes quanto à mesma questão de inconstitucionalidade, forçoso é concluir pela inverificação de pressuposto exigido no artigo 79º-D da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro e, como tal, não é admissível recurso do acórdão nº 121/2002, da 2ª Secção, para o plenário deste Tribunal.
III
Em face do exposto, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso. Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 8 (oito) unidades de conta. Lisboa, 5 de Novembro de 2002- Alberto Tavares da Costa Paulo Mota Pinto Bravo Serra Luís Nunes de Almeida Artur Maurício Maria dos Prazeres Pizarro Beleza José de Sousa e Brito Maria Helena Brito Maria Fernanda Palma (vencida pelas razões expostas na declaração de voto realizada no Acórdão nº 419/2002, para a qual remeto) Guilherme da Fonseca (vencido, nos termos da declaração de voto da Exmª. Consª. Maria Fernanda Palma) José Manuel Cardoso da Costa