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Processo nº 513/02
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
A. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça (Secção Social), proferiu o Relator a seguinte DECISÃO SUMÁRIA:
'1. A, sociedade comercial com sede em Mem Martins, veio interpor recurso para este Tribunal Constitucional, ‘nos termos da alínea b) e f) do artigo 70º da lei nº 28/82 de 15 de Novembro’, do acórdão da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Junho de 2002, pretendendo que o Tribunal aprecie ‘a interpretação dada pelo Venerando Supremo Tribunal, às normas do artigo 729º, nº
2 e do artigo 669º, nº 2, alínea a) do CPC no seu douto acórdão, a qual é ilegal, por ser contrária à letra e espírito dessas normas e inconstitucional, por ofensa da norma constante do artigo 20º, nºs 1, primeira parte, 4, 5, 205º, nº 1, 2 da CRP e do princípio da sujeição dos Tribunais à lei, consagrado no artigo 203º da CRP’ (acórdão de 20 de Março de 2002, que, concedendo
‘parcialmente a revista’, foi desfavorável às pretensões da sociedade recorrente).
2. Acontece que no articulado que a sociedade recorrente identifica – o requerimento de aclaração daquele acórdão de 20 de Março de 2002, ao abrigo do disposto no artigo 669º do Código de Processo Civil, em que teria suscitado questões de inconstitucionalidade – não se detecta nenhuma arguição de inconstitucionalidade normativa, designadamente a respeito do artigo 729º, nº 2 do citado Código. Transcrevendo o que a sociedade recorrente diz nesse requerimento sob o título
‘DA ILEGALIDADE E INCONSTITUCIONALIDADE’, lê-se o seguinte:
‘29. Mais argui a Ré que o Tribunal ao interpretar o teor dos factos dados como provados, excedeu o seu poder jurisdicional, empreendendo na decisão tomada um alcance superior àquele que lhe era permitido pela lei e pela constituição.
30. Preceitua quanto à matéria em analise o artigo 729º do C PC o seguinte: ‘Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o Supremo aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado. 2 A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada...‘.
31. A Constituição da República Portuguesa (CRP) dispõe no artigo 205º, nº 1 que, ‘As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei’.
32. Ao desenvolver uma contra-argumentação para inviabilizar a aplicação do direito aos factos dados como provados o STJ, excedeu o seu poder jurisdicional, fazendo prevalecer as alegações do Recorrente sobre os factos já assentes e provados.
33. Nesta medida não aplicou o disposto na lei ordinária e constitucional supra referida.
34. Pelo que, nestes termos se deve considerar na parte que respeita ao pedido reconvencional, o acórdão ora em causa como inconstitucional’. Ora, não há nesse passo do requerimento nenhuma suscitação de inconstitucionalidade normativa, havendo apenas uma censura ao decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, porque ‘ao interpretar o teor dos factos dados como provados, excedeu o seu poder jurisdicional, empreendendo na decisão tomada um alcance superior àquele que lhe era permitido pela lei e pela constituição’, o que não satisfaz a exigência do nº 2 do artigo 72º da Lei nº 28/82.
E, quanto ao artigo 669º, nº 2, a), do mesmo Código, referido pela primeira vez no requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, também não se arguiu a sua inconstitucionalidade, qua tale, ou uma sua dimensão interpretativa, limitando-se a sociedade recorrente a invocar que o Supremo Tribunal de Justiça ‘incorreu ainda o mesmo numa errónea qualificação jurídica dos factos’ (é um modo de dizer que aponta só para a censura da posição tomada pelo Tribunal, que entendeu não estar viciado o julgamento contido no acórdão de
20 de Março de 2002). Por tudo isto, tem de considerar-se que falhou um pressuposto processual específico do tipo de recurso de que se serviu a sociedade recorrente, o da suscitação de questão de inconstitucionalidade normativa durante o processo, com a exigência do nº 2 do artigo 72º da Lei nº 28/82 (suscitação feita ‘de modo processualmente adequado’).
3. Resta, por fim, acrescentar que não tem pertinência ao presente caso o fundamento da alínea f), do nº 1, do artigo 70º, da Lei nº 28/82, como vem indicado pela sociedade recorrente, pois não se vê nenhuma hipótese das alíneas c), d) e e), do mesmo nº 1, que aqui possa servir. Tanto basta para concluir que não pode tomar-se conhecimento do recurso, por falta de pressupostos processuais específicos.
4. Termos em que, DECIDINDO, não tomo conhecimento do recurso e condeno a sociedade recorrente nas custas, com a taxa de justiça fixada em seis unidades de conta'. B. Dessa DECISÃO veio a sociedade recorrente 'Reclamar para a conferência, o que faz ao abrigo do disposto no artigo 78º, nº 3 da Lei do Tribunal Constitucional
(T C)', pretendendo demonstrar que 'arguiu como inconstitucional a interpretação dada ao artigo 729º, nº 1 e 2 do CPC, logo que da mesma tomou conhecimento, ou seja, no requerimento de aclaração do acórdão do STJ, resultando o mesmo da articulação dos factos constantes dos números 29 a 34 desse requerimento'
(requerimento transcrito na DECISÃO reclamada), mas reconhecendo que faltou de facto 'indicar nesse Requerimento de aclaração um dos artigos que encerram as normas da lei fundamental ofendidas, ou seja o artigo 203º, o que apenas fez aquando da interposição do recurso para o Tribunal Constitucional', o que 'não passou de um lapso' ('Lapso que o STJ e posteriormente o Tribunal Constitucional deveriam ter convidado o Recorrente a rectificar, conforme dispõe a norma do artigo 75º-A, nºs 5 e 6 da Lei do Tribunal Constitucional'). E acrescenta depois na reclamação:
'7 . Mas mais, no Requerimento em que o Recorrente interpõe o seu recurso para o TC, com data de entrada a 24 de Junho de 2002, o Recorrente interpôs recurso de outra inconstitucionalidade.
8. Constitucionalidade, que apenas surgiu na resposta do STJ ao requerimento de aclaração do Recorrente.
9. Senda essa inconstitucionalidade configurada na interpretação dada pelo STJ ao artigo 669º, nº 2, alínea a) do C PC, no sentido de que apesar de se reconhecer um erro no julgamento empreendido na qualificação jurídica dos factos, se o mesmo não for manifesto, nem contraditório, nem obscuro, não deverá ser de rectificar .
10. Aqui a Recorrente não poderia ter sido mais clara, nem podia ter arguido tal inconstitucionalidade da interpretação dada ao artigo 669, nº 2, alínea a), noutro qualquer, momento processual anterior, pois acabava de ter contacto com ela.
11. A esse propósito apontou o Recorrente como normas jurídicas violadas, a do artigo 20º, nº 1, primeira parte, nº 4 e 5'.
'Nestes termos – finaliza a sociedade reclamante - se requer a V. Exa que suba à Conferência a presente Reclamação da douta decisão que julgou não ser de conhecer as inconstitucionalidades suscitadas, aí dando-se provimento à mesma, na medida em que, primeiro, o Recorrente arguiu de facto uma inconstitucionalidade no seu requerimento de aclaração do acórdão reclamado, sendo a que supra se especificou, segundo, ainda que assim não fosse deveria o STJ e posteriormente o TC, ter notificado o Recorrente para indicar claramente qual a inconstitucionalidade arguida, conforme dispõe o artigo 75º-A, nº 5 e 6 e o artigo 78º-A, nº 2, da Lei do TC, terceiro em qualquer dos casos o Recorrente suscitou outra inconstitucionalidade de que sempre haverá que conhecer e que ora não enferma de qualquer objecção do TC, qual seja, a que foi arguida aquando do requerimento de interposição de recurso para o TC, seguindo posteriormente, os autos, os seus termos ulteriores para conhecimento efectivo das inconstitucionalidades suscitadas quanto à decisão recorrida' C. A ora recorrida M não respondeu à reclamação. D. Tudo visto, cumpre decidir. Ao contrário do que pretende sustentar a sociedade reclamante, do requerimento de aclaração transcrito na DECISÃO reclamada - e é ele que baseia a reclamação não se infere minimamente a suscitação de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa e não é o 'lapso' a que a sociedade reclamante agora se refere que saneia essa falta de suscitação. Dizer-se, como diz e repete a sociedade reclamante, que o Tribunal recorrido
'excedeu o seu poder jurisdicional', e que 'não aplicou o disposto na lei ordinária e constitucional', equivale a uma mera censura à decisão do próprio Tribunal e não vale como arguição de inconstitucionalidade reportada a norma ou normas jurídicas (considerar-se 'o acórdão ora em causa como inconstitucional', na linguagem da sociedade reclamante, não é um modo processualmente adequado de tal arguição, como exige o nº 2 do artigo 72º da Lei nº 28/82). E não é nenhum dever do Tribunal recorrido ou deste Tribunal Constitucional mandar 'notificar o recorrente para indicar claramente qual a inconstitucionalidade arguida, conforme dispõe o artigo 75º-A, nºs 5 e 6 e o artigo 78º-A, nº 2, da Lei do TC', porque é a ele que cabe o ónus de demonstrar a arguição de inconstitucionalidade normativa (e no caso não havia falhas quanto ao cumprimento mínimo do disposto naquele artigo 75º-A). Quanto à 'outra inconstitucionalidade' que teria sido 'arguida aquando do requerimento de interposição do recurso para o TC' – e suposto que esse era ainda um momento processual próprio para o fazer, sendo certo, porém, que ao pedir-se 'ao abrigo do disposto no artigo 669º do Código de Processo Civil (CPC)
[…] a respectiva ACLARAÇÃO e consequente REFORMA', poderia perfeitamente adiantar-se o sentido com que aquela norma deveria ser aplicada, para se entender conforme à Constituição -, também não colhem as razões invocadas pela sociedade reclamante, pois é sempre o plano da 'censura da posição tomada pelo tribunal' que releva na sua alegação, não havendo mais a adiantar ao que ficou dito na DECISÃO reclamada. Com o que não pode proceder a presente reclamação. E. Termos em que, DECIDINDO, indefere-se a reclamação e não se toma conhecimento do recurso, condenando-se a sociedade reclamante nas custas, com a taxa de justiça fixada em 15 unidades de conta. Lisboa, 13 de Novembro de 2002- Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa