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Processo nº 630/2002
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A fls. 408, foi proferida a seguinte decisão sumária:
«1. A. foi condenado pelo acórdão do Tribunal Colectivo da Comarca de Idanha-a-Nova de fls. 301, de 18 de Março de 2002, pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, nos termos do disposto nos artigos 22º,
23º, nºs 1 e 2, 73º, nº 1, a) e b), 131º e 132º, nº 1, do Código Penal, na pena de 7 anos e 6 meses de prisão, bem como no pagamento dos pedidos de indemnização cível deduzidos por B e pelo HOSPITAL ... Inconformado, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, que, por acórdão de
26 de Junho de 2002, de fls. 387, alterou a pena para 6 anos e 6 meses de prisão, mantendo, no mais, a condenação referida. Apenas no que agora releva, o Supremo Tribunal de Justiça desatendeu a alegação de inconstitucionalidade da norma constante do artigo 134º do Código de Processo Penal, feita pelo arguido nos seguintes termos:
'Se se admitisse que era correcto interpretar o artº 134º do Código de Processo Penal como sendo legítimo, lícito e legal que um menor de 11 anos, decidisse, por si, como se tivesse capacidade, da renúncia ou não a um direito que a lei lhe concede – o de recusar a depor – estar-se-ia a violar o direito pessoal ao desenvolvimento da personalidade, previsto no número 1 do artigo 26, e o disposto no número 3 do artigo 36º ambos da Constituição da República Portuguesa. Aliás para além disso teríamos que admitir que tal interpretação do artigo 1343º
[134º] do Código de Processo Penal – isto é que ele não teria que ser interpretado com a limitação que o artigo 123º do Código Civil lhe traz – seria sempre violar o número 1 do artigo 34º [32º] da Constituição da República Portuguesa no que diz respeito às garantias de defesa. O Meretíssimo Juiz a quo advertiu o menor, dando, assim, cumprimento ao nº 2 do artigo 134 do Código de Processo Penal, contudo, não podia aceitar a renúncia ao direito por parte do menor sem o expresso consentimento de ambos os progenitores, os cônjuges – arguido e ofendida – ou, no caso de divergência decisão judicial que suprisse tal autorização. Ao aceitar a renúncia ao direito, o Meretíssimo Juiz a quo violou o disposto no artigo 123º do Código Civil, interpretou erradamente o artigo 134º do Código de Processo Penal e violou o número 1 do artigo 26, o número 1 do artigo 32 e os números 3 e 4 [do artigo 36º] da Constituição da República Portuguesa'
(alegações apresentadas perante o Supremo Tribunal de Justiça). De novo inconformado, o arguido recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. Depreende-se do requerimento de interposição de recurso que a norma cuja inconstitucionalidade suscita é a que resulta da ' interposição
[interpretação, admite-se] dada ao artº 134º do Código Penal [Código de Processo Penal, supõe-se] e artigoº 123º do Código Civil', por violação do disposto no
'nº 1 do artº 26º e o nº 1 do artº 32 ambos da Constituição da República Portuguesa'. O recurso foi admitido, em decisão que não vincula este tribunal (nº 3 do artigo
76º da Lei nº 28/82).
2. Das alegações apresentadas perante o Supremo Tribunal de Justiça, local para o qual o recorrente, no mesmo requerimento de interposição de recurso, remete para demonstrar que invocou a inconstitucionalidade que pretende ver apreciada,
'durante o processo' (al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82), retira-se que o recorrente considera inconstitucional a norma resultante da interpretação conjugada do disposto na al. a) do nº 1 do artigo 134º do Código de Processo Penal com o nº 1 do artigo 123º do Código Civil, segundo que qual não é necessário o consentimento de ambos os pais (ou suprimento judicial da falta de autorização) para que um menor renuncie ao direito de se recusar a depor em processo penal. Tal norma, segundo consta do referido requerimento de interposição de recurso, infringiria o nº 1 do artigo 26º e o nº 1 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa (nenhuma referência se faz neste requerimento ao artigo 36º da Constituição).
3. O recurso carece, todavia, de fundamento. Desde logo, porque não existe qualquer ligação entre a norma que o recorrente acusa de ser inconstitucional e o nº 1 do artigo 26º da Constituição, segundo o qual 'A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil (...)'. Ainda que se pudesse aceitar – e não pode – que está em causa uma questão relativa à renúncia a um direito para o qual resultaria do regime definido pelo artigo 123º do Código Civil a incapacidade do menor, não se encontra qualquer ligação com tal preceito, já que, nem directa, nem indirectamente, se põe em causa o reconhecimento constitucional do direito à capacidade civil. Para além disso, não se consegue igualmente alcançar por que razão é que tal norma poria em causa as garantias da defesa em processo penal.
4. Seja como for, sempre se observa não ter fundamento pretender que está em causa a renúncia a um direito para cuja validade seria necessário o suprimento do consentimento pelos pais que exercem o poder paternal. Note-se, aliás, que a forma de suprimento da incapacidade por menoridade não é o 'consentimento' referido pelo recorrente, mas a representação. Desde logo, porque a capacidade para depor como testemunha resulta do disposto no artigo 131º do Código de Processo Penal, que a faz assentar na capacidade de discernimento dos depoentes e não na sua idade; não tem sentido chamar aqui o artigo 123º do Código Civil, relativo à capacidade de exercício de direitos. O depoimento, se prestado, será valorado pelo tribunal tendo em atenção todos os elementos relevantes – entre os quais a idade do depoente, naturalmente. Para além disso, e em síntese, porque, ao permitir que pessoas com certas relações familiares intensas com o arguido se recusem a depor, o legislador apenas está a reconhecer que, nesses casos, não é exigível que prestem um depoimento sincero, e não a reconhecer-lhes um qualquer direito disponível por acto de vontade, como resulta das afirmações do recorrente.
5. Estão, pois, reunidas as condições para que se proceda à emissão da decisão sumária prevista no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. Nestes termos, julga-se manifestamente infundado o presente recurso. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 ucs.»
2. Inconformado, o recorrente veio reclamar para a conferência, nos termos previstos no nº 3 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, considerando 'não ter sido entendido a razão de ser do recurso apresentado pelo recorrente e o motivo [por que] o mesmo entende[u] estar-se perante uma inconstitucionalidade'. Assim, e em síntese, vem reafirmar que, ao permitir que 'um menor de 11 nos pode agir por si e livremente no exercício de recusa do direito de não falar no processo em que o seu pai é arguido', o acórdão recorrido interpretou 'os artigos em causa' violando 'o reconhecimento da capacidade civil do menor, dando-lhe direitos que a lei não lhe concede, violando assim (...) o nº 1 do artº 26º da Constituição da República Portuguesa, e até o nº 4 desse mesmo artigo'. Para além disso, e por essa via, foi ainda infringido o nº 1 do artigo 32º da Constituição, no fundo, porque 'o Supremo Tribunal de Justiça reconhece que o reclamante teria todo o interesse em não ver autorizado o depoimento do seu filho menor'. Notificada da apresentação desta reclamação, a assistente B veio pronunciar-se no sentido do seu indeferimento. Também o Ministério Público, salientando que o reclamante 'continua (...) a confundir dois planos perfeitamente diferenciados: o dos actos de vontade ou negócios jurídicos (...) e o plano das puras declarações de ciência ou de conhecimento', como é o caso da prestação de depoimento como testemunha, a que se aplica o disposto no artigo 131 º do Código de Processo Penal, entende que a reclamação deve ser indeferida, por ser 'manifestamente improcedente'.
3. Para além do esclarecimento – naturalmente inútil – de que invocara a violação do princípio consagrado no nº 1 do artigo 32º da Constituição por ter interesse em que não fosse admitido o depoimento do menor, o reclamante não acrescenta nenhum fundamento para justificar o julgamento de inconstitucionalidade que pretende a somar aos que foram analisados na decisão reclamada.
É inútil o esclarecimento referido, note-se, porque tal interesse apenas justifica a legitimidade do ora reclamante para recorrer para o Tribunal Constitucional (cfr. nº 1, b) do artigo 72º da Lei nº 28/82 e nº 1, b), do artigo 401º do Código de Processo Penal); não permite é estabelecer nenhuma ligação entre a norma acusada de ser inconstitucional e o princípio das garantias de defesa constante daquele preceito constitucional. Assim, reitera-se o julgamento constante da decisão reclamada, pelo motivos dela constantes. Nestes termos, indefere-se a presente reclamação, confirmando-se a decisão reclamada. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 ucs. Lisboa, 25 de Novembro de 2002 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida