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Proc. nº 739/02 TC – 1ª Secção Rel.: Consº Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 – A, B e C, com os sinais dos autos, requereram, em 02/10/02, por apenso aos autos de suspensão identificados sob os números 554/02, 554-A/02 e
554-B/02, a suspensão de eficácia de 'deliberações do Comité Central do Partido Comunista Português' – de 21/09/02, segundo os documentos juntos – que (a) rejeitaram os recursos, interpostos pelos dois primeiros, de deliberações do Secretariado do Comité Central do PCP que lhes aplicaram a sanção de expulsão, deliberações estas que haviam sido ratificadas pela Comissão Central de Controlo do mesmo Partido e (b) ratificou a deliberação do Secretariado do Comité Central do PCP que impusera ao terceiro a sanção de suspensão por 10 meses da actividade partidária.
Invocaram no pertinente requerimento (nºs 2 e 3) todos os fundamentos que tinham aduzido no pedido de idêntica providência relativa às citadas deliberações da Comissão Central de Controlo (os dois primeiros) e do Secretariado do Comité Central (o terceiro) e ainda: a falta de assinatura das deliberações, respeitantes aos dois primeiros, agora em causa, geradora de nulidade por força do disposto no artigo 668º nº 1 alínea a) do CPC (nº 3); a falta de motivação, de facto e por via das circunstâncias de tempo, lugar e modo, das mesmas deliberações (nº 4); a falta das normas incriminadoras na deliberação do Secretariado do Comité Central referente ao terceiro requerente
(nº 5).
Alegaram, ainda, os danos já referidos no anterior pedido (nº 7), 'a amputação do direito de participação na vida partidária', o 'anátema inerente à expulsão' e 'aparente ilegitimidade do órgão máximo do Partido' (nº 8).
O pedido de apensação foi indeferido por despacho de 02/10/2002 proferido pelo relator daqueles autos, então pendentes no Plenário, nos seguintes termos:
'O presente processo encontra-se em fase de recurso, pelo que se afigura inconveniente a requerida apensação (artº 275º nº 1 do CPC).
Notifique os requerentes e os requeridos, fazendo os documentos que foram apensos por linha presentes ao Exmo Presidente, após trânsito do presente despacho'.
Os requerentes reclamaram deste despacho para a conferência que, por acórdão de 15/10/02, confirmou o despacho reclamado.
O dito acórdão transitou em julgado em 31/10/2002 e em 07/11/02 os documentos que estavam apensos por linha foram presentes ao Presidente do Tribunal, que, em 14/11/02, neles exarou o seguinte despacho:
'Autue na 5ª espécie.'
Em 20/11/02, foram autuados, na 5ª espécie, os referidos documentos.
Em 21/11/02, o relator proferiu o seguinte despacho:
'O pedido de apensação aos autos que correram termos neste Tribunal sob o nº 554/02 das peças que ora estão numeradas de fls.2 a 76 foi indeferido por despacho do então relator, confirmado pelo Acórdão do Plenário nº 420/2002.
Entretanto, com a confirmação pelo Plenário, através do seu Acórdão nº 421/2002, transitado em julgado, do acórdão da 2ª Secção que não tomou conhecimento dos pedidos de impugnação e de suspensão de eficácia de deliberações sancionatórias deduzidos por A, B e C, findaram os pertinentes processos (nºs 554/02, 554-A/02 e 554-B/02).
Ordenada pelo Presidente do Tribunal a autuação das aludidas peças na 5ª espécie, distribuídas como 'acção de impugnação de deliberação tomada por
órgãos de partidos políticos' e pedido de suspensão de eficácia (artigos 103º-D e 103º-E da LTC), têm estes inteira autonomia, não havendo qualquer justificação para uma autuação como 'apenso' do processo findo, numerado em conformidade (nº
554-C/02).
Impor-se-ia, assim, a 'desapensação' do presente processo e a sua consequente renumeração.
Nada, porém, impede que – sem prejuízo da devida renumeração do processo – para efeitos instrutórios e por economia processual, no sentido de evitar a oneração das partes com a junção dos documentos que já se encontram nos processos findos, estes se mantenham apensados.
O que se deixa dito, particularmente no que concerne à justificação de se manterem apensados os Pºs nºs 554/02, 554-A/02 e 554-B/02, não obsta a que as petições sejam analisadas com inteira autonomia no que respeita à sua suficiência ou regularidade.
Ora, sucede que, dada a posição assumida pelos peticionantes no Pº nº 554/02, as pertinentes peças processuais mostram-se estruturadas como
'aditamentos' ao que consta das peças correspondentes naquele processo (onde estavam em causa outras deliberações), dando por reproduzido o que nelas se alegara como fundamentos de facto e de direito e se oferecera como prova.
Mas, findo aquele processo e mantendo-se apensado apenas – como se disse – para meros efeitos instrutórios, entendo não ser admissível tal forma de articulação factual e de exposição do direito bem como de oferecimento de prova.
Nestes termos, deverão os peticionantes/impugnantes aperfeiçoar as peças de fls 3 a 5 e 24 a 34 com exposição integral dos fundamentos de facto e de direito e da prova oferecida.
Assim e em conclusão: a. Renumere-se o presente processo, mantendo-se os 'apensos' com fins meramente instrutórios; b. Notifiquem-se os recorrentes para, em cinco dias, apresentarem novas petições com suprimento das deficiências supra apontadas.'
Em cumprimento deste despacho, os requerentes apresentaram, em
03/12/02, novo requerimento de suspensão de eficácia das citadas deliberações do Comité Central do PCP de 21/09/02.
Nele, os requerentes descriminam o que consideram ser os vícios das deliberações (nº 5), a saber:
- 'ausência e omissão de factos nas acusações formuladas contra os requerentes' e impossibilidade de estes eficazmente se defenderem;
- 'incompetência estatutária do órgão decisor para proferir tais deliberações punitivas';
- 'ausência da produção de prova testemunhal requerida na defesa e que não foi ouvida a qualquer ponto da matéria da defesa, nem da acusação', no caso do primeiro requerente (A);
Invocam ainda as ilegalidades já arguidas nos nºs 2 a 5 do anterior requerimento (nº 6).
No que concerne aos danos decorrentes da execução das deliberações, reafirmam (nºs 33 a 38) o que tinham alegado no nº 8 do requerimento anterior.
O Partido Comunista Português respondeu, começando por invocar as seguintes 'questões prévias':
- Consubstanciando o despacho que indeferiu a apensação aos Procs. nºs 554/02, 554-A/02 e 554-B/02, um despacho de indeferimento liminar, os requerentes deveria ter apresentado uma nova petição no prazo de cinco dias após o trânsito em julgado daquele despacho, se quisessem aproveitar-se da data da entrada da primeira acção de impugnação e do primeiro pedido de suspensão de eficácia;
Não o tendo feito, o despacho do Presidente do Tribunal que mandou autuar os documentos na 5ª espécie é, nos termos do artigo 201º do CPC, nulo
(por manifesto lapso, o requerido escreveu 'inútil') por ser um acto que a lei não permite e influir no exame ou na decisão da causa;
- O despacho de aperfeiçoamento proferido nos presentes autos é nulo;
- Se assim se não entender, verificou-se a caducidade do direito dos requerentes;
- Relativamente ao requerente C, ele não esgotou os meios internos de recurso, podendo, ainda, reclamar da deliberação do Comité Central do PCP para o mesmo órgão, nos termos do artigo 63º nº 4 dos Estatutos do PCP.
Quanto aos fundamentos do pedido, alega, ainda, o PCP:
- '(...) os eventuais prejuízos e 'danos apreciáveis na esfera pessoal, cívica, política, social, anímica e afectiva do requerente' são muitíssimo inferiores aos prejuízos e danos efectivos causados no prestígio e influência do PCP; na unidade e coesão do PCP; através de afirmações públicas, fora dos organismos e do regular funcionamento do Partido, de afrontamento, calúnia e desvirtuamento relativas à direcção e à política do Partido Comunista Português; o que, aliás, se passou com todos os requerentes' (nº 24);
- 'nenhum vício procedimental ou qualquer outro afecta os processos disciplinares', como se alegou na contestação da acção de impugnação (nº 25);
Quanto ao requerente B:
- 'Foi o próprio Requerente que se auto-afastou da vida e da actividade partidárias' (nº 29)
- 'Desde logo, porque se demitiu do Comité Central' (nº 30)
- 'Depois ao deixar de participar em reuniões do organismo a que pertencia (Direcção da Organização Regional do Algarve, após a primeira reunião para análise dos resultados eleitorais' (nº 31)
- 'Nomeadamente, não compareceu a uma reunião distrital de quadros, onde esteve o Secretário Geral do PCP, e para o qual foi convocado' (nº 32)
- 'Finalmente, recusou-se a participar nos trabalhos preparatórios da Conferência Nacional do PCP e na assembleia plenária do seu organismo que tinha como objectivo proceder à eleição dos delegados àquela' (nº 33)
- 'O que há, na verdade, é uma auto-amputação da intervenção e participação partidária em resultado de uma opção consciente de intervenção e participação política pública e, apenas, pública' (nº 35)
- '(...) antes da decisão de expulsão e já depois – em entrevistas a rádios, televisões e jornais – o Requerente mantém uma insistente actividade cívica e política movida apenas pelo profundo desiderato de afrontar a orientação e direcção do Partido Comunista Português sufragadas pelo XVI Congresso' (nº 37);
Quanto ao requerente A:
- Esteve 34 meses sem pagar quotas, obrigação estatutária que assumiu (nº 44);
- Só é possuidor do cartão com o número de membro do PCP que lhe fora atribuído quando era membro do Comité Central, cartão que perdeu validade no final de 2000, nunca tendo levantado o novo cartão (nº 45);
- Recusou reunir-se com um membro do Secretariado encarregue por este organismo de tratar da sua situação partidária (nº 46):
- Recusou-se a participar nos trabalhos preparatórios da Conferência Nacional do PCP e na assembleia plenária da organização da sua freguesia para a eleição dos delegados àquela iniciativa partidária promovida e organizada para debater problemas políticos, entre outros, alguns que o requerente diz serem sua preocupação (perda da influência social e eleitoral do PCP) (nº 47);
- Nunca frequentou o centro de trabalho da organização para a qual foi transferido depois de se ter demitido do Comité Central (nº 48)
- Não compareceu a qualquer reunião da organização a que pertence apesar de ter sido convocado (nº 49);
- Em resposta a uma dessas convocatórias afirmou que não aceitava a integração na organização para a qual foi transferido (nº 50);
- Verifica-se 'uma auto-amputação da intervenção e participação partidária em resultado de uma opção consciente de intervenção e participação política pública, e, apenas, pública' (nº 51);
Quanto ao requerente C :
- '(...) antes da decisão de suspensão da actividade e já depois – entrevistas a rádios, televisões e jornais – o requerente vem insistindo em manter uma actividade cívica e política na qual apenas o move o profundo desiderato de afrontar a orientação e a direcção do Partido Comunista Português sufragadas pelo XVI Congresso' (nº 60).
Conclui pedindo que se não tome conhecimento dos pedidos com fundamento na procedência das questões prévias suscitadas ou, se assim se não entender, que se não dê provimento ao pedido.
Os requerentes foram ouvidos sobre as questões prévias, alegando que cumpriram rigorosamente os despachos de que foram notificados, despachos esses que nunca foram impugnados e transitaram em julgado.
Cumpre decidir.
2 - As questões prévias suscitadas pelo requerido reportam-se, directamente, à acção de impugnação de deliberações tomadas por órgãos de partidos políticos, intentada pelos ora requerentes e de que é dependente o presente procedimento.
De todo o modo, essas questões (ou, ao menos, algumas delas) acabam por repercutir-se, consequencialmente, neste procedimento, pelo que, num momento em que corre termos a acção, cumpre delas conhecer, no específico âmbito do mesmo procedimento e com efeitos a ele limitados.
3 - Como se deixou relatado, a questão prévia primeiramente enunciada assenta num pressuposto: o de que o despacho do relator no Proc. nº
554/02, a fls. 364, posteriormente confirmado pelo Plenário deste Tribunal no Acórdão de fls. 397 e segs, configura um despacho de indeferimento liminar das petições então apresentadas pelos requerentes.
Mas é manifesto que não é assim.
Com efeito, decidido pelo Acórdão nº 361/2002 não se tomar conhecimento dos pedidos de impugnação e de suspensão de eficácia apresentados pelos requerentes em 24/7/2002, por os requerentes A e B não terem impugnado as deliberações punitivas perante o Comité Central do PCP e a medida punitiva imposta ao requerente C estar ainda sujeita a ratificação daquele órgão partidário, os primeiros, embora inconformados com o decidido, de que recorreram para o Plenário, apresentaram recursos para o Comité Central do PCP.
Por este órgão, os recursos foram rejeitados e a medida punitiva imposta ao requerente C ratificada, através das deliberações de 21/9/02.
Os requerentes intentaram, então, nova acção de impugnação e deduziram novo pedido de suspensão de eficácia destas últimas deliberações, entrados neste Tribunal em 2/10/02, mas remetidos por correio, com registo em
30/9/02.
Mas porque estavam pendentes (em recurso para o Plenário) as acções de impugnação e os pedidos de suspensão de eficácia anteriores, os requerentes pediram que os novos pedido e acção fossem processados por apenso, configurando os pedidos como subsidiários.
O despacho do relator supra referido, bem como o acórdão que o confirmou, entendem, clara e expressamente, o pedido formulado como de apensação e como tal o indeferem, não contendo qualquer pronúncia sobre a acção de impugnação e o pedido de suspensão de eficácia das deliberações de 21/9/02.
Impunha-se, assim, que estes pedido e acção fossem autonomamente distribuídos e autuados; e não foi mais do que isto – embora referindo-se apenas
à autuação na 5ª espécie – que o Presidente do Tribunal determinou pelo seu despacho de 14/11/02 que não se vê que enferme de qualquer ilegalidade
(formalmente eram novos pedidos com objecto diverso, ainda que em termos de subsidiariedade); aliás, a determinação de autuação na 5ª espécie só cobrava sentido se se entendesse igualmente que os novos processos deveriam ser distribuídos autonomamente.
Foi o que, de resto, veio a suceder em 20/11/01, com a distribuição ao actual relator, muito embora com a irregularidade de se não ter atribuído novo número ao processo e se ter apensado aos autos anteriores.
Tal irregularidade veio a ser corrigida por despacho de 21/11/02
(fls. 92) com os fundamentos que aqui se dão por reproduzidos.
Ora, do que se deixou exposto e porque não há qualquer despacho de indeferimento liminar das petições apresentadas em 2/10/02 e remetidas pelo correio, com registo de 30/9/02 ou nulidade no despacho do Presidente do Tribunal de 14/11/02, a tempestividade dos novos pedidos há-de ser aferida pela data que se deve considerar como de entrada neste Tribunal, por força do disposto no artigo 150º nº 2 alínea b) do CPC, ou seja, 30/09/02.
E considerando as datas de notificação das deliberações (26/9/02 e
23/9/02, sendo 28 e 29/9 sábado e domingo) não se verifica a caducidade do direito de pedir a suspensão de eficácia das mesmas deliberações.
4 – Não se verifica, também, a invocada nulidade do despacho que mandou aperfeiçoar o requerimento de suspensão de eficácia.
Havendo lugar a despacho de citação, nada impede que o relator, verificadas deficiências formais no requerimento inicial, determine o aperfeiçoamento desse requerimento.
É certo que foram primeiramente apresentados, a petição e o requerimento inicial, reportados às deliberações de 21/9/02, em termos subsidiários; mas é legítimo que, uma vez (entretanto) transitada em julgado a decisão que não conheceu dos pedidos relativos às deliberações anteriores
(pedido principal), os requerentes como que reduzam o pedido, por ocasião do aperfeiçoamento, passando a constituir único objecto as citadas deliberações de
21/9/02.
Se, porventura, mantivessem o (anterior) pedido principal, obviamente que a sua rejeição (por caso julgado) não impediria o prosseguimento do processo, para apreciação (se caso fosse) do (anterior) pedido subsidiário.
Não é, assim, ilegal o despacho de aperfeiçoamento.
5 – No que concerne à questão prévia relativa ao pedido de C, também não tem o requerido razão.
Antes do mais, impõe-se deixar claro que nem no Acórdão nº 361/02, nem no Acórdão nº 421/02 que confirmou o primeiro, se emitiu qualquer pronúncia, no sentido defendido pelo requerido, quanto à impugnabilidade da deliberação do Comité Central do PCP ratificativa da deliberação do Secretariado do mesmo Comité Central, desde logo pela simples razão de ela ainda não ter sido proferida à data do primeiro acórdão.
Esta questão é meramente equacionada no Acórdão nº 361/02, em termos acolhidos pelo Acórdão nº 421/02, deixando-se em aberto – por, então, não ser necessária - a sua solução.
Escreveu-se no primeiro acórdão, depois de se entender como recorríveis para o Comité Central as deliberações de ratificação da Comissão Central de Controlo tomadas por delegação daquele órgão:
'E isto, aliás, independentemente de saber se, quando o órgão que ratifica a sanção disciplinar é o próprio Comité central, cabe ou não recurso para este órgão (com a virtualidade de permitir um certo contraditório para reapreciação por tal órgão interno ad quem) (...)'.
Ficando, assim, claro que nada se decidiu sobre a questão, importa, depois, salientar que a situação em causa é substancialmente diversa da que se verifica nos casos em que a ratificação é proferida por órgão delegado do Comité Central. Nestes casos, o que subjaz aos acórdãos citados é, para os efeitos em causa, uma certa 'desvalorização' – ou pelo menos um tratamento diverso daquele que é dado em direito administrativo - do instituto da delegação, quando esta é feita pelo Comité Central, fazendo prevalecer o poder que este órgão tem de modificar ou anular qualquer sanção, nos termos do artigo 63º nº 4 dos Estatutos do PCP.
Praticado, assim, o acto por outro órgão, ainda que por delegação, entendeu-se que não pode subtrair-se ao próprio órgão delegante (Comité Central) aquele poder de reexame da sanção imposta, de cujo exercício resultará a última palavra do PCP sobre a matéria – e, por isso, se impõe a impugnação da deliberação do órgão delegado para o órgão delegante.
Nada disto sucede quando foi já o próprio órgão Comité Central que ratificou a sanção, o que vale por dizer que esse órgão emitiu um juízo sobre a legalidade ou conveniência da medida imposta e a regularidade do procedimento que com ela culminou.
Não tem já sentido, como meio necessário para se esgotarem as vias internas da apreciação da validade e regularidade da sanção, o apelo ao mesmo
órgão para rever o que este acabara de decidir de posse de todos os elementos necessários para um julgamento consciencioso e ponderado; isto, obviamente, sem prejuízo de, oficiosamente ou a requerimento do sancionado, poder sempre o Comité Central usar do poder que lhe confere o citado artigo 63º nº 4 dos Estatutos.
Improcede, assim, de igual modo, esta questão prévia.
6 - O artigo 103º-E da LTC faculta aos interessados requerer, como preliminar ou incidente das acções reguladas nos artigos 103º-C e 103º-D (entre as quais se inclui a acção de impugnação de deliberações punitivas proferidas por órgãos partidários), a suspensão de eficácia das deliberações impugnáveis
(ou impugnadas).
Trata-se de um procedimento cautelar ('medidas cautelares' é a epígrafe do artigo 103º-E), paralelo ao que se encontra consagrado nos artigos
396º e 397º Código de Processo Civil para a suspensão das deliberações sociais
(preceitos que. aliás, regulam, com as devidas adaptações, o citado pedido de suspensão de eficácia, nos termos do nº 2 do artigo 103º-E da LTC) e, também, de algum modo semelhante à suspensão de eficácia de actos administrativos, regulado no artigo 76º e segs da LPTA.
Como medida cautelar, a providência de suspensão de eficácia visa prevenir a ocorrência de danos que provavelmente decorram da execução da deliberação punitiva antes de decidida com trânsito em julgado a acção de impugnação de que o procedimento depende.
Está, assim, em causa, o periculum in mora ou seja, o risco de a duração do processo frustar (total ou parcialmente) o resultado que o autor visa alcançar com uma eventual sentença anulatória (neste sentido, e quanto à suspensão de deliberações sociais, cfr. Vasco da Gama Lobo Xavier 'O conteúdo da providência das deliberações sociais' in Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXII, p. 214).
É certo que, diferentemente do que sucede com o pedido de suspensão de eficácia de actos administrativos, não é exigível, no pedido da medida em causa, a provável ocorrência de prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação – a lei impõe apenas a 'probabilidade de ocorrência de danos apreciáveis'. E isto não pode deixar de significar uma exigência relativamente menor, uma vez que os danos se podem considerar apreciáveis, sem que sejam irreparáveis ou de difícil reparação (neste sentido, considerando a fórmula 'mais branda', cfr. José Alberto dos Reis 'Código de Processo Civil anotado', I, 3ª edição –reimpressão,
1980, p.678)
Ligado à demora do processo, o dano apreciável (sério, com uma dimensão merecedora da tutela do direito) há-de ser imputável a essa demora. Escreveu, a propósito, Vasco da Gama Lobo Xavier (ob. cit. p.215):
'(...) esta possibilidade de dano a que a lei se refere não é toda e qualquer possibilidade de prejuízos que a deliberação ou a sua execução, em si mesma comportem, mas sim a possibilidade de prejuízos imputáveis à demora do processo de anulação. Não faria sentido que o legislador desse relevo, para efeitos da concessão da providência, à eventualidade de danos diferentes dos originados pelo retardamento da sentença naquela proferida.
E seguramente que são diversos, na sua medida e na sua configuração, os danos imputáveis à demora do processo anulatório e aqueles que, mais latamente, a deliberação, ou a sua execução, em si mesmas – isto é, de acordo com a sua eficácia própria, suposto esta não venha a ser eliminada por uma eventual anulação – são adequadas a produzir. Assim, por ex., a deliberação que amortiza uma quota acarreta para o respectivo titular o prejuízo correspondente
à execução da sua participação social, na medida em que tal extinção não seja compensada pelo quantitativo atribuído como contrapartida. Mas o dano que para o titular deriva do retardamento da sentença de anulação do acto – e que há que ter em conta para fundamentar a suspensão para proceder à ponderação prevista no art. 397º nº 3 – é antes o dano resultante do não exercício dos direitos sociais até ao momento daquela sentença.'
Esta doutrina veio, aliás, a ser seguida pelo Supremo Tribunal de Justiça, como se vê do Acórdão de 20/5/97, in BMJ nº 467, pág. 529 e segs.
Tem, ainda, a jurisprudência dos nossos tribunais entendido pacificamente que visando a providência suspender a execução das deliberações sociais não pode ela ser decretada quando as deliberações se mostram já integralmente executadas. E é de assinalar que, também relativamente à suspensão de eficácia (então qualificada como suspensão de executoriedade) de actos administrativos, tempos houve em que idêntica doutrina foi acolhida pelos tribunais administrativos.
A questão poderia relevar no caso – e por isso ela se evoca – uma vez que, entendida em certos termos a execução de deliberações expulsivas, não carecem estas de actos subsequentes para produzirem todos os seus efeitos.
A verdade, porém, é que se inviabilizaria, com esta doutrina a suspensão de eficácia das medidas punitivas mais severas e por isso igualmente mais aptas a produzir efeitos danosos que a providência visa prevenir.
E o certo é que, nunca, perante medidas expulsivas (penas disciplinares de demissão e de inactividade), os tribunais administrativos inviabilizaram o decretamento da suspensão de eficácia com o fundamento de essas medidas se mostrarem já executadas.
Com efeito, se é certo que a medida disciplinar expulsiva não carece de actos subsequentes e complementares para produzir todos os seus efeitos, não menos o é que essa medida se configura, de algum modo, como de execução permanente implicando para o punido uma situação que se protela no tempo e se mantém no momento em que é requerida e decidida a providência; e, assim sendo, nada obsta a que o tribunal possa decretar a suspensão, evitando que os danos apreciáveis alegados, decorrentes da execução da deliberação punitiva, se produzam (ou se agravem).
Mas, de todo o modo, necessário se torna que esses danos sejam susceptíveis de prevenção com o decretamento da providência, ou seja, que eles se não tenham irreversivelmente consumado com a prolacção da deliberação punitiva.
Finalmente, nesta matéria, sempre recairá sobre o requerente o ónus de concretizar ou especificar os factos que consubstanciem o(s) dano(s) alegado(s), sendo, assim, manifestamente insuficiente a sua identificação com alusões vagas e abstractas.
Para além do requisito que acabámos de analisar, resulta do artigo
103º-E da LTC em conjugação com o disposto no artigo 396ºnº 1 do CPC que o deferimento do pedido de suspensão de eficácia está ainda condicionado à alegação e prova (ainda que sumária) pelo requerente de que a deliberação em causa enferma de ilegalidade, por violação de lei ou dos estatutos.
Como requisito negativo, impõe-se ainda que o prejuízo resultante da suspensão não seja superior ao que pode derivar da execução (artigo 397º nº 2 do CPC, por remissão do disposto no artigo 103º-E nº 2 da LTC).
Todos estes requisitos são, assim, de verificação cumulativa, pelo que a falta de um deles é suficiente para o malogro da pretensão.
Deixa-se, por fim, a nota de que se dispensa, no caso, a produção de prova requerida, uma vez que, necessariamente cingida à factualidade articulada pelos requerentes, dispõe o Tribunal de elementos suficientes para decidir o procedimento.
7 - Como se deixou relatado e agora melhor se concretiza, disseram os requerentes quanto aos danos resultantes das medidas disciplinares que lhes foram impostas:
'33º - As sanções aplicadas aos requerentes e a sua execução significam a amputação, num ápice, do direito de intervir e participar na vida partidária.
34º - Arrastando consigo o anátema próprio de qualquer expulsão ou suspensão e da imagem pública que tais decisões, inevitavelmente, acarretam.
35º - Tais danos assumem natureza não patrimonial, como é evidente, mas nem por isso deixam de relevar.
36º - Especialmente no meio social e político em que os requerentes se movem e culturalmente se inserem, estas deliberações de expulsão e de suspensão da actividade partidária, significam, irreversivelmente, se executadas, a ablação de direitos fundamentais das suas concretas vivências.
37º - Basta atentar no senso comum para concluir que tanto as sanções expulsivas (aplicadas aos aqui 1º e 2º requerentes) como a sanção suspensiva (aplicada ao 3º requerente) contêm, objectiva e subjectivamente, ingredientes fortemente nefandos e frustrantes da vida cívica e política de quem, como os requerentes, abraçaram a militância activa e assumiram tamanhas responsabilidades partidárias.
38º - Parece inquestionável, em suma, que a execução das deliberações sub judice provocará aos requerentes danos violentos na sua esfera pessoal, cívica e política.'
A estes danos fizeram os requerentes acrescer, no nº 9 do requerimento, 'a aparente ilegitimidade do órgão máximo do Partido'.
Ora, desde já, impõe-se afastar este último fundamento como pertinente à alegação de danos. Trata-se, com efeito, de uma alegação que nada tem a ver com os danos cuja ocorrência (ou agravamento) os requerentes pretendem prevenir, mas, aparentemente, com a legalidade das deliberações. Restam, assim, os danos invocados nos nºs 33 a 38, todos eles não patrimoniais, o que, obviamente, não lhes retira pertinência e sendo até os que, pela natureza das coisas, melhor se adequam ao tipo de deliberações em causa. Isto não significa que se não imponha, como se disse, a alegação de factos concretizadores desses danos, não bastando para o efeito afirmações vagas e abstractas. Ora, traço comum à invocação dos danos referidos, é, precisamente, o do seu carácter vago e abstracto (neste contexto, deve salientar-se a circunstância de, ao alegar o dano que consistiria na 'amputação (...) do direito de intervir e participar na actividade partidária', os requerentes não indicarem um só acto especialmente relevante da vida interna do partido – eleições, congressos, conferências etc. – que, até à decisão final da acção de impugnação, se venha a realizar e em que, por via das deliberações impugnadas, os requerentes estejam impedidos de participar). Decisiva é, porém, outra ordem de considerações para se não julgar preenchido o requisito da provável ocorrência de danos apreciáveis. Na verdade, se, desde logo, o invocado 'anátema' decorrente das penalidades aplicadas, atentas as razões que, para os requerentes lhes estão subjacentes, não é de todo incontroverso, certo é que sempre se tratará de um 'dano' a que a pretendida suspensão de eficácia não poderá obviar. Com efeito, não é da 'execução' das medida disciplinares que resulta o carácter supostamente infamante dessas medidas – ele decorrerá das próprias deliberações que as aplicaram e que não deixam de existir (ainda que desprovidas de eficácia por força do decretamento da providência) com o deferimento do pedido. Sobre os requerentes e aos olhos dos militantes do PCP continuaria a recair o invocado 'anátema', mesmo que, deferida a providência, eles regressassem à actividade partidária. Por outro lado, e agora quanto à cessação desta actividade, ela é inerente à imposição de medidas disciplinares expulsivas ou suspensivas, pelo que, a ser bastante a sua invocação como dano apreciável, mal se compreenderia que a lei não dispensasse a verificação do requisito quando estivesse em causa esse tipo de medidas. Mas ainda quanto ao mesmo 'dano' e tendo em particular conta o que os próprios requerentes abundantemente alegam, quer no requerimento da medida cautelar quer no pedido da acção de impugnação – com especial incidência nos supostos obstáculos, constrangimentos, ou obstruções, por parte dos órgãos dirigentes do PCP, ao regular desenvolvimento da actividade partidária dos requerentes – e mesmo desconsiderando, nesta fase, o que o PCP invoca sobre um pretenso abandono voluntário dessa mesma actividade, seria no mínimo duvidoso que, também aqui, a suspensão de eficácia obviasse a esse invocado dano. Não se pode, assim, dar como verificado o requisito da provável ocorrência de danos apreciáveis decorrentes da execução das deliberações impugnadas, o que, como se disse, basta para indeferir a medida cautelar requerida.
8 - Decisão: Pelo exposto e em conclusão, decide-se indeferir o pedido de suspensão de eficácia das deliberações impugnadas. Lisboa, 9 de Janeiro de 2003 Artur Maurício Maria Helena Brito Pamplona de Oliveira Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa