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Processo nº 422/02
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
A. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, proferiu o Relator uma DECISÃO SUMÁRIA em que se começou por dizer:
'1. A, com os sinais identificadores dos autos, veio interpor recurso para este Tribunal Constitucional, ‘ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do Artº 70º da Lei nº 28/82 de 15/11’, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de Fevereiro de 2002 (complementado pelo acórdão de 18 de Abril de 2002), pretendendo ‘ver apreciada a inconstitucionalidade dos Artigos 50º do Código Cooperativo e 56º do Código das Sociedades Comerciais na interpretação dada às referidas normas legais’, porque a ‘interpretação das referidas disposições legais, sustentada pelo Acórdão sub judice, viola frontal e ostensivamente o disposto no Artº 32º, nº 10 da CRP’, e identificando as peças processuais em que pretensamente ‘vem invocando, nos presentes autos, como fundamento do recurso, de forma expressa e perante tal interpretação, a inconstitucionalidade dos referidos artigos’. O acórdão recorrido, proferido num ‘procedimento cautelar de suspensão de deliberação social contra a B, , com sede ..., em Lisboa’, em que o recorrente pedia ‘a suspensão da deliberação da sua exclusão como cooperante desta’, negou provimento ao agravo por ele interposto e confirmou a decisão do tribunal de relação, que julgou ‘extinto o procedimento cautelar e caduca a providência decretada’.
É esta a conclusão final do acórdão:
‘No caso sub judice, a deliberação de exclusão de membro da recorrente não se inclui no elenco das situações, enunciadas na lei, geradoras de nulidade da deliberação a se, categoria esta que reveste natureza excepcional. Em consequência, tal deliberação não é nula, mas meramente anulável. Assim sendo, como na verdade é, a acção de anulação por vício procedimental não pode ser proposta a todo o tempo, ou deixada ao livre alvedrio do respectivo e eventual autor, mas sim dentro do curto prazo previsto na lei para a impugnação judicial das deliberações meramente anuláveis. Daqui decorre que o requerente deveria ter proposto a respectiva acção de anulação - e não de declaração de nulidade - no prazo de trinta dias, contados a partir da data em que foi encerrada a assembleia geral, como o impõe a alínea a) do n° 2 do ano 59° do CSC, assembleia essa em que aliás não esteve presente. A ulterior propositura da presente acção pelo referido requerente, aqui agravante, no que neste momento e ora interessa considerar e, ainda, no contexto já desenhado, é claramente irrelevante e totalmente insusceptível de produzir o resultado visado, não evitando, como não evitou, a caducidade da providência’. E no acórdão de 18 de Abril de 2002, foi indeferida uma arguição de nulidade daquele acórdão anterior, por se entender que ‘não houve a apontada omissão de pronúncia’'. Depois abordou-se a questão de saber se, 'tratando-se in casu de um procedimento cautelar, a que se seguiu já a propositura da acção de anulação ou de declaração de nulidade da deliberação cuja suspensão cautelar foi pedida – e o recorrente diz ter intentado ‘a acção de declaração de nulidade de que a presente providência depende’ –, não se está perante um caso de inadmissibilidade do recurso de constitucionalidade, por ter carácter provisório a decisão jurisdicional que constitui o seu objecto'. E prosseguiu-se depois na DECISÃO SUMÁRIA nestes termos:
'3. Dando, assim, de barato que é aqui admissível o recurso de constitucionalidade, falta, todavia, um pressuposto processual específico do tipo de recurso de que se serviu o recorrente, o da suscitação de questão de inconstitucionalidade normativa durante o processo, em termos processualmente adequados, de modo a obrigar o Tribunal recorrido a dela tomar conhecimento
(artigo 72º, nº 2, da Lei nº 28/82, na redacção do artigo 1º, da Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro).
É que nas conclusões das alegações apresentadas pelo recorrente perante o Supremo Tribunal de Justiça – e transcritas no texto do acórdão recorrido – pretende-se esgotantemente demonstrar que, sendo nula a deliberação em causa, a sua impugnação ‘não está sujeita ao prazo previsto no art. 389º, nº 1, al. a), do CPC – ela é impugnável a todo o tempo conforme decorre do art. 286º do CCivil’ e não se verifica, pois, ‘caducidade da providência em apreço (art. 37º, nº 5, do C Coop., al. d) do nº 1, do art. 56º do CSC e, ainda, art. 32º, nº 10, da CRPortuguesa)’. Para fazer essa demonstração o recorrente apela às ‘mais fundamentais garantias dos cidadãos, constitucionalmente consagradas, em especial atento o caso concreto, no art. 32º, nº 10, da CRPortuguesa’, sustentando que não pode ter acolhimento ‘o argumento de que o art. 50º do C Coop. estipula, de forma taxativa, os casos de nulidade das deliberações das cooperativas quando resulta expressamente do citado art. 37º, nº 5, daquele Código, que tal é a forma de invalidade cominada para as deliberações que contrariem as respectivas alíneas’ e que não se está ‘perante qualquer lacuna do CCoop. que conduza a que, ao abrigo do disposto no art. 99º do mesmo, seja necessário recorrer à aplicação subsidiária da legislação comercial’. E depois acrescenta em jeito final:
‘30. Contudo, caso assim não se entenda, sendo necessário recorrer à aplicação do art. 56° do CSC., ainda assim se concluirá pela nulidade da deliberação sub judice já que para a situação dos autos tem plena aplicação a alínea d) desta disposição;
31. Na verdade, o conteúdo da deliberação colide com normas legais e constitucionais que exprimem tutela jurídica de interesse primacialmente público e, assim, indisponível tanto bastando para que se inclua na previsão legal da al. d) do n° 1 do art. 56° do CSC;
32. Interpretação diversa, como a sustentada pelo Acórdão recorrido é, além de ilegal, inconstitucional por violação expressa do contido no n° 10 do art. 32° da CRPortuguesa’. Ora, não pode ver-se no que fica transcrito uma arguição de inconstitucionalidade reportada àquelas normas dos artigos 50º do Código Cooperativo e 56º do Código das Sociedades Comerciais, tal como exige o nº 2 do artigo 72º, da Lei nº 28/82, pois não se pode ler aí o que o recorrente diz de forma mais clara no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade: ‘(...) ao interpretar o Art. 50º do C. Cooperativo e, bem assim, o Art. 56º do CSC, no sentido de que tendo tais normas natureza taxativa e não sendo aplicáveis ao caso concreto, a única invalidade decorrente da deliberação sub júdice é a anulabilidade, a Decisão Recorrida atenta frontalmente contra o estatuído no invocado Art. 32º, nº 10 da CRP’ (se fosse assim com esta linguagem as dúvidas dissipar-se-iam). O que o recorrente invoca nas conclusões transcritas das alegações é que a interpretação suscitada pelo acórdão do tribunal de relação ‘é, além de ilegal, inconstitucional por violação expressa do contido no nº 10 do artº 32º da CRPortuguesa’, tal significando que a censura vai dirigida directamente à decisão jurisdicional - à via interpretativa que seguiu - e não às normas que pretende questionar (não são estas qua tale, ou uma sua dimensão interpretativa, e aplicadas como foram, a violar o nº 10 do artigo 32º da Constituição, antes, e só, a decisão em si mesma). Tanto assim que no acórdão recorrido não se descortina a apreciação de qualquer questão de inconstitucionalidade (e no acórdão de 18 de Abril de 2002, a propósito da arguição de ‘nulidade de omissão de pronúncia prevista na alínea d) do artigo 668º do CPCivil’, apenas se regista que foi implicitamente rejeitada a
‘dita ideia de inconstitucionalidade’, assim retratada: ‘É que o facto de não terem sido inquiridas testemunhas arroladas pelo requerente como arguido no processo que conduziu à sua exclusão de cooperante da requerida, por deliberação tomada na assembleia de 18 de Dezembro de 1998, não significa, só por si, que tenha havido violação do estatuído no nº 10 do art. 32º da CRP’).
(...) Em suma, e para encurtar razões, não se mostra efectivamente cumprido o aludido pressuposto processual específico da suscitação da questão de inconstitucionalidade normativa durante o processo, o que impede que se possa tomar conhecimento do presente recurso (cfr. v.g., o recente acórdão nº
300/2002, sobre o modo como é entendida no Tribunal Constitucional a exigência de tal cumprimento).
4. Termos em que, DECIDINDO, não tomo conhecimento do recurso e condeno o recorrente nas custas, com a taxa de justiça fixada em cinco unidades de conta'. B. O recorrente veio, 'ao abrigo do disposto no Artº 78º-A, nº 3 da Lei nº 28/82 de 15/11 (LTC), Reclamar da mesma para a Conferência', em extenso requerimento, sustentando 'ter suscitado perante o STJ, a questão da inconstitucionalidade,
‘de modo processualmente adequado’'. Para o efeito, e sem deixar de reconhecer que 'a censura do Recorrente – no recurso jurisdicional apresentado perante o STJ – dirigiu-se, obrigatória e inexoravelmente, contra a decisão do Tribunal Recorrido ou, por outras palavras, contra a interpretação que tal decisão fez de determinados preceitos legais, interpretação essa que, em seu entender é, além do mais, inconstitucional – por preterição do nº 10 do Artº 32º da CRP', pretende demonstrar, à partida, que se impõe 'a compatibilização entre uma e outra censuras – por um lado, a dirigida à Decisão Recorrida e, por outro, aquela assacada a determinadas normas legais que, no entender do recorrente e na interpretação dada às mesmas pela Decisão Recorrida, ofendem preceitos constitucionais', passando a analisar, com transcrições, 'mais detidamente as alegações e conclusões do Recorrente formuladas pelo STJ', para concluir, na sua essência, que 'esteve sempre em causa uma determinada dimensão interpretativa que a Decisão Recorrida fez dos Artigos 50º do C. Coop. e 56º do CSC', adiantando ainda a seguinte súmula:
'a) A censura da inconstitucionalidade dos Artigos 50° do C. Coop. e 56° do CSC, suscitada no Recurso interposto para o ST J, vai dirigida a uma dada dimensão interpretativa daquelas disposições feita pela Decisão Recorrida; b) Contrariamente ao que se diz na Decisão Reclamada, não é apenas a Decisão Recorrida que é posta em crise pelo ali Recorrente, são os próprios Artigos 50° do C. Coop. e 56° do CSC os quais, no entender do Recorrente, são inconstitucionais na interpretação ê aplicação dada aos mesmos pela Decisão Recorrida; c) Atento o disposto no Art.º 690° do C PC, impendia sobre o Recorrente o ónus de alegar e formular conclusões indicando os fundamentos com base nos quais pedia a alteração ou anulação da decisão; d) Daí a inevitável e obrigatória perspectiva do Recorrente ao invocar a inconstitucionalidade das referidas disposições legais na óptica da interpretação dada às mesmas pela Decisão Recorrida; e) Consta expressamente das Alegações do Recorrente perante o ST J que «... a interpretação feita pelo Tribunal Recorrido e consequente aplicação dos Artigos
56° do CSC e 50° do C. Coop., nos termos em que o faz, atenta expressamente contra o disposto no n.o 10 do Art.º 32° da CRP.» tendo o Recorrente, inclusivamente, elaborado um elenco de fundamentos de recurso, cujo título constante da al. b) foi «Da inconstitucionalidade decorrente da interpretação e aplicação, pelo Acórdão Recorrido, dos Artigos 56° do CSC e 50° do C. Coop., face ao Art.º 32°, n.o 10 da CRP.»; f) Ao elaborar as Conclusões de Recurso o Recorrente não reproduziu ipsis verbis as suas Alegações tendo, antes, procedido a uma síntese das mesmas; g) O Recorrente suscitou de modo processualmente adequado a questão da inconstitucionalidade nos termos exigidos pelo n.o 2 do Art.º 72° da L TC; h) Aliás, não obstante o indeferimento da arguição de nulidade (suscitado pelo Recorrente com fundamento em omissão de pronúncia quanto à invocada inconstitucionalidade) - uma vez que o Tribunal Recorrido considerou que ‘embora não tenha abordado de modo expresso tal fundamento, não deixou de o rejeitar - a verdade é que a questão foi bem entendida pelo Tribunal Recorrido o qual refere, no seu Acórdão de 18.04.2002, que o Recorrente arguiu a nulidade de omissão de pronúncia ‘... argumentando que o Acórdão não focou o fundamento por si invocado da inconstitucionalidade da interpretação e aplicação dos artigos já referidos’; i) Resulta da Jurisprudência deste Tribunal que ‘Independentemente da formulação verbal utilizada, tendo sido questionada a conformidade constitucional da interpretação de uma norma na sua aplicação ao caso concreto na decisão recorrida, esta questão tem sido entendida como questão de constitucional idade da competência do Tribunal Constitucional’ (cfr . Acórdão acima identificado)'. C. Respondeu à reclamação a recorrida B, sustentando que 'deve ser indeferida a reclamação, por manifestamente infundada', pois, e no essencial, o que sucede 'é que o recorrente persiste em discordar das decisões proferidas sucessivamente pela RL e pelo STJ e, sobretudo, a penitenciar-se por ter deixado escoar o prazo que a lei lhe facultava para impugnar a deliberação, sem que verdadeiramente se infira das suas intervenções processuais qual a verdadeira questão de constitucionalidade normativa por si colocada'. D. Tudo visto, cumpre decidir. Pese, embora, o esforço argumentativo do reclamante, não sai minimamente beliscada a DECISÃO reclamada e não se alcança das transcrições feitas na reclamação que haja sido arguida uma questão de inconstitucionalidade normativa, a propósito dos preceitos legais em causa, sendo sempre objecto de censura a via interpretativa que seguiu o acórdão recorrido quanto a tais preceitos e sem o reclamante, aliás, indicar alguma vez, em bom rigor, qual a interpretação conforme ou desconforme à Constituição. Como de forma clara regista a recorrida Cooperativa e permite ver a situação dos autos:
'A Relação de Lisboa tinha entendido que a deliberação social em causa - que excluiu o recorrente de membro da Cooperativa - não se enquadrava na previsão do artigo 50º do Código Cooperativo, disposição que estabelece de forma exaustiva quais os motivos que podem conduzir à nulidade das deliberações, no âmbito do sector cooperativo. E que, se porventura fosse cabido o recurso ao Código das Sociedades Comerciais (CSC) como direito subsidiário, ex vi do artigo 9º do Código Cooperativo, ainda assim a deliberação questionada não enfermaria de nulidade, por não se incluir no elenco das situações enumeradas no artigo 56º, n.º 1, do CSC, preceito este que fixa, também taxativamente, os casos de nulidade das deliberações, na esfera das sociedades comerciais. Ora, o que o recorrente sustentou no seu recurso para o STJ foi, em suma, que a situação sub judice não deveria ser analisada do modo como o tinha feito o tribunal, sendo antes a situação subsumível ao preceito do artigo 37º, nº 5 do Código Cooperativo (ou à concreta alínea d) do nº 1 do artigo 56º do CSC) que no seu entender imporia directamente a nulidade e não a anulabilidade da deliberação em questão. E que’ interpretação diversa’ violava expressamente o nº
10 do artigo 32º da CRP - mas não se alcançando do raciocínio do recorrente quais teriam sido essas normas’ diversamente interpretadas’ pelo tribunal, só podendo tratar-se, no contexto, dos citados preceitos legais invocados pelo recorrente que no entanto não foram normas aplicadas pelo tribunal recorrido'. Tanto basta para concluir pela improcedência da presente reclamação. E. Termos em que, DECIDINDO, indefere-se a reclamação e não se toma conhecimento do recurso, condenando-se o recorrente nas custas, com a taxa de justiça fixada em 15 unidades de conta. Lisboa, 20 de Novembro de 2002 Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da osta