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Processo n.º 362/01
2ª Secção Relator - Cons. Paulo Mota Pinto Acordam em conferência no Tribunal Constitucional: M, notificada do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 224/02, no qual se decidiu indeferir as reclamações de decisão sumária no sentido do não conhecimento dos recursos de constitucionalidade apresentados pela reclamante e B e outros, veio requerer a aclaração daquela decisão, dizendo:
'É que, com todo o respeito pelo que foi decidido no processo na 1ª instância e no Supremo Tribunal de Justiça, entende a requerente que a conclusão a que aí se chegou desrespeita por tal forma o direito positivo aplicável que não desiste de encontrar uma sede jurisdicional em que seja reconhecido que a reforma agrária existiu para todos e que o Dr. F não pode ser tratado como se ela não tivesse existido. Vai, por isso, a requerente propor na jurisdição administrativa uma acção de reconhecimento de direito em que se confronte o Estado com a inevitabilidade de ter de aplicar a lei também ao Dr. F e se solicite da mesma jurisdição a declaração de que, por imperativo de C.R.P. e da Lei de Bases da Reforma Agrária, não pode ele regressar à posição de arrendatário da Herdade ...., sem prévia decisão da Administração em processo de reserva de rendeiro, e terá porventura até de abdicar de vastas áreas de terra que explora em violação da C.R.P.. Porém, para isso, precisa de se socorrer do que foi decidido por V.Exas. no douto acórdão que indeferiu a reclamação apreciada em conferência. Ora há no texto da douta decisão duas linhas de raciocínio que à requerente se afiguram, com o devido respeito, equívocas e que precisa de ver esclarecidas para saber com que força as vai invocar na acção a propor. Cita-se, a fls. 15 do douto acórdão (ponto 10), uma afirmação da requerente em que esta sustenta que a inconstitucionalidade esteve na ‘neutralização através de norma interpretada em sentido que ela não comporta de todo um sistema legal imposto pela Constituição’. E comenta-se: ‘A ser assim, não estaria em causa qualquer inconstitucionalidade normativa’. Parece dever concluir-se daqui que o douto acórdão entende que a decisão do Supremo Tribunal de Justiça não podia, em razão daquela subversão do sistema, ser acusada de vício de inconstitucionalidade. Isto é, que só norma concretamente citada pelo Supremo Tribunal de Justiça podia ser acusada de tal vício. Mas é duvidoso que assim seja, ou pelo menos que seja com esse rigor que deve ser lida a citação transcrita. Daí que se peça a aclaração. Diz-se, por outro lado, a fls. 12 que ‘se a legislação ordinária cita limites em matéria de estrita aplicação do disposto na Constituição, a legislação ordinária não padece de inconstitucionalidade e o vício está no reconhecimento de um arrendamento com essas características. Vício, note-se, da ilegalidade, o que o torna totalmente imprestável para fundamentar a suscitação de uma questão de inconstitucionalidade’. Deste texto pode concluir-se que foi entendimento do douto acórdão que a decisão do STJ, tal como foi preferida, nunca seria recorrível no plano da constitucionalidade. Mas tem dúvidas que assim seja. O esclarecimento de ambas as referidas questões é importante para a requerente, atento o condicionalismo de que a jurisprudência administrativa rodeia a admissibilidade de proposituras de acções para reconhecimento de um direito, designadamente quanto a encontrarem-se esgotados os meios de discussão contenciosa dos problemas a suscitar.' O recorrido F, notificado do requerimento de aclaração, veio pugnar pelo indeferimento do pedido de aclaração e pela condenação da requerente, 'nos termos dos arts. 456º e 457º do C.P.C., como litigante de má fé em multa e indemnização condigna, em que se incluam honorários do Mandatário, nunca inferior a 30 Ucs.'. O presente requerimento de aclaração tem de ser desatendido, por não se descortinar algo que careça de esclarecimento, por ambíguo ou obscuro, no Acórdão n.º 224/02. Designadamente, a requerente centra o seu pedido em passagens extraídas de fls.
12 e 15 deste aresto, no contexto da demonstração da falta da necessária suscitação pelas recorrentes, perante o tribunal recorrido, das questões de constitucionalidade normativa que pretendiam que o Tribunal Constitucional apreciasse, afirmando, em esforço interpretativo, parecer 'dever concluir-se daqui que o douto acórdão entende que a decisão do Supremo Tribunal de Justiça não podia, em razão daquela subversão do sistema, ser acusada de vício de inconstitucionalidade', e parecer ser 'entendimento do douto acórdão que a decisão do STJ, tal como foi preferida, nunca seria recorrível no plano da constitucionalidade.' Não tem, porém, cabimento no pedido de aclaração qualquer solicitação no sentido de que o aresto aclarando diga mais do que literalmente fez, nas passagens em causa, e que era suficiente para a decisão a que chegou: essas passagens referem-se, apenas, à inexistência de suscitação, pelos recorrentes, da inconstitucionalidade de normas, num caso (fls. 12 do aresto) por se referir um vício de ilegalidade, e não de inconsticionalidade, e, no outro caso (fls. 15) – em formulação aliás hipotética e numa passagem que constitui obiter dictum (pois seguidamente foram analisados em detalhe os argumentos da reclamante) –, em referência à afirmação de que 'não est[áva]mos perante a aplicação, em termos inconstitucionais, de uma simples norma, mas perante a neutralização, através de norma interpretada em sentido que ela não comporta (não se hesita em dizê-lo), de todo um sistema legal imposto pela Constituição'. A fundamentação do aresto revela-se, assim, no contexto da demonstração da falta de verificação dos requisitos indispensáveis para se poder tomar conhecimento dos recursos, perfeitamente clara, não carecendo de qualquer esclarecimento. O recorrido, além de sustentar o indeferimento do pedido de aclaração, pediu a condenação da requerente, 'nos termos dos arts. 456º e 457º do C.P.C., como litigante de má fé em multa e indemnização condigna, em que se incluam honorários do Mandatário, nunca inferior a 30 Ucs.'. Todavia, apesar de o pedido de aclaração não poder ser atendido, em face do teor deste pedido e do aresto aclarando, não se descortinam quaisquer elementos que levem a concluir pela litigância de má fé da requerente, seja por fazer um uso reprovável do processo, com o fim de entorpecer a acção da justiça ou por protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. O correspondente pedido de condenação da requerente é, pois, de indeferir. Com estes fundamentos, decide-se: a. Desatender o pedido de aclaração do Acórdão n.º 224/02; b. Indeferir o pedido de condenação da requerente como litigante de má fé; c. Condenar a requerente em custas, com 10 (dez) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa,
13 de Novembro de 2002 Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa