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Proc. nº 128/02
1ª Secção Relator: Cons.º Luís Nunes de Almeida
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – RELATÓRIO
1. A interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa da decisão instrutória que não pronunciou os arguidos B, C e D pela prática de diversos crimes, alegando para o efeito, desde logo, que aquela decisão se mostrava «ilegal e iníqua».
Na respectiva motivação de recurso para a Relação, o recorrente formulou as seguintes conclusões:
A) Ao entender que o requerimento de abertura da instrução não estava formulado «em termos mínimos que permitam formular eventual despacho de pronúncia, por não obedecerem ao disposto no art. 287º, nº2, do CPP», e, cumulativamente, que não poderia ser objecto de aperfeiçoamento, o Tribunal deveria ter indeferido o mesmo e determinado o arquivamento dos autos;
B) Não o fazendo, e não tendo determinado o aperfeiçoamento daquele requerimento, o Tribunal, na verdade, simulou a realização da instrução, o que equivale à inexistência de instrução;
C) O TIC decidiu não pronunciar os arguidos no momento em que conheceu o requerimento de abertura de instrução de 25JAN99 (fls. 488), isto é, antes de declarar aberta a instrução;
D) O TIC não procedeu pois à instrução do processo mas sim a um simulacro de instrução; o que equivale à inexistência de instrução, nulidade que desde já se argui;
E) Na decisão recorrida foi entendido que [...]se tornou inútil a instrução;
F) As decisões e os actos praticados posteriormente ao momento em que o tribunal conheceu o requerimento de abertura da instrução [...] são nulos e de nenhum efeito,
G) [...]
H) [...]
I) O mesmo é dizer que inexistiu a instrução legalmente exigida, pelo que o processo está ferido de nulidade insanável que desde já argui, ou, em alternativa,
J) O mesmo está ferido de nulidade sanável, com base na insuficiência de instrução e de omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade, agora oportunamente arguida em face do que antecede.
K) A matéria de facto constante dos autos foi erradamente apreciada na decisão recorrida, [...] pois deveria ter conduzido a um despacho de pronúncia, em virtude de constituírem indícios mais do que suficientes da prática dos crimes denunciados e imputados;
[...]
E terminou pedindo a revogação da decisão recorrida, substituindo-a
«por outra que» pronunciasse «os arguidos pelos factos denunciados», ou, para o caso de assim se não entender, que fosse «determinado ao Tribunal a quo que notifique o Assistente para apresentar novo requerimento de abertura da instrução» e que o mesmo tribunal procedesse à «instrução de acordo com as legais determinações».
2. Na sua resposta, o Ministério Público manifestou-se no sentido da manutenção do despacho recorrido.
Também os recorridos B e C apresentaram resposta àquela motivação, entendendo de manter a decisão recorrida.
Por sua vez, o recorrido D, propugnando também pela improcedência do recurso, concluiu ainda que o despacho que «indeferiu as diligências pedidas», e do qual o recorrente não reclamou, transitou em julgado.
3. O Procurador-Geral Adjunto, no Tribunal da Relação de Lisboa, suscitou, no seu parecer, questão prévia relativa à rejeição do recurso, que fundamentou, relativamente à segunda parte do pedido do recorrente, nos termos seguintes :
[...] nos termos do disposto no art. 287º, nºs 1 e 2 do CPP, a abertura de Instrução, através da apresentação do competente requerimento de abertura, tem de ser feita no prazo de 20 dias após a notificação do despacho de arquivamento, no caso «sub judice», o qual, há muito tempo, decorreu.
Tanto basta para se concluir que tal pedido não pode proceder, até porque é ilegal.
E, no tocante à primeira parte do mesmo pedido, concluindo pela manifesta improcedência do recurso, considerou ainda:
[...] para a pronúncia dos arguidos, nos termos do disposto no art.
308º, nºs 1 e 2 do CPP, é necessário que haja indícios suficientes de se verificarem os pressupostos de que depende a aplicação de uma pena, desde que, de tais indícios, resulte uma possibilidade razoável de tal pena vir a ser aplicada aos arguidos.
[...]
Ora, da simples leitura de tais «Conclusões» resulta inequívoco que em nenhuma delas se faz referência à existência de indícios mínimos que permita a pronúncia dos três arguidos.
4. Por acórdão de 31 de Janeiro de 2001, a Relação rejeitou o recurso, por manifesta improcedência do mesmo.
No tocante ao pretendido aperfeiçoamento do requerimento de abertura da instrução entendeu o acórdão que tal pretensão era ilegal, por violação do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 287º do CPP. Como se pode ler neste aresto:
Na verdade, a pretensão do recorrente não tem qualquer fundamento legal, por isso não invoca, neste aspecto, nenhuma norma legal, mormente do CPP/98, como tendo sido violada pelo Mº JIC e em que pudesse sustentar-se tal iniciativa (de convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução).
Por outro lado, o titular da acção penal é o Ministério Público
(artºs 219º, nº 1 da CRP, 241º e ss. do CPP e 3º, nº 1 da LOMP), pertencendo ao assistente a posição de mero colaborador daquele – cfr. artº 69º, nº 1 do CPP/98
– muito embora possa deduzir a acusação (e «independente da do Ministério Público») – cfr. alª b) do nº 2 desse artº 69º do CPP.
[...]
[...] convém acentuar que no CPP/98 (red. da Lei 59/98, de 25/08, tal como na sua versão originária, CPP/87) a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento – artº 286º, nº 1 do CPP; sendo que a instrução é facultativa – nº 2 desse artº 286º.
[...]
E, após citar o artigo 287º do CPP, prosseguiu pela forma seguinte:
Este preceito impediu o JIC de rejeitar o seu requerimento de abertura de instrução, ainda que não contivesse (como parece evidente – basta lê-lo – que não contém), em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à não acusação (do Mº Pº);
[...]
Segundo a lei [...], não só a acusação, do Mº Pº ou particular, mas também o requerimento de abertura da instrução pelo assistente, delimitam os poderes de cognição do juiz.
Assim fixado o thema decidendum, o objecto da instrução, o juiz pode e deve (poder-dever) investigar o caso se considerar procedentes as razões de facto e de direito indicadas pelo assistente.
Só que, ao invés, o requerimento de abertura de instrução do assistente, nestes autos, não contém os exigidos pressupostos de uma acusação
(as supra referidas razões de facto e de direito...), mormente, não individualiza os factos nem a culpa de cada um dos arguidos (o que, a permitir-se, impediria o exercício efectivo do direito de defesa), pelo que é manifestamente improcedente, por não possuir a virtualidade de conduzir à pronúncia dos arguidos (cfr. art.º 308º, nº 1 do CPP/ 98).
Prosseguindo, o acórdão fundamentou a impossibilidade quer de rejeição, quer de aperfeiçoamento do requerimento em duas vertentes:
1ª) Não se está perante nenhuma das hipóteses de rejeição do requerimento de abertura de instrução, elencadas no nº 3 do artº 287ª: a extemporaneidade do requerimento, a incompetência do juiz ou a inadmissibilidade legal da instrução;
2ª) Por outro lado, [...], o princípio da acusação no processo penal impede o juiz de uma tal iniciativa, de ordenar ou permitir ao acusador (no caso, assistente) o aperfeiçoamento do seu requerimento de abertura de instrução, ou seja, como vimos, de reformular ou de apresentar nova acusação
(naquele contida) – cf. citado artº 32º, nº 5 da CRP.
Em suma, se o juiz de instrução o fizer ou permitir tal reformulação da acusação, está a ajudar o assistente em detrimento do(s) arguido(s), o que não só é incompatível com a sua função jurisdicional (cfr. artºs 202º e segs. da Lei Fundamental), verificando-se, nesse caso, uma desnecessária e desproporcionada diminuição das garantias de defesa que o processo penal deve assegurar – com o que se violam as normas contidas nos artºs 18º e 32º, nºs 1 e
5 da CRP.
Por fim, no tocante à arguida nulidade, entendeu este aresto que ela não se verificaria. Desde logo, porquanto a mesma não foi atempadamente arguida, ou seja, não o foi «até ao encerramento do debate instrutório», pelo que sempre estaria sanada; mas ainda porque se verificaram efectivos «actos de instrução» no processo, nomeadamente os interrogatórios dos arguidos, ao invés da alegada falta ou ausência de instrução que consubstanciaria a pretendida nulidade.
Entendeu-se ainda, relativamente às restantes conclusões do recorrente, que as mesmas se mostravam manifestamente improcedentes.
5. O recorrente veio pedir a aclaração deste acórdão, ao abrigo do disposto «no artigo 669º, nº 1, alínea a), do CPC, ex vi do artigo 4º do CPP», reiterando, por um lado, os fundamentos já colocados na motivação de recurso, e, por outro, enumerando e apontando «chocantes falsidades, ilegalidades, nulidades e ainda [de] manifestas obscuridades, contradições e ininteligibilidades» constantes do acórdão que pretendia fosse aclarado.
Por acórdão de 18 de Abril de 2001, a Relação indeferiu o requerimento de aclaração. Começou por esclarecer, desde logo, que as situações de correcção da sentença se encontram previstas pelo artigo 380º do CPP, e que apenas haverá lugar a essas correcções quando a sentença «contenha erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial», tratando-se de uma «faculdade meramente residual». Concluiu-se assim que «como poder residual que é [...] não pode o juiz, na correcção da sentença, ir além ou ficar aquém daquilo que, bem ou mal, decidiu».
E prosseguiu o acórdão:
Acontece que, [...] o que o requerente pretende não é uma verdadeira aclaração, mas antes uma modificação essencial da nossa decisão: pretende, aliás, que se altere a decisão de rejeição do seu recurso, apesar de ter percebido perfeitamente que ali se ponderou e decidiu que todas as conclusões do recorrente (de A) a O), inclusive, e que, como se sabe, delimitam o âmbito do recurso – como é jurisprudência pacífica do STJ), foram consideradas manifestamente improcedentes, e daí o fundamento da decisão de rejeição do recurso (por manifesta improcedência), como, aliás, flui do já citado artº 420º, nºs 1 e 4, do CPP.
6. O recorrente veio, então, arguir nulidades do acórdão de 31 de Janeiro de 2001, considerando para tanto que, «no acórdão em crise, é manifesto não só que a decisão (rejeição do recurso) está em contradição com a fundamentação (a improcedência das conclusões da motivação); como, face à decisão proferida ( a rejeição do recurso), o tribunal conheceu de questões (o mérito da motivação) que não podia conhecer».
Por despacho de 27 de Junho de 2001, o Relator indeferiu o requerimento, porquanto, não tendo o requerente interposto recurso para o STJ, nem tendo impugnado o aresto de 18 de Abril de 2001, que indeferiu o pedido de aclaração do recorrente, também o mesmo não se encontrava «na situação prevista no nº 2 do artº 379º do CPP», nem se verificavam «os pressupostos do nº 1 do artº 686º do CPC», pelo que se encontrava «há muito, excedido o prazo legal para arguir tal vício», nos termos do disposto nos artigos 105º, nº 1, e 118º a 123º do CPP/98, ou seja, com fundamento na manifesta extemporaneidade do requerimento em causa.
Inconformado, o recorrente veio, então, reclamar desse despacho para a conferência, entendendo, nomeadamente, que «a ratio do art. 686º é a de permitir à parte vencida que só depois de ser esclarecida quanto às ambiguidades, obscuridades e contradições da decisão é que, esclarecidamente, exerça o seu direito de impugnar» a decisão controvertida por meio de recurso,
«recurso» esse que, sempre no entender do recorrente, deve «ser entendido em sentido lato, como meio de impugnar as decisões, ainda que perante a própria instância quando não seja possível a sua sindicância por instância superior».
E prosseguiu esse entendimento pela forma seguinte:
Interpretação contrária atribuiria àquelas normas já referidas uma dimensão normativa claramente inconstitucional, por violação do art. 20º da CRP
– que, à cautela, desde já se argui -, na medida em que, por um lado, imporia uma reacção da parte vencida sem que a mesma se encontrasse convenientemente esclarecida (esclarecimento esse que, no limite, poderia até conduzir a uma conformação com a decisão prolatada);
Por outro lado, restringir-lhe-ia (ou retirar-lhe-ia até) o seu legítimo direito ao recurso, constitucionalmente consagrado.
Nem se diga que a Lei Fundamental não consagra um duplo ou triplo grau de jurisdição ou de recurso, porque não é disso que aqui se trata.
É a própria lei ordinária que permite, mesmo quando não seja admissível recurso para instância superior, arguir nulidades da decisão perante o órgão que a haja proferido.
O que tem como consequência que não poderá a lei ordinária, e muito menos a Lei Fundamental, impor à parte vencida a arguição de nulidades de uma decisão que seja obscura, ambígua ou contraditória, antes de a mesma ser aclarada.
Por acórdão de 26 de Setembro de 2002, a Relação de Lisboa confirmou o despacho reclamado.
7. O recorrente, novamente inconformado, suscitou a nulidade deste acórdão, por nele se ter omitido o conhecimento da suscitada questão de inconstitucionalidade.
Por acórdão, em conferência, de 31 de Outubro de 2001, a Relação indeferiu o requerido, considerando que «não tinha o acórdão de 26/09/2001 de pronunciar-se sobre uma alegada inconstitucionalidade [...]. Ou seja, ao interpretar e aplicar tais normas no sentido exposto, considerou-as de acordo com a lei e mormente de acordo com a Lei Fundamental (tanto mais que o requerente [...] não interpôs recurso daquele ac. de 31JAN01 para o STJ, pelo que não pode sequer dizer que lhe foi coarctado esse acesso ao recurso – cfr. citado art.º 20º da Constituição)». E finalizou, concluindo mostrar-se já esgotado o poder jurisdicional daquele tribunal.
8. O recorrente interpôs então o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea b), da LTC, para apreciação das questões de inconstitucionalidade referentes às seguintes normas:
a) a apreciação da interpretação normativa pelo JIC atribuída aos arts. 286º, nº 1, 287º, nº 2, 290º, nº 1, do CPP, e aos arts. 265º, 265º-A,
266º, do CPC. Aplicáveis por força do art. 4º do CPP, que se afigura inconstitucional por violação das normas constantes dos arts. 2º [...], 12º, nº
1, [...], 13º, nºs 1 e 2 [...], 20º, n.ºs 1 e 2 [...], 32º [...], 202º [...],
203º [...], todos da Lei Fundamental, oportunamente arguido na motivação e conclusões do recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa[...];
b) a apreciação da interpretação normativa pelo Sr. Desembargador-relator do TRL, no despacho de 27JUN01 [...], atribuída aos arts.
105º, n.º 1, 118º a 123º, 379º, n.º 2, 380º, n.º 1, al. b), e 400º, do CPP, e aos arts.668º, n.º 1, al. a), e 3, 669º, n.º 1, al. a), e 686º, aplicáveis por força do art. 4º do CPP, que se afigura inconstitucional por violação das normas constantes do art. 20º [...] da CRP, oportunamente arguido na reclamação para a conferência [...];
c) a apreciação da interpretação normativa no acórdão prolatado em conferência aos 26SET01, atribuída às disposições referidas na alínea anterior, na medida em que confirmou, na íntegra, o despacho do Relator, por violação das mesmas normas e princípios constitucionais, oportunamente arguidas tais inconstitucionalidades no requerimento de 16OUT01 [...];
d) a apreciação da interpretação normativa no acórdão prolatado aos
31OUT01 [...], atribuída às disposições referidas nas alíneas anteriores, na medida em que reiterou o anteriormente decidido e, ainda, ao art. 379º, n.º 1, al. c), do CPP, por violação das normas e princípios constitucionais referidos naquelas alíneas, arguindo só agora tais inconstitucionalidades, relativamente a este último acórdão, por só agora se suscitar a questão;
Admitido o recurso, subiram os autos a este Tribunal, onde o recorrente apresentou as respectivas alegações, nas quais, após delimitar o
âmbito do recurso, distinguiu «as três grandes questões» a submeter a este Tribunal, pela forma seguinte:
i. em que medida é conforme à Constituição a interpretação normativa segundo a qual o JIC, considerando desde o início da instrução que o requerimento de abertura da mesma apresentado pelo Assistente «não está formulado em termos mínimos que permitam formular eventual despacho de pronúncia, por não obedecer ao disposto no art. 287º nº 2 do CPP», não pode determinar o aperfeiçoamento do requerimento – entendimento esse aliás reforçado no acórdão do TRL de 31JAN01, ao sustentar que, a admitir-se a violar o princípio da acusação no processo penal (permitindo-se ao acusador – leia-se, Assistente -, o aperfeiçoamento do requerimento – leia-se, acusação), e, ainda, a diminuir desnecessária e desproporcionadamente as garantias de defesa (do arguido);
ii. em que medida é conforme à Constituição a interpretação normativa segundo a qual não se reconheça à «parte vencida» o direito de ver esclarecidas as obscuridades, ambiguidades e contradições da decisão e, só após a prolação do despacho que a aclarar ou indeferir a aclaração, então se inicia a contagem do prazo para reagir a tal decisão;
iii. em que medida é conforme à Constituição a interpretação normativa segundo a qual, assacando-se à decisão nulidades de que a mesma enferma, o tribunal que a proferiu não tenha que se pronunciar sobre as mesmas quando o recurso ordinário é inadmissível;
9. O Ministério Público, nas respectivas contra-alegações, suscitou, como questão prévia, a não verificação dos pressupostos do recurso interposto.
Entendeu o Ministério Público que o recurso não podia considerar-se reportado, nem à decisão instrutória proferida pelo JIC, nem à decisão sumariamente lavrada nos autos pelo desembargador-relator, e considerou ainda que o recorrente não cumprira, de forma adequada, o ónus de especificar qual a interpretação normativa «atribuída» pelas decisões recorridas às normas que indicou, o que se traduziria numa «indefinição do objecto do recurso», precludindo irremediavelmente a possibilidade de conhecimento do respectivo objecto. E sustentou ainda que «aquilo que o recorrente verdadeiramente se apresta a controverter é a 'inconstitucionalidade' das decisões concretamente proferidas nos autos, acerca da admissibilidade e consistência dos incidentes pós-decisórios que suscitou».
E formulou as seguintes conclusões:
1º - Não são objecto idóneo de um recurso de fiscalização concreta a decisão proferida por juiz de instrução (subsequentemente reapreciada e
'consumida' por acórdão da Relação) nem o despaho proferido, no âmbito de certo recurso, pelo desembarador-relator, objecto de subsequente reclamação para a conferência.
2º - Não tendo o recorrente, no requerimento de interposição do recurso delineado, em termos adequados, uma questão de inconstitucionalidade normativa, especificando qual a interpretação das normas reguladoras dos incidentes pós-decisórios que considera ter sido efectivamente realizada e aplicada pelos acórdãos impugnados, não se mostra cumprido, em termos bastantes, o ónus que impende sobre o recorrente de delimitar adequadamente o o bjecto
'normativo' do recurso.
3º - Confirmando-se, aliás, pelo teor das alegações apresentadas, que aquilo que o recorrente verdadeiramente controverte é a constitucionalidade das concretas e casuísticas decisões, tomadas nos autos face aos incidentes pós-decisórios suscitados, tidos por 'anómalos' e processualmente inadmissíveis.
Por sua vez, os recorridos B e C apresentaram alegações, nas quais entenderam que o recorrente não alegou que, no caso, tivesse sido aplicada qualquer norma de modo desconforme à Constituição.
O recorrido D não alegou.
Notificado para se pronunciar sobre a questão prévia suscitada pelo Ministério Público, veio o recorrente afirmar que, ao notificar o recorrente para alegações, o Juiz constitucional «decidiu também que se verificam os pressupostos do recurso», não tendo havido qualquer recurso dessa decisão, pelo que a mesma teria já transitado em julgado e, a não se entender assim, «estaria o próprio Juiz Constitucional a decidir ao abrigo de uma dimensão normativa essa sim inconstitucional por violar, designadamente, os arts. 2º e 20º, n.º 5, ambos da CRP».
E considerou, quanto ao resto, que cumpriu suficientemente o ónus de especificar a interpretação normativa seguida pelas decisões de que recorreu, e que delimitou de forma clara e inteligível as normas cuja constitucionalidade pretendia ver apreciadas pelo Tribunal Constitucional.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTOS
10. Importa, antes de mais, apreciar a questão prévia suscitada pelo Ministério Público e delimitar o objecto do presente recurso, tendo em conta, além do mais, que este é definido no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade.
Seguindo a delimitação do objecto do recurso efectuada pelo recorrente no respectivo requerimento de interposição, considerou o Ministério Público, relativamente às duas primeiras alíneas supra transcritas, que «é manifesto que ele [o recurso] não pode considerar-se reportado, nem à decisão instrutória proferida pelo JIC (e naturalmente 'consumida' pelo acórdão da Relação que, ao julgar o recurso interposto, a apreciou), nem à decisão sumariamente lavrada nos autos pelo desembargador-relator, objecto de ulterior reclamação para a conferência (já que cumpria naturalmente ao recorrente
'esgotar' este meio impugnatório ordinário, só podendo o recurso para o Tribunal Constitucional reportar-se ao acórdão do colectivo, e não naturalmente à precedente decisão singular do relator do processo)».
Prosseguindo, e no tocante aos acórdãos da Relação que o recorrente indicou nas restantes duas alíneas do requerimento de interposição do recurso, entendeu o Ministério Público que o recorrente «não cumpriu, em termos adequados, o ónus de especificar qual a interpretação normativa que considera ter sido realizada» nesses arestos, para concluir que «aquilo que o recorrente verdadeiramente se apresta a controverter é a 'inconstitucionalidade' das decisões concretamente proferidas nos autos [...] não constituindo obviamente objecto idóneo da fiscalização da constitucionalidade de normas determinar se existem ou não 'obscuridades' ou 'nulidades' nos acórdãos proferidos».
Entendeu o recorrente, por sua vez, que se verificavam os pressupostos do recurso, até porque o relator não deitou mão do disposto no artigo 75º-A da LTC, não podendo o Juiz Constitucional «considerar-se desvinculado do 'poder-dever', [...] de garantir a prevalência da 'substância sobre a forma', da salvaguarda do princípio da 'pro actione'», pelo que a notificação para alegar levava implícita a decisão de verificação dos pressupostos do recurso.
No tocante às inconstitucionalidades das próprias decisões, entendeu o recorrente que o Tribunal da Relação «não julgou o recurso interposto nem apreciou as inconstitucionalidades suscitadas. Pelo que não as consumiu» [as decisões do JIC], e que o acórdão do Tribunal da Relação ao confirmar o despacho do relator «absorveu a 'fundamentação' ali explanada e, consequentemente, as interpretações normativas reputadas inconstitucionais, também é certo que é da conjugação destas duas decisões que verdadeiramente se formam as interpretações normativas cuja inconstitucionalidade foi oportunamente arguida».
E finalizou entendendo que o que o recorrente pretendeu submeter à apreciação deste Tribunal não foram as decisões concretamente proferidas nos autos, mas sim «que tais decisões foram proferidas aplicando 'normas' ou
'dimensões normativas' de determinados preceitos legais que o recorrente reputa inconstitucionais».
11. Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC os recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade aí previstos têm como pressupostos que os recorrentes tenham suscitado, durante o processo, a inconstitucionalidade da norma ou normas que pretendem submeter ao crivo do Tribunal Constitucional e que essa norma ou normas tenham sido efectivamente aplicadas pela decisão recorrida.
De acordo com a jurisprudência deste Tribunal, isto significa que: a) a questão de inconstitucionalidade tenha sido suscitada de forma adequada e a tempo de o tribunal a quo sobre ela se debruçar; b) que a questão tenha por objecto norma ou normas jurídicas e não as próprias decisões judiciais; c) que tal norma ou normas devem ter sido relevantes para a decisão, não bastando que tenham sido apenas mencionadas ou mesmo objecto de tomada de posição pelo tribunal a quo, ou seja, devem ter constituído sua ratio decidendi.
É, desde logo, manifesto que em relação às normas indicadas pelo recorrente nas alíneas a) e b) do requerimento de interposição do recurso não se verificam, como bem indicou o Ministério Público na questão prévia suscitada, os pressupostos indispensáveis para a admissibilidade do recurso.
Quanto às normas indicadas na alínea a), que se reporta à decisão proferida pelo Juiz de Instrução Criminal, sucede que essa decisão é irrecorrível para este Tribunal, para o qual só seria possível recorrer da decisão da Relação que apreciou o recurso dela interposto, o qual foi rejeitado.
Por sua vez, no tocante ao despacho do Desembargador-relator a que se refere a alínea b) do requerimento de interposição do recurso, também não existe recurso para o Tribunal Constitucional, sendo esta decisão necessariamente 'consumida' pelo acórdão da Relação de 26 de Setembro de 2001, apenas desta decisão podendo caber recurso para este Tribunal.
Tem, assim, razão o Ministério Público, procedendo a questão prévia suscitada, no tocante às normas indicadas pelo recorrente nas alíneas a) e b) do seu requerimento, ou seja, as assim indicadas pelo recorrente:
a) a apreciação da interpretação normativa pelo JIC atribuída aos arts. 286º, nº 1, 287º, nº 2, 290º, nº 1, do CPP, e aos arts. 265º, 265º-A,
266º, do CPC. Aplicáveis por força do art. 4º do CPP, que se afigura inconstitucional por violação das normas constantes dos arts. 2º [...], 12º, nº
1, [...], 13º, nºs 1 e 2 [...], 20º, n.ºs 1 e 2 [...], 32º [...], 202º [...],
203º [...], todos da Lei Fundamental, oportunamente arguido na motivação e conclusões do recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa[...];
b) a apreciação da interpretação normativa pelo Sr. Desembargador-relator do TRL, no despacho de 27JUN01 [...], atribuída aos arts.
105º, n.º 1, 118º a 123º, 379º, n.º 2, 380º, n.º 1, al. b), e 400º, do CPP, e aos arts.668º, n.º 1, al. a), e 3, 669º, n.º 1, al. a), e 686º, aplicáveis por força do art. 4º do CPP, que se afigura inconstitucional por violação das normas constantes do art. 20º [...] da CRP, oportunamente arguido na reclamação para a conferência [...];
E nem se diga, como pretende o recorrente, que o despacho do relator a determinar a notificação para alegações continha, em si, a verificação da existência dos pressupostos de recurso, por não ter o mesmo usado mão, nesse momento, do facultado pelo artigo 75º-A da LTC. Por um lado, porque esta norma refere-se aos requisitos formais a que o recurso de constitucionalidade há-de obedecer, e não aos pressupostos do recurso; em segundo lugar, porque o despacho do relator a ordenar a produção de alegações não vincula o Tribunal quanto à verificação dos mencionados pressupostos do recurso.
12. Afastadas que estão as normas indicadas pelo recorrente nas alíneas a) e b) do seu requerimento, há que passar então a verificar se também se verificam todos os pressupostos relativos à normas identificadas pelo recorrente na alínea c) do seu requerimento, a saber:
c) a apreciação da interpretação normativa no acórdão prolatado em conferência aos 26SET01, atribuída às disposições referidas na alínea anterior, na medida em que confirmou, na íntegra, o despacho do Relator, por violação das mesmas normas e princípios constitucionais, oportunamente arguidas tais inconstitucionalidades no requerimento de 16OUT01 [...];
O Ministério Público manifestou-se no sentido de igualmente se não verificarem os pressupostos do recurso relativamente a esta alínea, por falta de identificação da interpretação tida por inconstitucional e alegadamente adoptada pela Relação, e ainda por o recorrente atribuir, no seu entender, a questão de inconstitucionalidade à decisão recorrida e não às normas indicadas.
Mas não lhe assiste inteiramente razão neste ponto.
Com efeito, o recorrente indica, desde logo, clara e efectivamente a interpretação adoptada e reputada de inconstitucional, tendo-o feito na reclamação para a conferência do despacho do Desembargador-relator, onde suscitou a questão de inconstitucionalidade da norma constante do artigo 686º, n.º 1, do CPC, ao afirmar aí que a ratio dessa norma «é a de permitir à parte vencida que só depois de ser esclarecida quanto às ambiguidades, obscuridades e contradições da decisão é que, esclarecidamente, exerça o seu direito de impugnar» a decisão controvertida, e que «interpretação contrária atribuiria
àquelas normas já referidas uma dimensão normativa claramente inconstitucional, por violação do art. 20º da CRP».
É, aliás, essa interpretação que o recorrente ainda melhor identifica nas suas alegações pela forma seguinte:
ii. em que medida é conforme à Constituição a interpretação normativa segundo a qual não se reconheça à «parte vencida» o direito de ver esclarecidas as obscuridades, ambiguidades e contradições da decisão e, só após a prolação do despacho que a aclarar ou indeferir a aclaração, então se inicia a contagem do prazo para reagir a tal decisão;
O que se decidiu neste acórdão de 26 de Setembro de 2001 – decisão que confirmou o despacho do relator que indeferiu a arguição de nulidade do acórdão de 31 de Janeiro de 2001 - foi que a pretendida arguição de nulidade era
«manifestamente extemporânea, nos termos das supracitadas disposições legais – art.ºs 118º (princípio da legalidade) e segs. do CPP», por não se verificarem
«os pressupostos do n.º 2 do art.º 379º do CPP», da mesma forma que se não estava «perante a interposição de recurso prevista no art.º 686º, n.º 1 do CPC».
Pois bem, e antes de mais, quer isto dizer que apenas as normas referidas na decisão recorrida foram aí efectivamente aplicadas, pelo que ficam assim necessariamente de fora do objecto deste recurso as restantes normas indicadas pelo recorrente, que não constituíram qualquer fundamento daquela decisão.
Ou seja, ficam de fora as normas constantes do artigo 105º, n.º 1, do artigo 380º, n.º 1, alínea b), do artigo 400º, do CPP, do artigo 668º, n.º 1, alínea a), e n.º 3, e do artigo 669º, n.º 1, alínea a), do CPC, que não foram aplicadas, nem implicitamente, na decisão recorrida, como resulta inequivocamente da simples leitura da mesma.
Por outro lado, as normas constantes dos artigos 118º a 123º do CPP, embora mencionadas na decisão recorrida não constituíram seu fundamento, pois que se referem ao regime das nulidades em processo penal, sendo a referência a elas apenas no sentido de identificar esse regime, diferenciando-o das nulidades de sentença.
Finalmente, no tocante à norma constante do artigo 379º, n.º 2, do CPP, não foi em relação à mesma suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade perante o tribunal a quo, na reclamação para a conferência do despacho do Desembargador-relator, pelo que não se pode também conhecer do recurso relativamente a esta norma.
Resta, pois, apreciar a norma constante do artigo 686º, n.º 1, do CPC, que constitui efectivamente o objecto do presente recurso de constitucionalidade. A Relação, nesse aresto de 26 de Setembro de 2001, interpretou esta norma no sentido de o diferimento do início da contagem do prazo aí prevista – ou seja, do prazo para a interposição do recurso -, quando exista pedido de aclaração da sentença, se aplicar apenas às hipóteses de interposição de recurso e não já aos casos de arguição de nulidades, pelo que não podia, in casu, o requerimento de aclaração interposto pelo recorrente suspender esse prazo.
É essa interpretação ou sentido que o recorrente identificou na reclamação do despacho do Desembargador-relator, onde desde logo suscitou a questão de inconstitucionalidade da norma constante do artigo 686º, n.º 1, do CPC, ao afirmar que a ratio de tal norma «é a de permitir à parte vencida que só depois de ser esclarecida [...], exerça o seu direito de impugnar» a decisão em causa, e que interpretação contrária seria claramente inconstitucional, e que posteriormente especificou no ponto ii das suas alegações perante este Tribunal, na medida em que «não se reconheça à «parte vencida» o direito de ver esclarecidas as obscuridades, ambiguidades e contradições da decisão e, só após a prolação do despacho que a aclarar ou indeferir a aclaração, então se inicia a contagem do prazo para reagir a tal decisão», mostrando-se inconstitucional, por violação do artigo 20º da Constituição.
13. O Tribunal teve oportunidade de apreciar situação semelhante no Acórdão n.º 485/00, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 48.º vol., págs. 401 e segs.), no qual se afirmou o seguinte:
A aclaração da sentença visa, fundamentalmente, o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade da decisão [cf. artigo 669º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil]. Trata-se, pois, e nesta dimensão, de um meio processual que possibilita a superação de dúvidas relativas a eventuais imperfeições que se reportam ao texto da sentença, mas que não a afectam enquanto acto jurídico.
A nulidade da sentença, por outro lado, já consubstancia um vício
(substancial ou formal) da decisão, constituindo a sua arguição um meio de reagir contra a própria sentença defeituosa (cf. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª ed., 1985, p. 693 e ss.; Fernando Luso Soares, Processo Civil de Declaração, 1985, p. 845 e ss.).
Verifica-se, assim, que a aclaração da sentença e a arguição de nulidades têm finalidades diversas e efeitos distintos.
Nos presentes autos está em causa a articulação dos dois mecanismos.
Em face do artigo 670º, nº 3, do Código de Processo Civil, pode afirmar-se que, tendo sido requerida a aclaração, a arguição de nulidade terá lugar após a decisão daquele requerimento (cf. Antunes Varela, ob. cit., p.
694).
[...]
Apenas compete, pois, ao Tribunal Constitucional apreciar a conformidade à Constituição da dimensão normativa que subjaz à decisão recorrida, segundo a qual a arguição de nulidades da sentença não pode ter lugar depois de ter sido requerida e decidida a sua aclaração.
O artigo 20º da Constituição consagra, no n.º 1, a garantia de acesso ao direito e aos tribunais para tutela dos interesses legalmente protegidos.
A concretização dessa garantia, nomeadamente em matéria cível, é conferida ao legislador infraconstitucional, que dispõe de uma ampla margem de decisão no que respeita ao âmbito das específicas soluções a consagrar (cf., neste sentido, e no que respeita ao direito ao recurso, entre outros, os Acórdãos n.ºs 239/97 e 479/98 – D.R., II, de 15 de Maio de 1997 e de 24 de Novembro de 1999, respectivamente).
Contudo, e no que se refere à questão de constitucionalidade em apreciação, o legislador terá sempre de respeitar a dimensão da garantia de acesso ao direito e aos tribunais que se traduz em assegurar às partes uma completa percepção do conteúdo das sentenças judiciais e em assegurar a possibilidade de reacção contra determinados vícios da decisão. O legislador terá, pois, de consagrar na legislação processual mecanismos que viabilizem, de modo eficaz, a prossecução de tais finalidades.
No que respeita aos vícios e reforma da sentença, o legislador instituiu o quadro legal constante dos artigos 666º e ss. do Código de Processo Civil. Nesse regime, consagrou a possibilidade de requerer a aclaração da sentença, assim como de arguir a sua nulidade. A arguição de nulidades constitui, verdadeiramente, o único meio processual de reacção contra determinados vícios da decisão, consubstanciando, nessa medida, a aludida dimensão da garantia constitucional de acesso ao direito e aos tribunais. Por outro lado, e em função do recorte legal dos respectivos mecanismos processuais, o legislador estatuiu que, tendo sido requerida a aclaração da sentença, o prazo da arguição de nulidades só começa a correr depois da notificação da decisão da aclaração (artigo 670º, nº 3, do Código de Processo Civil).
Ora, exprimindo o regime em vigor, nos seus traços essenciais, um modo de concretização da garantia constitucional, não pode, nessa medida, ser por via interpretativa restringido ou truncado naqueles aspectos que materializam o exercício (no caso) do direito constitucionalmente garantido. A limitação da utilização dos meios processuais em causa (maxime, da arguição de nulidades), quando a parte observa o condicionalismo legal (nomeadamente no que respeita a prazos), atentará, pois, contra o direito de acesso aos tribunais constitucionalmente consagrado, se tal limitação não se fundar num outro valor ou princípio com dignidade constitucional.
Nos presentes autos, o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão recorrido, considerou que a arguição de nulidades não podia ter lugar, uma vez que tinha sido requerida a aclaração do acórdão. Entendeu, para esse efeito, e apenas, que a apresentação do requerimento de aclaração permite concluir, inevitavelmente, que o reclamante concorda com a sentença e que preclude a possibilidade de arguir a respectiva nulidade.
Tal conclusão impede a autonomização da aclaração face à arguição de nulidades enquanto meios processuais com finalidades distintas. Com efeito, e numa outra interpretação possível das normas que prevêem tais mecanismos, a aclaração do acórdão pode até constituir um momento preparatório da arguição de nulidades (como acontece in casu), havendo a possibilidade de a parte apenas poder formar fundadamente a sua decisão de arguir nulidades após a decisão do requerimento de aclaração.
Verifica-se, assim, que a interpretação feita pelo Supremo Tribunal de Justiça das normas em causa limita, não justificadamente, o direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20º, n.º 1, da Constituição. Trata-se, na verdade, da inviabilização do recurso a um mecanismo processual com uma finalidade singular, e, por essa via, da denegação da única possibilidade legal de reacção contra determinados vícios da decisão jurisdicional.
Ora, presente o paralelismo das situações, é esta orientação que aqui se adopta e prossegue na íntegra.
Com efeito, a interpretação adoptada pela Relação inviabiliza o recurso ao mecanismo processual da arguição de nulidades, ao não admitir que o prazo para a respectiva interposição se inicie apenas após a prolação da decisão que tenha apreciado o anterior pedido de aclaração da sentença, assim frustrando totalmente os objectivos prosseguidos por tal instituto.
Pelo que se conclui pela inconstitucionalidade da norma constante do artigo 686º, n.º 1, do CPC, quando interpretada no sentido de não permitir que o início da contagem do prazo para a arguição de nulidades corra a partir da notificação da decisão que aprecie pedido de aclaração da sentença, por violação do artigo 20º da Constituição.
14. Alcançada esta conclusão, afigura-se inútil apreciar as restantes normas indicadas pelo recorrente, e reportadas à decisão de 31 de Outubro de 2001, pois este aresto limitou-se a apreciar a questão da nulidade do anterior aresto de 26 de Setembro; ora, o presente juízo de inconstitucionalidade importa a revogação da decisão recorrida, ou seja, desse acórdão de 26 de Setembro e sua substituição por outra conforme com o ora decidido, pelo que qualquer apreciação da constitucionalidade das normas aplicadas nessa outra decisão não surtiria qualquer efeito útil no processo, o que tanto basta para que se não tome conhecimento do recurso nessa parte.
III – DECISÃO
15. Nestes termos, decide-se:
a) não tomar conhecimento do recurso relativamente à decisão do Juiz de Instrução Criminal, de 12 de Maio de 2000 e ao despacho do Desembargador-relator do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27 de Junho de 2001;
b) não tomar conhecimento do recurso relativo ao Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26 de Setembro de 2001, no que se refere às normas constantes dos artigos 105º, 118º a 123º, 379º, n.º 2, 380º, n.º 1, alínea b),
400º, do CPP e 668º, n.º 1, alínea a), e n.º 3, e 669º, n.º 1, alínea a), do CPC;
c) julgar inconstitucional a norma constante do artigo 686º, nº 1, do CPC, interpretada no sentido de o diferimento do início da contagem do prazo aí previsto, quando exista pedido de aclaração, se aplicar apenas à interposição de recursos, e não à arguição de nulidades, por violação do artigo 20º da Constituição da República;
d) consequentemente, conceder provimento parcial ao recurso, devendo a decisão recorrida, constante do referido acórdão do Tribunal da Relação de 26 de Setembro de 2001 ser revogada e substituída por outra, de acordo com o juízo de inconstitucionalidade ora formulado;
e) não tomar conhecimento do recurso relativo ao acórdão da Relação de 31 de Outubro de 2001, por inutilidade.
Custas pelos recorridos B e C, fixando-se a taxa de justiça em 15 UC’s, para cada um deles.
Lisboa, 4 de Fevereiro de 2003 Luís Nunes de Almeida Artur Maurício Maria Helena Brito Pamplona Oliveira José Manuel Cardoso da Costa