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Proc. nº 400/02
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
A. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo (Secção do Contencioso Tributário), proferiu o Relator a seguinte DECISÃO SUMÁRIA:
'1. O Banco A., com sede em Lisboa, veio interpor recurso para este Tribunal Constitucional, fundamentado ‘na alínea b), do nº 1, do artigo 70º’ (da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro), do acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 14 de Fevereiro de 2002, que negou provimento ao recurso por ela interposto e decidiu ‘confirmar a douta sentença recorrida’, ou seja, ‘a sentença do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa (3º Juízo-2ª Secção), de 26/10/2000, a qual julgou improcedente a impugnação judicial por ele deduzida contra a liquidação do IRS do ano de 1990, do montante de 4 953 967$00, relativo a ‘juros decorridos’’. No requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, diz o Banco recorrente que ele ‘estriba-se na apreciação da constitucionalidade do sentido decisório do Acórdão proferido em duas vertentes, a saber, a de interpretar e atribuir à alínea c), do nº 1, do artigo 6º, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, na sua redacção inicial, um sentido normativo segundo o qual essa norma de incidência compreendia a tributação da transmissão antecipada de títulos e a de conferir ao artigo 1º, do Dec.Lei 263/92, de 24 de Novembro, apenas na parte em que altera o indicado artigo 6º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, uma dimensão normativa de natureza interpretativa, facto que condiciona o interprete e origina a sua aplicação retroactiva’. E acrescenta-se ainda nesse requerimento:
‘Não restam, por isso dúvidas, cumprindo o disposto no n° 2, do citado artigo
75°-A, que essa interpretação e posterior subsunção, constituíram o concreto sentido normativo que lhes foi atribuído na decisão em apreço, configurando verdadeiras rationes decidendi do Acórdão proferido, o primeiro consubstanciado em integrar, por essa via, na previsão dessa norma de incidência tributária, realidades que objectivamente nela não se contêm e o segundo, traduzido na vinculação do intérprete a esse sentido interpretativo, excluindo outros dogmaticamente possíveis e forçando, consequentemente, a aplicação retroactiva dessa norma, são susceptíveis de pôr em crise o princípio da tipicidade tributária, actualmente consignado no art° 103° e, ao tempo dos factos, no n° 2, do artigo 106°, da Constituição da República Portuguesa. A constitucionalidade da interpretação e consequente aplicação do preceito legal citado, nas suas duas versões, foi suscitada nas alegações de recurso perante o Tribunal Central Administrativo, como melhor se infere do que se verte nas suas conclusões 8a a 10a e 13a a 17a’.
2. Acontece que em recurso idêntico, vindo do mesmo Supremo Tribunal a quo, e em que era também recorrente o Banco A, entendeu-se no acórdão nº 244/00, publicado no Diário da República, II Série, nº 254, de 3 de Novembro de 2000, deste Tribunal Constitucional, que não era de tomar conhecimento do recurso de constitucionalidade, tendo por objecto as mesmas normas questionadas nestes autos. Isto porque, por um lado, o recorrente ‘não cumpriu um dos requisitos do recurso de constitucionalidade de que se serviu in casu, o da exigência de suscitação da questão de inconstitucionalidade de uma norma jurídica durante o processo
(artigo 280º, nº 1, b), da Constituição, e artigo 70º, nº 1, b) da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro)’ e, também em obediência a esse requisito, ‘não suscitou uma questão de inconstitucionalidade, no plano da interpretação da norma em colisão com a Lei Fundamental (norma inconstitucional, numa certa interpretação da mesma)’. E, por outro lado, ‘no que toca à norma constante do diploma de 1992, interpretada no sentido de ser aplicável a situações verificadas antes da sua entrada em vigor, (...) não haveria nunca interesse juridicamente relevante na sua apreciação, para a julgar (in)constitucional, pois nenhuma utilidade poderia resultar de tal julgamento, face à posição assumida no acórdão recorrido’. Remetendo para os fundamentos desse acórdão, há apenas que repetir aqui o mesmo julgamento, não se tomando, por consequência, conhecimento do presente recurso
(cfr. ainda o acórdão nº 138/01, inédito), pois o Banco recorrente – cfr. alegações apresentadas perante o Supremo Tribunal a quo – continua a reportar-se, como fez nos outros processos, à ‘interpretação feita no Acórdão recorrido do artº 6º, nº 1, al. c) do CIRS, na medida em que considera compreendidos na sua previsão, a tributação dos juros vencidos ou decorridos’, e
‘`a interpretação que é consignada sobre o sentido e natureza das alterações introduzidas no artº 6º do CIRS, pelo artº 1º, do Dec. Lei 263/92, de forma a considerá-las como normas de natureza interpretativa’ para concluir:
‘De resto, sempre a interpretação dessa norma feita no acórdão recorrido, por isso merecedor de objectiva censura, no sentido de lhe atribuir um sentido e dimensão normativas, de forma a abranger na sua previsão e considerar como juro, a operação de venda dos títulos antes da data do respectivo vencimento e a conferir a natureza de norma interpretativa à alteração introduzida nesse preceito pelo citado artigo 1°, do Dec. Lei 263/92, aplicando-a retroactivamente, são inconstitucionais, por ofenderem o princípio da tipicidade tributária, consagrado no art° 103°, da CRP , uma vez que é afectado irreversivelmente o princípio da segurança dos cidadãos, o que também inquina a legalidade da liquidação impugnada e determina a sua consequente anulação’. A linguagem do Banco recorrente é a mesma, ou é equivalente, nestes autos e no processo em que foi proferido o acórdão nº 244/00, e, por isso, o resultado tem de ser o mesmo.
3. Termos em que, DECIDINDO, não tomo conhecimento do recurso e condeno o Banco recorrente nas custas, com a taxa de justiça fixado em sete unidades de conta '. B. Dessa DECISÃO veio o Banco recorrente 'apresentar reclamação para a conferência', estribando-se no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, reproduzindo passagens desse requerimento, para concluir que, neste caso, e contrariamente ao afirmado na DECISÃO, 'não só as expressões utilizadas são diferentes como, o que é bem mais importante, é juridicamente diferente o seu sentido e alcance e significado' (e acrescenta o Banco reclamante que foi outra 'a decisão proferida nos autos de recurso nº 752/01,
298/02 e 451/02, todos da 3ª Secção, onde se entendeu ser de admitir a apreciação do objecto dos respectivos recurso). C. Da parte da recorrida Fazenda Pública não foi apresentada resposta. D. Tudo visto, cumpre decidir.
É preocupação do Banco reclamante, fazendo remissões para o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, distinguir o presente caso do caso tratado no acórdão nº 244/00. Reconhece-se que efectivamente as expressões utilizadas pelo Banco reclamante são diferentes neste processo. Tendo isso em conta, admite-se que, diversamente do que ficou dito na DECISÃO reclamada, houve da parte do Banco reclamante a intenção de suscitar uma questão de inconstitucionalidade também quanto à versão originária das normas questionadas, ao reportar-se a interpretação delas feita pelas instâncias violadora do princípio da tipicidade. Simplesmente, como este Tribunal decidiu noutras situações (v.g. acórdão nº
221/95, no DR, II Série, de 27.6.1995), tal questão – de uma inadmissível interpretação analógica de uma determinada norma de tributação – não pode ser vista como questão de inconstitucionalidade normativa, pois o que o Banco reclamante questiona, no fundo, é sempre o processo interpretativo – subsuntivo do julgador. Significa isto que não podendo pôr-se em causa a inutilidade do conhecimento do recurso de constitucionalidade quanto à norma, na versão de 1992, não pode, porém, tomar-se conhecimento do recurso quanto à norma na sua versão originária. Com o que tem de improceder a presente reclamação. E. Termos em que, DECIDINDO, indefere-se a reclamação e não se toma conhecimento do recurso, condenando-se o Banco reclamante nas custas, com a taxa de justiça fixada em 15 unidades de conta. Lisboa, 20 de Novembro de 2002 Guilherme da Fonseca Bravo Serra Maria Fernanda Palma (vencida por Ter entendido que o processo deveria seguir os seus termos para melhor tratamento da questão que nele se debate) Paulo Mota Pinto (vencido, por entender que o processo deveria seguir os seus termos, para conhecimento da questão de constitucionalidade, uma vez que, em conformidade com posição que venho assumindo em relação a questões semelhantes, entendo que a circunstância de estar em causa a violação do princípio da tipicidade não aponta, só por si, a qualificação da questão trazida à apreciação deste Tribunal) como questão de constitucionalidade normativa) José Manuel Cardoso da Costa