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Processo n.º 414/2013 (Urgente)
2.ª Secção
Relator: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, na 2ª Secção, do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, em que é recorrente o Ministério Público e recorrido o Sindicato Democrático dos Professores da Madeira, foi interposto recurso, em 13 de maio de 2013 (fls. 120), a título obrigatório, em cumprimento do artigo 280º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e dos artigos 70º, n.º 1, alíneas a) e e), e 72º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), de sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, em 08 de maio de 2013 (fls. 84 a 114), que desaplicou a norma extraída do artigo 2º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 7/2013, de 17 de janeiro, e da parte final da alínea a) do n.º 1 da Parte IV, do Regulamento do Concurso Externo Extraordinário de Seleção e Recrutamento de Pessoal Docente nos Estabelecimentos Públicos da Educação Pré-Escolar e dos Ensinos Básico e Secundário (de ora em diante, apenas designado por “Regulamento do Concurso”), constante do Aviso n.º 1340-A/2013, da Direção-Geral da Administração Escolar, publicado no «Diário da República», 2ª Série, n.º 19, de 28 de janeiro de 2013.
Deve, desde já frisar-se que o requerimento de interposição de recurso se refere – manifestamente, por lapso de escrita – aos “arts.º 270.º, nºs 2, al. a) e 3 da Constituição da República Portuguesa e 70.º, als. c) e e)” da LTC. Porém, não só o mesmo requerimento afirma que o recurso é interposto “com fundamento na sua inconstitucionalidade e ilegalidade por violação dos arts.º 13.º e 47.º n.º 2, da Constituição da República Portuguesa e 80.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira” (fls. 120, com sublinhado nosso), como o próprio recorrente, em sede de alegações, veio esclarecer que aquela referência se deveu a mero lapso de escrita:
«ao abrigo do disposto nos artigos 280º, n.ºs 1, al. a); 2, al. c); e 3 [embora, certamente por lapso, se tenha indicado o artigo 270.º, n.ºs 2, al. a) e 3] da Constituição da República Portuguesa; 70º, nº 1, al.s a) e e) [embora, certamente por lapso, se tenham indicado as alíneas c) e e)]; e 72º, n.ºs 1, al. a), e 3, da Lei 28/82, de 15 de Novembro, na redacção introduzida pela Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro (…)» (fls. 131, com sublinhado).
Cabendo ao recorrente delimitar o objeto do recurso – e tendo ele invocado existir um mero lapso de escrita –, deve antes ser considerado o objeto tal como retificado, para efeitos de apreciação nos presentes autos, processando-se como recurso simultaneamente interposto ao abrigo das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 70º da LTC. A circunstância de essa retificação de erro material só ter sido feita em sede de alegações (e não em sede de requerimento de interposição de recurso) não obsta a esta conclusão, pois caberia sempre à Relatora proferir convite de aperfeiçoamento do mesmo, ao abrigo do artigo 75º-A, n.º 6, da LTC, perante a manifesta verificação desse lapso de escrita. Ora, na medida em que o próprio recorrente já veio aos autos esclarecer que pretendia interpor recurso ao abrigo das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, esse eventual convite ao aperfeiçoamento configurar-se-ia como um ato processualmente inútil e, por conseguinte, deve o Tribunal abster-se de o praticar.
2. Por determinação da Relatora, ao abrigo dos poderes que lhe são conferidos pelo n.º 5 do artigo 43º da LTC, foi proferido despacho, nos termos do qual, por estar “em causa um recurso de constitucionalidade interposto de decisão definitiva que antecipou o conhecimento do mérito da causa principal, ao abrigo do art. 121º do CPTA, inserida no âmbito de um procedimento cautelar administrativo qualificado como urgente”, se determinou que os presentes autos fossem tramitados como processo urgente.
Com efeito, após o Sindicato Democrático dos Professores da Madeira ter requerido a «suspensão de eficácia do Aviso n.º 1340-A/2013, emitido pelo Ministério da Educação e Ciência, que determina a abertura do concurso externo extraordinário, e ou de admissão provisória a esse concurso» (fls. 1), o tribunal recorrido viria a antecipar o juízo sobre a causa principal, ao abrigo do artigo 121º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), tendo a ação sido julgada procedente. Pode ler-se na sentença recorrida que se decidiu:
«a. declarar a ilegalidade, por violação dos artigos 13.º e 47.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa e do 80.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, do segmento normativo que consta do final da alínea a) do n.º 1 da parte IV) do Aviso n.º 1340-A/2013 («decorrente da aplicação do Decreto-Lei n.º 35/2007, de 15 de fevereiro, e do Decreto-Lei n.º 20/2006, de 31 de janeiro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 51/2009, de 27 de fevereiro), com efeitos circunscritos ao caso concreto dos docentes associados do requerente que exerçam ou tenham exercido funções docentes, ao abrigo de um vínculo contratual, na modalidade de contrato de trabalho a termo resolutivo, nos estabelecimentos públicos de educação e de ensino da Região Autónoma da Madeira; e, consequentemente,
b. condenar a entidade requerida a (re)abrir o prazo previsto para a apresentação das candidaturas dos docentes associados do requerente abrangidos pela declaração de ilegalidade da norma impugnada, a aceitar a submissão das mesmas e, caso reúnam os demais requisitos exigidos, a admiti-los a concurso, reconstituindo, em relação aos mesmos, o procedimento concursal ora em apreciação.» (fls. 114)
3. Notificado para o efeito, o recorrente produziu alegações, que ora se sintetizam:
«41. O Ministério Público interpôs recurso nos presentes autos, da douta sentença neles proferida, na qual foi decidido:
“declarar a ilegalidade, por violação dos artigos 13.º e 47.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa e do 80.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, do segmento normativo que consta do final da alínea a) do n.º 1 da parte IV) do Aviso n.º 1340-A/2013 («decorrente da aplicação do Decreto-Lei n.º 35/2007, de 15 de fevereiro, e do Decreto-Lei n.º 20/2006, de 31 de janeiro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 51/2009, de 27 de fevereiro), com efeitos circunscritos ao caso concreto dos docentes associados do requerente que exerçam ou tenham exercido funções docentes, ao abrigo de um vínculo contratual, na modalidade de contrato de trabalho a termo resolutivo, nos estabelecimentos públicos de educação e de ensino da Região Autónoma da Madeira)”.
42. O recurso do Ministério Público centrou-se na apreciação das constitucionalidade e ilegalidade da norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 7/2013, de 17 de Janeiro, bem como da sua transcrição para a norma ínsita na alínea a) do n.º 1 do ponto IV do Aviso n.º 1340-A/2013 da Direcção-Geral da Administração Escolar.
43. O modelo jurídico imposto pelas normas em análise, estabelece um regime arbitrário e discriminatório no modelo de admissão ao concurso externo extraordinário para a selecção e o recrutamento de pessoal docente dos estabelecimentos públicos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário na dependência do Ministério da Educação e Ciência, tratando de forma diferenciada docentes que tenham exercido funções, com qualificação profissional, em pelo menos 365 dias, nos 3 anos lectivos anteriores ao da data de abertura do concurso, em regime de contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo, em estabelecimento de ensino dependente do Ministério da Educação e Ciência; e docentes que tenham exercido as suas funções com qualificação profissional, em pelo menos 365 dias, nos 3 anos lectivos anteriores ao da data de abertura do concurso, em regime de contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo, mas em estabelecimento de ensino dependente da Região Autónoma da Madeira (e, bem assim, diga-se, da Região Autónoma dos Açores).
44. Consequentemente, há que concluir que a norma ínsita na alínea a), do n.º 1, do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 7/2013, de 17 de Janeiro, viola o princípio da igualdade plasmado no artigo 13.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, sendo, por tal razão, inconstitucional.
45. Para além disso, aquela norma viola, igualmente, o princípio da liberdade de acesso à função pública constante do n.º 2 do artigo 47.º da Constituição da República Portuguesa, sendo, também por este motivo, inconstitucional.
46. A norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 7/2013, de 17 de Janeiro, é, ainda, organicamente inconstitucional por violação do disposto, conjugadamente, nos artigos 18.º, n.º 2 e 3; e 165.º, n.º 1, al. b) da Constituição da República Portuguesa.
47. A norma em apreço – a da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 7/2013, de 17 de Janeiro - é ilegal por violação do disposto no artigo 80.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei n.º 13/91, de 5 de Junho, e alterado pela Lei n.º 130/99, de 21 de Agosto e pela Lei n.º 12/2000, de 21 de Junho.
48. Em face do acabado de expor, deverá ser negado provimento ao presente recurso, no que concerne à desaplicação, pela douta sentença impugnada, da norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 7/2013, de 17 de Janeiro, por inconstitucionalidade resultante da violação dos princípios da igualdade e da liberdade de acesso à função pública (artigos 13.º e 47.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa); e, bem assim, subsidiariamente, por ilegalidade resultante da violação do disposto no artigo 80.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei n.º 13/91, de 5 de Junho, e alterado pela Lei n.º 130/99, de 21 de Agosto e pela Lei n.º 12/2000, de 21 de Junho» (fls. 150 a 153)
4. Devidamente notificado para o efeito, o recorrido deixou expirar o prazo sem que viesse aos autos contra-alegar.
Posto isto, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
5. Antes de proceder à apreciação do objeto do recurso interposto, importa delimitar, de modo preciso o seu respetivo âmbito. Conforme resulta de jurisprudência consolidada deste Tribunal, o objeto dos recursos de constitucionalidade é fixado pelo requerimento de interposição de recurso. Ora, nessa sede, o Ministério Público explicita, de modo inequívoco, que pretende que seja apreciada a constitucionalidade não só da parte final da alínea a) do n.º 1 da Parte IV, do “Regulamento do Concurso”, constante do Aviso n.º 1340-A/2013, da Direção-Geral da Administração Escolar, publicado no «Diário da República», 2ª Série, n.º 19, de 28 de janeiro de 2013, como também da norma extraída do artigo 2º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 7/2013, de 17 de janeiro.
Porém, a decisão recorrida optou por não conhecer diretamente (mas apenas incidentalmente) da norma extraída da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º do Decreto-Lei n.º 7/2013, de 17 de janeiro, pelo que se teria de questionar se estaria em causa, verdadeiramente, uma decisão de desaplicação daquela norma ou apenas uma desaplicação da disposição contida na alínea a) do n.º 1 da Parte IV, do “Regulamento do Concurso” e, a confirmar-se esta última situação, o Tribunal não poderia conhecer do presente recurso por falta de dimensão normativa do seu objecto, tal como já se decidiu no Acórdão 148/07, de 2 de março de 2007 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Com efeito, perante um caso paralelo relativo ao controlo de constitucionalidade de uma disposição contida num aviso de abertura de um concurso a que o recorrente atribuiu caracter normativo, o Tribunal disse o seguinte:
“4. O Tribunal tem adoptado, desde o acórdão n.º 26/85 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5.º Vol. pág.19) e na sequência da jurisprudência da Comissão Constitucional, um conceito funcional de norma que considera o mais adequado aos fins prosseguidos pelo sistema de garantia jurisdicional instituído da Constituição. De um modo geral, consideram-se normas, para este efeito, os actos do poder público que contiverem uma regra de conduta para os particulares ou para a Administração, um critério de decisão para esta última ou para o juiz ou, em geral, um padrão de valoração de comportamentos. Mas não se exige a natureza necessariamente geral e abstracta dos preceitos a sindicar, desde que contidos em acto formalmente normativo (Cf., por último, Carlos Lopes do Rego, “O objecto idóneo dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade: as interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal Constitucional”, Jurisprudência Constitucional, 3, págs. 4 e segs., com elucidativo elenco jurisprudencial).
Posto isto, para saber se a apreciação da constitucionalidade da disposição em causa pode ser deferida ao Tribunal Constitucional, a primeira tarefa a empreender consiste em determinar a natureza do acto em que ela se contém. Efectivamente, da Administração Pública tanto emanam actos que seguramente escapam à sindicação do Tribunal Constitucional (actos administrativos), como actos que seguramente lhe estão sujeitos (regulamentos). Entre estes dois extremos, o do acto que define uma situação jurídica individual e concreta e o do acto que enuncia uma regra de conduta de modo geral e abstracto, há candidatos menos nítidos.
É o que sucede, para só nos ocuparmos do que vem ao caso, com os avisos ou anúncios de abertura dos concursos de selecção e recrutamento de pessoal, que se integram na categoria dos actos administrativos gerais, que se distinguem dos actos administrativos (individuais e concretos) por um lado e dos regulamentos por outro, mas a que não se reconhece natureza normativa.
Efectivamente, como diz o Prof. A. Queiró, “Teoria dos Regulamentos”, Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano XXVII, n.ºs 1, 2, 3 e 4, pág. 2, não basta estarmos perante um acto geral para dizer que esse acto tem materialmente caracter normativo, porque generalidade e normatividade não constituem uma equação. Os actos administrativos gerais limitam-se a dispor de acordo com uma norma, sobre uma situação concreta sobre que incide a acção da Administração. Tais actos, não obstante se dirigirem a um círculo aberto de pessoas, a uma pluralidade de destinatários não determinados nem determináveis, esgotam os seus efeitos com uma única aplicação e perdem toda a sua razão de ser para o futuro. Para uma nova aplicação a uma outra situação haverá que editar um novo acto (no caso, um novo aviso de concurso). Diferentemente, acerca do acto normativo pode dizer-se que a execução não o esgota, não o consome, antes o afirma.
Em suma, não tem carácter de acto normativo tanto o acto individual (aquele que se aplica a pessoa ou pessoas determinadas), como o acto singular (aquele cuja aplicação se esgota numa situação concreta e determinada).
Embora com isto se não eliminem todas as dificuldades de qualificação (de que o plano urbanístico é o exemplo mais frequentemente citado e em que o problema se reveste de mais interesse prático, a ponto de o legislador sentir necessidade de intervir na qualificação para efeitos contenciosos, eliminando a insegurança jurídica decorrente da controvérsia – cfr. Fernando Alves Correia, Manual do Direito do Urbanismo, Vol. I, pág. 372 e segs.), existe um consenso generalizado acerca da qualificação de certo tipo de actos como actos administrativos gerais, sendo um desses a que é geralmente negado carácter normativo, precisamente, o dos avisos de abertura de concurso (Prof. A. Queiró, além do estudo citado, Lições de Direito Administrativo, Vol. I, pág. 410; Rogério E. Soares, Direito Administrativo, 1978, pag. 80 e segs.; Aldo Sandulli, “Sugli atti amministrattivi generali a contenuto non normativo”, Scritti Giuridici, pág. 41 e segs.; A. Romano Tassone, in Diritto Amministrativo, a cura de L. Mazzarolli et alli, Vol I, págs. 192 e segs.; René Chapus, Droit Administratif Général, I, pág. 700 e segs ; E. Garcia de Enterria e Tomás-Ramon Fernandez, Derecho Administrativo, pág. 173 e segs).
Com efeito, ainda que por vezes se afirme de actos deste tipo que eles constituem a “lei especial” do concurso, no sentido de que concretizam a disciplina em que os termos posteriores do procedimento concursal há-de desenvolver-se, a enunciação dos critérios de classificação e graduação dos candidatos interessa apenas ao singular e concreto procedimento administrativo a que se referem, esgotando o seu escopo com o respectivo acto final. Constituem o acto propulsivo inicial de um procedimento de iniciativa pública (cf. artigo 54.º do Código de Procedimento Administrativo), sem qualquer “pretensão imanente de duração” e sem outro valor ordenador senão o relativo a essa concreta série ordenada de actos e formalidades tendentes à formação da vontade da Administração Pública. São, na perspectiva procedimental, um acto preparatório – o que não significa necessariamente que não possam comportar lesividade própria para efeitos contenciosos, o que não está agora em causa – de uma decisão administrativa que visa produzir efeitos numa situação individual e concreta. Nascem para que essa decisão se tome e o seu efeito ordenador morre com ela.
São, portanto, actos que não emanam do poder normativo da Administração, mas do poder administrativo de prover, de que constituem, no tipo de procedimento em causa, o primeiro acto da série. O que determina que os actos seguintes tenham de se lhes subordinar não é terem eles produzido uma alteração no ordenamento jurídico – externamente, portanto, a cada concreto procedimento –, mas a mera relação de condicionamento ou vinculação progressiva entre os sucessivos actos do procedimento. O controlo da sua conformidade, inclusivamente constitucional – na medida em que seja metodicamente aceitável (ou necessário) o confronto directo, para determinação da sua (in)validade, dos actos administrativos com a Constituição, face à maior proximidade e densificação oferecida pelos princípios gerais da actividade administrativa, designadamente os enunciados nos artigos 3.º e segs. do Código de Procedimento Administrativo –, compete ao tribunais a que esteja cometido o controle da decisão administrativa de cujo processo de formação tais avisos constituem o primeiro passo.
Em conclusão, não pode conhecer-se do recurso na parte que tem por objecto a disposição do aviso de abertura do concurso a que se refere a alínea h) do requerimento interposição, disposição essa que não tem carácter de norma para efeito do artigo 280.º da Constituição e do n.º 1 do artigo 70.º da LTC (Cf., no sentido de que as disposições deste género não são normas, para este efeito, o voto de vencido do Conselheiro Presidente Cardoso da Costa no acórdão n.º 421/98, publicado no Diário da República, II Série, de 20 de Julho de 1998).”
Sucede, porém, que, nos presentes autos, a disposição da parte final da alínea a) do n.º 1 da Parte IV, do “Regulamento do Concurso”, se limita a reproduzir, integralmente, o conteúdo da supra referida alínea a) do n.º 1 do artigo 2º do Decreto-Lei n.º 7/2013, de 17 de janeiro.
Este último preceito é sindicável junto do Tribunal Constitucional por estar inserido num acto formalmente normativo.
Efetivamente, sob a epígrafe “Requisitos de admissão”, a alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 7/2013, de 17 de Janeiro, determina que:
«Podem ser opositores ao concurso os candidatos que reúnam cumulativamente os seguintes requisitos de admissão:
a) Exercício efetivo de funções docentes com qualificação profissional, em pelo menos 365 dias, nos três anos letivos imediatamente anteriores ao da data da abertura do presente concurso, em regime de contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo decorrente da aplicação do Decreto-Lei n.º 35/2007, de 15 de fevereiro, e do Decreto-Lei n.º 20/2006, de 31 de janeiro (…)».
Por sua vez, a alínea a) do n.º 1 da Parte IV, do “Regulamento do Concurso” determina que:
«1 – Constituem requisitos de admissão ao concurso externo extraordinário:
a) Exercício efectivo de funções docentes com qualificação profissional, em pelo menos 365 dias, nos 3 anos letivos imediatamente anteriores ao da data da abertura do presente concurso, em regime de contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo decorrente da aplicação do Decreto-Lei n.º 35/2007, de 15 de fevereiro, e do Decreto-Lei n.º 20/2006, de 31 de janeiro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 51/2009, de 27 de fevereiro».
A própria decisão recorrida admite, ao longo de todo o seu excurso fundamentador, a similitude entre as duas disposições. Senão vejamos:
«(…)
II. Saneamento
Apreciemos, antes de mais, por ordem de precedência legal e lógica, as questões suscitadas pela entidade requerida que, consubstanciando exceções dilatórias, são obstativas ao conhecimento do mérito da causa.
Suscita a entidade requerida, como vimos, a incompetência absoluta deste tribunal, em razão da jurisdição, para o conhecimento do presente litígio que, como alega, tem por objeto uma norma regulamentar sem conteúdo autónomo, que se limita a reproduzir textualmente, sem qualquer inovação, a norma legislativa contida na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 7/2013, de 17 de Janeiro, ao abrigo do qual foi aberto o concurso externo extraordinário a que se referem os presentes autos.
Sustenta, nesse mesmo pressuposto, que o deferimento do pedido do requerente importaria, por parte do tribunal, a declaração de ilegalidade de um ato praticado no exercício da função legislativa, dele exigindo uma apreciação que está, por força da alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, excluída do âmbito da jurisdição administrativa.
Não lhe assiste, porém, razão.
Vejamos porquê.
O artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, que serve a delimitação do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, vem concretizar, por exemplificação, o conceito de litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, cuja competência está, por determinação constitucional, atribuída aos tribunais administrativos e fiscais (cf. artigo 212.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, e artigo 1.º, n.º 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais).
De acordo com este preceito, está incluída no âmbito desta jurisdição a apreciação de litígios que têm por objeto a fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos emanados por pessoas coletivas de direito administrativo fiscal [artigo 4.º, n.º 1, alínea b)]; e dela está excluído o conhecimento daqueloutros que têm por objeto a impugnação de atos praticados no exercício da função política e legislativa [artigo 4.º, n.º 2, alínea a).
Ora, no caso dos autos, e como se extrai do conjunto do seu articulado, o requerente vem impugnar, concretamente, a norma contida na alínea a) do n.º 1 da parte IV do aviso que publicitou a abertura do concurso (cf., por exemplo, artigo 3.º do requerimento inicial), pese embora tenha dirigido o seu pedido também, genérica e indevidamente, ao aviso concursal in totum.
A pretensão impugnatória sub judice visa, pois, tão somente a norma administrativa, com efeitos circunscritos, como veremos, ao caso concreto dos docentes por ela alegadamente lesados, e encontra o seu fundamento, diretamente, no artigo 73.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Com efeito, é a eficácia dessa norma contida no aviso concursal, que qualificaremos de administrativa, e não a de qualquer ato praticado no exercício da função legislativa, que o requerente pretendia ver suspensa em sede cautelar, e é consequentemente a ilegalidade da mesma que, a título principal, se considera que quer ver declarada.
Deste modo, o litígio sub judice, tal como delimitado pelo pedido e pela causa de pedir que o fundamenta, convoca a apreciação, exclusiva e direta, da (i)legalidade desta norma administrativa, e não da norma legislativa pré-existente ao abrigo do qual foi emanada.
E a tal não obsta o facto de aquela se limitar a reproduzir o conteúdo desta: acontece apenas, nesse caso, que a procederem os suscitados vícios, a norma administrativa impugnada comungará, então por aí, da violação dos princípios e normas jurídicas de que sofra a norma legislativa habilitante.
Assim, e sendo inquestionável que a norma contida na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-lei n.º 7/2013, de 17 de janeiro, refletindo a opção primária, com conteúdo inovador, que o legislador adotou em representação da comunidade política, foi emitida no exercício da função legislativa, já assim não acontece com a norma administrativa por ela habilitada, que, integrando-se num conjunto de disposições normativas que se destinam a regular as condições de acesso e a tramitação do procedimento concursal, lhe serve de concretização e execução.
Esta última, que é afinal o objeto da impugnação, foi “emanada ao abrigo de disposições de direito administrativo”, encontrando legitimação em normas habilitantes da atividade administrativa: ela foi emitida por um órgão da Administração, com uma forma e um conteúdo determinados por normas de direito administrativo, e no exercício da função administrativa, concretamente do poder regulamentar que dela é próprio [cf. artigo 4.º, n.º 1, alínea b), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, e artigos 42.º, n.º 2, alínea h), 46.º, n.º 2, alínea c) e 72.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos].
A sua natureza regulamentar advém-lhe, neste caso, de uma específica vocação para aplicação a um número de destinatários que, como potenciais concorrentes, são ainda, no momento em que foi emitida, indeterminados e indetermináveis, com o que se basta a generalidade exigida para a sua qualificação, não obstante a restrição dos seus efeitos ao concreto concurso em causa. E neste âmbito, onde funciona como critério de decisão e de conformação dos atos jurídicos a praticar pela Administração e pelos particulares no procedimento concursal, é dotada de eficácia externa, podendo, por esta via, ser impugnada diretamente perante os tribunais administrativos, aos quais compete a fiscalização da sua legalidade, nos acima transcritos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (cf., também, artigo 268.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa).
Pelo que, atendendo à forma como o requerente estrutura a relação jurídica material controvertida e ao modo como a configura na petição inicial, delimitando-a através da pretensão deduzida (pedido) e dos respetivos fundamentos (causa de pedir), é competente para a apreciação desta causa a jurisdição administrativa e fiscal, e dentro desta, são concretamente competentes para dela conhecer os tribunais administrativos.
Estaria, evidentemente, excluída da apreciação deste Tribunal Administrativo a declaração da ilegalidade da norma administrativa em causa, se a mesma houvesse sido pedida com força obrigatória geral e caso viesse a estribar-se num qualquer dos fundamentos previstos no n.º 1 do artigo 281.º da Constituição da República Portuguesa (inconstitucionalidade e ilegalidade qualificada), para a apreciação dos quais é competente, exclusivamente, o Tribunal Constitucional (cf. artigo 72.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
Porém, como o interpretamos, a pretensão impugnatória do requerente, como resulta da conjugação do pedido com a sua causa de pedir, restringe-se ao caso concreto dos docentes que, sendo seus associados, terão, como alega, ficado prejudicados pela aplicação da norma impugnada, por via da não admissão ao concurso (lesão que adiante se apreciará, e cujo mérito respeita ao fundo da ação).
E neste caso, a declaração de ilegalidade, tendo meros efeitos circunscritos ao caso do processo, poderá incidir, a título principal, sobre a norma administrativa impugnada, nos termos do disposto no artigo 73.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos; e a sua desaplicação ao caso concreto pode vir a fundar-se na violação de quaisquer princípios e normas constitucionais e ou legais, que, servindo de parâmetro à atividade regulamentar, se integrem, num nível supra-ordenado, na noção ampla de legalidade, comummente designada por “bloco de legalidade” (cf. artigo 266.º da Constituição e artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo), sem prejuízo da fiscalização sucessiva a que haja lugar, por parte do Tribunal Constitucional, por via de recurso, nos termos previstos no artigo 280.º da Constituição da República Portuguesa.
Isto sem prejuízo, evidentemente, da possibilidade do conhecimento incidental da inconstitucionalidade da norma legislativa habilitante, no exercício da fiscalização difusa da constitucionalidade que neste âmbito é cometida a todos os tribunais (cf. artigos 3.º, n.º 3, e 204.º da Constituição da República Portuguesa e artigo 1.º, n.º 2, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais).
Assim, e em jeito de síntese, conclui-se que a impugnação da norma contida no aviso concursal ora sub iudice está abrangida pela jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais; como nela está abrangida, em idêntica medida, a tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos dos docentes em causa, alegadamente lesados com a atuação da administração, impeditiva da sua admissão a concurso [cf. artigo 4.º, n.º 1, alínea b), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais].» (fls. 88 a 92, com sublinhado e realce nossos)
Em síntese, a decisão recorrida entendeu apenas ser necessário esclarecer – face à invocação da “incompetência absoluta” – que, tendo sido requerida uma providência cautelar como incidente acessório de uma “ação para impugnação de normas” (cfr. artigo 72º e seguintes do CPTA), com vista à declaração da ilegalidade, com força obrigatória geral da disposição da parte final da alínea a) do n.º 1 da Parte IV, do “Regulamento do Concurso”, somente se poderia declarar a ilegalidade desta, mas não se poderia declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral da norma extraída do artigo 2º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 7/2013, de 17 de janeiro, por aquela constar de ato legislativo. Isto, «sem prejuízo, evidentemente, da possibilidade do conhecimento incidental da inconstitucionalidade da norma legislativa habilitante, no exercício da fiscalização difusa da constitucionalidade que neste âmbito é cometida a todos os tribunais (cf. artigos 3.º, n.º 3, e 204.º da Constituição da República Portuguesa e artigo 1.º, n.º 2, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais)».
Na verdade, a decisão recorrida apreciou, indiretamente e a título incidental, a constitucionalidade da norma extraída do artigo 2º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 7/2013, de 17 de janeiro. Ao analisar a eventual inconstitucionalidade e ilegalidade da disposição do “Regulamento de Concurso”, verificou que a mesma correspondia a uma mera reprodução do texto legal constante do referido 2º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 7/2013, de 17 de janeiro, razão pela qual, ao decidir desaplicar a primeira, também procedeu a uma desaplicação indireta da segunda. Vejamos o exato paralelismo traçado:
«1. O Decreto-Lei n.º 7/2013, de 17 de Janeiro, ao abrigo do qual foi aberto o concurso externo extraordinário a que se referem os presentes autos, veio estabelecer um regime excecional para a seleção e o recrutamento do pessoal docente nos estabelecimentos públicos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário na dependência do Ministério da Educação e Ciência (cf. artigo 1.º, n.º 1 e n.º 2).
Motivado, como consta do seu preâmbulo, por uma “sensibilidade social” e por um “sentido profundo da boa gestão do interesse público”, e auto-justificado como mecanismo promotor da empregabilidade possível, com vista à satisfação das necessidades reais e permanentes do sistema educativo, introduziu uma fase extraordinária de seleção e recrutamento de pessoal docente com vista ao acesso à carreira, que teve lugar num momento prévio aos concursos ordinários (“normais”) previstos no Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de Junho.
Este concurso externo extraordinário, expressamente destinado ao recrutamento de candidatos não integrados na carreira, foi, assim, aberto aos docentes que, reunido os demais requisitos de admissão previstos, comprovassem o exercício efetivo de funções docentes com qualificação profissional, em pelo menos 365 dias, nos três anos letivos imediatamente anteriores ao da data de abertura do presente concurso, em regime de contrato de trabalho em funções publicas a termo resolutivo decorrente da aplicação do Decreto-Lei n.º 35/2007, de 15 de Fevereiro, e do Decreto-Lei n.º 20/2006, de 31 de Janeiro, conforme previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 7/2013, de 17 de Janeiro, e posteriormente enunciado na norma contida no aviso concursal ora impugnada.
3. A norma regulamentar impugnada, contida na alínea a) do n.º 1 da parte IV do aviso concursal em causa, foi, como vimos, emanada em absoluta conformidade com os pressupostos normativos estabelecidos no Decreto-Lei n.º 7/2013, de 17 de Janeiro.
Consta da mesma o seguinte:
«IV - Requisitos gerais e específicos de admissão ao concurso externo extraordinário
1 - Constituem requisitos de admissão ao concurso externo extraordinário:
a) Exercício efetivo de funções docentes com qualificação profissional, em pelo menos 365 dias, nos 3 anos letivos imediatamente anteriores ao da data de abertura do presente concurso, em regime de contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo decorrente da aplicação do Decreto-Lei n.º 35/2007 de 15 de fevereiro, e do Decreto-Lei n.º 20/2006, de 31 de janeiro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 51/2009, de 27 de fevereiro.»
Esta norma, na dimensão interpretativa que lhe é reconhecida pelas partes, confere o direito de acesso ao concurso aos docentes que tenham exercido funções, pelo tempo e com a devida qualificação profìssional, em estabelecimentos de educação e de ensino integrados na rede pública do Ministério da Educação e Ciência, ao abrigo de um regime de contrato de trabalho a termo resolutivo que, em face dos diplomas referidos, apenas é aplicável no âmbito destes mesmos estabelecimentos (cf. artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 35/2007 de 15 de Fevereiro, e artigos 4.º e 54.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 20/2006, de 31 de Janeiro, na redação proveniente do Decreto-Lei n.º 51/2009, de 27 de Fevereiro).
E nega, em sentido inverso, esse mesmo direito de admissão a concurso aos docentes que tenham exercido as funções exigidas, pelo tempo e com a qualificação profissional exigida, em estabelecimentos integrados na rede pública das Regiões Autónomas, e nomeadamente da Madeira, cujo processo de recrutamento obedece à regulamentação estabelecida no Decreto Legislativo Regional n.º 14/2009/M, de 8 de Junho, e não decorre da aplicação dos diplomas legislativos nela indicados.
Ora, impedidos de ser opositores ao concurso externo extraordinário e de, por via dele, virem a ingressar na carreira, ficam estes docentes igualmente impossibilitados de, no concurso interno, concorrerem a par dos restantes docentes de carreira, e de através dele efetivarem a colocação eventualmente obtida num lugar do quadro de agrupamento de escolas ou de escola não agrupada.
4. Alega o requerente, em síntese, que esta condição de acesso ao concurso prevista na norma impugnada introduz uma discriminação, sem justificação, no tratamento destes docentes, violando:
a) o direito à igualdade, à liberdade da escolha da profissão e de acesso à função pública, constitucionalmente consagrados (cf. artigo 13.º do requerimento inicial).
b) o direito à mobilidade profissional e territorial entre os quadros da administração regional e da administração central, previsto no artigo 80.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira (cf. artigos 21.º e 22.º do requerimento inicial);
c) a garantia de intercomunicabilidade entre os docentes e educadores provenientes das Regiões Autónomas com o restante território nacional, decorrente da Lei n.º 23/2009, de 21 de Maio (artigos 16.º a 19.º do requerimento inicial).
As causas de ilegalidade alegadas assentam, assim, na desconformidade direta da norma impugnada com normas constitucionais, estatutárias e legais.
Conheçamos, por ordem de precedência lógica, da suscitada inconstitucionalidade da norma impugnada e somente depois da sua ilegalidade.» (fls. 100 a 140)
Tudo isto para concluir, mais adiante, que a referida “dimensão normativa” atenta contra o “princípio da igualdade” (artigo 13º da CRP) e o “direito de acesso à função pública em condições de igualdade” (artigo 47º, n.º 2, da CRP).
Da evidente similitude semântica (e significativa) das duas disposições resulta que apesar de constantes de preceitos distintos – um de natureza legislativa e outro de natureza administrativa – ambos correspondem exatamente à mesma “dimensão normativa”, na medida em que a segunda norma se limita a reproduzir a primeira, com meras alterações formais que não afetam o seu conteúdo precetivo. Isto significa que, ao desaplicar a disposição da alínea a) do n.º 1 da Parte IV, do “Regulamento do Concurso”, a decisão recorrida desaplicou, necessária e forçosamente, a norma extraída da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 7/2013, de 17 de Janeiro, pelo que será da constitucionalidade desta última norma material concretamente desaplicada que se passará, de ora em diante, a conhecer.
6. Recentemente, em sede de recurso obrigatório interposto pelo Ministério Público, de decisão de desaplicação do Tribunal Administrativo e Tributário de Ponta Delgada, a 1ª Secção deste Tribunal teve oportunidade de julgar, por unanimidade, a inconstitucionalidade da norma que constitui objeto do presente recurso, através dos Acórdãos n.º 449/2013 e n.º 450/2013. No primeiro desses arestos, mediante remissão e tomada em consideração do entendimento resultante do Acórdão n.º 232/2003 – que já se havia pronunciado pela inconstitucionalidade, por violação dos artigos 13º e 47º, n.º 2, da CRP, da alínea c) do n.º 4 do artigo 23.º do Regulamento do Concurso do Pessoal Docente da Educação Pré-Escolar e Ensino Básico e Secundário, na redação provisória que lhe foi conferida pelo artigo 2.º do Decreto da Assembleia Legislativa Regional dos Açores n.º 26/2003, que determinava que, para poderem concorrer a provimento por período não inferior a três anos, os candidatos satisfizessem a condição (alternativa) de terem prestado pelo menos 3 anos de serviço docente, como docente profissionalizado no respetivo grupo ou nível de docência em escola da rede pública da Região Autónoma dos Açores –, entendeu-se que:
«5. O entendimento que se extrai desta decisão é transponível para os presentes autos.
De acordo com a norma em apreciação, os que exerceram efetivamente funções docentes com qualificação profissional, em pelo menos 365 dias, nos três anos letivos imediatamente anteriores ao da data de abertura do concurso, em regime de contrato de trabalho em funções públicas, em estabelecimentos públicos de educação e ensino na dependência do Ministério da Educação e Ciência, podem ser opositores ao concurso externo extraordinário, diferentemente dos que exerceram tais funções, pelo mesmo tempo, com a mesma qualificação e segundo o mesmo regime de contrato de trabalho, em estabelecimentos públicos de educação e ensino na dependência da administração regional autónoma.
Aquele índice de ligação especial ao território continental intervém como condição de acesso a concurso externo para ingresso na carreira docente através da colocação num quadro de zona pedagógica, tendo os docentes aí colocados «o direito de, no próximo concurso interno, concorrerem a par dos restantes docentes da carreira» (Exposição de motivos do Decreto-Lei n.º 7/2013; e, ainda, artigo 7.º deste diploma). Há aqui uma discriminação a favor destes docentes contratados que não se baseia, porém, em qualquer fundamento objetivo em favor dos candidatos que reúnam aquele requisito de admissão ao concurso, com violação do disposto nos artigos 13.º, n.º 1, e 47.º, n.º 2, da CRP.
Na Exposição de motivos daquele diploma é alegado que «a ligação objetiva dos candidatos ao sistema público de educação concretizado no exercício do seu trabalho prestado nas escolas que se encontram na dependência do Ministério da Educação e Ciência, constitui prerrogativa essencial para os candidatos poderem beneficiar do regime extraordinário estatuído no presente diploma». Mas daqui só pode fazer-se decorrer que constitui prerrogativa essencial a ligação objetiva dos candidatos ao sistema público, concretizado no exercício do seu trabalho prestado nas escolas. Abona neste sentido a razão de ser do concurso externo extraordinário: a «entrada de novos docentes na carreira que satisfaçam as necessidades reais e permanentes do sistema educativo apurados por grupo de recrutamento», quando tais necessidades, tendencialmente permanentes, vinham sendo satisfeitas com recurso à contratação a termo de pessoal docente.
Atenta a razão alegada pelo legislador para estabelecer um regime excecional para a seleção e o recrutamento do pessoal docente dos estabelecimentos públicos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário na dependência do Ministério da Educação e Ciência, daquela passagem não pode fazer-se decorrer qualquer justificação para que sejam opositores apenas os candidatos que tenham prestado o seu trabalho nas escolas que se encontram na dependência deste Ministério. O objetivo específico de satisfazer as necessidades reais e permanentes do sistema educativo e o objetivo geral, também afirmado pelo legislador, de «melhoria do sistema educativo garantindo a sua maior eficácia» é prosseguido independentemente de os docentes com qualificação profissional terem exercido efetivamente funções (por determinado período, em regime de contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo) em estabelecimentos públicos de educação e ensino dependentes do Ministério da Educação e Ciência ou em estabelecimentos de educação e ensino da rede pública dependentes da administração regional autónoma.
Estes estabelecimentos também integram o sistema educativo, em nome do qual foi aberto o concurso externo extraordinário. De acordo com a Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.º 46/86, de 14 de outubro), diploma que incide, entre o mais, sobre organização, recursos humanos e materiais, administração, desenvolvimento e avaliação do sistema educativo, este sistema tem por âmbito geográfico a totalidade do território português – continente e Regiões Autónomas (artigo 1.º, n.º 4, primeira parte). Note-se que é da responsabilidade da administração central, entre outras, a função de conceção, planeamento e definição normativa do sistema educativo, com vista a assegurar o seu sentido de unidade e de adequação aos objetivos de âmbito nacional; e que os planos curriculares do ensino básico são estabelecidos à escala nacional (sem prejuízo de existência de conteúdos flexíveis integrando componentes regionais), tendo os do ensino secundário uma estrutura de âmbito nacional (podendo as suas componentes apresentar características de índole regional e local) – artigos 47.º, n.º 1, alínea a) e 50.º, n.ºs 4 e 5. A experiência profissional releva, por isso, da mesma forma, independentemente, portanto, do estabelecimento de educação e ensino, da rede pública, onde tenham sido exercidas funções docentes.
6. Em suma, na medida em que da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 7/20013 decorre uma diferenciação de tratamento que não é objetivamente fundada, há que concluir pela violação do princípio da igualdade. O Tribunal tem entendido, reiteradamente, que o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP – de que o artigo 47.º, n.º 2, é uma projeção específica, enquanto estatui que todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública em condições de igualdade, em regra por via de concurso – «não impede que, tendo em conta a liberdade de conformação do legislador, se possam (se devam) estabelecer diferenciações de tratamento» Ponto é que sejam «‘razoável, racional e objetivamente fundadas’, sob pena de assim não sucedendo, ‘estar o legislador a incorrer em arbítrio, por preterição do acatamento de soluções objetivamente justificadas por valores constitucionalmente relevantes’» (Acórdão n.º 563/96, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
7. O juízo de inconstitucionalidade com fundamento naquele parâmetro torna inútil a apreciação daquela disposição legal por referência às outras normas constitucionais indicadas no requerimento de interposição de recurso, bem como consome a apreciação da questão de ilegalidade, por violação dos artigos 7.º, n.º 1, e 127.º, n.º 3, do EPARAA.»
Na medida em que a questão normativa ali apreciada – relativa à Região Autónoma dos Açores – corresponde, exatamente, ao objeto do presente recurso – cujo âmbito de aplicação espacial se circunscreve à Região Autónoma da Madeira –, acolhe-se integralmente a fundamentação vertida nos Acórdãos n.º 449/2013 e n.º 450/2013, pelo que se conclui pela inconstitucionalidade não só da norma extraída do artigo 2º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 7/2013, de 17 de janeiro, como da norma extraída da parte final da alínea a) do n.º 1 da Parte IV, do “Regulamento do Concurso”, por violação do “princípio da igualdade” (artigo 13º da CRP) e do “direito de acesso à função pública em condições de igualdade” (artigo 47º, n.º 2, da CRP).
Face à verificação dessa inconstitucionalidade, o conhecimento do objeto, quanto ao recurso para verificação da ilegalidade, interposto ao abrigo da alínea e) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, considera-se prejudicado.
III – Decisão
Em face do exposto, decide-se:
a) Julgar inconstitucional a norma extraída do artigo 2º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 7/2013, de 17 de janeiro, por violação dos artigos 13º, n.º 1, e 47.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa;
b) Não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto ao abrigo da alínea e) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional
E, em consequência:
c) Negar provimento ao recurso interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da LTC.
Sem custas, por não serem legalmente devidas.
Lisboa, 6 de agosto de 2013. – Ana Guerra Martins – Pedro Machete (por considerar que o art.º 47-2 CRP consagra uma regra especial de igualdade, entendo que o princípio da igualdade é infringido, desde logo, por violação do art. 13-2 da Const., no essencial, por razões idênticas às aduzidas na declaração de voto da Cons. Maria Lúcia Amaral aposta nos Acs. 449/2013 e 450/2013) – João Cura Mariano – Fernando Vaz Ventura – Joaquim de Sousa Ribeiro