Imprimir acórdão
Processo nº 71/02
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1. - A., intentou, no Tribunal Judicial da comarca de Alcobaça, acção com processo ordinário contra B e C, todos identificados nos autos, pedindo, com a procedência da acção:
a) que seja declarado, pelo fenómeno da acessão industrial imobiliária, que a autora adquiriu a propriedade do lote de terreno, pelo que é dona da totalidade do prédio;
b) a condenação dos réus a reconhecerem a propriedade da autora sobre a totalidade do prédio descrito na CRP de Alcobaça, sob o nº ...;
c) que seja ordenado o cancelamento da inscrição G2 com referência à descrição nº ....;
d) que seja declarado que os réus não têm qualquer título que legitime a ocupação que os mesmos estão fazendo do prédio;
e) que sejam condenados os réus a desocuparem imediatamente o mencionado prédio e a dele fazerem entrega , livre e desembaraçado, à autora; e
f) condenados a pagarem à autora a indemnização que se vier a liquidar em execução de sentença por todos os danos que estão causando à autora pela ocupação indevida do prédio.
A acção foi contestada, houve réplica e tréplica e os autos prosseguiram seus trâmites, culminando na sentença de 26 de Abril de 2000 que julgou a acção improcedente e absolveu os réus dos pedidos formulados pela autora, condenando esta como litigante de má fé.
Inconformada, interpôs a autora recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra, restringido à condenação por litigância de má-fé.
Este Tribunal, por acórdão de 22 de Maio de 2001, julgou a apelação procedente, com a consequente revogação, na parte recorrida, da sentença da 1ª instância, mas condenou como litigantes de má fé os representantes da autora, D e E – não sem anteriormente, em obediência ao disposto no nº 3 do artigo 3º do Código de Processo Civil (CPC), se ter ordenado a notificação destes representantes legais da autora, considerando a sua eventual condenação como litigantes de má fé (despacho de 6 de Março desse ano, a fls. 207 dos autos).
Do assim decidido, e da respectiva condenação em custas, estes últimos interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto nos artigos 680º, nº 2, e 456º, nº 3, ambos do CPC.
Nas respectivas alegações consideram os recorrentes que a interpretação e aplicação feita do artigo 458º deste diploma, 'sem que se haja mostrado que os recorrentes, eles mesmos, tivessem tido o comportamento referido no artigo 456º, nº 1, alíneas a) e b), como o mesmo artigo 458º o exige, é inconstitucional', como já foi 'decretado' por acórdão do Tribunal Constitucional (nº 103/95, publicado no Diário da República, II Série, de 17 de Junho de 1995).
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 13 de Dezembro de 2001, tirado em conferência, não conheceu do recurso interposto, uma vez que, estando em causa 'a condenação, em ambas as instâncias, por litigância com má fé reportada à conduta processual de uma das partes no processo', logo,
'com o recurso da decisão proferida pela 1ª instância sobre essa matéria, para o Tribunal da Relação (em 1 grau) ficou esgotada a possibilidade de novo recurso'.
2. - Novamente inconformados, reagiram A., D e E ao acórdão mediante recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, para apreciação:
a) da norma do artigo 458º do CPC, 'tal como foi interpretado e aplicado nas decisões proferidas nos Tribunais de 1ª e 2ª instâncias';
b) da norma do nº 3 do artigo 456º do CPC, tal como foi interpretada no acórdão de 13 de Dezembro de 2001, por violação do disposto no artigo 20º da Constituição da República e no artigo 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Admitido o recurso, foi, neste Tribunal proferido despacho nos termos previstos nos nºs. 1, 2, 6 e 7 do artigo 75º-A da Lei nº
28/82 e, subsequentemente, lavrou-se o seguinte despacho, em 19 de Março de
2002:
'1.- No presente recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, vindo do Supremo Tribunal de Justiça, interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, sendo recorrentes A, D e E e recorridos B e C, todos identificados nos autos, proferido acórdão por aquele Alto Tribunal em 13 de Dezembro de 2001, pretende-se a apreciação da constitucionalidade das normas dos artigos 458º do Código de Processo Civil –
'tal como foi interposto e aplicado nas decisões proferidas nos Tribunais de 1ª e 2ª Instâncias' – e do artigo 456º, nº 3, do mesmo diploma, na interpretação que no dito acórdão se faz, 'por violação do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem'.
2. - Admitido o recurso – o que não vincula o Tribunal Constitucional, nos termos do nº 3 do artigo 76º da Lei nº 28/82 –, por despacho do ora relator, ao abrigo do disposto nos nºs. 1, 2 , 6 e 7 do artigo 75º-A do mesmo diploma, convidaram-se os recorrentes a prestar uma concreta identificação da interposição normativa imputada ao nº 3 do artigo 456º e, bem assim, a indicar a peça processual em que as questões de constitucionalidade foram suscitadas. Responderam nos seguintes termos:
'[...] As questões de inconstitucionalidade foram levantadas, nos autos, por três vezes:
· aquando das alegações de recurso de Apelação;
· aquando das alegações de Revista;
· quando dos requerimentos de interposição de recurso do douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça para esse Alto Tribunal. Nas alegações do recurso de Apelação e do recurso de Revista os Recorrentes sustentaram que o artigo 458º do Código de Processo Civil (intrinsecamente ligado ao artº 456º nºs. 1 e 2 do mesmo diploma), ao abrigo do qual, e só ao abrigo do qual, o Meritíssimo Juiz de 1ª instância poderia ter condenado a, então, Recorrente A. e ao abrigo do qual o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra condenou os Recorrentes D e E, era inconstitucional, porquanto os Tribunais recorridos não se certificaram previamente, com observância das regras do contraditório, de que os representantes da Autora haviam actuado de má-fé e em termos da sua conduta preencher o conceito da litigância de má-fé, previsto no artº 456º do Cód. Proc. Civil. Tal inconstitucionalidade já foi decretada por doutos Acórdãos desse Alto Tribunal, publicados nos Diários da República II Série, de 17.06.95, a págs.
6674 e, (acrescenta-se agora), de 16.07.98, a págs. 9886 e 9887. No requerimento de interposição de recurso do douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça para este Alto Tribunal, além de se reiterar o pedido de averiguação da inconstitucionalidade acima referida, pediu-se também que fosse apreciada a inconstitucionalidade daquele douto Acórdão (do Supremo Tribunal de Justiça), em face da interpretação que deu ao nº 3 do artigo 456º do Cód. Proc. Civil que é violadora do artº 20º da Constituição e do artº 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem. A interpretação que o Supremo Tribunal de Justiça deu ao nº 3 do artº 456º do Cód. Proc. Civil e que se considera inconstitucional é a de que, pelo facto de ter havido um recurso anterior, mesmo interposto por outrem, ficou esgotada a possibilidade de os Recorrentes D e E recorrerem para o Supremo Tribunal de Justiça, que seria o recurso em um grau. Note-se que os ditos D e E não são parte no processo e só passaram a intervir directamente quando foram condenados como litigantes de má-fé, no Venerando Tribunal da Relação de Coimbra.. Ora, o nº 3 do artigo 456º do Cód. Proc. Civil foi interpretado, pelo Supremo Tribunal de Justiça, no sentido de que, tendo havido um recurso anterior (o recurso de apelação), tal recurso esgotou a possibilidade de recurso prevista nesse número três. Todavia, note-se bem, no recurso de apelação a Recorrente foi A. que é pessoa distinta dos ditos D e E. Tal interpretação é impeditiva do acesso ao direito consagrado no artº 20º da Constituição da República Portuguesa, por parte dos ditos D e E, e violadora do artº 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, pois que, em face de tal interpretação, os ditos D e E foram condenados como litigantes de má-fé e não puderam recorrer, mesmo apenas em um grau.'
3. - Conclui-se, do exposto, que se pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional as interpretações que terão sido dadas às normas dos artigos 458º e 456º, nº 3, do Código de Processo Civil. No entanto, entende-se não poder conhecer-se do objecto do recurso no tocante à primeira das citadas normas, uma vez que esta não foi aplicada na decisão recorrida: o Supremo Tribunal de Justiça não conheceu do recurso, aplicando o nº
3 do artigo 456º.
4. - Notifique para efeitos de conhecimento do âmbito do recurso – tal como delimitado fica (dele se excluindo a norma do artigo 458º) – e para alegações.'
Nas alegações que D e E apresentaram formularam-se as seguintes conclusões:
'1ª - O recurso da sentença proferida no Tribunal Judicial de Alcobaça foi interposto por A..
2ª - O venerando Tribunal da Relação de Coimbra revogou a sentença do Tribunal da Comarca de Alcobaça e condenou D e E como litigantes de má-fé.
3ª - D e E não eram partes na acção.
4ª - Como foram condenados como litigantes de má-fé, interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
5ª - Tal recurso (em um grau) era-lhes permitido pelo nº 3 do artigo 356 do Cód. Processo Civil, já que o recurso interposto da sentença do Tribunal Judicial de Alcobaça para o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra foi interposto pela Sociedade A.,
6ª - O Supremo Tribunal de Justiça não conheceu do recurso interposto pelos Recorrentes D e E porquanto interpretou o nº 3 do artº 356 do Código de Processo Civil de modo a entender que o grau de recurso aí permitido já se tinha esgotado com o recurso interposto da sentença do Tribunal Judicial de Alcobaça para o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra.
7ª - A interpretação que o Supremo Tribunal de Justiça fez do nº 3 do artº 356 do Cód. de Processo Civil está ferida de inconstitucionalidade material, já que ofende as disposições dos artigos 2º e nº 1 do 20º da Constituição da República Portuguesa e artº 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, uma vez que impede o acesso ao Direito e aos Tribunais aos Recorrentes D e E.
8ª - As normas violadas pela defeituosa interpretação do nº 3 do artigo 356 do Cód. Proc. Civil são os artigos 2º e nº 1 do 20º da Constituição da República Portuguesa e o artigo 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.'
Os recorridos não alegaram.
II
1. - Constitui objecto do presente recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade – tal como delimitado se encontra neste momento
– a norma contida no nº 3 do artigo 456º do CPC, nos termos do qual, e na sua redacção em vigor:
'[i]ndependentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condena por litigância de má fé' – com o que se assegura, desse modo, a ocorrência de um segundo grau de jurisdição.
O Tribunal recorrido, ao não tomar conhecimento do recurso por si interposto por considerar que a 2ª instância já se pronunciara sobre a matéria, ou seja, assegurando aquele segundo grau, terá interpretado a norma no sentido do seu esgotamento, sem prejuízo de serem outros os sujeitos processuais em causa.
Nesta concreta vertente fáctica, objecta-se, ao não se ter por relevante o facto de a entidade condenada em 1ª instância, que recorreu para a Relação, ser outra que não as que foram condenadas na 2ª instância que, por seu turno, recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça (e, agora, para o Tribunal Constitucional), perfilhou-se uma interpretação normativa que ofende a garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e a garantia de acesso aos tribunais para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, consubstanciando violação seja do artigo 2º do texto constitucional, seja do nº 1 do artigo 20º do mesmo diploma.
2. - O Tribunal Constitucional dispõe de jurisprudência abundante no tocante à exigência constitucional de garantia de um duplo grau de jurisdição, remontando, aliás, à Comissão Constitucional.
Assim, e como se escreveu no acórdão nº 447/93, publicado o Diário da República, II Série, de 23 de Abril de 1994, no domínio do processo criminal vem-se admitindo, por força do disposto nos artigos 27º, 28º e
32º, nº 1, da Constituição, que se acha assegurado o duplo grau de jurisdição quanto às decisões condenatórias e às decisões respeitantes à situação do arguido face à privação ou restrição de liberdade ou a quaisquer outros direitos fundamentais (e citaram-se, então, por todos, os acórdãos nºs. 31/87, 178/88,
340/90 e 401/91 – publicados no Diário da República, II Série, de 1 de Abril de
1987, 30 de Novembro de 1988, 19 de Março de 1991, e I Série-A, de 8 de Janeiro de 1992, respectivamente).
Essa garantia, sublinhou-se, no entanto, não abrange outras decisões proferidas em processo penal. E, por seu turno, no domínio dos outros ramos de direito processual, entende-se não se achar o duplo grau de jurisdição constitucionalmente garantido, nessa medida 'reconhecendo-se ampla liberdade de conformação ao legislador para estabelecer requisitos de admissibilidade dos recursos, nomeadamente em função do valor da causa'.
Ou seja, e como, por sua vez, se ponderou no acórdão nº
489/95, publicado no Diário citado, II Série, de 18 de Novembro de 1995, 'o diploma básico não consagra um direito geral de recurso das decisões judiciais
(afora aquelas de natureza criminal e condenatória, recurso esse, porém, que deflui da necessidade de previsão de um segundo grau de jurisdição [...] imposta pelo nº 1 do artigo 32º), mormente para o Supremo Tribunal de Justiça'.
Como reconhecem Gomes Canotilho e Vital Moreira, fora daquele âmbito admite-se uma ampla liberdade de conformação do legislador ordinário, 'observando naturalmente o princípio da proporcionalidade', designadamente na área das decisões judiciais que afectem direitos fundamentais
(cfr. Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, págs.
164 e 811). Identicamente, Armindo Ribeiro Mendes aceita, nos apontados parâmetros, esse amplo espaço de conformação para disciplinar a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões (cfr. Recursos em Processo Civil, 2ª ed., Lisboa, 1992, págs. 100 e segs.).
Fora do âmbito protegido pelo nº 1 do artigo 32º da Constituição, por conseguinte, e, como tal, no âmbito do princípio constitucional consagrado pelo artigo 20º do mesmo texto, apenas se garante, em geral, um patamar de jurisdição.
3. - No específico domínio da condenação por litigância de má fé, o legislador veio facultar, com a redacção do nº 3 do artigo 456º do Código de Processo Civil oriunda do Decreto-Lei nº 180/96, de 25 de Setembro, o recurso, em um grau, da decisão condenatória nesse específico domínio, independentemente do valor da causa e da sucumbência. Considerando a inovatória ampliação do âmbito da litigância de má fé e a relevância que a tal condenação, seja qual for o montante da decisão cominada, sempre se deverá atribuir, observa um autor, ainda que o montante da multa seja inferior à alçada dos tribunais judiciais de 1º instância, é admitido recurso para a Relação, naturalmente circunscrito à parcela ou segmento da decisão que impõe à parte tal sanção, o mesmo sucedendo se a multa for cominada no acórdão proferido pela Relação, sendo admissível recurso para o Supremo 'ainda que o respectivo montante não exceda a alçada dos tribunais de 2ª instância' (cfr. Carlos Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Lisboa, 1999, pág. 309).
Não pode, assim, falar-se no plano normativo questionado, em violação de qualquer das normas constitucionais convocadas, pois, nomeadamente, assegura-se um garantia processual de acesso à tutela jurisdicional. Exprimindo a litigância de má fé uma censura pelo mau uso da máquina da justiça – como sublinhou o acórdão nº 389/99 (publicado no Diário da República, II Série, de 8 de Novembro de 1999) – a reapreciação judicial dessa matéria insere-se na liberdade de conformação do legislador ordinário e este, entendeu, inclusivamente, estabelecer um duplo grau de jurisdição.
4. - O Tribunal Constitucional pode, no entanto, pronunciar-se a respeito da norma impugnada, julgando-a com fundamentos em violação de normas ou princípios constitucionais ou legais diversos daqueles cuja violação foi invocada, como dispõe o artigo 79º-C da sua Lei Orgânica.
Ora, no âmbito deste poder de cognição surpreende-se, na interpretação dada à norma pela decisão recorrida, um entendimento susceptível de censura jurídico-constitucional por ofensa ao princípio da igualdade.
Com efeito, este princípio, acolhido no artigo 13º, nº
1, do texto constitucional, impõe que se trate como igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente. Dito de outro modo, não é a diferenciação de tratamento que, em si, é proibida, mas sim uma discriminação que seja arbitrária e irrazoável – como, entre tantos outros, se pronunciou o acórdão nº 1007/96 (publicado no Diário da República, II Série, de 12 de Dezembro de 1996). Para que o princípio constitucional da igualdade seja posto em crise é, assim, necessário verificar preliminarmente se há uma concreta e efectiva situação de diferenciação injustificada ou discriminação.
Ao moldar nesses parâmetros a normação editada pelo legislador e a interpretação que dela se faz, veda-se, do mesmo passo, o arbítrio, de modo a proibirem-se diferenciações irrazoáveis, desprovidas de fundamento material bastante, atenta a natureza e a especificidade da situação e dos efeitos tidos em vista.
À luz desta vertente do princípio censuram-se os casos de 'flagrante e intolerável desigualdade': no dizer do acórdão nº 157/88
(publicado no Diário citado, I Série, de 26 de Julho de 1988), frequentemente convocado e seguido pela jurisprudência constitucional (como constitui exemplo o acórdão nº 37/2001, no jornal oficial citado, II Série, de 9 de Março de 2001), a interpretação do princípio da igualdade como proibição do arbítrio auto-limita o poder do juiz, 'expressa e limita a competência do controlo judicial', não pondo em causa a liberdade de conformação do legislador ou a discricionariedade legislativa, mas actuando como juízo de censura nos casos de 'flagrante e intolerável desigualdade'.
No caso vertente, graças a um conjunto de circunstâncias de facto cuja apreciação está subtraída ao poder cogniscitivo do Tribunal, interpretou-se a norma impugnada não uniformemente, ou seja, assegura-se em geral às partes – como no caso sucedeu com a sociedade A – o recurso das decisões que as condenem por litigância de má fé, mas já o mesmo se não fez relativamente à condenação pessoal dos representantes das mesmas partes – como no caso aconteceu com D e E – quando sejam condenados pela primeira vez na sequência de um recurso interposto pela respectiva representada.
Ora, esta interpretação perfila-se, no concreto caso, como injustificadamente discriminatória, não lhe assistindo fundamento material bastante e, como tal, ofendendo o princípio da igualdade, constitucionalmente acolhido no nº 1 do artigo 13º da lei fundamental.
III
Em face do exposto, decide-se:
a) julgar deserto o recurso interposto por A., nos termos do disposto nos artigos 690º, nº 3, e 291º, nº 2, ambos do Código de Processo Civil, aplicáveis por via do artigo 69º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro;
b) julgar inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, consagrado no nº 1 do artigo 13º da Constituição da República, a interpretação da norma do nº 3 do artigo 456º do Código de Processo Civil, segundo a qual, por se entender estar em causa a actuação processual da mesma parte no processo, não se garante o direito ao recurso do representante pessoalmente condenado por já ter sido interposto recurso pela sociedade representada;
c) consequentemente, conceder provimento ao recurso, se bem que com base na fundamentação exposta, de modo a que a decisão recorrida seja reformada em conformidade com o presente juízo de inconstitucionalidade. Lisboa, 30 de Outubro de 2002- Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida