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Processo n.º 358/02
2ª secção Relator – Cons. Paulo Mota Pinto Acordam em conferência no Tribunal Constitucional I. Relatório A e B, melhor identificados nos autos, requereram à Ministra da Saúde, em 26 de Outubro de 1996, que fosse proferido despacho a autorizar 'a reversão de um estabelecimento' a funcionar no rés do chão arrendado de um prédio sito na rua Pedro Nunes, em Lisboa, que fora expropriado, nos termos do Decreto-Lei n.º
845/76, de 11 de Dezembro, conforme despacho publicado no Diário da República, II Série, de 17 de Setembro de 1981, para demolição e posterior instalação de serviços da Maternidade Dr. Alfredo da Costa, coisa que nunca aconteceu. Passados 90 dias, os requerentes presumiram o indeferimento tácito da sua pretensão e, em 20 de Dezembro de 1996, interpuseram o respectivo recurso de anulação na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo. Em resposta, a Ministra da Saúde veio alegar que a pretensão fora indeferida por despacho seu de 26 de Junho de 1996, por lapso não notificado aos recorrentes, mas notificado, à data da resposta, ao advogado constituído pelos recorrentes, pugnando pela perda de objecto do recurso. Por acórdão de 26 de Junho de 1997, a
1ª subsecção da 1º secção do Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se nesse sentido. Recorreram então os legítimos herdeiros do expropriado arrendatário para o pleno da Secção de Contencioso Administrativo que, por acórdão de 8 de Julho de 1998, negou provimento ao recurso, considerando, designadamente, que a eventual anulação do acto tácito não atingiria o acto expresso posterior e, portanto, a lide nada aproveitaria aos recorrentes. Transitada em julgado tal decisão, os referidos herdeiros interpuseram, em 30 de Setembro de 1998, novo recurso de anulação, desta feita do despacho de indeferimento expresso da Senhora Ministra da Saúde. O Magistrado do Ministério Público em funções no Supremo Tribunal Administrativo suscitou a questão prévia da intempestividade do recurso, atenta a notificação do acto recorrido ao advogado dos recorrentes, na pendência do primeiro recurso, e a 2ª subsecção da
1ª secção daquele Supremo Tribunal decidiu nesse mesmo sentido, por acórdão de 4 de Maio de 1999. De novo foi interposto recurso para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo onde, para o que ora importa, se escreveu nas alegações:
'O douto acórdão (...) violou os arts. 253º do CPC, 268º, n.º 3, da CRP, e arts.
55º, 66º a 70º do CPA.
(...) Supôs, ‘a contrario’, que os aqui recorrentes (...) deviam ter desistido do recurso pendente, imposição indirecta que viola os arts. 18º, 20º n.º 4, 202º n.º 2 e 205º n.º 2 e 208º n.º 1, todos da CRP.' E nas conclusões de tais alegações referiu-se:
'22. O douto acórdão (...) violou, por isso, a) o que dispõem os arts. 253º do CPC, 268 n.º 3 da CRP, e arts. 55º e de 66º a
70º do CPA (...); b) (...) c) e, por forma indirecta, ao subentender (...) que os aqui recorrentes deviam, ao tempo, ter abandonado o primeiro recurso para instaurarem outro, ou que então, supõe-se, deviam, em simultâneo, instaurar um novo recurso, com isso se desrespeitam, por um lado, os direitos constitucionalmente consagrados nos arts.
18º, 20º n.º 4, 202º n.º 2, 205º n.º 2, e 208 n.º 1 da CRP
(...);' Por acórdão de 24 de Outubro de 2000, o pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso. Foram arguidas nulidades, mas esse pedido foi indeferido pelo pleno da Secção por acórdão de 7 de Fevereiro de 2001. Ainda insatisfeitos, os recorrentes intentaram recurso para o Plenário do Supremo Tribunal Administrativo, alegando oposição do 'acórdão anterior' com o que fora proferido pela 3ª subsecção daquele Alto Tribunal em 23 de Setembro de
1998, no recurso n.º 32 434. Nas alegações não fizeram qualquer referência a eventuais desconformidades constitucionais, mas nas suas conclusões escreveram:
'6. O douto acórdão em causa não pode ser mantido por a interpretação usada violar disposições da legislação ordinária, específica e até constitucional aplicáveis ao caso.
(...)
8. Deve ser revogado o douto acórdão, por inconstitucionalidade, e por discrepância, quanto à mesma fundamentação de direito, face à anterior orientação desse STA.
(...)' Por acórdão de 30 de Janeiro de 2002 o Plenário do Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se no sentido de serem distintas as 'situações fácticas' e as 'questões de direito' decididas no acórdão recorrido – 'se a notificação, ao mandatário constituído, de acto administrativo de indeferimento, produzia os seus efeitos legais' – e no acórdão fundamento – 'consequências da falta de notificação, ao interessado, de acto administrativo sujeito a publicação obrigatória' –, dando por findo o recurso. Ainda inconformados, os recorrentes, 'notificados do douto acórdão, proferido em Plenário do Supremo Tribunal Administrativo', vieram interpor recurso para o Tribunal Constitucional 'por interpretação inconstitucional dos n.ºs 5 do art.
70º e n.º 6 do art. 15º, ambos do Código das Expropriações (DL. 438/91, de 9 de Novembro), al. a) do n.º 1 do art. 28º da LPTA, art. 253º e 259º do Código de Processo Civil, e arts. 66º a 70º do Código de Procedimento Administrativo, e ainda por violação expressa do n.º 3 do artigo 268º da Constituição da República Portuguesa', acrescentando que tais inconstitucionalidades 'foram suscitadas durante o processo nas alegações de recurso para o Pleno e depois para o Plenário.' Este recurso não foi, porém, admitido, por a decisão recorrida não ter aplicado as disposições legais invocadas, tendo os recorrentes deduzido reclamação para o Tribunal Constitucional afirmando que o n.º 5 do artigo 70º do Código das Expropriações, os artigos 253º e segs. do Código de Processo Civil, o n.º 3 do artigo 268º da Constituição, a alínea a) do n.º 1 do artigo 28º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, bem como os artigos 66º a 70º do Código de Procedimento Administrativo 'foram efectivamente aplicados na douta decisão recorrida.' Neste Tribunal, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de que, ainda que o recurso se considerasse reportado à decisão do pleno da Secção – em vez de à decisão do Plenário, que manifestamente não aplicara as disposições invocadas –, não poderia ser recebido. É que, tendo sido interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, nenhuma dessas disposições fora, durante o processo, impugnada na sua conformidade constitucional, uma vez que o recorrente se limitou a imputar à decisão proferida a 'violação' de princípios constitucionais e de direitos constitucionalmente consagrados – o que manifestamente não traduz suscitação idónea e adequada de uma questão de constitucionalidade de 'normas', cognoscível por este Tribunal. Cumpre decidir. II. Fundamentação Como resulta das transcrições efectuadas das alegações (e suas conclusões) que os recorrentes produziram perante o pleno da Secção de Contencioso Administrativo e o Plenário do Supremo Tribunal Administrativo, as desconformidades constitucionais foram então expressamente imputadas apenas aos acórdãos recorridos – ou, quando muito, a uma 'interpretação usada', porém, não devidamente identificada, que seria supostamente desconforme com a 'legislação ordinária, específica e até constitucional'. Logo se conclui, pois – uma vez que o controlo de constitucionalidade em sede de recurso é exclusivamente reportado a normas (cfr., v.g., os Acórdãos n.ºs
461/91, 82/92 e 318/93 publicados, respectivamente, no Diário da República, II Série, de 24 de Abril de 1992, de 18 de Agosto de 1992 e de 2 de Outubro de
1993) –, que o recurso não pode ser admitido no que se refere à imputação de inconstitucionalidade aos acórdãos ou à pura violação dos 'direitos constitucionalmente consagrados'. E também não pode sê-lo no que se refere à imputação da inconstitucionalidade à
'interpretação usada', pois esta – sendo, aliás, tida por desconforme, simultaneamente, com a lei e com a Constituição – não está minimamente identificada, conforme teria de estar, quando se suscita a inconstitucionalidade de uma disposição apenas numa sua determinada interpretação, para se poder considerar preenchido o ónus de suscitação da 'questão da inconstitucionalidade
(...) de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer' (artigo 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional). Acresce que, como decidido pelo Conselheiro-relator no tribunal a quo, a decisão recorrida – que é o acórdão do Plenário do Supremo Tribunal Administrativo, como se comprova da reclamação apresentada pelos recorrentes – não aplicou nenhuma das disposições invocadas no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade. Tendo a secção decidido, em conferência, que não existia a oposição que servia de fundamento ao recurso, este foi logo julgado findo, sem que o Plenário se tivesse de pronunciar sobre a questão de fundo. Ainda que se procurasse reportar o recurso de constitucionalidade a decisão anterior, a solução seria a mesma, cumprindo notar que nela se não logra divisar qualquer juízo de conformidade constitucional sobre qualquer das normas referidas no requerimento de interposição de recurso, pois, como se viu, não se impugnou perante o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo a inconstitucionalidade de nenhuma dessas normas – ao menos de forma 'clara e perceptível'. Nessa sede (cfr. o teor das alegações a fls. 121 e segs.), sempre se imputou a inconstitucionalidade exclusivamente a decisões judiciais, e não a quaisquer normas. Sem essa suscitação da inconstitucionalidade de normas que fundasse a subsequente pronúncia (ainda que implícita), por parte do tribunal a quo não poderia, em qualquer caso, haver recurso ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, servindo este, como serve, apenas para reapreciar as decisões dos restantes tribunais em matéria de constitucionalidade de normas. III. Decisão Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e confirmar a decisão de não admissão do recurso de constitucionalidade, bem como condenar os recorrentes em custas com 15 (quinze) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 20 de Novembro de 2002. Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa