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Procº nº 363/2002.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo interpôs A, recurso contencioso de anulação do despacho proferido em 15 de Março de 1996 pela Ministra para a Qualificação e o Emprego que indeferiu o recurso hierárquico necessário da deliberação tomada em 14 de Junho de 1995 pela Comissão Executiva do Instituto do Emprego e Formação Profissional que, por seu turno, indeferiu o pedido, que formulara, de candidatura, no quadro do denominado Segundo Quadro Comunitário de Apoio, a um co-financiamento para pagamento de cursos de formação que levara a efeito.
Em 14 de Novembro de 2001 o Conselheiro Relator do Supremo Tribunal Administrativo exarou despacho com o seguinte teor:-
'A possibilidade de o recurso administrativo previsto no artº. 30 do D.R. nº 15/94, de 6-7, não ter lugar no caso dos autos e de os actos dos órgãos do Instituto de Emprego e Formação Profissional (I.E.P.F.) poderem ser imediatamente impugnados nos tribunais tem vindo a ser assinalada por alguma jurisprudência. Não é possível tomar posição sobre o assunto sem a audição das partes (artº 3º do C.P. Civil).
Assim, e para esse efeito, notifique a recorrente e a autoridade recorrida para se pronunciarem, querendo, e seguidamente abra vista ao Ministério Público'.
Na sequência desse despacho, a recorrente veio dizer:-
'1 - Dispõe o artigo 2.º n.º 2 do Decreto-Regulamentar n.º 15/94. de 06.07 que, para efeitos do diploma, o Instituto do Emprego e Formação Profissional é equiparado a entidade gestora de programa quadro;
2 - O art.º 30.º do mesmo diploma, dispõe imperativamente que dos actos praticados por entidades gestoras de programas quadro (...) cabe recurso necessário para o Ministro do Emprego e Segurança Social.
3 - Quanto a esta situação assim legal e especificamente tipificada, não se conhece jurisprudência que consagre a alteração da natureza do recurso administrativo classificado como ‘necessário’ pelo referido art.º 30.º do DR. n.º 15/94.
4 - Não se afigura, por isso, possível alterar, no caso dos autos, a natureza de
‘necessário’ que o art.º 30.º do referido DR. n.º 15/94, confere ao recurso administrativo aí previsto'.
O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 31 de Janeiro de
2002, rejeitou o recurso, por entender que o despacho impugnado não constituía um acto lesivo susceptível de impugnação contenciosa.
Para assim decidir, disse-se no citado aresto:
'...............................................................................................................................................................................................................................................................
III Direito
Por despacho do Relator de fls. foi suscitada a questão da recorribilidade do acto, tendo sido ouvidas as partes e o Ministério público.
Esta questão foi já tratada, por diversas vezes, neste Supremo Tribunal Administrativo e no Tribunal Constitucional, em moldes que merecem a nossa concordância. Como se extrai do acórdão deste Tribunal, de 15.12.99, proferido no recurso 44588:
«O Dec. Reg. n.º 15/94, foi editado ao abrigo do n° 5 do ART.º 23 do Dec. Lei n° 99/94, de 19 de Abril, diploma que veio definir ‘a estrutura orgânica relativa à gestão, acompanhamento, avaliação e controlo da execução do Quadro Comunitário de Apoio para as intervenções estruturais comunitárias relativas a Portugal, que foi estabelecido pela Decisão da Comissão Europeia n° C(94) 376’ .
Nos termos do art.º 23, n.º 5, deste Dec. Lei n.º 99/94, ‘o regime jurídico de gestão e financiamento das intervenções operacionais no âmbito do Fundo Social Europeu é aprovado por decreto regulamentar’.
Foi, assim, ao abrigo desta norma, editado o citado Dec. Reg. n.º
15/94, cujo art.º 30 n.º 1 prescreve: ‘Dos actos praticados por entidades gestoras de programas quadro no âmbito do disposto no presente diploma cabe recurso necessário para o Ministro do Emprego e da Segurança Social’.
Segundo a sentença recorrida trata-se de um recurso hierárquico necessário por a última palavra sobre a gestão global da vertente FSE do quadro comunitário de apoio caber sempre ao Ministro e não à autoridade recorrida e cita o art.º 3, n.º 1, do mesmo diploma regulamentar .
Com efeito, o n° 1 do art.º 3 do Dec. Reg. n.º 15/94 estabelece que
‘a gestão global da vertente FSE do Quadro Comunitário de Apoio cabe ao Ministro do Emprego e da Segurança Social’ mas acrescenta’, ‘podendo ser desconcentrada ou descentralizada, para efeitos de gestão de programas, em entidades de direito público ou privado’.
Foi a uma descentralização que se procedeu, ao atribuir no art.º 8 do mesmo diploma a possibilidade da gestão dos programas quadro às entidades referidas no seu n.º 1, pessoas colectivas distintas do Estado.
No caso concreto, foi interposto recurso contencioso de um acto da Comissão Executiva do Instituto do Emprego e Formação Profissional (lEFP) que, no âmbito do pedido de pagamento do saldo final, reduziu os montantes do financiamento concedido à recorrente.
O IEFP é uma pessoa colectiva pública distinta do Estado, dotada de autonomia administrativa e financeira e património próprio, embora esteja sujeito a tutela do Governo através do Ministro do Emprego e da Segurança Social, nos termos da respectiva Lei Orgânica - art.º 10 e n° 2 do art.º 2 do Dec. Lei n.o 247/85, de 16/7.
Entre o IEFP e o Ministro do Emprego e Segurança Social não existe uma relação de hierarquia mas de tutela administrativa que se define como ‘o poder conferido ao órgão de uma pessoa colectiva de intervir na gestão de outra pessoa colectiva autónoma - autorizando ou aprovando os seus actos ou, excepcionalmente, modificando-os, revogando-os ou suspendendo-os. fiscalizando os seus serviços ou suprindo a omissão dos seus deveres legais - no intuito de coordenar os interesses próprios da tutelada com os interesses mais amplos representados pelo órgão tutelar (Sérvulo Correia, Noções de Dir. Adm., p. 202 e Marcelo Caetano, Manual, I, p. 230 ).
As relações entre pessoas colectivas autónomas não se reconduzern ao conceito de hierarquia, mas antes ao de tutela administrativa e por isso mesmo os recursos interpostos dos actos da pessoa tutelada para os correspondentes
órgãos tutelares devem configurar-se como recursos tutelares e não como recursos hierárquicos, ainda que impróprios. (v. Freitas do Amaral, ‘Conceito e Natureza do Recurso Hierárquico’, vol I, p.140 a 145).
Na verdade, continuando a citar este último autor, o recurso hierárquico pressupõe a existência de uma relação de hierarquia entre o órgão a quo e o órgão ad quem, enquanto que o traço fundamental da tutela administrativa
é o desaparecimento da hierarquia perante a relevância da autonomia. A tutela administrativa não é, pois, compatível, sob pena .de contradição, com o recurso hierárquico.
Assim sendo, o recurso previsto no citado art.º 30 n.º 1, na medida em que tem por objecto um acto praticado por um órgão de uma pessoa colectiva pública autónoma e é dirigido a um órgão de outra pessoa colectiva pública - o Estado, que sobre aquela exerce poder de tutela, tem natureza tutelar e não hierárquica.
Tem, pois, a recorrente inteira razão quando afirma que o recurso previsto no n.º 1 do art.º 30 do Dec. Reg. n° 15/94 é um recurso tutelar, tendo a sentença recorrida procedido a uma errada qualificação de tal recurso.
E, desde já se adianta, que também está com a razão quando defende que o recurso em causa, bem como a norma que o prevê, é ilegal por violação do art.º 177° n° 2 do C.P.A..
Na verdade, preceitua este art.º 177°:
1- O recurso tutelar tem por objecto actos administrativos praticados por órgãos de pessoas colectivas públicas sujeitas a tutela ou superintendência.
2 - O recurso tutelar só existe nos casos expressamente previstos por lei e tem, salvo disposição em contrário, carácter facultativo. (Sublinhado nosso )
Como atrás já se referiu, o art.º 30 do Dec. Regulamentar n° 15/94 prevê um recurso tutelar necessário dos actos praticados pelas entidades gestoras de programas quadro para o Ministro do Emprego e da Segurança Social.
A exigência desse pressuposto processual é imposta por um diploma regulamentar, sendo certo que, não obstante resultar do Dec. Lei n° 99/94, ao abrigo do qual o regulamento em questão foi editado, que, no âmbito das intervenções operacionais de iniciativa comunitária, a gestão é feita sob a responsabilidade de um membro do Governo, esse Decreto-Lei não prevê a existência de tal recurso.
Foi, pois, o Dec. Regulamentar n° 15/94 que criou um pressuposto do recurso contencioso, impondo a apresentação de um recurso tutelar como condição prévia de acesso à via judiciária para impugnação de um acto administrativo.
Ora e como se escreveu no Acórdão do Tribunal Constitucional n°
161/99, de 10 de Março de 1999, ( que revogou o Ac. deste STA de 14/5/98, rec. n° 43.534, que se debruçou sobre questão idêntica à dos presentes autos e que é citado pela entidade recorrida que juntou a respectiva fotocópia a fls. 89 e segs. ) a matéria do processo, quando se não inscreva na reserva legislativa parlamentar ( como é o caso do processo administrativo) reclama a intervenção de acto legislativo ( reserva de lei material ) pois ‘seria, na verdade, inadmissível que uma matéria com a importância do processo administrativo, que desempenha uma função instrumental relativamente ao direito de acesso à via judiciária, com o qual tem, por isso, íntima conexão pudesse ser disciplinada por um regulamento independente, que é um regulamento editado na sequência de uni acto legislativo que, para cumprir a exigência constitucional da primariedade ou da precedência de lei, apenas define ‘a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão’.
Pelo que o art.º 177° n. o 2 do CPA, ao prescrever que o recurso tutelar só existe nos casos expressamente previstos por lei, apenas pode reenviar para um acto legislativo, e nunca para um regulamento, pois se trata de matéria em que a disciplina inicial e primária só pode caber à lei.
Donde que o Dec. Regulamentar n° 15/94, de 6 de Julho, ao estabelecer no seu art.º 30, n.o 1, a exigência da apresentação de um recurso tutelar como condição prévia de acesso à via judiciária para impugnação de um acto administrativo, viola o disposto no n.º 2 do art.º 177° do CPA.
Quanto à matéria das invocadas inconstitucionalidades, e tal como decidiu o Acórdão do Tribunal Constitucional, atrás citado, a norma contida no n.º 1 do art.º 30 do Dec. Regulamentar n° 15/94, não invade a reserva de competência legislativa da Assembleia da República pois que não versa sobre as garantias dos administrados e, assim, sobre direitos de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, maxime, o direito ao recurso contencioso, já que versa sobre processo administrativo.
Decidiu-se, porém, nesse mesmo Acórdão, que o n.º 1 do art.º 30 do citado diploma regulamentar, ao preceituar que ‘dos actos praticados por entidades gestoras de programas quadro no âmbito do disposto no presente diploma cabe recurso necessário para o Ministro do Emprego e Segurança Social’, versando sobre matéria de que só a lei pode dispor, é inconstitucional, por violação do princípio da primariedade da lei, que se revela designadamente nos n.ºs 6 e 7 do artigo 115° e no art.º 202°, al. c), e por violação também do art.º 201, n° 1, al. a) todos da Constituição na versão anterior à revisão de 1997.
Recusa-se, por isso, a aplicação do referido normativo legal (n.º 3 do art.º 4° do ETAF)».
O acto aqui impugnado não definindo inovadoramente qualquer situação jurídica não é passível de impugnação contenciosa por carecer de lesividade própria. Tal como se decidiu, entre muitos outros, no acórdão do Pleno deste Supremo Tribunal Administrativo de 20.1.97, no recurso 33343:
«1- O recurso tutelar só existe quando tenha por objecto actos administrativos praticados por órgãos de pessoas colectivas públicas, sujeitas, nos termos expressamente previstos na lei, a tutela ou superintendência.
11- O recurso tutelar apenas é necessário, quando previsto como tal na lei. Ill- Interposto recurso tutelar facultativo, a decisão sobre o mesmo que mantenha o acto recorrido e que por falta de impugnação contenciosa se firmou na ordem jurídica com força de caso decidido ou resolvido, aquela não é susceptível de recurso contencioso por falta de lesividade».
.Não sendo o despacho impugnado um acto lesivo não é susceptível de impugnação contenciosa.
Nos termos expostos, tendo em consideração o disposto no [§] 4 do art. 57 do RSTA, acordam em rejeitar o recurso contencioso
...............................................................................................................................................................................................................................................................'
Notificado deste acórdão veio a recorrente, na sequência de vicissitudes processuais que à frente se indicarão, apresentar requerimento por intermédio do qual manifestou a sua vontade de, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, recorrer para o Tribunal Constitucional, a fim de ser apreciada a constitucionalidade da norma vertida no nº 1 do artº 30º do Decreto Regulamentar nº 15/94, de 6 de Junho.
2. Determinada a feitura de alegações, concluiu a recorrente a por si formulada com as seguintes «conclusões:-
'1. Os poderes regulamentares exercidos através do Decreto - Regulamentar n.º
15/94, de 06.07 encontram habilitação não apenas na lei interna, mas também em normas comunitárias, designadamente a Decisão da Comunidade Europeia n.º C(94)
376.
2. A emissão do Decreto Regulamentar n.º 15/94, de 06.07 não estava vedada ao Governo pelo texto constitucional português que é omisso quanto à reserva de lei em tal matéria;
3. A instituição do recurso necessário que consta do art.º 30.º, nº. 1 do Decreto Regulamentar nº 15/94 é matéria que integra o procedimento administrativo;
4. A matéria concernente ao procedimento administrativo não constitu[i] reserva de lei parlamentar;
5. O recurso necessário instituído pelo art º 30 º, n.º 1 do Decreto Regulamentar nº 15/94 é um recurso ‘sui[] generis’ com vocação exclusiva para matérias que transcendem em natureza e objectivos os que são próprios dos recursos disciplinados através do CPA.
6. A CRP garante aos administrados apenas tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos – artº 268.º, n.º 4.
7. A definição dos pressupostos do recurso contencioso não integra a reserva de lei parlamentar por omissão quer no artº 164º quer no art.º 165º do texto fundamental
8. Na matéria com envolvência comunitária, como é o caso da execução do II Quadro Comunitário de Apoio, o Governo é competente para disciplinar em regulamento independente as matérias em causa;
9. As relações geradas no seio das actividades de ‘coordenação, acompanhamento e controlo da execução do Quadro Comunitário, de Apoio’ são juridicamente especiais e justificativas de serem dirimidas, no plano administrativo, através de um recurso ‘especial’ como o que ficou consagrado pelo artº 30º, nº 1 do Decreto Regulamentar nº 15/94.
10. A habilitação do Governo para a emissão da norma regulamentar constante do artº 30, nº.1 do citado decreto regulamentar não provém apenas do quadro constitucional e legal interno, mas também da Decisão da Comunidade Europeia nº
. C(94) 376.
11. 0 art.º 30.º, nº, 1 do Decreto Regulamentar nº 15/94, de 06.07 não é inconstitucional'.
Por seu turno, o Secretário de Estado do Trabalho, no uso dos poderes que lhe foram delegados pelo Despacho nº 11386/2002, de 22 de Abril de
2002 (publicado na 2ª Série do Diário da República de 21 de Maio de 2002), rematou a sua alegação com as «conclusões» que a seguir se transcrevem:-
'I - O Acórdão objecto do recurso em apreço foi notificado às partes por correio expedido em 2002-02-05, pelo que a possibilidade da sua impugnação terminava em
21 de Fevereiro de 2002, já considerados os três dias úteis referidos no n.º 5 do artigo 145° do C.P.Civil. II - Em 19 de Fevereiro de 2002, a recorrente apresentou requerimento de interposição de recurso, com redacção característica de pretender recorrer para o Pleno da Secção do Supremo Tribunal Administrativo, impugnação de que o Acórdão em apreço era passível. III - O processado como tal foi tratado na secção de processos, tendo sido emitidas, e pagas pela recorrente em 04 de Março de 2002, as guias da inerente taxa de justiça, tendo posteriormente, em 08 de Março de 2002, sido proferido despacho de admissão do recurso. IV - Despacho que não foi notificado às partes, por, no mesmo dia 8 de Março de
2002, a recorrente ter apresentado novo requerimento, em que diz vir aperfeiçoar o de interposição de recurso, por ser sua intenção recorrer para o Tribunal Constitucional, devendo, por conseguinte, o recurso como tal ser interpretado e processado. V- Nem o requerimento inicial, nem o do seu (suposto) ‘aperfeiçoamento', satisfaziam aos requisitos enunciados no artigo 75°-A da Lei do Tribunal Constitucional, pelo que o Venerando Juiz Conselheiro, após aceitar o segundo, convidou a recorrente a dar cumprimento ao referido preceito legal. VI - Foi de seguida proferido despacho de admissão do presente recurso, despacho que fez menos correcta interpretação dos factos e não mais adequada aplicação do direito. VII - Com efeito, os autos evidenciam não existir qualquer aperfeiçoamento do requerimento inicial, mas substituição pela recorrente do recurso para o Pleno da Secção do [S]upremo Tribunal Administrativo por recurso para o Tribunal Constitucional. VIII - Substituição esta feita já depois de esgotado o prazo da interposição deste recurso. IX - A admissão do presente recurso constitui violação do disposto nos artigos
102° da LPTA, aprovada pelo DL 267/85, de 16 de Julho, com as alterações da redacção nela introduzidas, 754º e seguintes, nº 1 do artigo 685° e n.o 3 do artigo 145°, todos do Código do Processo Civil, 9° do Código Civil e 69°, 71 o,
75° e 75°-A, todos da Lei do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, com as alterações da redacção nela introduzidas pelas Leis n.o 143/85, de 26 de Novembro, n. 85/89, de 7 de Setembro, n.o 88/95, de 1 de Setembro e n.o 13-A/98, de 26 de Fevereiro. X - Deve, por isso, ao abrigo do n.º 3 do artigo 76° da citada Lei do Tribunal Constitucional ser dado Provimento ao presente recurso e, assim, revogado o douto despacho impugnado e substituído por douto Acórdão que rejeite este recurso por extemporâneo, com todas as legais consequências. XI - Caso assim não seja doutamente entendido, o que se admite por mera hipótese de raciocínio jurídico, é oferecido em contra-alegações o mérito do douto Acórdão recorrido e da orientação jurisprudencial em que se integra'.
Ouvida sobre a questão prévia suscitada pela entidade recorrida, a impugnante veio sustentar a improcedência de tal questão.
Cumpre decidir.
3. Mister é que se inicie a apreciação do presente pleito equacionando a questão prévia deduzida pela entidade recorrida.
Extrai-se dos autos a seguinte factualidade:-
- por intermédio de carta expedida sob registo em 5 de Fevereiro de
2002 foi notificado à impugnante o acórdão lavrado em 31 de Janeiro de 2002 pela
1ª Subsecção da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo;
- em 19 de Fevereiro seguinte, a recorrente fez apresentar nos autos requerimento no qual disse:- 'Notificada do aliás douto Ac[ó]rdão proferido nos autos com data de 2002.01.31 e com ele não concordando, do mesmo vem interpor recurso, que segue o regime dos de agravo em processo civil';
- em 8 de Março de 2002, o Conselheiro Relator do Supremo Tribunal Administrativo exarou o seguinte despacho:- 'Admito o recurso interposto a fls.
[...], a subir de imediato e com efeito suspensivo. Notifique';
- nesse mesmo dia 8 de Março, a recorrente apresentou no processo requerimento, onde escreveu:- 'Vem, em aperfeiçoamento do requerimento de recurso apresentado nos autos em 2002.02.19, declarar que o dito recurso é de constitucionalidade e interposto para o Tribunal Constitucional. Por isso pede para ser considerado este aperfeiçoamento e a admissão do recurso ser decidida em conformidade';
- em 19 de Março de 2002 o Conselheiro Relator do Supremo Tribunal Administrativo proferiu despacho do seguinte teor:- 'Defiro o requerimento de aperfeiçoamento de fls. 200 e considero o recurso interposto para o Tribunal Constitucional. Nos termos do art.º 75-A, n.º 5, da Lei n.º 28/82, de 15-11, na redacção dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26.2, convido a recorrente, no prazo de
10 dias, a indicar a alínea do n.º 1 do art.º 70 da mesma lei, ao abrigo da qual o recurso é interposto para o Tribunal Constitucional e a norma ou normas cuja inconstitucionalidade pretende ver apreciada, e ainda, caso o recurso seja interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do citado art.º 70, a indicar a norma ou princípios constitucionais que considera violados bem como a peça processual em que suscitou a questão da inconstitucionalidade';
- na sequência desse convite, a impugnante veio a apresentar o requerimento a que se aludiu no último parágrafo do ponto 1. do vertente aresto.
3.1. A entidade recorrida, na sua alegação, vem, ao abrigo do nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/82, impugnar o despacho proferido em 19 de Março de
2002 pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal Administrativo (acima transcrito) e que, deferindo o requerimento da impugnante apresentado em 8 dos mesmos mês e ano, considerou o recurso interposto por intermédio do requerimento de 19 de Fevereiro anterior como sendo dirigido ao Tribunal Constitucional, e isso porque, em síntese, na óptica da mencionada entidade recorrida,
'extemporaneamente, procurou transformar-se, a coberto de um pretenso aperfeiçoamento, num recurso para o Tribunal Constitucional, o que se interpusera como recurso para o Pleno da Secção do Supremo Tribunal Administrativo', sendo que aquele requerimento de 19 de Fevereiro de 2002 apresentava uma 'redacção característica dos recursos contenciosos de segunda instância interpostos para o Pleno da Secção do Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente' tendo em conta que aí se aludia ao regime dos recursos de agravo em processo civil, enquanto que o recurso para o Tribunal Constitucional segue em especial o regime do recurso de apelação.
Da factualidade acima descrita resulta que o requerimento apresentado pela recorrente em 19 de Fevereiro de 2002 se limita a manifestar a sua intenção de impugnar o acórdão prolatado em 31 de Janeiro do mesmo ano, não indicando minimamente qual a forma pela qual desejava que essa impugnação fosse levada a efeito, limitando-se a dizer que o recurso seguia o regime dos recursos de agravo em processo civil.
Posteriormente (em 8 de Março seguinte) veio esclarecer que a forma de impugnação cuja anterior vontade manifestara se consubstanciava na interposição de um recurso de constitucionalidade para este Tribunal.
Perante este contexto, e porque inexiste norma expressa que prescreva peremptoriamente qual o prazo em que as «partes» podem esclarecer o verdadeiro conteúdo dos seus requerimentos já apresentados nos autos, apresentar-se-ia como um exagerado formalismo um entendimento segundo o qual, in casu, porque a recorrente mencionou que o recurso deveria seguir o regime do recurso de agravo em processo civil, estar-lhe-ia totalmente vedado vir a tornar perceptível que a sua vontade de impugnação se reportava à interposição de um recurso de constitucionalidade e não à interposição de um recurso para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo. Um tal entendimento, aliás, levaria a que, se porventura a recorrente, no requerimento de 19 de Fevereiro de 2002, tivesse referido que o recurso que interpunha seguiria o regime dos recursos de apelação, se decidisse que tal requerimento só poderia ser interpretado - e como tal considerado - como revelando a vontade de interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ainda que, efectivamente, a sua vontade real fosse a de interpor recurso para o Pleno da Secção.
Não se deparam quaisquer dados de facto que, com suficiência, apontem para que o requerimento de 8 de Março de 2002 traduza uma vontade de modificação ou alteração do que foi transmitido no anterior requerimento de 19 de Fevereiro, pelo que se aceita que aquele constitui um esclarecimento deste.
Não se esgrima também com o argumento de que, devendo os requerimentos de recurso para o Tribunal Constitucional obedecer a determinados requisitos, porque o requerimento de 19 de Fevereiro de 2002 aos mesmos não obedeceu, não poderia o mesmo ser interpretado como revelando a vontade de impugnar perante este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa o acórdão de 31 de Janeiro de 2002.
É que, a não obediência aos requisitos ínsitos no artº 75º-A da Lei nº 28/82, só por si, não conduz a que se não interprete um dado requerimento como traduzindo a vontade de impugnação de uma dada decisão judicial perante o Tribunal Constitucional, sendo certo que na lei existem mecanismos (números 5 e
6 do indicado artigo) orientados com o objectivo de suprir a falta daqueles requisitos.
Em face do exposto, não é de censurar o despacho proferido em 19 de Março de 2002 pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal Administrativo.
Isto posto, passar-se-á à apreciação da matéria do recurso, aqui se incluindo a questão de saber se é fundada a interposição do mesmo nos termos da alínea a) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82 e se a recorrente tinha legitimidade para essa interposição.
4. Para concluir que o acto impugnado não definia inovatoriamente qualquer situação jurídica, o aresto impugnado teve de partir do princípio de que o acto praticado pela Ministra para a Qualificação e o Emprego não podia constituir algo perspectivável como um acto administrativo proferido em via de recurso hierárquico necessário, mas sim devia ser visto como um acto tomado por uma entidade que apenas detinha a mera tutela de um organismo da Administração, cujos respectivos actos eram jurisdicionalmente impugnáveis.
E, para assim entender, não deu relevo ao que se dispõe no nº 1 do artº 30º do Decreto Regulamentar nº 15/94 (que comanda que cabe recurso necessário para o Ministro do Emprego dos actos praticados pelas entidades gestoras de programas quadro no âmbito desse mesmo diploma), pois que entendeu que um tal normativo padecia de desconformidade com a Constituição.
Significa isto que, para qualificar como qualificou o acto então sob recurso, o acórdão sub iudicio, desconsiderou, por a considerar inconstitucional, a norma ínsita naquele preceito.
Neste contexto, e porque a ora recorrente tinha defendido que o acto impugnado deveria ser tido como um acto praticado pela entidade recorrida no exercício de poderes que contemplavam a via de recurso hierárquico necessário, tal como defluía do nº 1 do citado artº 30º, cabido lhe seria lançar mão do recurso esteado na alínea a) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, pois que, quanto à questão da inconstitucionalidade dessa norma, ficou vencida.
Nada obsta, pois, ao conhecimento do recurso.
5. A questão de fundo, ora em apreço, foi já objecto de apreciação por banda deste Tribunal.
Na realidade, no Acórdão nº 161/99, publicado na 2ª Série do Diário da República de 16 de Fevereiro de 2000 foi julgada inconstitucional, por violação do princípio da primariedade de lei, decorrente, designadamente, dos números 6 e 7 do artigo 115º, 201º, nº 1, alínea a), e 202º, alínea c), da Lei Fundamental, a norma do artº 30º, nº 1, do Decreto Regulamentar em causa.
Para fundar esse juízo, disse-se nesse aresto:-
'...............................................................................................................................................................................................................................................................
5.1. A recorrente sustenta, em síntese, que um recurso tutelar necessário só pode ser previsto por lei parlamentar ou por decreto-lei (quiçá, parlamentarmente autorizado), e não por um regulamento. E isto, de um lado, porque as garantias dos administrados, que se inscrevem na reserva legislativa parlamentar, incluem não apenas as garantias contenciosas, como também as garantias graciosas; e, de outro, porque a exigência de prévia interposição de recurso tutelar como condição de impugnação contenciosa de um acto administrativo, condiciona o direito ao recurso contencioso, que é, seguramente, uma garantia dos administrados e também um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias.
Por isso - conclui a recorrente -, o artigo 177º, n.º 2, do Código de Procedimento Administrativo, interpretado no sentido de que ‘a previsão de recurso tutelar necessário pode constar de uma qualquer disposição normativa, mesmo que de carácter regulamentar, viola a reserva parlamentar atinente aos direitos, liberdades e garantias [ artigo 168º, n.º 1, alínea b), da Constituição] e às garantias dos administrados [ alínea u) do n.º 1 do mesmo artigo 168º] . E essa mesma reserva parlamentar - acrescenta - é também violada pelo n.º 1 do artigo 30º do Decreto Regulamentar n.º 15/94, de 6 de Julho, que prevê que, dos actos praticados por entidades gestoras de programas quadro no
âmbito do disposto nesse diploma, seja, obrigatoriamente, interposto recurso para o Ministro do Emprego e Segurança Social.
5.2. O artigo 168º, n.º 1, alínea u), da Constituição [ redacção anterior à de 1997, correspondente, hoje, ao artigo 165º, n.º 1, alínea s)] reserva à Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, a edição de legislação sobre as garantias dos administrados, que, como decorre do que preceitua o artigo 268º da Constituição, são os direitos fundamentais do cidadão enquanto administrado, a saber: a). o direito à informação sobre o andamento dos processos administrativos em que cada um seja interessado; b). o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos; c). o direito à notificação dos actos administrativos; d). o direito à fundamentação dos actos administrativos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos; e). o direito ao recurso contencioso, com fundamento em ilegalidade, contra quaisquer actos administrativos, independentemente da sua forma, que lesem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos; f). o direito à tutela judicial dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.
Acresce que o artigo 168º, n.º 1, alínea b), da Constituição [ redacção anterior à Revisão de 1997, correspondente, hoje, ao artigo 165º, n.º
1, alínea b)] reserva também à Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, a edição de legislação sobre a matéria de direitos, liberdades e garantias. E esta reserva de competência legislativa - decorre do artigo 17º da Constituição - abrange não apenas os direitos, liberdades e garantias do título II da parte I da Constituição (direitos, liberdades e garantias de carácter pessoal; direitos, liberdades e garantias de participação política; e direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores), como também os direitos fundamentais de natureza análoga, que é o que são os direitos e garantias dos administrados, que se deixaram enunciados. Abrange-os, ao menos, no seu núcleo essencial, ou seja, naquela dimensão em que tais direitos assumem a natureza de uma verdadeira garantia. Abrange, por isso, nessa medida, o direito ao recurso contencioso. No acórdão n.º 373/91 (publicado no Diário da República, I série-A, de 6 de Novembro de 1991), com referência aos direitos de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, escreveu-se o seguinte:
«Ora, entende o Tribunal que, de qualquer modo, cabem necessariamente na reserva de competência legislativa da Assembleia da República, por força das disposições combinadas dos artigos 17º e 168º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República, as intervenções legislativas que contendam com o núcleo essencial dos ‘direitos análogos’, por aí se verificarem as mesmas razões de ordem material que justificam a actuação legislativa parlamentar no tocante aos direitos, liberdades e garantias».
A reserva de competência legislativa da Assembleia da República compreende, por isso, toda a regulamentação atinente ao núcleo essencial do direito ao recurso contencioso, ou seja, da garantia dos particulares traduzida na faculdade de impugnarem perante os tribunais, com fundamento na sua ilegalidade, os actos administrativos lesivos dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos. Tudo o que seja matéria legislativa, e não apenas as restrições do direito em causa (artigo 18º da Constituição), há-de constar de lei parlamentar ou de decreto-lei parlamentarmente autorizado. Quanto ao regulamento, neste domínio, ele apenas pode versar pormenores de execução.
Escreveu-se, a propósito, no acórdão n.º 74/84 deste Tribunal
(publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 4º, página 54), citando AFONSO RODRIGUES QUEIRÓ (‘Teoria dos Regulamentos’, in Revista de Direito e Estudos Sociais, ano XXVII, página 17), o seguinte:
«A reserva de lei constitui [ ...] limite do poder regulamentar: a Administração não poderá editar regulamentos (independentes ou autónomos) no domínio dessa reserva. Os únicos regulamentos que nas matérias reservadas à lei se admitem são os regulamentos de execução. O Executivo, neste domínio, só pode editar normas inovadoras sob a forma de decretos-lei, mediante autorização da Assembleia da República».
5.3. Importa, então, saber se a norma do artigo 30º, n.º 1, do Decreto Regulamentar n.º 15/94, de 6 de Julho, que condiciona a interposição do recurso contencioso à prévia apresentação de recurso tutelar, versa sobre o a dimensão garantística (o núcleo essencial) do direito dos administrados ao recurso contencioso.
É que, se a resposta for afirmativa, a norma desse artigo 30º, n.º 1, do Decreto Regulamentar n.º 15/94, de 6 de Julho - que, recorda-se, prevê que, dos actos praticados por entidades gestoras de programas quadro no âmbito do disposto nesse diploma, seja, obrigatoriamente, interposto recurso para o Ministro do Emprego e Segurança Social - é inconstitucional.
De facto, num tal caso, ela violará a reserva de competência legislativa constante das alíneas b) e u) do n.º 1 do artigo 168º da Constituição, na redacção anterior à revisão de 1997.
A resposta à pergunta formulada é, no entanto, negativa, como vai ver-se.
No recurso tutelar, impugna-se um acto administrativo praticado por uma pessoa colectiva pública perante um órgão de outra pessoa colectiva pública que sobre aquela exerce poder de tutela ou de superintendência (cf. artigo 177º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo). Tal recurso só existe nos casos expressamente previstos na lei e, salvo disposição em contrário, tem carácter facultativo (cf. artigo 177º, n.º 2, do Código de Procedimento Administrativo). Quando, porém, o recurso tutelar for obrigatório, só a decisão da entidade com poderes de tutela ou de superintendência pode ser objecto de impugnação contenciosa. Num tal caso, pois, a decisão desta última entidade torna-se necessária para abrir a via da impugnação contenciosa (cf. o n.º 5 do citado artigo 177º, conjugado com o artigo 167º do mesmo Código e com os artigos
25º, n.º 1, e 34º, n.º 1, da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos).
O recurso tutelar necessário, na medida em que condiciona o acesso à via judiciária para impugnação dos actos administrativos lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares, assume, assim, a natureza de um simples pressuposto processual.
Por isso, a norma do artigo 30º, n.º 1, do Decreto Regulamentar n.º
15/94, de 6 de Julho, que impõe a apresentação de um recurso tutelar como condição prévia de acesso à via judiciária para impugnação de um acto administrativo, não versa sobre as garantias dos administrados, maxime sobre a garantia do direito ao recurso contencioso. Ela versa, sim, sobre processo - recte, sobre processo administrativo.
Ora, no tocante ao processo, as únicas matérias que se inscrevem na reserva de competência legislativa parlamentar são as seguintes:
(a). o processo no Tribunal Constitucional [ cf. artigo 167º, alínea c), na versão anterior à revisão de 1997, correspondente, hoje, ao artigo 164º, alínea c)] ;
(b). o processo criminal [ cf. artigo 168º, n.º 1, alínea c), na versão anterior à revisão de 1997, correspondente, hoje, ao artigo 165º, n.º 1, alínea c)] ;
(c). e o regime geral do processo das infracções disciplinares e dos actos ilícitos de mera ordenação social [ cf. artigo 168º, n.º 1, alínea d), na versão anterior à revisão de 1997, correspondente, hoje, ao artigo 165º, n.º 1, alínea d)] .
Na reserva de competência legislativa da Assembleia da República não cabe, pois, o processo administrativo.
Escreveu-se, a propósito, no acórdão n.º 674/95 (publicado no Diário da República, II série, de 23 de Março de 1996):
«[ ...] a matéria processual administrativa, no que não toque (e não
é esse manifestamente o caso do artigo 65º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 400/84) as
‘garantias dos administrados’ [ artigo 168º, n.º 1, alíneas u) e t), na versão anterior] , não integra a reserva legislativa da Assembleia da República, contrariamente ao que sucede com o processo perante o Tribunal Constitucional [ que integra a reserva absoluta: artigo 167º, alínea c)] , o processo criminal e o processo disciplinar e relativo aos ilícitos de mera ordenação social [ que integra a reserva relativa: artigo 168º, n.º 1, alíneas c) e d)] ».
A norma do artigo 30º, n.º 1, do Decreto Regulamentar n.º 15/94, de 6 de Julho, não invade, por isso, a reserva de competência legislativa da Assembleia da República: ela que não versa, de facto, sobre as garantias dos administrados - e, assim, sobre direitos de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, maxime, sobre o direito ao recurso contencioso.
5.4. Inconstitucional seria a norma que, com o estabelecimento de um pressuposto processual, tornasse impossível ou particularmente onerosa a impugnação contenciosa dos actos administrativos lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares. Sê-lo-ia, porque, num tal caso, violaria a garantia do direito ao recurso contencioso.
Esta é, porém, uma questão que, no caso, se não coloca, pois, como este Tribunal já teve ocasião de decidir, por diversas vezes, a exigência de prévia interposição de recurso hierárquico necessário não viola a garantia constitucional da accionabilidade dos actos administrativos viciados - é dizer, a garantia do direito ao recurso contencioso [ cf., a propósito, os acórdãos nºs
9/95, 603/95, 115/96, 499/96, 1143/96 (publicados no Diário da República, I série, de 23 de Março de 1995, 14 de Março de 1996, 6 de Maio de 1996, 3 de Julho de 1996 e 11 de Fevereiro de 1997), 24/96 e 159/96 (estes, por publicar)]
.
Bem se compreende, de resto, que assim seja.
É que, tal exigência servirá, por vezes, para economizar um recurso contencioso, funcionando, assim, como instrumento de racionalização do acesso à via judiciária: basta que, interposto recurso gracioso, o particular obtenha, ao nível da Administração, a reformulação da decisão que considera lesiva dos seus direitos ou interesses legítimos. E, quando não evite o recurso contencioso, a utilização desse meio administrativo não impede a impugnação dos actos administrativos viciados, nem a torna particularmente onerosa; impõe apenas um compasso de espera.
5.5. O facto de a exigência de recurso tutelar necessário ser feita por um regulamento (recte, pelo Decreto Regulamentar n.º 15/94, de 6 de Julho, artigo 30º, n.º 1) coloca, porém, uma outra questão de constitucionalidade, que
é a de saber se a obrigatoriedade desse recurso não deveria, antes, constar de lei.
Na verdade, para além das matérias cuja regulamentação tem, toda ela, que constar de lei parlamentar ou parlamentarmente autorizada, nas quais o regulamento só pode versar pormenores de execução (cf. supra, 5.2), existem outras cuja disciplina inicial e primária também só por acto legislativo pode ser regulada. Nelas, o regulamento só pode conter normação secundária e subsequente. Fala-se, a este propósito, em reserva de lei material [ cf. J.J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA (Constituição da República Portuguesa Anotada,
3ª edição, 1993, página 515)] .
Pois bem: a matéria de processo, quando se não inscreve na reserva legislativa parlamentar (esse é, como vimos, o caso do processo administrativo), reclama, naturalmente, a intervenção do legislador.
Seria, na verdade, inadmissível que uma matéria com a importância do processo administrativo, que desempenha uma função instrumental relativamente ao direito de acesso à via judiciária, com o qual tem, por isso, íntima conexão, pudesse ser disciplinada por um regulamento independente, que é um regulamento editado na sequência de um acto legislativo que, para cumprir a exigência constitucional da primariedade ou da precedência de lei, apenas define ‘a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão’ (cf. artigo 115º, n.º 7, da Constituição).
Ora, o artigo 30º, n.º 1, do Decreto Regulamentar n.º 15/94, de 6 de Julho, o que faz é fixar um pressuposto do recurso contencioso (essa é, como vimos, a natureza do recurso tutelar necessário), que, obviamente, condiciona o acesso aos tribunais administrativos, com o objectivo de impugnar os actos administrativos viciados que sejam lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares.
O artigo 177º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo, ao prescrever que ‘o recurso tutelar só existe nos casos expressamente previstos por lei’, apenas pode reenviar para um acto legislativo, e nunca para um regulamento, pois se trata de matéria em que a disciplina inicial e primária só pode caber à lei.
Por isso, tal norma, quando interpretada, como foi, em termos de remeter para um regulamento, é inconstitucional, por violação do artigo 115º, n.º 5, da Constituição, na versão anterior à revisão de 1997 (corresponde, hoje, ao artigo 112º, n.º 6).
De sua parte, o n.º 1 do artigo 30º do Decreto Regulamentar n.º
15/94, de 6 de Julho, ao preceituar que ‘dos actos praticados por entidades gestoras de programas quadro no âmbito do disposto no presente diploma cabe recurso necessário para o Ministro do Emprego e Segurança Social’, versando matéria sobre que só a lei pode dispor, é também inconstitucional, por violação do princípio da primariedade da lei, que se revela, designadamente, nos nºs 6 e
7 do artigo 115º e no artigo 202º, alínea c), e por violação também do artigo
201º, nº 1, alínea a), todos da Constituição, na versão anterior à revisão de
1997.
Este Tribunal já teve, de resto, ocasião de decidir que a ‘disciplina inicial’ de determinadas matérias só pode constar de diploma legislativo [cf. acórdão nº 184/89 (publicado no Diário da República, I série, de 9 de Março de
1989), que, entre o mais, declarou inconstitucional, por violação do princípio da precedência de lei, determinadas normas de um regulamento de aplicação do Regulamento FEDER].
...............................................................................................................................................................................................................................................................'
6. Porque se entende que a corte de razões acima transcritas são de manter, acolhe-se a mesma, no caso sub specie, pelo que, também aqui, se há-de concluir pela desarmonia com a Constituição da norma do nº 1 do artº 30º do Decreto Regulamentar nº 15/94, enquanto a mesma determina que dos actos praticados pelas entidades gestoras de programas de quadro no âmbito do que se consagra naquele mesmo Decreto Regulamentar, cabe recurso necessário para o Ministro do Emprego e Segurança Social.
7. Em face do exposto, decide-se.-
a) Julgar inconstitucional, por violação do princípio da primariedade de lei, decorrente dos artigos 115º, números 6 e 7, 201º, nº 1, alínea a), e 202º, alínea c), da Constituição [versão decorrente da Lei Constitucional nº 1/92, de 25 de Novembro, a que correspondem, na versão decorrente da Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro, os artigos 112º, números 7 e 8, 198º, nº 1, alínea a), e 199º, alínea c)], a norma vertida no nº
1 do artº 30º do Decreto Regulamentar nº 15/94, de 6 de Julho, enquanto a mesma determina que dos actos praticados pelas entidades gestoras de programas de quadro no âmbito do que se consagra naquele diploma, cabe recurso necessário para o Ministro do Emprego e Segurança Social e, em consequência,
b) Negar-se provimento ao recurso. Lisboa 29 de Janeiro de 2003 Bravo Serra Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Paulo Mota Pinto [vencido, por, embora sem excluir em geral a existência, em certos termos, de uma 'reserva de lei material', me terem ficado sérias dúvidas sobre a fundamentação dessa reserva quanto à norma em questão no presente caso, assente na 'importância da matéria' e na 'função instrumental relativamente à garantia judiciária'; com tais dúvidas sobre esta fundamentação (sendo certo que não se considerou, e antes se excluiu, que a norma em causa integrasse a reserva de competência legislativa da Assembleia da República), não me pronunciei no sentido da inconstitucionalidade] José Manuel Cardoso da Costa [vencido, perfilhando posição essencialmente convergente com a da Exª Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, no voto que apôs ao Acórdão nº 161/99. Mas ainda que – por interpretação da Constituição
– se possa eventualmente concluir pela existência de situações de reserva da lei material, algo para além dos casos 'expressamente' considerados naquela, ainda assim, não vejo que nelas possa ou deva incluir-se a situação sub judicio; é que, para além de a norma versar matéria de 'procedimento', essa também, no fundo, matéria 'organizatória' (já que acabou por definir e delimitar o grau de autonomia da entidade à qual é cometida, em primeira linha, a 'gestão' e
'administração' da matéria em causa) – e esse (o do 'procedimento' e o da
'organização') afiguram-se-me terrenos de 'natural' intervenção de regulamentos
'meramente autorizados', ou seja, de regulamentos independentes]