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Processo nº 387/02
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1. - Nos presentes autos de recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, interpostos ao abrigo do disposto nas alíneas b) e g) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A, e são recorridos o Ministério Público e B e mulher, todos melhor identificados nos autos, foi proferida, em 23 de Setembro de 2002, após despacho proferido anteriormente, nos termos do artigo
75º-A, nºs. 2, 3, 6 e 7 do mesmo diploma legal, decisão sumária na qual não se tomou conhecimento do objecto do recurso.
2. - A decisão sumária proferida tem o seguinte teor:
'1. - Nos autos de processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, que, sob o nº 102/99, correram termos na 5ª Vara Criminal de Lisboa (2ª Secção), sob acusação do Ministério Público, estando constituídos assistentes B e mulher, por acórdão de 28 de Setembro de 2001, o arguido A foi, além do mais, condenado na pena de dois anos e seis meses de prisão, pela prática de um crime de burla agravada, previsto e punido, nas disposições conjugadas dos artigos 313º e 314º, alínea c), ambas do Código Penal (de 1982), com execução declarada suspensa pelo período de três anos, sob a condição de pagar no prazo de oito meses, o montante global de indemnização cível que lhe foi fixada.
2. - Anteriormente, por despacho judicial de 4 de Julho de 2001 (a fls. 856), não fora autorizado o depoimento do Dr. C, como testemunha, após escusa deste como advogado, ao abrigo do segredo profissional (nº 1 do artigo 135º do Código de Processo Penal). Desse despacho reagiu o arguido mediante interposição de recurso logo invocando a fundamentação utilizada para o indeferimento do depoimento – o parecer emitido pelo Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, a fls. 853 e segs. dos autos, que não tem por vinculativo – como integrando uma interpretação da norma do nº 1 daquele artigo 135º como violadora dos artigos 32º, nº 1, 26º, nº 1,
20º, nºs. 3 e 4, e 13º da Constituição da República.
3. - O arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa do acórdão condenatório, admitido a subir imediatamente nos próprios autos e com efeito suspensivo (fls. 952 e 953); do despacho de 16 de Novembro de 2001, a fls. 1089, que indeferiu, por extemporâneo um pedido de rectificação da motivação apresentada e do despacho de 4 de Julho desse ano, acima referido. O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 20 de Março de 2002 (fls. 1231 e segs.) conheceu, em primeiro lugar, deste último recurso e declarou-o improcedente, nomeadamente após afastar a alegada problemática de inconstitucionalidade, considerando prejudicado o conhecimento dos demais.
4. - Inconformado, interpôs o arguido recurso para o Tribunal Constitucional do assim decidido, ao abrigo da alínea b) e g) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro (fls. 1243), por 'incorrecta e indevida interpretação/valoração do artigo 135º, nº 2, do CPP, fazendo uma interpretação e valoração inconstitucional, por violação dos artigos 32º, nº 1, 26º, nº 1,
20º, nºs. 3 e 4 da Constituição da República e violando ainda o artigo 13º da Lei Fundamental'.
5. - O recurso foi admitido por despacho de 8 de Maio de 2002 (fls. 1252) – o que, porém, não vincula o Tribunal Constitucional (nº 3 do artigo 76º da Lei nº
28/82). Neste Tribunal, o relator proferiu, em 27 de Junho último, despacho ao abrigo do artigo 75º-A deste diploma legal, do seguinte teor (fls. 1264):
'O recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade fundamento-se nas alíneas b) e g) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. Nos termos e para os efeitos previstos nos nºs. 2, 3, 6 e 7 do artigo 75º-A do mesmo diploma, notifique o recorrente para, em 10 dias: a)- quanto ao recurso da alínea b), identificar clara e inequivocamente a dimensão interpretativa que, em seu entender, foi dada pela decisão recorrida à norma do nº 1 do artigo 135º do Código de Processo Penal; b)- quanto ao recurso da alínea g), identificar a decisão do Tribunal Constitucional ou da Comissão Constitucional que, com anterioridade, julgou inconstitucional a norma aplicada pela decisão recorrida.'
6. - O recorrente respondeu (fls. 1265/1266) observando, em síntese, quanto ao fundamento previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º que a decisão judicial
'valorou inconstitucionalmente' a norma do artigo 13º da Constituição' ao considerar que determinada condição social da testemunha em causa [...] lhe concederia a possibilidade de, no caso concreto, e mediante a possibilidade de determinado 'Parecer' da respectiva Ordem [dos Advogados], de se poder eximir ao depoimento, depoimento este tanto mais importante quando estava em causa a eventual responsabilidade penal (na sua forma dolosa ou negligente) do ora recorrente' – o que igualmente violou o disposto no nº 1 do artigo 32º da Lei Fundamental, ao impedir ao arguido o arrolamento de quem podia depor a seu favor em audiência, e, do mesmo passo, o preceituado no nº 3 do artigo 20º - é inconstitucional, objecta, a invocação, no caso concreto, do teor do parecer da Ordem, pois que se encontrava ultrapassada a fase do 'segredo de justiça' – e, bem assim, no nº 1 in fine, do artigo 26º, dada a discriminação levada a efeito. Por sua vez, convidado a identificar a decisão do Tribunal Constitucional ou da Comissão Constitucional que tenha já apreciado e julgado inconstitucional a norma aplicada pela decisão recorrida – o que se mostra fundamental como pressuposto do recurso de constitucionalidade fundado na alínea g) do nº 1 do citado artigo 70º - o recorrente limita-se a dizer que 'nada pode adiantar a tal propósito' por desconhecer a existência de qualquer decisão nesse sentido.
7. - Entende-se ser de proferir decisão sumária, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, no sentido do não conhecimento do objecto do recurso.
8. - Com efeito, o recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade com fundamento na alínea b) do nº 1 do artigo 70º reporta-se ao controlo da constitucionalidade de normas e não de decisões, o que implica imputar a desconformidade com o texto constitucional não ao acto de aplicação do Direito, concretizado num acto de administração ou em decisão judicial, mas à própria norma ou, quando muito, à norma numa determinada interpretação que enformou tal acto ou decisão (assim, v.g., os acórdãos nºs. 18/96, 663/96, 680/96 e 37/97, o primeiro deles publicado no Diário da República, II Série, de 15 de Maio de
1996). Na verdade, é essa norma e não o acto de julgamento que envolve a ponderação decisória da singularidade do caso concreto que compete ao Tribunal Constitucional julgar, aferindo de constitucionalidade do critério normativo utilizado. Como se ponderou no acórdão nº 82/01, inédito, não é sindicável por este Tribunal a subsunção, operada pelo aplicador do direito, do caso concreto à norma. Este é, de resto, jurisprudência impressiva, constante e uniforme do Tribunal Constitucional. Ora, no caso vertente, recorta-se uma situação reconduzível a esta constatação: o recorrente discorda da decisão e pretende rediscuti-la na medida em que a mesma se pronunciou sobre a legitimidade da escusa, no concreto caso, o que, quando muito seria compaginável com um expediente como o recurso de amparo, não previsto no ordenamento jurídico português. Na verdade, o que se pretende discutir nada tem a ver com a norma do nº 2 do artigo 135º do CPP – ou uma sua dada interpretação – mas sim com a subsunção a essa norma da situação fáctica subjacente – o que, obviamente, não integra a competência cognoscitiva deste Tribunal.
9. - Melhor sorte não merece o recurso com fundamento na alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82: não indicando o recorrente decisão anterior que tenha julgado a norma inconstitucional (em decisão do Tribunal Constitucional) não pode tomar-se conhecimento do recurso, por inverificação do pressuposto exigido nessa alínea.
10. - Em face do exposto, nos termos do nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de
15 de Novembro, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso. Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 6 unidades de conta.'
3. - O recorrente, notificado, reclamou do decidido, convocando para o efeito o disposto no artigo 405º do Código de Processo Penal.
Não é este o preceito observável mas sim o do nº 4 do artigo 76º da Lei nº 28/82 para o qual se remete, por assim o aconselharem razões de economia e de racionalidade processuais.
Entende o reclamante que se está perante um caso de apreciação de normas: o Tribunal recorrido terá feito uma 'incorrecta e indevida interpretação/valoração do artigo 135º, nº 2, do C.P.P., fazendo uma interpretação e valoração inconstitucional, por violação dos artigos 32º, nº 1,
26º, nºs. 3 e 4 da Constituição da República e violando ainda o artigo 13º da Lei Fundamental' (sublinhados originais)
Ouvido, o magistrado do Ministério Público considera a reclamação como manifestamente infundada, não se alegando nada de substancial susceptível de pôr em causa o teor do decidido, alicerçado na 'ostensiva inverificação dos pressupostos do recurso de constitucionalidade interposto'.
De igual modo os demais recorridos vieram aos autos pronunciar-se no sentido do não atendimento da reclamação, de todo carecendo de fundamento.
Cumpre decidir.
4. - Na verdade, na sua peça processual de reclamação, o seu autor nada adianta ao modo e fundamento em que equacionou primeiramente a questão, ou questões, de constitucionalidade, nomeadamente no que à alínea b) do nº 1 do artigo 70º respeita [já que relativamente à alínea g), nada diz].
Ou seja, não se perfilando a necessidade de o Tribunal se debruçar sobre qualquer linha argumentativa aduzida na reclamação, há, tão só, que ponderar o que na decisão sumária se entendeu quanto à não verificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso.
Ora, a este respeito, concorda-se com o que, de essencial, então se escreveu, pelo que, agora, há só que o reafirmar.
Acrescente-se, porém, que ainda que se possa considerar que foi suscitada uma questão de inconstitucionalidade normativa – embora deficientemente formulada – a verdade é que a questão ora posta perante este Tribunal corresponderia à inconstitucionalidade total da norma do artigo 135º, nº 2, do CPP, quando, durante o processo, o recorrente apenas questiona a interpretação dada a um determinado segmento normativo do mesmo preceito: o respeitante à obrigação de a autoridade judiciária proceder 'às averiguações necessárias'. Sempre faltaria, assim, um dos pressupostos do recurso de constitucionalidade: a suscitação da questão de inconstitucionalidade levada ao Tribunal Constitucional perante o tribunal a quo, ou seja, durante o processo.
5. - Em face do exposto, decide-se indeferir a reclamação deduzida, confirmando a decisão sumária proferida nos autos, no sentido do não conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 15 unidades de conta. Lisboa, 23 de Outubro de 2002- Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida