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Processo nº 69/02
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. O Ministério Público veio interpor recurso para este Tribunal Constitucional, invocando os 'arts. 70º nº 1 al. a), 71º, 72º nº 1 al. a), e 78º nº 3 da Lei
28/82 de 15/11', do acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo, de 25 de Setembro de 2001, 'restrito à questão da inconstitucionalidade orgânica da norma constante do artº 39º do Regulamento de Obras na Via Pública (Edital 156/63) publicado no D. M. de 21/09/63'.
2. Nas suas alegações concluiu assim o Ministério Público recorrente:
'1°- Estando o pagamento à autarquia da ‘compensação pela modificação da resistência dos pavimentos e pelas despesas de fiscalização’ directa e concretamente conexionado com obras levadas a cabo na via pública por certa entidade - funcionando, deste modo, o pagamento de tal ‘tributo’ como contrapartida de uma intervenção consentida em bens do domínio público, cuja guarda ou tutela está cometida aos municípios - verifica-se a bilateralidade de tal prestação, que caracteriza o núcleo essencial do conceito de ‘taxa’.
2° - A circunstância de o interesse ‘individual’ da entidade devedora coincidir com o ‘interesse público’ na realização das atribuições postas a cargo de empresa concessionária sobre que recai a obrigação de pagamento daquele tributo não preclude a dita ‘bilateralidade’ – nada obstando a que possam ser devidas
‘taxas’ por certa entidade pública em benefício de outra pessoa colectiva pública.
3°- Termos em que deverá proceder o presente recurso, em conformidade com o juízo de constitucionalidade da norma regulamentar questionada, estranha ao
âmbito da ‘Constituição fiscal' e da reserva de lei que caracteriza o conceito jurídico-constitucional de ‘imposto’'.
3. A ora recorrida 'A', sociedade anónima com sede em Lisboa, apresentou alegações, concluindo que:
'Inexiste, como sobejamente se infere do Douto Acórdão recorrido, qualquer contrapartida entre actividade desenvolvida pela Recorrente e a satisfação de uma necessidade individual da Recorrida.
2. Sem essa sinalagmaticidade, a primeira acha-se impossibilitada de exigir a liquidação de qualquer tributo, como é entendimento pacífico, quer do ST A, que deste mesmo Tribunal.
3. De resto, e apesar de se afigurar duvidoso que a questão tenha sido colocada do modo processualmente adequado, parece que a sua análise não redunda na apreciação da sua conformidade com o texto fundamental.
4. Com efeito, o que está em causa é a caracterização da natureza do tributo em causa, juízo de prognose que precede e que nada belisca a constitucionalidade do diploma regulamentar, uma vez que o que se expende não é que a realidade em causa não se pode subsumir, pelas razões expostas, a uma taxa.
5. E como este Tribunal, conforme jurisprudência pacífica e uniforme, se acha vedado a apreciar as interpretações feita por outros tribunais, parece, que também por esta razão o recurso deve improceder .
6. Termos em que deve o presente recurso ser julgado insubsistente e infundado, com as demais consequências legais'.
4. Sem vistos, cumpre decidir.
É facto que no acórdão recorrido foi julgado 'procedente a impugnação' deduzida pela ora recorrida, 'anulando-se a liquidação' ('a liquidação da receita fiscal autárquica (taxa) denominada ‘TAXA DE COMPENSAÇÃO DE DESPESAS DE FISCALIZAÇÃO’' pretendida cobrar pela Câmara Municipal de Lisboa). E esse julgamento assentou no fundamento de que 'a quantia em causa exigida à ora recorrente não reúne as características (...) correspondentes aos elementos defini dores do conceito de taxa, pois que não visa qualquer satisfação individual da recorrida que efectuou as obras em acatamento da concessão do serviço de telecomunicações que lhe está cometido e, por consequência, em ordem
à satisfação de interesse público' e, assim, a quantia impugnada surge 'como
‘compensação pela modificação da resistência dos pavimentos e pelas despesas de fiscalização’, (cfr. ROVP - art. 39 e art. 8 da Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais) pelo que não pode ser qualificada como taxa (cfr ., neste sentido, entre outros os Ac. do STA de 2.6.99, de 16.6.99 e de 21.6.2000, in rec. 23.166,23.175 e 23.279, respectivamente, e os deste Tribunal de 11.7.2001 , rec. 4764/01 e 5030/01, de 8.5.2001, Rec. 3415/00, e de 8.5.2001, rec. 4765/01) mas como verdadeiro imposto, pelo que a sua criação pela CML é organicamente inconstitucional por violação do art. 168 nº 1 al. i) da CRP daí decorrendo, necessariamente, a ilegalidade da respectiva liquidação'. Acontece, porém, que num caso idêntico, vindo do mesmo Tribunal a quo, e em recurso em que também é recorrente o Ministério Público, o Tribunal Constitucional decidiu já que não pode 'manter-se o julgado de inconstitucionalidade recorrido', fundamentalmente porque 'o tributo imposto foi criado por um regulamento municipal aprovado em 19/6/63, publicado, como se disse, no Diário Municipal de 21/9/63, anterior, pois, à Constituição de 76 e quando vigorava a Constituição de 33 ' e, 'dado o disposto no artigo 290 nº 2 da CRP e a circunstância de, no caso, se tratar de direito ordinário anterior à entrada em vigor da Constituição, a permanência deste direito só é exclusiva se se verificar discrepância material com a mesma Constituição ' ('Ora, no caso, se discrepância existe, ela situar-se-á igualmente ao nível da ‘forma’ (tomada também em sentido amplo) – e foi nesse nível que o acórdão julgou a norma inconstitucional – não se vislumbrando ofensa aos ‘princípios’ consignados na Constituição' - é como conclui o Tribunal). Fê-lo no acórdão nº 415/2002, inédito, remetendo, aliás, para anterior jurisprudência do Tribunal Constitucional. Não havendo motivo para divergir do julgamento desse acórdão nº 415/2002, importa apenas remeter para os seus fundamentos, perfilhando-os aqui, com a consequência do provimento do presente recurso.
5. Termos em que, DECIDINDO, concede-se provimento ao recurso e revoga-se o acórdão recorrido, para ser reformulado de acordo com o presente juízo de constitucionalidade. Lisboa, 13 de Novembro de 2002 Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma Paulo Mota Pinto Bravo Serra Luís Nunes de Almeida