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Processo nº 779/01
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A, com os sinais identificadores dos autos, veio interpor recurso para este Tribunal Constitucional, 'ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art. 70 da Lei 28/82 de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei 85/89 de 7 de Setembro', do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (3ª Secção Cível), de 10 de Julho de 2001, pretendendo que 'seja apreciada a inconstitucionalidade dos art. 10 e 130 do CPEREF', porque tais normas 'violam o disposto nos art. 2, 13 e 20 da Constituição da República Portuguesa'.
2. Nas suas alegações de recurso, concluiu o recorrente desta forma:
'Em conclusão, a urgência do processo falimentar não permite justificar constitucionalmente a violação do direito à produção de prova através da inquirição das testemunhas por deprecada. Constitui entendimento do recorrente que, para que a garantia de acesso ao direito, nomeadamente ao direito de defesa seja assegurado, deve ser dado ao recorrente a possibilidade de contraditar todos os factos e elementos trazidos aos autos pelo requerente, só assim se respeitando o principio da igualdade num sistema dialéctico entre as partes - requerente e requerido-. Tendo sido vedado ao recorrente o direito de defesa, produzindo provas necessárias à contradição dos factos alegados pelo requerente, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra aplicou as normas constantes dos art.10° e 130 do CPEREF com uma interpretação que as fere de inconstitucionalidade material, por violação dos art.2°, 13° e 20 da CRP. As normas aplicadas - art.10° e 130 do CPEREF na aplicação que delas foi feita nos autos - violam os princípios e normas constitucionais consignados nos art.2°, 13 e 20º da CRP. Assim requer-se a V. Exas seja a decisão recorrida revogada, decretando-se que seja ordenada a inquirição das testemunhas arroladas pelo recorrente, através de carta precatória, para que afinal se cumpra a garantia constitucional da igualdade das partes e de acesso ao direito, através do direito de defesa e do contraditório, de que o recorrente não pode ser privado- cfr. art. 2°, 13° e 20° da CRP'.
3. O recorrido B., não apresentou contra-alegação.
4. Tudo visto, cumpre decidir. O acórdão recorrido negou provimento ao recurso de agravo interposto pelo recorrente, em processo de oposição através de embargos, por apenso 'aos autos de falência que o B.. move a A em que foi proferida sentença que declarou a falência', entendendo-se que, quanto 'ao indeferimento' a decisão recorrida era de manter, face à 'urgência e consequente celeridade processual' no caso. Lê-se no acórdão:
'Após a contestação, concede-se às partes a realização das provas que tenham que se realizar antecipadamente. E tão só estas. Não havendo lugar à efectivação de provas antecipadas (e estas têm apenas lugar nos casos a que alude o art. 520º do C. P. Civil que aqui não estão em causa), logo se realizará a audiência de julgamento, nos sete dias imediatos. Obviamente que a realização do julgamento neste prazo não se coaduna com a inquirição de testemunhas por carta precatória. Esta inquirição demora, como é facto notório, muito mais que esse prazo. Quer isto dizer que a inquirição de testemunhas por carta precatória está tacitamente excluída da formulação do n° 4 do art. 130º mencionado. As testemunhas a inquirir e residentes fora do círculo judicial, terão que apresentadas no julgamento, pela parte que requereu o seu depoimento ( art. 623° n° 2 do C. P.Civil)' E, relativamente à matéria de (in)constitucionalidade, discorreu o acórdão nestes termos:
'Pese embora o agravante se refira à violação dos artigos 2° e 20° da Constituição, o certo é que em relação a estas disposições nenhuma justificação concreta refere. O art. 2° define o Estado Português como um Estado de direito democrático e o art. 20º garante a todos o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, princípios que, patentemente, não vemos que a aplicação das disposições referidas acima, ponham em causa. No que toca ao art. 13°, que evidencia o princípio da igualdade, apesar de o agravante dizer que tal princípio se deve traduzir na possibilidade de aos intervenientes processuais, serem concedidos os mesmos direitos, não refere porque razão a aplicação das indicadas disposições, viola tal princípio. Isto é, não justifica o seu entendimento. Tanto bastava para julgar desde logo insubsistente a sua posição. Porém entendemos dever dizer algo mais. O princípio da igualdade a que se refere o art. 13° da Constituição, impede que a lei ‘estabeleça distinções discriminatórias, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável, ou sem qualquer justificação objectiva e razoável. Numa expressão sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral da proibição do arbítrio’ (in Ac. do Trib. Const. de 11-1-00, D.R. II Série de 19-10-00, pág. 16930). Nesta conformidade não se impede que a lei defina as circunstâncias justificadoras de uma diversidade quando entenda serem diferentes as situações que visa regular. O princípio não proíbe que se estabeleçam distinções. Proíbe sim e só o arbítrio. No caso vertente, dado que as disposições se aplicam a todos os interveniente processuais, não há que falar em qualquer discriminação ou arbítrio entre eles. Tanto o embargante como embargado, na interpretação que demos das normas, estão impedido de proceder à inquirição de testemunhas por carta precatória. Não vemos pois que esteja aqui em causa qualquer beneficio de um em prejuízo de outro. O princípio em causa não se encontra pois violado'.
5. Dos questionados artigos 10º, nº 1, e 130º, nºs 3 e 4, do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e da Falência, aprovado pelo Decreto-Lei nº 132/93, de 23 de Abril, resulta que tais processos, 'incluindo os embargos e os recursos a que houver lugar, têm carácter urgente e gozam de precedência sobre o serviço ordinário do Tribunal' (nº 1 do artigo 10º), e quanto ao processamento e julgamento dos embargos, são logo 'oferecidos os meios de prova de que os interessados pretendam fazer uso' com a petição e as contestações (nº 3 do artigo 130º) e só se prevê que sejam 'produzidas, no prazo máximo de 14 dias, as provas que devam realizar-se antecipadamente', procedendo-se 'a audiência de julgamento, dentro dos sete dias imediatos' (nº 4 do mesmo artigo 130º). Para o acórdão recorrido 'a inquirição de testemunhas por carta precatória, está tacitamente excluída da formulação do nº 4 do art. 130º mencionado' ('As testemunhas a inquirir e residentes fora do círculo judicial, terão que apresentadas no julgamento, pela parte que requereu o seu depoimento ( art. 623° n° 2 do C. P. Civil)' – acrescenta-se a seguir). Para o recorrente, afastando-se desse modo a inquirição por carta de testemunhas, conforme se prevê nos artigos 621º, b) e 623º, do Código de Processo Civil, e impondo-se a 'obrigação para as partes que arrolam testemunhas residentes fora do circulo judicial de as apresentar em julgamento – cfr. art.
130 do CPEREF e 623 do CPC', está a impedir-se 'o recorrente de exercer o seu direito de defesa consagrado no art. 20º da CRP', violando-se 'as garantias de defesa, o princípio do contraditório e da igualdade das partes, consagradas nos art. 13º e 20º da CRP'.
'Ao recorrente não foi dada a oportunidade de em plena igualdade com as restantes partes processuais influir em todos os elementos processuais, nomeadamente quanto no que respeita à alegação dos factos e respectiva prova relevantes para a decisão da causa. O Tribunal da Relação de Coimbra ao negar provimento ao recurso impediu o recorrente de participar efectivamente no processo, nomeadamente carreando provas para os autos. Sendo que constitui entendimento do recorrente ter o recorrente, não só o direito à proposição de provas mas à admissão das provas relevantes para o objecto da causa. A recusa pelo Tribunal recorrido de inquirir as testemunhas arroladas pelo recorrente por carta precatória acarretou a impossibilidade do exercício de defesa por parte do recorrente, impedindo-se de usar de meios de prova relevantes para o apuramento da verdade dos factos da causa, traduzindo-se na violação do direito de acesso aos Tribunais e ao direito e a um processo equitativo e contraditório'.
6. No fundo, e no essencial, está em causa saber se pode a celeridade processual
– um valor constitucional, à luz do nº 5 do artigo 20º da Lei Fundamental (cfr., v.g., o acórdão nº 132/01, nos Acórdãos, 49º volume, pág. 527) - neste caso, tal como foi entendida no acórdão recorrido, negar ou diminuir direitos processuais
às partes, com ofensa de princípios ou normas constitucionais. A resposta só pode ser negativa, não se vendo onde possa estar a alegada
'violação dos art. 2º, 13º e 20º da CRP'. Na verdade, para poder proceder a pretensa violação do artigo 20º da Constituição, aqui o seu nº 1, teria de demonstrar-se que a presente situação 'é acentuadamente diminuidora e inibitória do asseguramento do direito de acesso aos tribunais' (na linguagem do acórdão nº 487/97, nos Acórdãos, 37º vol., pág
471, na linha do acórdão nº 307/90, nos Acórdãos, 17º vol., pág. 221), mas é essa demonstração que falha.
É que, por um lado, o recorrente não viu impedido, por efeito das disposições legais em causa, o exercício da via judiciária, litigando em processo de oposição através de embargos, nuns autos de falência, com recurso para o tribunal de relação, sem qualquer condicionamento que tivesse prejudicado o direito de acesso à tutela jurisdicional (cfr. o citado acórdão nº 487/97 sobre esse direito), e, por outro lado, sabia que o 'carácter urgente' de tal processo
– o que ele não questiona – teria de conciliar-se com a produção da prova e teria, assim, de acautelar-se com a prestação de depoimento das testemunhas oferecidas com os articulados. Não era novidade para o recorrente que os prazos curtíssimos marcados na lei – e também ele não discute essa curteza – impediriam, na prática, uma inquirição por carta de testemunhas, sem que isto vedasse às partes a possibilidade de obter os depoimentos das testemunhas na audiência de julgamento (e de igual modo não invoca o recorrente dificuldades nessa obtenção dos depoimentos, por exemplo, alegando não ter hipótese de ter as testemunhas presentes na audiência de julgamento). Ainda que seja certo que o 'direito de defesa do recorrente implica a concessão do direito à oposição e do direito à prova', talqualmente ele se expressa, a verdade é que não lhe são negados ou diminuídos esses direitos e nem se revela que seja para ele um sacrifício incomportável ou especialmente gravoso a cautela em apresentar na audiência de julgamento as testemunhas a inquirir e residentes fora do círculo judicial (e também o recorrente não invoca circunstâncias de que pudessem decorrer tais sacrifícios). Por último, a alegada violação do 'princípio do contraditório e da igualdade das partes', não tem razão de ser, face ao que acaba de ser dito, pois as partes estão no mesmo plano do exercício de direitos processuais, com as limitações decorrentes do 'carácter urgente' do tipo de acção em causa, devendo acautelar-se com as consequências da tramitação gizada em função de prazos muito curtos marcados na lei. Acresce que as características especiais do processo falimentar justificam que hajam procedimentos na sua sequência, que sejam diferentes relativamente a outras formas processuais. Tanto basta para concluir pela improcedência dos vícios de inconstitucionalidade apontados pelo recorrente.
7. Termos em que, DECIDINDO, nega-se provimento ao recurso e condena-se o recorrentes nas custas, com a taxa de justiça fixada em 15 unidades de conta. Lisboa, 23 de Outubro de 2002- Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma Paulo Mota Pinto Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa