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Processo n.º 687/2013
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A A. e B., no exercício de ação popular, e invocando a defesa de interesses difusos consistentes na «primazia da lei» e no «princípio da legalidade democrática», instauraram procedimento cautelar inominado, nos termos dos artigos 381º e seguintes do Código de Processo Civil, contra o Partido Social Democrata PPD/PSD, CDS, Partido Popular e C., pedindo a final
a) que se declare impedido o terceiro requerido, C., de concorrer como candidato a presidente da Camara Municipal de Lisboa, nas próximas eleições autárquicas, que se realizarão, previsivelmente, em outubro de 2013, por lhe ser aplicável o impedimento legal previsto no artigo 1.° da Lei n.º 46/2005, de 29 de agosto;
b) que se declare que os primeiro e segundo requeridos, Partido Social Democrata PPD/PSD e CDS Partido Popular, sejam declarados impedidos de apresentar a sufrágio, como candidato à Câmara Municipal de Lisboa, o terceiro requerido, ou qualquer outro cidadão que se encontre legalmente impedido nos termos da Lei n.º 46/2005, de 29 de agosto.
O procedimento cautelar foi julgado procedente, pelo que os requeridos interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa através de requerimento que junta as alegações e em que pedem que ao recurso seja atribuído efeito suspensivo, nos termos do disposto no artigo 692º, n.º 4, do CPC, em atenção aos prejuízos consideráveis e irreparáveis que podem resultar da execução da decisão.
O Tribunal da Relação, por decisão de 20 de junho de 2013, julgou improcedente a apelação e confirmou a decisão recorrida, não se tendo pronunciado sobre o requerimento de alteração do efeito do recurso.
Os recorrentes vieram então interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º da LTC, nos termos e com os seguintes fundamentos:
Partido Social Democrata (“PPD/PSD”) e C., 1º e 2° Recorrentes nos autos acima identificados - autos em que são Recorridos a A. e B. -, notificados do Acórdão cautelar aí proferido, e com ele não se conformando, vêm do mesmo interpor recurso para o Tribunal Constitucional, o que fazem nos termos e ao abrigo dos arts. 70ºe ss. da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n° 28/82, de 15 de novembro), nos termos e com os fundamentos seguintes:
1. Para cumprimento do requisito do art. 75°-A, n° 1, da Lei do Tribunal Constitucional, vem interpor-se o presente recurso ao abrigo das alíneas b) e f) do número l do art. 70º desse diploma legal.
2. E alega-se serem as normas cuja inconstitucionalidade e ilegalidade se pretende ver aqui apreciadas pelo Tribunal Constitucional:
a. A do art. 1°/1 da Lei n° 46/2005, se interpretada no sentido de que aí se impede a candidatura a um quarto mandato consecutivo de presidente de câmara, em qualquer município, de quem haja sido sucessivamente eleito para esse cargo três vezes;
b. As dos arts. 1 ° e 2° da Lei n° 83/95, se interpretadas no sentido de que a Constituição ou a lei abririam as portas da ação popular a qualquer cidadão para defesa de qualquer interesse jurídico, independentemente de previsão legal específica sobre a possibilidade de recurso a esse meio.
3. Por outro lado, considerando o disposto no n° 2 do art. 75°-A da referida Lei do Tribunal Constitucional, invoca-se serem normas constitucionais violadas:
a. no primeiro caso, as normas do art. 18°/3, do art. 50°/3 e do art. 118°/2 da Constituição da República Portuguesa;
b. no segundo caso, a norma do art. 52°/3 e do art. 112°/3 da Constituição e - com atropelo das restrições resultantes de lei orgânica de valor reforçado, como a Lei Orgânica n° 1/2001, de 14 de agosto, a Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais -, a norma do art. 25°/3 (e, complementarmente, dos arts. 29°/1, e 32°) desse diploma legal.
4. Por seu turno, e para os efeitos do mencionado n° 2 do art. 75.°-A da Lei do Tribunal Constitucional, refere-se que as questões de inconstitucionalidade e ilegalidade reforçada supra aludidas foram suscitadas, e devidamente desenvolvidas e fundamentadas, nas alegações de recurso (vide as conclusões i) e z) e pontos 27 e 73 dessa peça).
5. Por último, e a propósito do efeito a atribuir ao recurso, oferece-se dizer o seguinte:
(i) O presente recurso teria, de acordo com a regra ínsita no art. 78°/3 da Lei do Tribunal Constitucional, efeito meramente devolutivo, sem esquecer porém que os ora Recorrentes tinham requerido a atribuição de efeito suspensivo, ao recurso de apelação para a Relação, tendo os Juízos Cíveis de Lisboa - de forma completamente acrítica e carecida de qualquer fundamentação, pois nem sequer se pronunciaram sobre o pedido de atribuição desse efeito - recusado tacitamente esse requerimento.
(ii) Não obstante a referida disposição do art. 78°/3 da Lei do Tribunal Constitucional, pensam os Recorrentes que as circunstâncias concretas do presente caso são de molde a fazer pensar na necessidade de infletir a doutrina aí contida e - atendendo aos princípios estruturantes de um Estado de Direito Democrático, maxime, ao princípio da tuteia judicial efetiva e à lógica e aos interesses materiais subjacentes ao regime da fixação dos efeitos dos recursos judiciais -, decidir pela atribuição neste caso do efeito suspensivo ao recurso ora interposto.
(iii) É que, sem isso, a decisão proferida nos presentes autos - uma decisão cautelar, assente, portanto, apenas numa summaria cognitio, em critérios de simples probabilidade, que não de certeza jurídica e que, portanto, pode conduzir a decisões menos seguras do que aquelas que são tiradas no caso de funcionamento regular do processo comum (i.e., do processo principal) -, corre o sério risco de se tornar definitiva, no plano dos factos, e de os seus efeitos se consumarem irreparavelmente no plano do Direito.
(iv) É que ainda que a decisão proferida nas instâncias venha a ser criticada e desaprovada pelo Tribunal Constitucional, é absolutamente certo que essa reprovação - restrita às questões de constitucionalidade, naturalmente - já virá demasiado tarde para assegurar ao 2° Recorrente a possibilidade de apresentar incontestadamente a sua candidatura às eleições autárquicas (marcadas de acordo com o Comunicado do Conselho de Ministros, do passado dia 13 de junho, para o dia 29 de setembro) até 5 de agosto próximo;
(v) É completamente dispensável procurar demonstrar ao próprio Tribunal Constitucional que a tramitação processual do presente recurso de constitucionalidade é incompatível com a obtenção de uma decisão do recurso até à mencionada data (i. e., 5 de agosto).
(vi) Entre o despacho de admissão ou recusa por parte do Tribunal a quo, o exame preliminar e a decisão sumária do Venerando Conselheiro relator - caso se entenda que “não pode conhecer-se do objeto do recurso ou que a questão a decidir é simples, designadamente por a mesma já ter sido objeto de decisão anterior do Tribunal, ou por ser manifestamente infundada” —, a notificação dos recorrentes para apresentar alegações (no prazo de 30 dias), a notificação sucessiva dos recorridos para contra-alegar (em prazo idêntico), a elaboração de um projeto de acórdão, os vistos dos Senhores Conselheiros adjuntos e a prolação do acórdão final, é tudo isso quanto basta para se assegurar que não há qualquer hipótese de o presente recurso vir a ser julgado em tempo útil no que às candidaturas eleitorais diz respeito.
(vii) Do exposto - e da manifesta irrepetibilidade do ato eleitoral - resulta que se ao presente recurso não for atribuído efeito suspensivo, a eventual decisão sobre a sua procedibilidade seria completamente inútil, dela não se poderiam retirar quaisquer efeitos jurídicos ou materiais (que não consistissem eventualmente na responsabilização dos juízes das instâncias), porque para efeitos de legítima e igual candidatura às eleições autárquicas por parte dos ora Recorrentes de nada serviria o mencionado Acórdão.
(viii) O que quer dizer que a não atribuição do efeito suspensivo ao Acórdão cautelar aqui em apreço, viola, de forma frontal e ostensiva, o princípio da tutela judicial efetiva de constitucionalidade, vertido nos arts. 20º, 277° e 280°daCRP.
(ix) Não pode portanto aceitar-se uma aplicação “cega” do art.° 78°/3 da Lei do Tribunal Constitucional, mas devendo pugnar-se por uma sua interpretação conforme à Constituição, maxime, ao princípio da tutela judicial efetiva de constitucionalidade.
(x) E é, parece aos Recorrentes, tanto quanto basta para assegurar que V. Exas. ponderarão os essentialia da questão da atribuição do efeito suspensivo/devolutivo ao presente recurso.
Nestes termos, e em face do exposto, requer se a V. Exas. se dignem a admitir o presente recurso de constitucionalidade e a atribuir efeito suspensivo ao mesmo, em face das razões supra apresentadas, desde já se oferecendo para prestar caução, apesar de entender que a mesma apenas será exigível, nos termos da lei processual (vide art. 692°/4 do CPC), quando estejam em discussão prestações pecuniárias, o que, manifestamente, não sucede no caso vertente.
O relator no tribunal recorrido admitiu o recurso e fixou o respetivo efeito por despacho de 15 de julho de 2013 do seguinte teor:
Admite-se o recurso para o Tribunal Constitucional por ser legal, haver legitimidade e estar em tempo, a subir imediatamente, nos próprios autos
Ao caso aplica-se o disposto no art. 78 n° 3 da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro: “O recurso interposto de decisão proferida já em fase de recurso mantém os efeitos e o regime de subida do recurso anterior, salvo no caso de ser aplicável o disposto no numero anterior.
Quer dizer, o recurso tem o efeito que teve o recurso de apelação decidido neste tribunal. Como o efeito fixado ao recurso para esta Relação foi meramente devolutivo, segundo o referido preceito, é este o efeito que lhe cabe.
Contudo, os Recorrentes, invocando motivos ponderosos e irreparáveis, referem que “…É completamente dispensável procurar demonstrar ao próprio Tribunal Constitucional que a tramitação processual do presente recurso de constitucionalidade é incompatível com a obtenção do recurso até à mencionada data (i.e, de 5 de agosto) …” e concluem “O que quer dizer que a não atribuição do efeito suspensivo ao Acórdão Cautelar viola, de forma frontal e ostensiva o princípio da tutela judicia efetiva de constitucionalidade, vertido nos arts. 20°, 277° e 280° da CRP”
Sendo certo que a decisão que admita o recurso ou lhe determine o efeito não vincula o Tribunal Constitucional e as partes só podem impugná-la nas suas alegações (art. 76°, n° 3 da mencionada lei, dado que se trata de processo urgente e tendo em conta a proximidade da apresentação das candidaturas às eleições autárquicas, remetam-se de imediato os autos ao Tribunal Constitucional.
Estando em causa, além do mais, a alteração do efeito a atribuir ao recurso, em face do requerimento nesse sentido expressamente formulado pelos recorrentes, o processo vem à conferência por aplicação analógica do artigo 78º, n.º 5, da LTC.
2. Nos termos do artigo 78º, n.º 3, da LTC, o recurso interposto para o Tribunal Constitucional de decisão proferida já em fase de recurso mantém os efeitos e o regime de subida do recurso anterior, salvo no caso em que é aplicável o disposto no precedente n.º 2 desse artigo, que se reporta às situações em que o recurso de constitucionalidade é interposto de decisão de que ainda cabia recurso ordinário mas que foi julgado extinto ou que não teve seguimento por razões de ordem processual, caso em que o efeito é o que coubesse a esse recurso.
No caso vertente, da decisão das varas cíveis de Lisboa houve recurso para a Relação, que decide em definitivo na ordem jurisdicional comum, por se tratar de decisão proferida em procedimento cautelar de que não cabe, em regra, recurso para o STJ (artigo 387º-A do CPC). E o recurso foi admitido por despacho do juiz de primeira instância com efeito meramente devolutivo, por aplicação da regra geral do artigo 692º, n.º 1, primeira parte, do CPC, não tendo a Relação alterado o efeito do recurso não obstante o requerimento nesse sentido formulado pelos recorrentes com a interposição da apelação.
Tendo sido suscitada a substituição do efeito devolutivo pelo efeito suspensivo no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, o relator no tribunal recorrido, no despacho de admissão, limitou-se a considerar a regra geral do n.º 3 do artigo 78º da LTC, remetendo para o Tribunal Constitucional a apreciação dos motivos ponderosos e irreparáveis que poderão justificar a alteração do efeito.
Neste condicionalismo, a regra diretamente aplicável é a do referido artigo 78º, n.º 3, que determina para o recurso interposto de decisão proferida já em fase de recurso os efeitos do recurso anterior. Não tendo aplicação ao caso nem o n.º 2 – que pressupunha o não esgotamento dos recursos ordinários possíveis -, nem o n.º 5 desse artigo, que apenas se refere à alteração do efeito-regra – que é o efeito suspensivo, por força do n.º 4 do mesmo artigo – por um efeito meramente devolutivo.
A situação do caso parece, no entanto, justificar que o Tribunal Constitucional possa corrigir o efeito atribuído nas instâncias ao recurso de constitucionalidade, quando é certo que o tribunal recorrido não chegou a pronunciar-se sobre o requerimento de alteração de efeito que havia sido formulado pelos recorrentes nos termos do artigo 692º, n.º 4, do CPC, vedando aos interessados a ponderação dos interesses em causa em vista a uma atribuição casuística do efeito suspensivo.
3. Nos termos previstos no artigo 692º, n.º 4, do CPC, o recorrente pode requerer, ao interpor recurso, que a apelação tenha efeito suspensivo quando a execução da decisão lhe cause prejuízo considerável e se ofereça para prestar caução.
O preceito visa atenuar a rigidez da regra do n.° 1, que atribui à apelação um efeito meramente devolutivo (com as exceções especialmente previstas no n.º 2), permitindo que o tribunal possa avaliar em concreto, a pedido das partes, a conveniência de alterar o efeito-regra do recurso quando da execução provisória da decisão possa resultar para o recorrente um prejuízo considerável.
Tendo em conta que o deferimento da providência cautelar comporta já a prova sumária do risco de ocorrência de uma lesão do direito que os requerentes pretendem fazer valer na ação principal (periculum in mora), a alteração do efeito do recurso depende de adequada ponderação dos interesses em presença, havendo de atribuir-se um efeito suspensivo quando se deva concluir que a execução provisória da sentença causaria à parte vencida prejuízos ainda mais gravosos do que aqueles que poderiam resultar, para a parte vencedora, da atribuição ao recurso de um efeito meramente devolutivo.
E parece ser o caso quando a manutenção do efeito devolutivo origina uma situação de facto consumado, determinando, por força da aplicação dos prazos legalmente definidos para a apresentação de candidaturas às eleições autárquicas e da dilação necessariamente decorrente da tramitação processual do recurso de constitucionalidade, que o requerido C. fique impedido, de modo irreversível, de se submeter a sufrágio e que os partidos políticos fiquem também impossibilitados de apresentarem essa candidatura.
De facto, tendo sido designado o dia 29 de setembro para a realização das eleições gerais para as autarquias locais, e devendo as listas ser apresentadas perante o juiz do tribunal da comarca competente até ao 55º dia anterior à data do ato eleitoral (artigo 20º, n.º 1, da LEOAL), a apresentação da lista teria de ocorrer até ao próximo dia 5 de agosto. E por efeito do cumprimento das formalidades normais do recurso de constitucionalidade – ainda que se fixe para as alegações o prazo mínimo de 10 dias aplicável aos processos urgentes -, nunca seria possível obter em tempo útil uma decisão final do processo que, implicando a reforma do julgado quanto à matéria de constitucionalidade – em caso de procedência do recurso – permitisse aos requeridos exercer o respetivo direito de participação política.
Significando que o processo cautelar iria produzir o efeito definitivo que só poderia ser alcançado por via da ação principal, tornando inútil o prosseguimento desta ação e retirando-lhe qualquer efeito prático.
E nem se vê que o interesse que os requerentes pretendem antecipar por via da providência cautelar seja prevalecente sobre o dos recorrentes.
Todos os cidadãos têm o direito de tomar parte na vida política e na direção dos assuntos políticos do país, o que implica a participação nos órgãos do poder político constituídos por eleição (artigos 48º, n.º 1, e 50º, n.º 1, da Constituição), e ainda que no acesso a cargos eletivos possam ser estabelecidas as inelegibilidades necessárias para garantir a liberdade de escolha dos eleitores e a isenção e independência do exercício do cargo (artigo 50º, n.º 3), é a própria lei que regula que o ato eleitoral que assegura o controlo contencioso da regularidade do processo, permitindo a rejeição dos candidatos inelegíveis através de decisão judicial passível de recurso para o Tribunal Constitucional (artigos 25º, 27º, 29º e 31º da LEOAL).
E também os partidos políticos, como expressão da liberdade de associação dos cidadãos, são diretos titulares de direitos políticos, que incluem, desde logo, o direito de apresentação de candidaturas, isoladamente ou em coligação, e mesmo no que se refere às eleições dos órgãos autárquicos (artigos 51º, n.º 1, 151º, n.º 1, e 239º, n.º 4, da Constituição), sendo que a própria Lei Fundamental reconhece aos partidos políticos uma posição constitucional de centralidade para a formação da vontade popular e para a organização do poder político.
Em contraposição, é muito discutível que os cidadãos em geral e quaisquer associações defensoras de interesses protegidos pela lei possam invocar um interesse difuso relacionado com a primazia da lei e o princípio da legalidade para impedir por via de uma ação popular o exercício de direitos de participação política.
Esses são desde logo princípios estruturantes da República Portuguesa, que se encontram constitucionalmente consagrados (artigo 3º, n.º 2), e se traduzem, no essencial, na exigência de aplicação da lei pela administração e pelos tribunais e na proibição de a administração e os tribunais atuarem ou decidirem contra a lei (artigos 203º e 266º da Constituição). Trata-se, por isso, de critérios de juridicidade que regem o Estado e as autoridades públicas e que, ainda que respeitem à comunidade globalmente considerada, não podem ser objeto de apropriação individual por grupos indiferenciados de cidadãos.
Sendo um parâmetro de atuação dos órgãos do Estado, o princípio da legalidade e da prevalência da lei, não é em si um direito fundamental judicialmente acionável, servindo antes como fundamento e limite de uma intervenção jurisdicional quando tenha como objeto a concreta violação de um direito ou interesse legalmente protegido (artigo 202º, n.º 2, da Constituição).
Acresce que a posição jurídica dos requerentes se encontra já protegida pelo regime jurídico de processo eleitoral legalmente previsto, que prevê a rejeição de candidatos inelegíveis, e contempla a possibilidade de interposição de meios contenciosos de impugnação das decisões judiciais relativas à apresentação de candidaturas.
Neste contexto, é evidente a prevalência do interesse dos requeridos, ora recorrentes - assente num direito constitucional de participação política -, em relação ao interesse dos requerentes da providência cautelar – que não tem suficiente consistência como interesse difuso judicialmente tutelável e está já salvaguardado pelos outros meios processuais especialmente previstos na lei. A que acresce o efeito irreversível que a execução provisória de uma decisão meramente cautelar das instâncias acarretaria para o exercício de direitos de participação política.
Tudo assim conduz a concluir pela atribuição de efeito suspensivo ao recurso de constitucionalidade, em aplicação do disposto no artigo 692º, n.º 4, do CPC, subsidiariamente aplicável, tendo também em conta que, quer o juiz de primeira instância que admitiu o recurso de apelação, quer o tribunal da Relação que o julgou, nunca se pronunciaram sobre o requerimento dos recorrentes pelo qual se pedia que se alterasse o efeito-regra desse recurso.
Não havendo lugar, no caso, à prestação de caução a que se refere o mesmo dispositivo, por não manifestamente aplicável ao caso.
4. Não há também motivo para deixar de conhecer do objeto do recurso pelo facto de estar aqui em causa uma decisão cautelar.
O Tribunal tem divergido quanto a questão da recorribilidade de decisões proferidas em procedimentos cautelares que deferem ou rejeitam a providência, com fundamento em norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada e releve para o julgamento da causa principal.
No acórdão n.º 466/95 prevaleceu o entendimento de que o recurso era admissível perante decisões cautelares que fossem suscetíveis de produzir efeitos definitivos relativamente aos interesses das partes. Posteriormente, o Tribunal infletiu essa jurisprudência, considerando, no essencial, que se fosse julgada a questão de constitucionalidade num caso em que tinha sido proferida uma decisão provisória, o juízo que viesse a ser emitido não constituía caso julgado relativamente à ação principal, implicando que um novo recurso de constitucionalidade viesse a ser interposto da decisão a proferir no processo principal, e que viesse a ser efetuado um novo julgamento não coincidente com o anterior (entre outros, o acórdão n.º 442/2000, e, por último, o acórdão n.º 457/07).
Mais recentemente, o acórdão n.º 624/2009, na esteira do entendimento entretanto sufragado por SÉRVULO CORREIA (A Jurisprudência Constitucional Portuguesa e o Direito Administrativo, XXV Anos de Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Coimbra Editora, 2009, pág. 93), considerou que devem considerar-se suscetíveis de recurso de constitucionalidade as decisões proferidas no processo cautelar, mesmo que versem sobre normas que irão também ser utilizadas na decisão da ação principal, quer porque a provisoriedade da decisão da providência cautelar não contagia o juízo de constitucionalidade a emitir pelo Tribunal Constitucional, com relevância sobre o caso concreto, quer porque, apenas, dessa forma se respeita a relevância constitucional da tutela cautelar.
E de facto, a inexistência de caso julgado material relativamente à decisão do Tribunal Constitucional a proferir no processo cautelar é uma mera decorrência da relação de instrumentalidade da providência cautelar relativamente ao processo principal, e nunca poderia constituir fundamento para a inadmissibilidade do recurso.
Acresce que, nas circunstâncias do caso, se torna também justificável a apreciação do mérito do recurso, por se tornar conveniente definir, mesmo a nível da tutela cautelar, a matéria de constitucionalidade atinente à pretendida inelegibilidade do candidato ao ato eleitoral que já foi calendarizado.
5. O recurso, na parte referente à norma do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 46/2005, é interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, e, na parte atinente à norma que se extrai dos artigos 1.º e 2.º da Lei n.º 83/95, é interposto simultaneamente ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alíneas b) e f), da LTC (aplicação de norma cuja inconstitucionalidade e ilegalidade, por violação de lei de valor reforçado, foi suscitada).
Afigura-se, no entanto, que a segunda norma sindicada não constitui ratio decidendi da decisão recorrida visto que o tribunal recorrido, embora tenha aplicado a norma sindicada ao admitir a legitimidade processual dos requerentes, não a aplicou na dimensão interpretativa que se pretende ver apreciada, o que inviabiliza, nessa parte, o conhecimento do recurso.
6. Pelo exposto, decide-se:
a) qualificar o processo como urgente para os efeitos do disposto nos artigos 43º, n.º 5, e 79º, n.º 2, da LTC;
b) atribuir efeito suspensivo ao recurso de constitucionalidade;
c) ordenar o prosseguimento do processo para alegações, fixando-se o prazo de 20 (vinte) dias, com a advertência de que devem as partes pronunciar-se, no mesmo prazo, sobre a possibilidade de não conhecimento do recurso interposto ao abrigo das alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, na parte atinente aos artigos 1.º e 2.º da Lei n.º 83/95.
Lisboa, 29 de Julho de 2013. – Carlos Fernandes Cadilha – Catarina Sarmento e Castro – Maria José Rangel de Mesquita – Lino Rodrigues Ribeiro – Maria Lúcia Amaral (vencida, declaração em anexo).
DECLARAÇÃO DE VOTO
Vencida. Não subscrevi a decisão, na parte em que atribui efeito suspensivo ao recurso. A meu ver, o n.º 5 do artigo 78.º da Lei do Tribunal Constitucional não comporta a interpretação que no caso foi feita. O regime de “efeitos” que aí é fixado é, penso, um regime fechado, nos termos do qual o recurso de constitucionalidade – pela sua própria natureza, e como o confirma o n.º 4 do mesmo preceito – tem efeito suspensivo. Sendo a eficácia meramente devolutiva a exceção, a competência que se atribui ao Tribunal, a exercer em conferência, é apenas aquela que se comporta na letra do n.º 5. Ponderada a necessidade de o fazer, o Tribunal pode, excecionalmente, conferir ao recurso efeito devolutivo.
Não creio que se compagine com a natureza própria da jurisdição constitucional a ideia segundo a qual o Tribunal Constitucional pode ou deve, de acordo com a sua ponderação dos “interesses em presença”, modificar casuisticamente os efeitos dos recursos que, das decisões dos tribunais comuns, para si são interpostos. Aliás, a ponderação de interesses que no caso foi feita demonstra bem todas as dificuldades decorrentes da orientação que foi adotada. Para poder aplicar subsidiariamente o n.º 4 do artigo 692.º do Código de Processo Civil o Tribunal teve que fazer ele próprio um juízo liminar sobre a “situação do caso”, concluindo que, nela, era evidente a prevalência do interesse do requerido sobre o interesse dos requerentes. É certo que usou para tanto – pela natureza da matéria que estava em causa – uma argumentação jusconstitucional e jusfundamental. Mas nem por isso deixou de interferir em questão outra que não aquela que lhe tinha sido colocada, precisamente por não ter guardado a argumentação jusfundamental para o lugar que lhe é próprio – o do julgamento do recurso, restrito à questão da inconstitucionalidade, e nunca o da delimitação casuística prévia dos seus efeitos. [Sem querer, porque não vem a propósito, discutir a concreta argumentação que no caso foi usada, desde logo direi que ela mereceria ser pelo menos aprofundada, uma vez que não considera a natureza jusfundamental do direito de ação popular].
Por todos estes motivos, entendo que o artigo 78.º da Lei do Tribunal Constitucional fixa uma disciplina esgotante, que não integra qualquer lacuna e que não permite a aplicação subsidiária do disposto no n.º 4 do artigo 692.º do Código de Processo Civil. Como outra foi a orientação que vingou, não lhe pude dar o meu assentimento. Em contrapartida, assenti em atribuir ao processo natureza urgente por poder concluir-se que nele houve o “pedido dos interessados” a que alude o n.º 5 do artigo 43.º da LTC.
Maria Lúcia Amaral.