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Proc. nº 343/2002
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, em que figura como recorrente A., e como recorrido B, a Relatora proferiu Decisão Sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso (fls. 236 e ss.). A recorrente vem agora reclamar para a Conferência, ao abrigo do artigo 78º-A, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional, afirmando o seguinte:
1. A ora recorrente invocou a inconstitucionalidade da interpretação dada ao preceito em causa - art. 205° do C.P.E.R.E.F. - nas alegações de recurso que dirigiu ao S.T.J. - vide, mui respeitosamente, Conclusões n.ºs XII a XVII e XX.
2. Aliás, sobre tal pedido veio a pronunciar-se o Tribunal da Relação de Évora
- despacho a Fls. 214V do Processo n.º 804/01, 3ª secção cível.
3. Mais acrescendo que o próprio S.T.J., na sua decisão datada de 05.03.2002, igualmente se pronuncia sobre tal pedido, referindo que '... o entendimento sufragado pelo acórdão recorrido não fere qualquer disposição constitucional, designadamente não viola os arts. 2° ou 111° da CRP ...'.
4. Pelo que, salvo o mais subido respeito por melhor opinião, se mostra suscitada a questão da inconstitucionalidade do art. 205° do C.P.E.R.E.F. nas alegações de recurso anteriormente apresentadas perante o S.T.J.
5. Não obstante, igualmente se mostra espelhado no processo em causa que a interpretação do preceito em crise sempre teve por objecto o art. 205° do C.P.E.R.E.F.
6. Preceito que não só é especial e específico para aplicação ao tipo de situações/acções como a promovida pela recorrente na 1ª instância,
7. Como foi o que sempre esteve em causa nas decisões de 1ª instância, Tribunal da Relação de Évora, e, finalmente, no S.T.J.,
8. Sendo que o disposto no art. 192° do C.P.E.R.E.F. é referido pelo S.T.J. a título colateral, a fim de operar a interpretação entendida por mais adequada da mens legislatoris no tocante ao disposto - ou omitido - pelo preceito fundamental que é o art. 205° do C.P.E.RE.F.
9. Ou seja, aplicável e impugnável, no caso vertente, sempre foi, inquestionavelmente, a letra e espírito do preceito 205° do C.P.E.R.E.F., por oposição ao disposto no art. 1241° do C.P.C. que o mesmo veio revogar.
10. Como se defendeu já, o disposto em tal preceito legal é específico e especial, quer em situação temporal, quer em forma processual, por referência ao disposto nos arts. 188° e segs. do mesmo C.P.E.R.E.F.,
11. Especialmente o disposto no art. 192º,
12. Mais acrescendo que o próprio art. 192° do C.P.E.R.E.F. nada impõe quanto à menção obrigatória da Massa Falida nos requerimentos a que se reporta,
13. Limitando-se a admitir como legítimas as oposições deduzidas quer pelos restantes credores quer pelo Liquidatário Judicial em representação da Massa.
14. Assim, a ratio decidendi sempre tem sido a interpretação - mais ou menos extensiva - de vários preceitos legais, nomeadamente o disposto no art. 1241 ° do C.P.C., que o art. 205° do C.P.E.R.E.F. veio, expressamente, revogar - vide, mui respeitosamente, decisões de 1ª instância e do Tribunal da Relação de Évora,
15. Sendo ainda certo que o S.T.J. afirma, no douto Acórdão recorrido, que '... Resulta assim que os elementos literal e histórico apontam no sentido de que a acção do art. 205° do C.P.E.RE.F. tem que ser proposta apenas contra os credores
...' - in pág. 7,
16. Para mais adiante acrescentar que '... encontra, no entanto, tal correspondência no art. 192º preceito que consideramos aplicável à acção do art.
205° ...' – mesma pág. 7,
17. O que justifica entendendo que '... A chamada insinuação tardia não difere da reclamação de créditos em geral na sua junção ... mas só na fase em que é deduzida: é uma reclamação admitida findo o prazo das reclamações ...',
18. Concluindo-se, no Acórdão do S.T.J., que '... A diferente estrutura da acção não justifica diferente legitimidade passiva ...',
19. Pelo que haverá que integrar lacuna (dada a omissão que se presume existir no art. 205° do C.P.E.R.E.F.), a efectuar nos termos do art. 10º do CC, recorrendo ao disposto no art. 192° do C.P.E.R.E.F. como caso análogo - pág. 8 do referido Acórdão.
20. Termos em que o que está efectivamente em causa é a interpretação dada ao art. 205° do C.P.E.R.E.F., e não a aplicação ou interpretação de qualquer outro preceito legal.
Cumpre apreciar e decidir.
2. A reclamante afirma que suscitou a questão de constitucionalidade que pretende ver apreciada nas Conclusões XII a XVII e XX das alegações de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Tais conclusões têm o seguinte teor: XII. Constata-se, por fim, que o douto Acórdão, ora em crise, para além de conter uma interpretação absolutamente livre, por extensiva, antagonicamente diversa das citadas acolhidas pelo TRL e pelo TRP, parece encontrar-se ferido de nulidade, por violação do disposto nos arts. 2° e 111° da C.R.P., as quais sobre o princípio da intangível separação de poderes dos órgãos de soberania. XIII. Com efeito, conclui-se o Acórdão em crise com a verificação, in casu, de preterição de litisconsórcio necessário passivo legal, subsumindo tal excepção ao disposto no art. 28°, 1, do C.P.C. XIV. Ora, dado que este preceito dispõe sobre o litisconsórcio necessário legal ou convencional, XV. E atendendo a que se trata de matéria subtraída à autonomia da vontade, XVI. Resta admitir que se pretendeu repristinar a vigência, embora adaptada às ulteriores alterações em termos processuais, do conceptualizado pelo revogado art. 1241° do C.P.C.. XVII. Tal repristinação é, salvo o devido respeito por melhor opinião, inconstitucional, por não pertencer tal competência ao poder judicial, mas sim ao foro exclusivo do poder legislativo.
(...) XX. Bem como, finalmente, contrariando frontalmente o disposto nos arts. 2° e
111º da C.RP.
É manifesto, como se sustentou na Decisão Sumária reclamada, que não foi suscitada qualquer questão de constitucionalidade normativa, pelo que improcede a reclamação quanto a este aspecto.
3. A reclamante procura, por outro lado, demonstrar que a ratio decidendi do acórdão recorrido foi o artigo 205º do Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresas e Falências. Ora, a argumentação desenvolvida pela reclamante vai ao encontro do que se sustentou na Decisão Sumária reclamada. Com efeito, o que a reclamante acaba por concluir é que o tribunal a quo recorreu ao artigo 192º do Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresas e Falências para integrar uma lacuna. Portanto, foi essa a norma aplicada como ratio decidendi do acórdão recorrido, como se demonstrou na Decisão Sumária (é particularmente explícito, quanto a este aspecto, o que a reclamante afirma nos nºs 8 e 19 da reclamação). Improcede, assim, a presente reclamação.
4. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação, confirmando a Decisão Sumária reclamada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 UCs. Lisboa, 9 de Outubro de 2002- Maria Fernanda Palma Bravo Serra José Manuel Cardoso da