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Processo n.º 790/01
2ª SecçãoRelator – Cons. Paulo Mota Pinto Acordam em 2ª Secção do Tribunal Constitucional: I. Relatório Em 11 de Setembro de 1996 A interpôs, no Supremo Tribunal Administrativo, recurso contencioso de anulação do acto, do Ministro da Saúde, de indeferimento tácito (presumido desde 21 de Agosto de 1995) do recurso hierárquico necessário que fora interposto, em Abril de 1995, pela recorrente, assistente graduada de obstetrícia da Maternidade Dr. Daniel de Matos, da homologação, pelo Conselho de Administração dos Hospitais da Universidade de Coimbra, da lista de classificação final do concurso n.º 23/92 para chefe de Serviço de Obstetrícia
(publicada, por extracto, no Diário da República, II Série, de 25 de Agosto de
1992). Tal recurso hierárquico necessário foi interposto (ao abrigo do disposto no artigo 56º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos [LPTA]) no prazo de
30 dias após o trânsito em julgado da decisão de um anterior recurso contencioso, que correu termos no Tribunal Administrativo de Círculo de Coimbra, com fundamento em indeferimento tácito do recurso hierárquico necessário interposto em 23 de Setembro de 1992 para o Director Geral dos Hospitais, recurso contencioso, esse, que concluiu com a decisão transitada em julgado em
22 de Março de 1994, reconhecendo que 'a menção exarada no aviso publicado no D.R. II de 25/8/92, de que cabia recurso para o D.G. dos Hospitais era susceptível de induzir em erro a recorrente.' Por Acórdão de 28 de Abril de 1998, o Supremo Tribunal Administrativo deu procedência à questão prévia suscitada pelo Ministro da Saúde, que se traduzia na inexistência de acto tácito de indeferimento do primeiro recurso hierárquico necessário, por este ter sido interposto para lá do prazo de 10 dias subsequente
à publicação, no jornal oficial, da homologação do concurso pelo Conselho de Administração dos Hospitais da Universidade de Coimbra, não sendo tal prazo interrompido pelo requerimento de certidão da fundamentação do despacho, efectuado pela recorrente em 31 de Agosto de 1992, sendo que tal certidão só lhe foi entregue em 10 de Setembro de 1992. Considerou, então, tal Tribunal que, tal como decidido no Acórdão do Pleno da 1ª Secção de 31 de Março de 1998 (rec. n.º
36830), o n.º 2 do artigo 31º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos não tinha aplicação no âmbito do recurso hierárquico. Inconformada, a recorrente intentou recurso para o Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, entre o mais suscitando a inconstitucionalidade do n.º
1 dos artigos 168º e 169º do Código do Procedimento Administrativo e do n.º 60 da Portaria n.º 114/91, de 7 de Fevereiro, na redacção da Portaria n.º 502/91, de 5 de Junho,
'interpretados no sentido de que o prazo do recurso se conta, nos casos de notificação insuficiente, dessa mesma notificação ainda que, no prazo de recurso, fosse requerida pelo interessado a notificação dos elementos omissos ou passagem de certidão que os contenha.' Por Acórdão de 2 de Outubro de 2001 foi negado provimento ao recurso, tendo o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, com dois votos de vencido, considerado que não havia afronta ao n.º 3 do artigo 268º da Constituição da República Portuguesa. Trouxe então a recorrente recurso ao Tribunal Constitucional, pretendendo ver apreciada a constitucionalidade, face aos n.ºs 2, 3 e 4 do art. 268º da Constituição, das normas do n.º 60 do Regulamento aprovado pela Portaria n.º
114/91, de 7 de Fevereiro, na redacção da Portaria n.º 502/91, de 5 de Junho, do n.º 1 do artigo 168º e do artigo 68º do Código do Procedimento Administrativo, e, bem assim, da norma do n.º 2 do art. 31º da LPTA, aplicadas na decisão em apreço, quando nela é referido que:
'(...) Uma coisa é a notificação do acto que o legislador ordinário pode modelar como entender dentro de certos parâmetros que não atingem seguramente, a nível gracioso, a integralidade do acto, e outra a existência de fundamentação expressa. Ora, a ‘forma prevista na lei’ é justamente a estabelecida nos arts. 30º e 31º da LPTA no que se refere ao contencioso administrativo e 68º do CPA no que respeita ao procedimento administrativo.(...)' Admitido o recurso, concluiu assim a recorrente as suas alegações:
'1. A nosso ver, com o apoio de grande parte da Doutrina e Jurisprudência, inclusive do Supremo Tribunal Administrativo, não existem razões válidas para a não aplicação analógica do n.º2 do art. 31º da L.P.T.A. aos recursos graciosos.
2. A tese contrária, perfilhada pelo STA na decisão recorrida, está ferida de inconstitucionalidade, por violação do artº 268º n.ºs 2, 3 e 4 da Constituição da República Portuguesa.
3. Estes preceitos constitucionais sujeitam a Administração Pública ao princípio da legalidade (n.º 2), garantem aos interessados o conhecimento dos elementos que interessam à defesa dos seus interesses, incluindo, expressa e necessariamente, a fundamentação dos actos administrativos que os afectem e contra os quais pretendam reagir (n.º 3), e asseguram, como garantia tutelar institucional, que a prescrição só ocorre a partir do momento em que o direito puder ser exercido(n.º 4).
4. São, assim, inconstitucionais os artigos em cuja aplicação se baseou o acórdão recorrido, ou seja, a norma do n.º 60 do Regulamento aprovado pela Portaria n.º 114/91, de 7 de Fevereiro, na redacção que lhe é dada pela Portaria n.º 502/91, de 5 de Junho, do artº 68º e n.º 1 do artº 168º do Código de Procedimento Administrativo, bem como da norma do n.º 2 do artº 31º da LPTA, quando interpretados, como sucede na decisão recorrida, no sentido de que o prazo para interposição de recurso hierárquico necessário sempre se contará da notificação do acto administrativo a impugnar ainda que essa notificação seja, como o foi, manifestamente insuficiente por falta de fundamentação e, em consequência disso, a particular tenha tido que requerer, como é de seu direito constitucionalmente consagrado, a passagem de certidão que contenha esses elementos essenciais omissos.' Por sua vez, o Ministro da Saúde apresentou contra-alegações onde defendeu, designadamente, que:
'(...)
27. Não há, assim, que falar de inconstitucionalidade de qualquer norma legal pois a lei prevê mecanismos que lhe permitem o pleno conhecimento do acto recorrido e de todos os actos ainda que meramente de instrução do processo.
28. Muito menos há que falar de inconstitucionalidade da norma do n.º 60 do regulamento do concurso que não se destina a definir o conteúdo das notificações mas tão só a forma da notificação, forma que o próprio recorrente não questiona.' Cumpre decidir. II. Fundamentos O presente recurso vem interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. Ora, apesar da sua imbricação na argumentação da recorrente, nota-se que não existe inteira conformidade entre as normas referidas no requerimento de recurso, aquelas cuja inconstitucionalidade foi sustentada nas alegações de recurso e aquelas cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo. Na verdade, no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, a recorrente afirmou pretender ver apreciada, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade das normas do n.º 60 do Regulamento aprovado pela Portaria n.º 114/91, de 7 de Fevereiro, na redacção da Portaria n.º 502/91, de 5 de Junho, do n.º 1 do artigo 168º e do artigo 68º do Código de Procedimento Administrativo, e, ainda, da norma do n.º 2 do artigo 31º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos. Nas conclusões das alegações de recurso, a recorrente identifica as mesmas normas, mas termina pedindo seja declarada 'a inconstitucionalidade do n.º 60 da Portaria 114/91 e bem assim dos artsº 68º, n.º 1 e 168º do CPA'. Pelo que há-de começar-se por delimitar adequadamente o objecto do recurso. A primeira norma que há que excluir do objecto do recurso é a do n.º 2 do artigo
31º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, segundo a qual em caso de notificação sem a fundamentação integral da decisão e as demais indicações exigidas o interessado pode, dentro de um mês, requerer a notificação das que tenham sido omitidas ou a passagem de certidão que as contenha, e, nesse caso, o prazo para o recurso se conta a partir da notificação ou da entrega da certidão que tenha sido requerida. Isto, não por a declaração da sua inconstitucionalidade não ter sido sustentada nas conclusões das alegações, como acaba de se ver, mas porque o recurso interposto o foi ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, que supõe a aplicação de uma norma, impugnada como inconstitucional, como ratio decidendi pelo tribunal a quo. Ora, nem tal norma foi aplicada nessa decisão – a discordância da recorrente reside exactamente no facto de não se ter aplicado
(analogicamente) –, nem tal norma foi impugnada como inconstitucional durante o processo (nem seria lógico que o fosse, tendo-a invocado e desejando-se vê-la aplicada). A segunda norma a excluir do objecto do recurso é a do artigo 68º do Código de Procedimento Administrativo, já que, muito embora referida no requerimento de interposição do recurso e nas suas alegações, não foi suscitada a sua inconstitucionalidade durante o processo, sendo esse um dos requisitos de conhecimento dos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional. Ao que acresce que, versando tal norma o conteúdo da notificação – obrigando a que dela conste: a) o texto integral do acto administrativo; b) a identificação do procedimento administrativo, incluindo a indicação do autor do acto e a data deste; e c) o órgão competente para apreciar a impugnação do acto e o prazo para esse efeito, no caso de o acto não ser susceptível de recurso contencioso –, não só tal norma é alheia à questão de constitucionalidade que foi posta, como não se descortina em que é que a aplicação de tal norma pudesse contender com o parâmetro constitucional invocado (o artigo 268º, n.ºs 2, 3 e 4 da Constituição). A terceira norma a excluir do recurso é a do artigo 169º do Código do Procedimento Administrativo, já que, embora impugnada durante o processo, não foi incluída no conjunto de normas que a recorrente quis sujeitar ao controlo deste Tribunal, seja no requerimento de interposição do recurso (que delimita o seu objecto), seja nas conclusões das suas alegações (que podem restringir tal objecto, ainda que não possam ampliá-lo – cfr. v.g. o Acórdão n.º 20/97, publicado no Diário da República, II Série, de 1 de Março de 1997, e o Acórdão n.º 243/97, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 36, pág.
609). Restam portanto, e para já, as normas do n.º 60 do Regulamento do concurso em causa e do n.º 1 do artigo 168º do Código do Procedimento Administrativo.
É a seguinte a redacção do n.º 60 do Regulamento dos Concursos de Habilitação ao Grau de Consultor e de Provimento para Chefe de Serviço da Carreira Médica Hospitalar, aprovado pela Portaria n.º 114/91, de 7 de Fevereiro, na redacção que lhe foi dada pela Portaria n.º 502/91, de 5 de Junho:
'Os candidatos dispõem de 10 dias após a publicação ou afixação, conforme o tipo de concurso, para recorrer, com efeito suspensivo, para o Ministro da Saúde ou para o director geral da tutela, se neste tiver sido delegada a competência, tendo esta entidade 15 dias para decidir o recurso.' E a redacção do n.º 1 do artigo 168º do Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro, é a seguinte:
'1. Sempre que a lei não estabeleça prazo diferente, é de 30 dias o prazo para a interposição do recurso hierárquico necessário.' A recorrente pretende ver apreciada a constitucionalidade destas normas, por as considerar violadoras do disposto nos n.ºs 2 e 4 do artigo 268º da Constituição, se interpretadas 'no sentido de que o prazo para a interposição de recurso hierárquico necessário sempre se contará da notificação do acto administrativo a impugnar ainda que essa notificação seja, como o foi, manifestamente insuficiente por falta de fundamentação e, em consequência disso, a particular tenha tido que requerer, como é de seu direito constitucionalmente consagrado, a passagem de certidão que contenha esses elementos essenciais omissos.' Ora, logo se vê que entre a previsão das duas normas, uma aprovada por portaria, outra por decreto-lei, não existe conformidade. Na verdade, a 'lei' que pode estabelecer prazo diferente para a interposição do recurso hierárquico necessário, nos termos do n.º 1 do artigo 168º do Código do Procedimento Administrativo, há-de situar-se no plano legislativo, por imperativo constitucional (artigo 112º, n.º 6, da Constituição da República). Pelo que poderia existir aqui uma questão de ilegalidade da referida norma regulamentar, não fora o facto de o Código de Procedimento Administrativo só ter entrado em vigor 6 meses após a sua publicação (nos termos artigo 2º do Decreto-Lei n.º
442/91, de 15 de Novembro), pelo que não existia contradição com a norma regulamentar no momento da abertura do concurso (por aviso publicado no Diário da República, II Série, de 2 de Março de 1992) – se bem que já não no momento da divulgação do seu resultado. De tal questão não cabe, porém, ao Tribunal Constitucional cuidar. Como se escreveu, por exemplo, no Acórdão n.º 315/92 (publicado no Diário da República, II Série, de 16 de Fevereiro de 1993), citando o Acórdão n.º 44/85 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5º vol., 1985, pág. 403-409), '[p]ara o Tribunal Constitucional a norma de direito infra-constitucional que vem questionada no recurso é um dado; cabe-lhe apenas verificar se essa norma é ou não inconstitucional. Saber se essa norma era ou não aplicável ao caso, se foi ou não bem aplicada, isso é da competência dos tribunais comuns e não do Tribunal Constitucional.' Cumpre ainda anotar que a existência de um prazo de interposição do recurso hierárquico necessário que seja idêntico ao prazo para obtenção de certidões, nos termos do n.º 1 do artigo 82º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, constitui, ou excepção legislativa (como nos casos dos artigos
24º, n.º 3 e 34º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 498/88, de 30 de Dezembro, e do n.º
3 do artigo 75º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de
16 de Janeiro), ou resquício de situações anteriores à entrada em vigor do Código do Procedimento Administrativo, como é aqui o caso. Afigura-se, pois, que tem inteiro cabimento confrontar com a Constituição, não a regra deste Código, mas antes a norma constante do Regulamento, tendo sido, aliás, o prazo de 10 dias previsto nesta norma o que foi aplicado para fundamentar a decisão recorrida, e não o prazo de 30 dias. O que é dizer que também a norma do artigo 168º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo há-de ser arredada do objecto do recurso. Este objecto fica, assim, limitado à apreciação da constitucionalidade do transcrito n.º 60 do Regulamento dos Concursos de Habilitação ao Grau de Consultor e de Provimento para Chefe de Serviço da Carreira Médica Hospitalar, aprovado pela Portaria n.º 114/91, de 7 de Fevereiro, e na redacção que lhe foi dada pela Portaria n.º 502/91, de 5 de Junho, no segmento que dispõe sobre o início da contagem do prazo de recurso hierárquico necessário. Trata-se, mais precisamente, desta norma, interpretada no sentido de que o prazo de 10 dias para interposição de recurso hierárquico necessário se conta da publicação do resultado do concurso, ainda que tal publicação não inclua a fundamentação, e, em consequência, o particular tenha requerido passagem de certidão que contenha esses elementos essenciais para a decisão de interpor recurso. Na verdade, é só isto o que está em causa. Entende a recorrente que desse modo de contagem do prazo de recurso hierárquico necessário quando a notificação não inclua a fundamentação do acto resulta uma violação da garantia de tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos. E entende a entidade recorrida que tal não inclusão da fundamentação na notificação, dependendo, nos termos da Constituição (artigo 268º, n.º 3, 1ª parte), de opção do legislador, não põe em causa o acesso à tutela jurisdicional efectiva, porquanto os artigos 82º e 85º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos facultam, mesmo nesses casos (que já se viu serem excepcionais desde a entrada em vigor do Código do Procedimento Administrativo), meios de obter o conhecimento da fundamentação dos actos a impugnar hierarquicamente: em primeiro lugar, a possibilidade de consulta de documentos ou processos (n.º 1 do artigo 82º da LPTA) ou da obtenção de certidões no prazo de 10 dias (idem); em segundo lugar, a intimação para obtenção de tais certidões, ou o acesso a tais documentos ou processo (n.º 2 do artigo 82º da LPTA), já que (nos termos do artigo 85º da LPTA) os prazos para os meios administrativos a accionar se suspendem desde a data da apresentação do requerimento de intimação. Assim, escreve a entidade recorrida:
'24. A recorrente, que não quis dar-se ao incómodo de ir consultar o processo, requereu a passagem de certidões do mesmo.
25. Na falta de passagem desta, a recorrente podia ainda ter obtido a suspensão do prazo para interpor recurso hierárquico se, perante a não satisfação do seu pedido de certidão do acto recorrido, tivesse, até ao último dia do prazo, requerido ao Tribunal Administrativo do Círculo, a intimação da entidade recorrida, para a referida passagem, o que não fez.
26. Assim, se perdeu o prazo, foi por não ter usado os meios postos pela lei à sua disposição para se inteirar de todos os aspectos que tivesse úteis à defesa dos seus interesses e para obter a suspensão do prazo de recurso.' Ora, a verdade é que estes argumentos produzidos pela entidade recorrida se revelam improcedentes, do ponto de vista constitucionalmente relevante: Efectivamente, e em primeiro lugar, se a lei faculta a consulta de documentos ou processos e passagens de certidões para permitir o uso de meios administrativos ou contenciosos, não está o interessado obrigado a dar precedência a uma ou outra forma, de acordo com as conveniências da Administração, tanto mais que a consulta directa pode não ser praticável (por, sempre que a avaliação a fazer não possa ser feita pelo próprio, exigindo um jurista especializado, só a obtenção de certidões permitir a sua consulta sem custos incomportáveis), e que não é impossível que o acesso aos documentos ou processo tarde tanto quanto a passagem de certidão. Depois, importa notar que a intimação da entidade recorrida para a obtenção da certidão só seria possível antes do final do prazo se o interessado se tivesse inteirado da notificação antes do dia em que ela é feita – cfr. v.g., Santos Botelho, Contencioso Administrativo, 2ª ed., Coimbra, 1999, p. 445, anotação 8 ao artigo 82º segundo o qual 'não se poderá acorrer a juízo sem que o prazo de
10 dias fixado no n.º 1 do preceito em análise tenha já decorrido'. Ou seja: porque os prazos para interpor recurso hierárquico e para obter
'voluntariamente' certidão do acto administrativo em causa são iguais, mesmo no décimo dia posterior à publicação ou afixação (data em que se esgotaria o prazo do recurso hierárquico) ainda se não teria esgotado o prazo de emissão da certidão, ou de autorização de consulta dos documentos ou processo. Ora, a intenção do legislador, incumbido constitucionalmente de assegurar a notificação dos actos administrativos aos interessados (artigo 268º, n.º 3, 1ª parte) e a tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (artigo 268º, n.º 4, da Constituição desde a revisão de 1997, e artigo 20º, mesmo antes da alteração de epígrafe, em 1997), não pode ser a de obrigar os interessados a tomarem conhecimento dos actos que lhe são notificados por publicação ou afixação antes do próprio dia em que tal publicação ou afixação ocorrem, para não inviabilizarem a possibilidade de deles recorrerem quando seja para isso fixado um prazo de 10 dias. Aliás, mesmo que fosse possível requerer a intimação no último dia do prazo de recurso, para permitir a sua suspensão, sempre se haveria de considerar que violaria o princípio da proporcionalidade – ou mesmo o da tutela jurisdicional efectiva – a exigência de que os interessados se inteirassem da notificação no próprio dia em que ocorre a sua publicação ou afixação, para nesse mesmo dia invocarem o n.º 1 do artigo 82º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, de modo a obter a certidão pretendida (ou o acesso aos documentos ou processo) no último dia do prazo para interpor recurso hierárquico necessário, ou, quando não, requererem a intimação da entidade competente. É que, facultando-lhes tal certidão (ou acesso) só nesse dia, a Administração inviabilizaria a possibilidade de requerer a intimação da autoridade para satisfazer o pedido do interessado, e, com isso, a suspensão do prazo para a interposição do recurso hierárquico necessário – recurso que teria, então, de ser interposto no próprio dia de obtenção da referida certidão (ou acesso). Por outro lado, os argumentos que pesaram no Acórdão de 31 de Março de 1998
(recurso n.º 36830), do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, dados como reproduzidos na decisão recorrida, incluíam expressamente, além do argumento sistemático decorrente da circunstância de o artigo 31º da LPTA se inserir no capítulo referente aos recursos contenciosos, os seguintes: A) 'Efectivamente, enquanto o prazo de um mês fixado no n.º 1 do art. 31º da LPTA para requerer a certidão que contenha os elementos omitidos ou a notificação integral do acto se coaduna com o prazo do recurso contencioso, que, em princípio, é de dois meses, nos termos do n.º 1, a) do art. 28º daquele diploma [a Lei de Processo dos Tribunais Administrativos], aquele prazo de um mês já não se mostra compatível quando o prazo para interpor recurso hierárquico necessário é de 10 dias, como nos exemplos citados. B) Acrescentam ainda os defensores desta tese (...) que os interessados nos recursos hierárquicos necessários, quando a notificação ou a publicação não contiverem a fundamentação integral da decisão ou tenham omitido as indicações que a lei impõe, podem, contudo, beneficiar do regime consagrado nos arts. 82º e
85º da LPTA, que é comum aos meios administrativos e contenciosos, como neles se refere expressamente. C) Salienta-se também, a favor da tese do acórdão fundamento, que sendo o recurso hierárquico de reexame não necessita o recorrente de explicitar os motivos de impugnação' [e citava-se em abono Marcello Caetano: 'No requerimento do recurso (hierárquico) o recorrente deduz, por via de regra, os fundamentos da sua petição; mas, se a lei tal não exigir e as circunstâncias o impuserem, nada impede que nela se manifeste unicamente a vontade de recorrer, deixando-se para posterior exposição o desenvolvimento do recurso.'] Acontece que o caso dos autos é justamente uma daquelas situações referidas em A), em que o prazo de um mês para requerer a certidão 'não se mostra compatível' com o prazo para interpor recurso hierárquico necessário de 10 dias, sendo que a compatibilização aí recusada dependia apenas da não consideração do n.º 2 do mesmo artigo 31º, que estava em causa. Por outro lado, e como atrás se viu, os mecanismos previstos nos artigos referidos em B) não obstam a que situações como a dos autos fiquem desprovidas de uma tutela jurisdicional efectiva, como constitucionalmente imposto. Por último, quanto ao argumento referido em C), e como notou a recorrente, nem o Autor deixava de ressalvar que só era assim 'se a lei tal não exigir', nem podia ter tido em conta a norma do n.º 1 do artigo 169º do Código de Procedimento Administrativo, nos termos da qual '[o] recurso hierárquico [se interpõe] por meio de requerimento no qual o recorrente deve expor todos os fundamentos do recurso, podendo juntar os documentos que considere convenientes', que também aqui estava em causa. O que, afinal, vem ao encontro de diversa doutrina (Mário Esteves de Oliveira/Pedro Costa Gonçalves/João Pacheco Amorim, Código de Procedimento Administrativo Comentado, vol. I, Coimbra, 1993, págs. 417 e 421; Maria Lídia Carvalho Soares 'Direito à audiência. Direito de informação. Notificação', in Código do Procedimento Administrativo e o Cidadão, Lisboa, 1993, págs. 121-122; João Raposo, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 5, págs. 38-42; e João Caupers/João Raposo, Contencioso Administrativo Anotado e Comentado, Lisboa,
1994, pág. 130) e vária jurisprudência, incluindo do Supremo Tribunal Administrativo (além do acórdão recorrido no processo que levou à prolação do citado Acórdão de 31 de Março de 1998 do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, também, por exemplo, o acórdão de 27 de Novembro de 1997, no recurso n.º 36 263). E pode sumariar-se da forma que o foi num dos votos de vencido ao Acórdão de 17 de Outubro de 2001 do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo o que releva agora, em sede do presente recurso de constitucionalidade:
'(...) o n.º 3 do artigo 268º da Constituição contém o imperativo de notificação do acto administrativo ao interessado na forma prevista na lei, regra cuja razão de ser é, patentemente, garantir o conhecimento pelo destinatário, dos elementos que interessam à defesa dos seus interesses, sem distinção da via graciosa ou contenciosa.
3. Este efeito garantístico seria esvaziado de conteúdo e o recurso hierárquico necessário seria um puro entrave ao recurso contencioso (...) se os destinatários que requereram ao órgão autor da decisão primária elementos necessários à sua defesa em recurso hierárquico não pudessem ver aplicado um regime de prazo, quanto ao momento de início da contagem, idêntico ao do n.º2 do artigo 31º da LPTA.' Aliás, quanto à inconstitucionalidade do entendimento (não aplicado na decisão recorrida) de que seria possível interpor recurso da deliberação classificativa do concurso num momento em que a recorrente ainda ignorava os fundamentos da decisão, desde que esclarecesse não poder alegar, pedindo prorrogação do prazo e solicitando certidão dos fundamentos da decisão impugnada que depois juntaria com as alegações, pronunciou-se já o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º
384/98 (publicado no Diário da República, II Série, de 30 de Novembro de 1998), a propósito da norma do n.º 4 do artigo 172º da Lei n. 21/85, de 30 de Julho
(Estatuto dos Magistrados Judiciais), onde igualmente se discutiu a aplicação do disposto no artigo 31º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos. E escreveu-se então, embora tendo em vista o recurso contencioso:
'(...)a impugnação de uma decisão pressupõe o conhecimento integral dos respectivos fundamentos. Enquanto o recorrente não tiver acesso ao raciocínio argumentativo que subjaz à decisão tomada, não pode formar a sua vontade de recorrer, porque não dispõe dos elementos que lhe permitem avaliar a justeza da decisão. Nessa medida, e tendo presente a eficácia persuasiva intra-processual da fundamentação das decisões, pode afirmar-se que, antes de se dar a conhecer os fundamentos decisórios, não pode haver, porque do ponto de vista da racionalidade comunicativa não é concebível, uma legítima intenção de recorrer. Assim sendo, a exigência da interposição de um recurso num momento em que se desconhecem os fundamentos da decisão a impugnar (num momento em que, dir-se-ia, ainda não se pode saber se o recorrente efectivamente quer recorrer) não é equiparável à necessidade de interposição do recurso dentro de um prazo razoável
(decorrente da celeridade processual e da segurança e certeza jurídicas). Diferentemente, tal exigência traduz-se antes na imposição de uma formalidade limitadora do efectivo exercício do direito ao recurso e absolutamente alheia ao que possa ser a prossecução de um interesse racional e teleologicamente justificado.' Tendo em conta que, embora tratando-se aqui de recurso hierárquico, a lei obriga a expor nele todos os fundamentos do recurso (artigo 169º, n.1, do Código do Procedimento Administrativo), não se vê que possa agora adoptar-se um juízo diferente, tanto mais que no Acórdão n.º 579/99 (publicado no Diário da República, II Série, de 21 de Fevereiro de 2000) se julgou também inconstitucional uma norma que determinava que o prazo de impugnação de um concurso curricular se contava da data de publicação do extracto da deliberação
(no caso, do Conselho Superior da Magistratura) e não da respectiva notificação. III. Decisão Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
Julgar inconstitucional, por violação do artigo 268º, n.ºs 3 e 4, da
Constituição, a norma do n.º 60 do Regulamento dos Concursos de Habilitação
ao Grau de Consultor e de Provimento para Chefe de Serviço da Carreira
Médica Hospitalar, aprovado pela Portaria 114/91, de 7 de Fevereiro, na
redacção que lhe foi dada pela Portaria 502/91, de 5 de Junho, interpretada
no sentido de que o prazo de 10 dias para interposição de recurso
hierárquico necessário se conta da publicação do resultado do concurso ainda
que tal publicação não inclua a fundamentação, e haja sido requerida
passagem de certidão desta, essencial para a decisão de interpor aquele
recurso;
Em consequência, revogar a decisão recorrida e determinar a sua reforma de
acordo com o presente juízo de inconstitucionalidade. Lisboa, 23 de Outubro de 2002 Paulo Mota Pinto Maria Fernanda Palma Bravo Serra Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa