Imprimir acórdão
Procº nº 650/2002.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Não se conformando com a sentença proferida em 12 de Setembro de
2001 pelo Tribunal Tributário de 1ª Instância de Portalegre e por intermédio da qual foi julgada improcedente a impugnação judicial que deduzira, recorreu A para a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo, dizendo no respectivo requerimento que era sua intenção a 'de alegar naquele Tribunal de recurso, nos termos do disposto no artº. 282º. do referido CPPT '.
O interposto recurso veio, porém, por despacho proferido em 11 de Dezembro de 2001 pelo Relator daquele Tribunal Central, a ser julgado deserto por falta de alegação, nos termos do nº 4 do artº 202º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Desse despacho reclamou o impugnante para a conferência, tendo dito nas «conclusões» que formulou no requerimento consubstanciador da reclamação:-
'a). O reclamante foi notificado da douta sentença proferida pelo Tribunal Tributário de 1ª Instância de Portalegre, que julgou a impugnação judicial totalmente improcedente; b). Interpôs, ao abrigo do disposto no artigo 280º. do CPPT, recurso para esse Venerando Tribunal Central Administrativo, o que fez através de requerimento entregue no Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Portalegre; c). Manifestou, nesse mesmo requerimento, a sua intenção de alegar no Tribunal de recurso - ou seja, no Tribunal Central Administrativo - nos termos do art.º
282º. do CPPT; d). Foi notificado de que o recurso tinha sido admitido; e). Foi notificado do despacho proferido pelo Sr. Juiz Desembargador Relator, que considerou o recurso deserto, por falta de apresentação das alegações; f). No que toca aos recursos jurisdicionais, o nº. 1 do artº. 171º. do CPT estabelecia que a interposição de recurso se faz por meio de requerimento, em que se declara a intenção de recorrer e ‘...no caso de o recorrente pretender, a intenção de alegar no Tribunal de recurso’ (Regime que já vinha do Código de Processo d[a]s Contribuições e Impostos - Vd. artº. 259º.); g). Este regime manteve-se, mesmo após a entrada em vigor do CPPT, para os processos ‘antigos’, situação alterada a partir de 4 de Julho de 2001, data da entrada em vigor da Lei nº. 15/2001; h). O artº. 282º. do CPT estabelece que a interposição de recurso se faz por meio de requerimento em que se declara a intenção de recorrer, parecendo imp[o]r-se as alegações no Tribunal a quo; i). Mas o nº. 4 desse mesmo artº. 282º. refere ‘Na falta de declaração da intenção de alegar ...’, o que torna indiscutível que esta disposição legal aponta para uma opção:
i) o recorrente pode alegar no Tribunal a quo. ii) o recorrente pode alegar no Tribunal ad quem, desde que tenha manifestado essa intenção. j) E no caso dos autos o recorrente manifestou essa vontade, no requerimento de interposição de recurso; l). Deve, por isso, ter-se em consideração a subsistência da doutrina do artº.
171º. do CPT, considerando-se como lapso de redacção ou em redacção deficiente a do nº. 4 do artº. 281º. do CPPT; m). Deve afastar-se a possibilidade de se fazer uma interpretação ab[ ]rogante da 1ª. parte do nº. 4 do artº. 228º. do CPPT; n). Deve fazer-se uma interpretação correctiva do nº. 1 do artº. 282º. do CPPT, por ser mais conforme aos princípios da boa fé e à regra de acesso ao direito
(artº. 20 d[a] CRP), tanto mais que o recorrente declarou expressamente que queria alegar no Tribunal ad quem e o Tribunal de 1ª. Instância admitiu o recurso sem reserva; o). A interpretação do artº. 282º. do CPPT segundo a qual não se admite a apresentação de alegações no Tribunal ad quem, viola de modo intolerável e arbitrário a estabilidade das relações processuais e as expectativas fundadas na própria norma legal; p). Da norma legal em causa pode o int[é]rprete retirar, como consequência, de boa- -fé, que as alegações poderiam ser apresentadas, quer no Tribunal a quo, quer no Tribunal ad quem; q). Quando as normas legais não são claras - é indiscutivelmente esse o caso do artº. 282º. do CPPT - a sua interpretação deve ser sempre aferida de acordo com as normas e princípios constitucionais, entre os quais o da segurança e da boa-fé. r). Interpretado conforme a constituição e, em especial, o princípio de acesso ao Direito e o princípio da boa fé, a norma legal contida no artº. 282º. nº. 4 do CPPT, segundo o qual ‘na falta de declaração de intenção de alegar ... o recurso será logo julgado deserto no Tribunal recorrido’, pode um recorrente cujo processo teve início quando vigorava o Código de Processo Tributário, manifestar no Tribunal recorrido a declaração de intenção de alegar, apresentando as suas alegações no Tribunal de recurso, após notificação para o efeito'.
Por acórdão de 19 de Março de 2002, o Tribunal Central Administrativo indeferiu a reclamação, para tanto, em síntese, tendo sustentado que, ao caso, era aplicável o nº 4 do artº 282º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, cujo nº 4 deveria ser interpretado no sentido de a menção, aí existente, à falta de declaração da intenção de alegar, constituir uma referência desprovida de conteúdo.
Desse aresto intentou o impugnante recorrer para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, com vista a ser apreciada a norma constante do nº 4 do artº 282º do Código de Processo Tributário na interpretação segundo a qual o segmento normativo na falta de declaração de alegar é desprovido ou vazio de conteúdo.
Por despacho proferido em 14 de Maio de 2002, o recurso não veio a ser admitido, justamente com base na circunstância de do acórdão desejado impugnar perante o Tribunal Constitucional poder haver recurso para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, já que se tratava de um processo iniciado antes de 15 de Setembro de 1997 - data da instalação do Tribunal Central Administrativo -, razão pela qual, não se mostravam, no caso, esgotados os recursos ordinários que ao caso cabiam.
É deste despacho que, pelo impugnante, vem deduzida reclamação, na qual defende, em síntese, que, se ao 'presente processo se aplica o CPPT, ele deve ser aplicado para todos os efeitos e, logo, não é admissível recurso para o Venerando Supremo Tribunal Administrativo dos acórdãos proferidos no TCA, por força do artº. 280 do CPPT', cujo nº 2 apenas os admite no caso de oposição de acórdãos, sendo que, na situação em espécie, não se conhecem arestos divergentes quanto à questão em apreço.
Ouvido sobre a reclamação o Representante do Ministério Público junto deste Tribunal propugnou pela sua improcedência, já que, tendo presente a redacção conferida ao artº 120º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais pelo Decreto-Lei nº 229/96, de 29 e Novembro, e as datas de instauração dos autos de impugnação em apreço e de entrada em funcionamento do Tribunal Central Administrativo, seria lícito ao ora reclamante exercitar o 3º grau de jurisdição, pelo que, assim sendo, não se mostrariam, no momento em que foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, esgotados os recursos ordinários que no caso cabiam, sendo certo que o ora reclamante não renunciou ao recurso visando a reapreciação do caso em 3º grau de jurisdição
Cumpre decidir.
2. Como deflui do relato supra efectuado, o fundamento da presente reclamação prende-se, sobretudo, com a questão de saber - tendo presente o que se comanda no nº 2 do artº 70º da Lei nº 28/82 (e já que nenhum elemento se pode extrair de onde resulte que, in casu, o ora reclamante haja renunciado a um eventual recurso ordinário que coubesse na ordem dos tribunais a que pertence o Tribunal Central Administrativo) - se o acórdão lavrado nesse Tribunal Central e ora intentado recorrer para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do nº 1 daquele artº 70º da Lei nº 28/82, ainda poderia ser impugnado, em sede de recurso ordinário, perante o Supremo Tribunal Administrativo.
O despacho reclamado deu resposta positiva a tal questão, para tanto tendo considerado que, por se tratar de um processo iniciado antes da data de instalação do Tribunal Central Administrativo - 15 de Setembro de 1997 - era admissível a existência de um terceiro grau de jurisdição.
Para assim concluir, certamente que aquele despacho teve presente o disposto no artº 120º e na alínea a) do nº 1 do artº 32º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais aprovado pelo Decreto-Lei nº 129/94, de 27 de Abril (o primeiro na redacção posterior e o segundo na redacção anterior à conferida pelo Decreto-Lei nº 229/96, de 29 de Novembro, tendo em conta o estatuído no nº 1 do artº 5º deste último diploma), no domínio do qual seria admissível recurso para a secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo dos acórdãos proferidos pelo então Tribunal Tributário de 2ª Instância ao abrigo da competência estabelecida no artº 41º do mesmo Estatuto.
Por outro lado, o reclamante defende, se bem se entende o seu requerimento consubstanciador da reclamação, que haveria uma incoerência no despacho reclamado ao considerar, por um lado e para efeitos de apresentação da alegação, o disposto no Código de Procedimento e de Processo Tributário (numa dada interpretação conferida ao primeiro inciso do nº 4 do seu artº 282º), e não atendendo, por outro e para efeito de determinação do regime de recorribilidade das decisões tomadas pelo Tribunal Central Administrativo, ao disposto no artigo
12º da Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, que, por entre o mais, veio a introduzir alterações àquele Código, aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/99, de 26 de Outubro, Código este de onde resultará, em face do que se consagra no nº 2 do seu artº
280º, que dos acórdãos decisões lavrados pelo Tribunal Central Administrativo só cabe recurso para o Supremo Tribunal Administrativo se tal recuso for esteado em oposição de acórdãos.
3. Não se depara líquido ao Tribunal que, efectivamente, se descortine a alegada incoerência.
É que, uma coisa é entender-se que as normas pretéritas que regulavam a competência dos tribunais superiores para curar da impugnação das decisões tomadas pelos tribunais inferiores se haverão de respeitar nos autos instaurados antes da entrada em vigor das novéis regras que alteraram essa competência, e outra é a questão de saber se outras regras, também novas, e ulteriores a estas segundas, atinentes ao processamento dos autos, são de aplicação imediata.
O que significa que se não divisa, primo conspectu, que o entendimento perfilhado pelo despacho reclamado esteja claramente eivado de erro na interpretação e aplicação dos normativos referentes à possibilidade de, na situação em espécie, ser admissível recurso para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo do acórdão proferido pela Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo.
4. De outra banda, tal como assinala o Ex.mo Representante do Ministério Público, torna-se claro que da nova redacção dada ao artº 120º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais pelo Decreto-Lei nº 229/96 (que dispõe que a extinção do anterior 3.º grau de jurisdição no contencioso tributário operada pelo presente diploma apenas produz efeitos relativamente aos processos instaurados após a sua entrada em vigor) se extrai que, nos autos de impugnação de onde foi extraída a presente reclamação, era ainda possível impugnar perante o Supremo Tribunal Administrativo o acórdão lavrado pelo Tribunal Central Administrativo.
Por último, haverá que ter presente, mesmo tendo em atenção o comando constante da norma ínsita na alínea a) do nº 1 do artº 32º do Estatuto dos Tribunais e Fiscais decorrente da redacção dada pelo aludido Decreto-Lei nº
229/96, e o nº 2 do artº 280º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que poderia ainda ser defensável que a questão decidida pelo acórdão desejado recorrer para este Tribunal o foi em primeiro grau de jurisdição, e isso, justamente, pela razão de que se não tratava de uma decisão incidente sobre a questão de fundo tributária que foi objecto da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de 1ª Instância de Portalegre; tratar-se-ia, nessa perspectiva, isso sim, de uma questão jurídica respeitante a normas processuais que, pela primeira vez, no caso, foi decidida no Tribunal Central Administrativo e que não se conexionava, de todo, com a questão «de fundo» tributária que constituía o objecto do recurso para aquele Tribunal Central.
Vale tudo isto por dizer que a solução dada pelo acórdão que se quis impugnar perante o Tribunal Constitucional, quanto ao problema de saber da recorribilidade do mesmo para o Supremo Tribunal Administrativo, não pode considerar-se como manifestamente incurial ou desprovida de sentido, por insubsistência de razões jurídicas.
É certo que cabe ao Tribunal Constitucional, na espécie processual como a presente, saber se é correcta a forma como foram interpretadas e aplicadas as regras jurídicas reguladoras da recorribilidade ordinária, nas ordens dos vários tribunais, das decisões aí tomadas, para efeitos de saber se, não havendo possibilidade de recurso, está aberta a via de recurso para este
órgão de administração de justiça nos casos da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82.
Mas, se se chegar à conclusão de que não são desprovidas de sentido aquelas interpretação e aplicação, não será legítimo pô-las em causa e optar por outras, só porque estas são também porventura defensáveis.
Aliás, se o Supremo Tribunal Administrativo, na situação sub specie, não viesse a tomar conhecimento do objecto do recurso que porventura fosse interposto do acórdão do Tribunal Central Administrativo, ainda assim, em face do que se dispõe na parte final do nº 4 do mencionado artº 70º, seria possível a impugnação perante o Tribunal Constitucional daquele acórdão.
Termos em que se indefere a reclamação, condenando-se o reclamante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em quinze unidades de conta. Lisboa, 15 de Janeiro de 2003 Bravo Serra Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa