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Proc. nº 571/02
1ª Secção Relator: Cons.º Luís Nunes de Almeida
Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional:
1. A, B, C e D recorreram para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, do acórdão de 11 de Junho de 2002 do Tribunal da Relação de Lisboa, pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 6º, 70º e 75º da Lei nº
7/90 de 20 de Fevereiro, bem como dos artigos 192º, 199º e 382º do Código Penal, que violariam o preceituado nos artigos 25º, nº 1, 26º, nº 1, 20º, nº 4, e 266º nºs 1 e 2, da CRP.
Segundo os recorrentes, tais questões de inconstitucionalidade teriam por eles sido suscitadas na participação criminal que oportunamente apresentaram, no requerimento de abertura de instrução entregue no Tribunal Judicial da Comarca do Barreiro e também na motivação do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Todavia, o relator lavrou decisão sumária, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, nº 1, da LTC, decidindo não tomar conhecimento do recurso.
2. Na referida decisão sumária, escreveu-se: Nos termos do preceituado no artigo 70º, nº 2 da LTC, o recurso previsto na alínea b) do nº1 do seu artigo 70º só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a questão de inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida.
Ora, na motivação de recurso para a relação, os recorrentes apresentaram as seguintes conclusões:
1. O presente recurso é tempestivo e os recorrentes têm completo interesse e legitimidade em agir;
2. O despacho recorrido não se pronunciou sobre a legalidade do comportamento dos arguidos, subtraindo à apreciação judicial a questão de determinar se os arguidos violaram ou não deveres inerentes às suas funções e se tiverem a intenção de prejudicar os Recorrentes, questão essencial no crime de «abuso de poder»;
3. O despacho recorrido não teve em conta o disposto nos arts. 25º, nº 1, 26º, nº 1, 44º, nº 1 e 266º, nº 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa;
4. O despacho recorrido não teve me consideração o disposto nos arts. 6º e 42º do Regulamente Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, aprovado pela Lei nº
7/90 de 20 de Fevereiro;
5. O despacho recorrido violou o disposto nos art. 192º, 199º e 382º do Código Penal;
6. O despacho recorrido não teve em consideração a prova indiciária recolhida durante o inquérito e instrução;
7. Existiu erro notório na apreciação da prova produzida, ainda que meramente indiciária;
8. Os Recorrentes não tiveram direito a uma tutela jurisdicional efectiva e a um processo justo e equitativo, porquanto a Meritíssima Juiz que proferiu o despacho de arquivamento, por via das sucessivas alterações da titularidade do juiz de instrução, não assistiu à produção de prova, não podendo formar e cimentar a sua convicção ao longo da produção da prova e na medida da imediação da mesma;
9. Os Recorrentes não tiverem direito a um processo justo e equitativo, porquanto o Tribunal a quo não aplicou a lei processual e substantiva à testemunha Gonçalves Amaro;
10. A prova indiciária recolhida durante o inquérito e instrução, bem como os sucessivos acontecimentos e vicissitudes do presente processo revelam que os arguidos violaram deveres inerentes às suas funções com intenção de prejudicar os Recorrentes e beneficiar o arguido Loureiro no que diz respeito às denúncias que sobre o mesmo recaíam na Inspecção Geral da Administração Interna;
11. Assim, o Tribunal a quo deveria ter lavrado despacho de pronúncia, pronunciando os arguidos pela prática de um crime de devassa da vida privada p.p. pelo art. 192º, um crime de gravações e fotografias ilícitas p.p. art. 199º e um crime de abuso de poder, p.p. pelo art. 382º, ou pelo menos pronunciar os mesmos arguidos pela prática inequívoca de um crime de abuso de poder, p.p. pelo atrás referido art. 382º, todos do Código Penal.
Do teor destas conclusões resulta como meridiana clareza que os recorrentes não suscitaram perante o tribunal a quo uma questão de inconstitucionalidade normativa, antes assacando eventuais violações da Constituição ao próprio despacho recorrido.
Nesta conformidade, e porque o recurso de inconstitucionalidade há-de ter sempre por objecto uma norma e não uma decisão judicial, falece um dos perssupostos essenciais para que dele se possa conhecer.
3. É desta decisão sumária – erradamente qualificada pelos recorrentes como «despacho de indeferimento do requerimento de interposição do recurso» - que os mesmos recorrentes vêm agora reclamar, invocando o preceituado no artigo 76º, nº 4, da LTC.
Muito embora não seja cabida a invocação desta disposição legal, cujo âmbito de aplicação se reporta aos despachos de indeferimento do requerimento de interposição do recurso, quando lavrados no tribunal a quo, não custa admitir que se possa conhecer da presente reclamação, considerando-a como reclamação para a conferência, deduzida nos termos do disposto no nº 3 do artigo
78º-A da LTC.
4. Na presente reclamação, os recorrentes sustentam que as questões de inconstitucionalidade suscitadas «tiveram sempre por objecto imediato uma norma e, só mediatamente, na medida em que a afectavam, a decisão judicial entretanto proferida».
E, para tanto, assinalam que, na motivação de recurso para a Relação, disseram expressamente, a dado passo:
A interpretação levada a cabo pelo Tribunal a quo do disposto no art.
70º e segts. do Regulamento da Polícia de Segurança Pública, aprovado pela Lei nº 7/90 de 20.02, não teve em conta o disposto no art. 25º nº 1, 26º, nº 1, 44º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa e muito menos o art. 266º nº 1 e 2
[...]
Daqui resulta, desde logo, que os ora reclamantes se conformam com a decisão sumária quanto ao não conhecimento de todas as normas impugnadas no requerimento de interposição do recurso, com excepção das constantes dos artigos
70º e 75º do Regulamento da Polícia de Segurança Pública.
Mas, mesmo no que se refere às normas destes últimos artigos, não foi a respectiva inconstitucionalidade suscitada de forma a que se possa concluir que o que se pretendeu não foi, antes, atacar a própria decisão judicial.
Com efeito, no passo da motivação do recurso para a Relação que os recorrentes ora parcialmente citam na sua reclamação, à parte que se transcreveu logo se acrescentava:
[...] porquanto a actuação do Comando da Polícia de Segurança Pública, violou os direitos e interesses legalmente protegidos dos Recorrentes, tendo também violado de forma ostensiva e evidente, os próprios limites que são impostos à actuação da própria administração pública, designadamente, a subordinação à Constituição e à Lei.
Nesta conformidade, o próprio passo invocado pelos ora reclamantes, quando lido na sua integralidade, logo inculcava que a violação da Constituição era assacada, em primeira linha, à actuação administrativa e, em segunda linha,
à decisão judicial recorrida. Mas, se dúvidas podiam substir – e admite-se que realmente subsistissem -, a verdade é que as conclusões da motivação, que se transcreveram na decisão sumária, esclareciam definitivamente, dissipando as eventuais dúvidas, que se pretendia atacar a inconstitucionalidade da decisão judicial recorrida. E, seguramente por isso, o tribunal a quo não entendeu ter o dever de apreciar a constitucionalidade de quaisquer normas jurídicas.
Assim sendo, entende-se ser de confirmar a decisão sumária em que se decidiu não tomar conhecimento do recurso.
5. Nestes termos, indefere-se a reclamação para a conferência.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 15 UC‘s, por cada um deles. Lisboa, 6 de Dezembro de 2002 Luis Nunes de Almeida Artur Maurício José Manuel Cardoso da Costa