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Proc. nº 500/02 TC – 1ª Secção Relator: Consº. Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1 – Nos autos de recurso, interposto ao abrigo do artigo 70º nº 1 alínea b) da LTC por B, foi proferida a seguinte decisão sumária:
'1 - B recorre para este Tribunal, ao abrigo do artigo 70º nº 1 alínea b) da LTC, do acórdão de fls. 316 e segs. do Supremo Tribunal Administrativo, pretendendo a apreciação da constitucionalidade das normas constantes dos artigos 3º nº 2 do Decreto-Lei nº 134/98 e 35º nºs 1 e 5 da LPTA que violariam, a primeira, os artigos 20º e 165º da CRP e a segunda o artigo 13º da CRP.
O recurso foi admitido no tribunal 'a quo' e os autos foram remetidos a este Tribunal.
Cumpre decidir.
2 – As normas em causa foram aplicadas como razão de decidir no acórdão recorrido.
Com efeito, o recurso contencioso interposto pela ora recorrente foi rejeitado por extemporaneidade, uma vez que a recorrente não observara o prazo de recurso contencioso previsto no citado artigo 3º nº 2 do Decreto-lei nº 134/98 (15 dias), atendendo à data da entrada da petição no tribunal, por o signatário da petição ter escritório na comarca sede do tribunal (artigo 35º nº 5 da LPTA).
Nada obsta, pois, ao conhecimento do mérito do pedido.
3 – Sobre a constitucionalidade da norma ínsita no artigo 3º nº 2 do Decreto-Lei nº 134/98, pronunciou-se já este Tribunal.
Fê-lo no acórdão nº 92/2001, publicado no Diário da República, II Série, de 22 de Maio de 2001, aí concluindo que aquela norma não ofendia o direito constitucional a uma tutela jurisdicional efectiva.
Não se vêem razões para inflectir esta jurisprudência que aqui se dá por reproduzida e se reitera.
4 – A recorrente suscita, porém, outra questão de constitucionalidade reportada
à mesma norma: a inconstitucionalidade orgânica do diploma por violação da reserva relativa de competência da Assembleia da República.
A este propósito, a recorrente invoca, como norma violada, o artigo 165º da CRP, sendo certo que este preceito contem diversos números e alíneas. Mas crê-se que a recorrente se reporta concretamente ao disposto na alínea b) do nº 1 daquele artigo, por força da qual é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar, salvo autorização ao Governo, em matéria de 'Direitos, liberdades e garantias'. É isto, de resto, o que se infere das alegações de recurso para o STA, onde a questão foi suscitada (cfr., em especial, fls. 182).
Ora, sobre este aspecto não se pronunciou, ainda, directamente, o Tribunal Constitucional.
Sucede, porém, que o Tribunal abordou já a questão de saber se outra norma do mesmo diploma (a que consta do artigo 4º nº 4) enfermava de inconstitucionalidade orgânica por, supostamente, regular matéria respeitante a
'direitos liberdades e garantias' (Acórdão nº 128/00, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 46º vol., pág. 513).
Tratava-se aí da norma que prescreve a urgência do recurso contencioso em causa, estabelecendo prazos especiais (mais curtos) para determinados actos processuais.
Ora, decidiu-se no referido aresto que, por versar matéria de processo administrativo, a norma não carecia, para ser editada, de credencial parlamentar.
A verdade é que, no caso que nos ocupa, não está também em causa o direito ao recurso contencioso que sempre estaria garantido nos termos gerais – a norma não tira nem põe sobre o direito de impugnar contenciosamente os actos referentes à formação de contratos de empreitada de obras públicas, pois apenas fixa um prazo especial (também mais curto em razão da referida urgência) para o exercício daquele direito (em certa perspectiva, um pressuposto do recurso), prazo aliás que, como se disse, o Tribunal Constitucional entendeu já não ofender o direito
à tutela jurisdicional efectiva.
A fixação de um prazo do recurso não consubstancia, deste modo, matéria respeitante a 'direitos, liberdades e garantias', pelo que o Governo não carecia de credencial parlamentar para editar o Decreto-Lei nº 134/98.
5 – É igualmente manifestamente infundada a questão da pretensa inconstitucionalidade imputada ao artigo 35º nºs 1 e 5 da LPTA.
Resulta destes preceitos que a petição de recurso deve ser apresentada na secretaria do tribunal a que é dirigida, podendo, porém, ser remetida à mesma secretaria se o respectivo signatário não tiver escritório na sede da comarca.
Insurge-se, aqui, a recorrente contra a desigualdade que assim se instala entre os mandatários forenses, com prejuízo daqueles, como seria o caso da recorrente, que não têm escritório na sede da comarca do tribunal, uma vez que, utilizada a via postal, não valeria como data do acto processual a data do registo, mas a data da efectiva entrada da peça em tribunal - estaria, pois, violado o princípio constitucional da igualdade.
Ora, é manifesto que o tratamento diverso que é dado aos mandatários forenses com ou sem escritório na sede da comarca do tribunal tem uma óbvia justificação material, apresentando-se como uma solução não arbitrária e racional .
Com tal regulamentação, no âmbito dos poderes de livre conformação do legislador ordinário, pretende-se, precisamente, evitar a maior onerosidade daqueles que, tendo o escritório fora da sede da comarca do tribunal, se veriam obrigados a deslocações, por vezes longas, dado o reduzido número de tribunais administrativos, para apresentar as petições de recurso na secretaria do tribunal, sem o que, optando pela remessa por via postal e tendo em conta o tempo do trânsito postal, veriam reduzido o prazo legalmente concedido para o efeito.
Pode, é certo, entender-se que melhor direito seria o de atribuir, no contencioso administrativo, a todos os mandatários forenses (incluindo, pois, aqueles que têm o escritório na sede da comarca do tribunal) a faculdade de remeter as petições de recurso sob registo postal, valendo como data da entrada a data da efectivação do registo, como acontece no processo civil (artigo 150º do CPC).
A verdade é que tal parificação se não configura como uma exigência constitucional; e são constitucionalmente admissíveis (sem ofensa do principio da igualdade) as diferenças de tratamento material e racionalmente justificadas pela diversidade das situações reguladas, como é o caso.
Não se verifica, pois, a apontada inconstitucionalidade.
6 – Decisão:
Pelo exposto e em conclusão decide-se negar provimento ao recurso, por ser manifestamente infundado.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 Ucs.'.
Notificado desta decisão, vem agora o recorrente reclamar para a conferência.
2 - Na reclamação, a discordância do reclamante limita-se ao decidido quanto à invocada inconstitucionalidade das normas dos nºs 1 e 5 do artigo 35º da LPTA.
Transcrevem-se, a seguir, os passos mais significativos da reclamação:
'O fundamento adiantado na decisão para a existência da diferenciação de tratamento não explica o essencial que ´, precisamente, a circunstância de, em termos reais e concretos, a medida beneficiar os advogados (e quem por este é representado) que não tenham o seu escritório na sede dos círculos.
4 – É aqui que reside a questão: é aqui que se entende não existir fundamento sério, razoável e, talvez até sobretudo, proporcionado para a distinção se verificar nos moldes concretos em que se verifica.
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6 – Acrescente-se ainda que a potencialidade lesiva da norma como violadora da Constituição da república aparece noutro quadro fáctico, dogmático e legislativo completamente distinto daquele que assistiu ao seu nascimento – escusado será recordar as amplas facilidades de entrega dos articulados que actualmente existem (até cibernéticas), onde o uso do telefax é possível e se vulgarizou, onde avulta a regra seguida nos outros tribunais, a aceleração da vida quotidiana, a inexistência de prazos de 15 dias perfeitamente impensáveis na
época – e actualmente, pois pelo que se sabe, somos o único país que tem um prazo único de 15 dias e a nova lei do contencioso administrativo já corrigiu a situação descrita dando (só) o dobro do prazo para recorrer.
7 – Podia eventualmente dizer-se à época em que a LPTA foi publicada que a desigualdade criada se justificaria, porém, hoje, no quadro que descrevemos, a distinção revela-se como umk benefício perfeitamente injustificado.'
Pois bem.
A primeira nota que a presente reclamação merece é a de que ela parece elaborada por alguém que foi lesado por ter sido concedido à parte contrária o 'benefício' concedido nos termos do artigo 35º nº 5 da LPTA...
De facto, o essencial da argumentação da recorrente assenta na suposta injustificação de se conceder ao advogado com domicílio da sede da área da comarca do tribunal o 'benefício' de remeter por via postal a petição de recurso, fixando-se como data da entrada aquela em que o registo postal foi efectuado. E isto desde logo em virtude das 'amplas facilidades de entrega dos articulados que actualmente existem', designadamente o uso do telefax.
Mas é neste discurso que a reclamante alicerça a sua pretensão de vir a beneficiar, também, de uma medida que, afinal, considera injustificada...
É que a extemporaneidade do recurso contencioso interposto pelo reclamante resultou tão só da aplicação da regra geral, vigente no contencioso administrativo, plasmada no artigo 35º nº 1 da LPTA, de acordo com a qual os recursos são interpostos pela apresentação da respectiva petição na secretaria do tribunal, o que, não inviabilizando a remessa por via postal (como aliás no caso sucedeu), implica, porém, que a data da interposição do recurso seja aquela em que a petição dá entrada no tribunal.
Ora, nada do que se disse na decisão sumária para considerar a questão manifestamente infundada é, assim, consistentemente abalado pela reclamante.
Com efeito, não estava o legislador da LPTA impedido, por força de qualquer norma ou princípio constitucional, de estabelecer aquela regra geral.
Mas, verificando que, dado o reduzido número de tribunais administrativos, os advogados que não tivessem escritório na sede da área da comarca se encontravam em desvantagem relativa face àqueles com escritório nessa sede, o legislador determinou que, enviada a petição por via postal, a data da entrada seria a do registo.
E a desvantagem seria desde logo patente caso os advogados, por razões de cautela ou por não disporem de meios telemáticos, pretendessem apresentar pessoalmente a petição do recurso na secretaria do tribunal.
A norma do artigo 35º nº 5 da LPTA não confere assim aos seus destinatários um
'benefício' discriminatório ou racionalmente infundado, limitando-se a dispor desigualmente (face ao disposto no nº 1 do mesmo artigo) para realidades desiguais, com a finalidade até de eliminar a situação desfavorável em que aqueles se encontravam, com o que se não mostra ferido o princípio da igualdade, tal como se julgou na decisão sumária reclamada.
E esta conclusão impõe-se em termos tais que se entender sem qualquer efeito
útil a possibilidade de a recorrente vir a oferecer alegações sobre a questão.
3 – Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 Ucs.
Lisboa, 12 de Novembro de 2002 Artur Maurício Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa