Imprimir acórdão
Proc. n.º 566/02 Acórdão nº 433/02
1ª Secção Relatora: Maria Helena Brito
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. Por acórdão de fls. 1492 e seguintes do Tribunal Colectivo do Círculo Judicial de Évora foi, entre o mais, decidido 'condenar o arguido A em nove anos de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado (p. e p. pelos arts. 21º, n.º 1 e 24º, als. b) e c), do D.L. n.º 15/93, de 22-1), em seis meses de prisão pela prática de um crime de receptação negligente na forma continuada (p. e p. pelos arts. 30º, n.º 2 e 231º n.º2 do Cód. Penal), em catorze meses de prisão pela prática de um crime de condução ilegal (p. e p. pelo art. 3º, n.º 2 do DL 2/98, de 3-1, com referência ao art. 121º do Cód. Estrada), em um ano de prisão pela prática de um crime de detenção ilegal de arma de defesa (p. e p. pelo art. 6º da Lei 22/97, de 27-6), em um ano de prisão pela de um crime de detenção de arma proibida (p. e p. pelo art. 275º, n.º 3 do Cód. Penal em conjugação com o art. 3º, n.º 1, al. f) do DL 207-A/75, de 17-4) e, em cúmulo jurídico, na pena única de 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de prisão'.
2. A apresentou, a fls. 1525 e seguinte, requerimento do seguinte teor:
'[...] é a Requerer a transcrição integral das declarações gravadas em fita magnética e prestadas em audiência de julgamento, tanto dos arguidos, como de todas as testemunhas. Mais Requer que quando finda, o arguido dela seja informado. E que, na sequência, lhe seja facultada cópia das transcrições das gravações dos actos da audiência de julgamento, para efeitos de interposição de recurso. Sem conceder Caso se considere que a requerida transcrição constitui um ónus do recorrente, desde já, se Requer, que seja contratada pessoa singular ou colectiva, a quem seja incumbida tal função, entrando os respectivos encargos, em regra de custas finais. Na verdade, o arguido não possui meios financeiros para contratar alguém para levar a cabo a solicitada transcrição, conforme pedido de apoio judiciário, entretanto, formulado. Sob pena de violação do disposto, nomeadamente, nos arts. 13 e 20 da CRP. Em qualquer das situações, o prazo de recurso deve ser suspenso, imediatamente, até notificação de que a transcrição se encontra concluída e à disposição do mandatário do arguido.'
Por despacho de fls. 1527, foi determinado que se facultasse 'a transcrição das cassetes e estas' e, no tocante à suspensão do prazo de interposição do recurso, indeferiu-se a correspondente pretensão, por carecer em absoluto de fundamento legal. A apresentou, a fls. 1579 e seguinte, novo requerimento do seguinte teor:
'[...] Até à presente data, a referida transcrição ainda não foi sequer iniciada, conforme constatado, mediante informação prestada neste Juízo Criminal. Porém, o arguido dela não prescinde para efeitos de apresentação de recurso, visto constituir um instrumento fundamental, na sua elaboração e compreensão do desenrolar da respectiva audiência de discussão e julgamento. A não satisfação do solicitado pelo arguido, representa uma clara violação do disposto, nomeadamente, no art. 32 n.º 1 da CRP. O atraso na requerida transcrição, deferida por douto despacho de fls. , é totalmente alheia ao arguido, como resulta à saciedade. Pelo que, em momento ou circunstância alguma poderá o arguido ser prejudicado na sua defesa, por tal facto, concretamente, no que ao prazo de recurso diz respeito. O impedimento na apresentação do recurso pelo arguido, persiste, para os termos e efeitos do consignado no art. 107, n.ºs 2 e 3 do CPP. Destarte, o arguido continua a aguardar que lhe sejam facultadas as requeridas e deferidas transcrições, para efeitos de interposição de recurso.'
Por despacho de fls. 1581 foi, entre o mais, renovado o despacho de fls. 1527, já referenciado. A fls. 1607, apresentou A novo requerimento, em que disse o seguinte:
'Foram facultadas no dia 11 de Fevereiro, as transcrições dos depoimentos, conforme requerido e deferido. Por conseguinte, cessou, neste momento, o impedimento para efeitos de apresentação do recurso. Face ao exposto, é a Requerer nos termos e para os efeitos do consignado nos números 2 e 3 do art. 107 do CPP, que lhe seja concedido um prazo não inferior a
8 dias para apresentação do recurso sobre o douto acórdão que condenou o arguido, em pena de prisão.'
Na sequência deste requerimento, foi proferido o despacho de fls. 1608, com o seguinte conteúdo:
'O facto de o arguido para a interposição de recurso ter de se socorrer de audição do suporte magnético onde está registada a prova produzida na audiência de julgamento ou de ter de proceder à leitura da eventual transcrição que já tenha sido efectuada não constitui justo impedimento da interposição de recurso dentro do prazo legal. Com efeito, seja qual for a complexidade dos procedimentos necessários à interposição de recurso, a lei estabelece e peremptoriamente o mesmo prazo. É que complexidade e necessidade de maior labor na elaboração do requerimento de recurso estes se confundem com impedimento de prática atempada do acto. Nestes termos, uma vez mais, vai indeferido o requerido.'
3. Inconformado com o mencionado despacho de fls. 1608, A dele interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora (fls. 1626 e seguintes), tendo na motivação respectiva concluído do seguinte modo:
'1. Atenta a extensão e complexidade do processo, no dia 20 de Dezembro, de 01, o ora recorrente requereu a transcrição integral das declarações gravadas em fita magnética e prestadas em audiência de julgamento, tanto dos arguidos, como de todas as testemunhas, para efeitos de interposição de recurso, relativamente ao douto acórdão condenatório, nos termos do disposto no art. 101, nº 2 do CPP.
2. Só no dia 11 de Fevereiro de 02, são remetidas ao arguido, as requeridas transcrições.
3. Nesse mesmo dia, o arguido requereu ao abrigo do consignado no art.107, n°s 2 e 3 do CPP, que lhe fosse concedido um prazo não inferior a 8 dias para apresentação de recurso sobre o douto acórdão condenatório.
4. Em 18 de Fevereiro, o arguido é notificado do douto despacho de fls. 1608, que considerou não estarmos perante um caso de justo impedimento, indeferindo o requerido.
5. Com o devido respeito que, aliás, é muito, não assiste razão à Meritíssima Juiz «a quo».
6. Aliás, tal questão já foi objecto de apreciação, pelo Tribunal Constitucional, no âmbito do Acórdão nº 363/00, de 5 de Julho de 2000 – publicado no DR II Série, de 13.11.00 – em que se decidiu «julgar inconstitucional, por violação do artigo 32º, nº 1 da Constituição, os artigos
107º, n° 2 do Código de Processo Penal e 146º n° 1, do Código de Processo Civil
(quando aplicado subsidiariamente em processo penal) quando interpretados no sentido de que a impossibilidade de consulta das actas do julgamento (quando tenha sido requerida a documentação em acta das declarações orais prestadas em audiência, nos termos do art. 364º, nº 1 do Código de Processo Penal), por as mesmas não estarem ainda disponíveis, não constitui justo impedimento para a interposição do recurso da decisão final condenatória em processo penal».
7. Sendo que os fundamentos do acima mencionado Acórdão têm plena aplicação relativamente à situação ora em apreço.
8. Ao contrário do entendimento perfilhado pela Meritíssima Juiz «a quo», o acesso por parte do arguido à transcrição dos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento são essenciais à preparação da sua defesa.
9. É inconstitucional, por violação do art. 32°, nº 1 da CRP, o artigo 107°, nº
2 do CPP, quando interpretado no sentido de que a impossibilidade de acesso às transcrições das declarações orais prestadas em audiência (quando tenha sido requerida a sua respectiva gravação), por as mesmas ainda não estarem disponíveis, não constitui justo impedimento para a interposição do recurso da decisão final condenatória em processo penal.
[...].'
O representante do Ministério Público junto do Tribunal de Instrução Criminal e de Comarca de Évora apresentou a resposta de fls. 1637 e seguintes, nela tendo concluído do seguinte modo:
'1º - O recorrente sempre teve à sua disposição todo o processo, incluídos os suportes técnicos (gravação da audiência);
2º - O recorrente ignora ou faz errada interpretação do disposto no artº 412º nº
4 do CPP: é do recurso que apresentar e do respectivo âmbito – com eventual referência aos suportes técnicos que concretize – que se partirá para a transcrição, em auto, do teor das gravações;
3º - Não se verificam os pressupostos do justo impedimento, já que foi o próprio recorrente que, por opção sua e alicerçado num errado entendimento da lei e dos casos concretos, decidiu, unilateralmente, que não tinha condições para motivar o recurso.
4º - Se acaso a defesa do arguido não foi cabalmente assegurada – leia-se do ponto de vista subjectivo – não o foi por qualquer acção do tribunal, dado que, objectivamente, determinou, facultou e decidiu atempadamente sobre o entendimento dado à pretensa impossibilidade de recorrer sem o prévio acesso ao
«auto de transcrição das declarações prestadas em audiência de julgamento».'
O representante do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Évora emitiu o parecer de fls. 1648 e v.º, do seguinte teor:
'Acompanha-se a resposta do Ministério Público na 1ª instância ao ora junto recurso do arguido, A, por com os mesmos se concordar, dando-os aqui por reproduzidos com a devida vénia. Restará tão só acrescer que, como se refere no Acórdão de 17/04/01, deste Tribunal da Relação de Évora [...]:
«I – A transcrição da prova, produzida em audiência de julgamento, só tem lugar quando haja recurso e neste se impugne matéria de facto. II – O recurso é elaborado com base nas gravações e respectivos suportes técnicos, e não na sua transcrição, pois esta não tem por finalidade permitir ao recorrente o acesso à prova produzida, mas, sim, facultar ao tribunal de recurso o reexame dessa prova.
[...].'
A respondeu a este parecer, nos seguintes termos (fls. 1650 e seguinte):
'Reitera-se tudo quanto alegado e vertido no presente recurso. A requerida transcrição integral das declarações gravadas em fita magnética e prestadas em audiência de julgamento, tanto dos arguidos, como de todas as testemunhas, foi deferida e facultada ao arguido. Destarte, faz todo o sentido, com a devida vénia, reproduzir parcialmente o teor do Douto Acórdão do S.T.J. [...]:
«Diz o Exmo. Procurador Geral Adjunto na Relação de Évora: a referência aos suportes técnicos exige a indicação das metragens da fita gravada que contenha as declarações ou depoimentos que o recorrente 'decide invocar, com referência ao número e ao lado da cassete em que se inscrevam. Com o devido respeito, se tais indicações servem para fazer uma correcta localização dos elementos a transcrever, mas se já estão (localizados e) transcritos, qual o inconveniente de o recorrente deles se servir? Ao invés, é a economia de meios que aponta para o seu uso».'
4. Por acórdão de 9 de Julho de 2002, o Tribunal da Relação de Évora decidiu, com um voto de vencido, negar provimento ao recurso interposto por A
(fls. 1654 e seguintes). Pode ler-se no texto do acórdão, para o que aqui releva, o seguinte:
'[...] O recorrente solicitou ao Tribunal a transcrição das gravações das declarações produzidas em audiência alegando pretender interpor recurso extensivo à matéria de facto, e, invocando não possuir meios para o fazer por sua conta [...]. E a Mma Juiz «a quo» entendeu, seguindo os princípios e valores específicos do processo penal que apontam para a vantagem de ser o tribunal a proceder à transcrição, raciocínio seguido pela jurisprudência predominante, que competia ao Tribunal proceder à aludida transcrição. Entendeu a Mma. Juíza, também, que o recorrente tinha à sua disposição, desde o depósito do acórdão, as ditas gravações, podendo, assim, motivar o seu recurso. O arguido fora, até notificado dessa disponibilidade.
É determinante para a resolução do objecto do presente recurso atender ao teor do disposto no nº 4 do artigo 412° do Código de Processo Penal [...]. Embora, não sendo de dispensar a transcrição, o momento exacto da sua efectivação não está determinado, nem a quem compete. Contudo, o preceito é elucidativo ao referir que a motivação de recurso fará referência aos suportes técnicos – o registo magnetofónico da prova. Portanto, a transcrição dessas cassetes magnéticas ao dispor do recorrente, não impedem a elaboração do recurso, como pretende o recorrente. O recurso é que a exige, caso nele se impugne a matéria de facto, mas a transcrição será sempre posterior àquele e sem interferência nos prazos normais da sua interposição. Assim, entendemos [...] que a transcrição da prova, produzida em audiência de julgamento, por uma questão de racionalização de meios e de economia processual, subjacente a este ramo de direito, só tem lugar quando haja recurso e neste se impugne a matéria de facto. O requerimento de interposição de recurso é estruturado com base nas gravações e respectivos suportes técnicos, e não na sua transcrição, dado que esta não tem por finalidade possibilitar ao recorrente o acesso à prova produzida, mas permitir ao tribunal de recurso o reexame e análise da prova produzida. Portanto, o recorrente, desde, pelo menos, o dia 21/12/01 (vide a informação prestada nessa data de que as cassetes da gravação da audiência de julgamento, em duplicado, se encontravam na Secção, podendo ser facultado um exemplar ao advogado do arguido/recorrente A), tinha à sua disposição o registo magnético da prova, o que lhe permitia elaborar e estruturar o seu pretenso recurso. A situação analisada e decidida no Ac. do Trib. Constitucional nº 363/00, de
5/7, publicado no DR. II. Série de 13/11/00, referenciado pelo recorrente, é distinta da ora analisada, porquanto as declarações e depoimentos ocorridos, no decurso da audiência de discussão, eram documentados na acta de julgamento, não se encontrando esta, suporte essencial da decisão, acessível no início do decurso do prazo para interposição do recurso. Aí sim, o recorrente não tinha ao seu dispor o registo da prova produzida, o que afectava o seu direito de defesa e de recurso. A sua pretensão de solicitar para o efeito o aludido prazo de oito dias não tem qualquer fundamento, pois o prazo de interposição do recurso é de 15 dias e, tratando-se de acórdão, conta-se do respectivo depósito na secretaria (art. 411° nº 1, do C.P.P.). Esse prazo é sempre o mesmo, quer se trate de recurso que verse exclusivamente matéria de direito, quer se trate de recurso que impugne a matéria de facto, ou quer se trate de recurso que verse sobre ambas. A lei não estabelece qualquer distinção. Por isso, não tem justificação legal a pretensão do recorrente, inicialmente dirigida ao Exmo. Juiz «a quo», de se iniciar o prazo de interposição do recurso com a entrega da transcrição da prova. De qualquer forma, sempre se dirá, que não se trata de um caso de recurso sobre matéria especialmente complexa, caso em que, igualmente, a lei processual penal não prevê a possibilidade de prorrogação do dito prazo para a interposição de recurso, nem se vislumbra que tal possa acontecer com recurso à figura do justo impedimento, já que a matéria que constitui o objecto do processo está à partida definida desde o início do mesmo. O conceito de justo impedimento expresso no art. 146º, do C.P.C., oriundo da reforma de 1995/96, faz apelo, em derradeira análise, ao «meio termo» de que fala Vaz Serra (RLJ, 109º-267): deve exigir-se aos intervenientes processuais que procedam com a diligência normal, mas já não é de lhes exigir que entrem em linha de conta com factos e circunstâncias excepcionais.
[...] Face ao conceito legal supramencionado entende-se que não se trata de um caso de justo impedimento para prática do acto no prazo constante do art. 411º do Código de Processo Penal, a que alude o artigo 107°, n° 2, do mesmo diploma legal, já que o arguido dispunha dos autos, incluindo os suportes técnicos (gravação da audiência). Tal como refere o MºPº, «O recorrente ignora ou faz errada interpretação do disposto no artigo 412°, nº 4 do CPP: é do recurso que apresentar e do respectivo âmbito – com eventual referência aos suportes técnicos que concretize
– que se partirá para a transcrição, em auto, do teor das gravações». Não se verificam os pressupostos do justo impedimento, já que foi o próprio recorrente que, por opção sua e alicerçado num errado entendimento da lei e dos casos concretos, decidiu, unilateralmente, que não tinha condições para motivar o recurso. Se acaso a defesa do arguido não foi cabalmente assegurada, – leia-se do ponto de vista subjectivo – não o foi por qualquer acção do Tribunal, dado que, objectivamente, determinou, facultou e decidiu atempadamente sobre o entendimento dado à pretensa impossibilidade de recorrer sem o prévio acesso ao
«auto de transcrição das declarações prestadas em audiência de julgamento». Acresce que «o processo é uma concatenação de actos com vista à realização do direito material, assumindo-se pela instrumentalidade que aquele caracteriza. Os actos processuais, com vista à realização do direito material, assumindo-se pela instrumentalidade que aquele caracteriza. O acesso à justiça, ao direito e aos tribunais a todos é garantido, dispõe o art. 20° da C.R.P., o que, impõe a definição, na lei ordinária, dos actos processuais para a realização daquele princípio pragmático. O justo impedimento é consagrado na nossa lei, a título excepcional, por uma questão de justiça material, para dar realização a situações excepcionais, por ocorrências estranhas e imprevisíveis ao obrigado à prática do acto. Um sistema processual que não contivesse limites ao funcionamento do princípio do justo impedimento introduziria a mais completa anarquia na ordem processual e, isso sim, afrontando a realização da justiça e do acesso aos tribunais, violaria o princípio constitucional apontado. O direito de defesa do arguido não é elasticamente fixado na lei. Deve obedecer a parâmetros e a prazos preestabelecidos, até por uma questão de certeza e segurança do direito. Ponto é que esse direito exista. O exercício de um direito de defesa a todo o momento lesaria o andamento normal do processo, conduziria à desordem e ao caos processual, tornando o arguido vítima, ele próprio, desse desmando» [...]. Portanto, não se verificam, no recurso em análise, os requisitos do justo impedimento, porquanto, o recorrente, por opção própria, reiterada ao longo do processado, fez errada interpretação legal, mantendo-a depois de a ver questionada e indeferida a pretensão de impedimento da motivação de recurso apenas com base no registo magnético da prova. Por ultimo se dirá que nem o entendimento que desenvolvemos, nem a actuação do tribunal «a quo», violam qualquer princípio constitucional ou prejudicam os direitos de defesa, designadamente o direito de recurso, pois a falta de transcrição integral da prova, em momento anterior à interposição de recurso, não prejudica o direito de recorrer impugnando a matéria de facto sempre, como aconteceu no presente (foi deferida a entrega das cassetes de suporte magnetofónico da prova), que ao recorrente seja facultado o acesso aos suportes técnicos.
[...].'
5. A interpôs recurso do referido acórdão do Tribunal da Relação de
Évora para o Supremo Tribunal de Justiça (fls. 1677 e seguintes), não tendo tal recurso sido admitido (fls. 1687). Interpôs, depois, o arguido A recurso para o Tribunal Constitucional do mencionado acórdão da Relação de Évora (fls. 1688 e seguinte e 1692), ao abrigo das alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, pretendendo que se aprecie 'a norma do art. 107º, n.º 2 do CPP, quando interpretada no sentido de que a impossibilidade de acesso às transcrições das declarações orais prestadas em audiência (quando tenha sido requerida a sua respectiva gravação), por as mesmas ainda não estarem disponíveis, não constitui justo impedimento para a interposição do recurso da decisão final condenatória em processo penal' e salientando, ainda, que '[a] dita norma foi já julgada inconstitucional por acórdão n.º 363/00, de 5 de Julho de 2000 – publicado no DR II Série, de 13.11.00'. O recurso foi admitido por despacho de fls. 1693.
6. Nas alegações que produziu junto do Tribunal Constitucional (fls.
1696 e seguintes), concluiu o recorrente do seguinte modo:
'1. Constitui justo impedimento, para a apresentação de recurso, o facto de não lhe terem sido, em tempo, facultadas ao arguido, as transcrições das cassetes contendo as declarações prestadas em audiência de julgamento, sendo certo, que o mesmo dispunha do registo magnético contendo toda a prova produzida, nomeadamente, as declarações e depoimentos prestados.
2. O arguido foi prejudicado no seu direito de defesa, por violação do art. 32, nº 1 da CRP, ao interpretar-se o art. l07, nº 2 do CPP, no sentido de que a impossibilidade de acesso às transcrições das declarações orais prestadas em audiência (quando tenha sido requerida a sua respectiva gravação) por as mesmas ainda não estarem disponíveis, não constitui justo impedimento para a interposição do recurso da decisão final condenatória em processo penal.
3. A questão, ora suscitada, já foi objecto de apreciação, pelo Tribunal Constitucional, no âmbito do Acórdão n° 363/00, de 5 de Julho de 2000 [...].
4. Ao não terem sido facultadas ao arguido, as transcrições da prova oral, em tempo útil, foi-lhe cerceada a possibilidade de apresentar recurso.
[...]
6. O justo impedimento foi oportunamente arguido, pelo aqui recorrente.
7. Conforme doutamente realçado pela Veneranda Desembargadora Maria Fernanda Pereira Palma, no seu voto de vencida, expresso na douta decisão do TRE, «o recorrente sempre terá que aludir às transcrições das declarações prestadas em audiência para fundar as discordâncias em relação à matéria dada como apurada e não apurada, atento o disposto no nº 4 do art. 412º do CPP».
8. Aliás, o recorrente ao fazer uso das transcrições prestadas em audiência, nomeadamente, citando-as, em sede de motivação e conclusão do seu recurso, em muito o auxilia a clarificar os pontos donde discorda da matéria dada como assente ou não pelo Tribunal recorrido, ao mesmo tempo que auxilia claramente o Tribunal de recurso, a analisar de forma explícita e clara as questões suscitadas.
9. Acresce que, atento o sobredito, se corre o risco em existirem duas transcrições, a efectuada pelo recorrente e a realizada pelo Tribunal recorrido, o que, com o devido e máximo respeito, constituiria um total absurdo e para além do mais, «tal só iria confundir, eventualmente o Tribunal Superior, obrigando-o a um esforço de comparação perfeitamente desnecessário, pois que, desde logo, não existiria qualquer motivo para serem postas em causa as transcrições efectuadas pelo Tribunal. Acresce, que o Tribunal Superior, em caso de dúvida, sempre tem à sua disposição as próprias cassetes contendo as gravações», como realçado no aludido douto voto de vencido. Acresce que:
10. A transcrição da prova oral, não está – naturalmente – incluída no mandado judicial, não incumbindo assim, a realização de tal tarefa, ao respectivo advogado.
11. Nem ao próprio arguido (imagine-se, a título de exemplo, que estaria em regime de prisão preventiva, como era o caso em apreço).
12. Por conseguinte, o arguido terá – inevitavelmente – de entregar tal tarefa, a uma terceira pessoa, com todas as despesas daí decorrentes.
13. O recorrente é beneficiário, nos presentes autos, de apoio judiciário, por razões de manifesta insuficiência económica, agravada pela decretação da sua prisão preventiva.
14. Deste modo, se vingar o entendimento perfilhado no douto acórdão do TRE, estar-se-ia a violar – ainda – o consignado nos artigos 13 e 20, nº 1 da CRP.
15. Face ao sobredito, é evidente que o entendimento perfi1hado no douto acórdão do TRE não poderá vingar, atentas as consequências daí advenientes, inadmissíveis num verdadeiro Estado de Direito.
16. Salvo melhor opinião, foi violado o correcto entendimento dos preceitos e diplomas supra aludidos.' O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional apresentou as contra-alegações de fls. 1710 e seguinte, nelas tendo sustentando que a questão suscitada já foi apreciada no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 363/00, de 5 de Julho, e que ao recurso se deveria conceder provimento.
II
7. O presente recurso foi interposto ao abrigo das alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, preceitos que prevêem, respectivamente, o recurso de decisão que aplique norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo e o recurso de decisão que aplique norma já anteriormente julgada inconstitucional pelo próprio Tribunal Constitucional. Os pressupostos processuais do recurso previsto na mencionada alínea g) não estão, porém, preenchidos. Na verdade, no acórdão n.º 363/00, de 5 de Julho (publicado no Diário da República, II Série, n.º 262, de 13 de Novembro de 2000, p. 18404) – o acórdão em que, segundo o recorrente e o Ministério Público (supra, 6.), o Tribunal Constitucional teria apreciado a questão ora suscitada –, julgou-se
'inconstitucional, por violação do artigo 32º, n.º 1 da Constituição, os artigos
107º, n.º 2 do Código de Processo Penal e 146º, n.º 1, do Código de Processo Civil (quando aplicado subsidiariamente em processo penal) quando interpretados no sentido de que a impossibilidade de consulta das actas do julgamento (quando tenha sido requerida a documentação em acta das declarações orais prestadas em audiência, nos termos do art. 364º, n.º 1 do Código de Processo Penal), por as mesmas não estarem ainda disponíveis, não constitui justo impedimento para a interposição do recurso da decisão final condenatória em processo penal'. E, no presente recurso, o recorrente questiona a conformidade constitucional da interpretação do artigo 107º, n.º 2, do Código de Processo Penal, segundo a qual a impossibilidade de acesso às transcrições das declarações orais prestadas em audiência (quando tenha sido requerida a respectiva gravação), por as mesmas ainda não estarem disponíveis, não constitui justo impedimento para a interposição do recurso da decisão final condenatória em processo penal (supra,
5. e 6.). O objecto do recurso que deu origem ao acórdão do Tribunal Constitucional n.º
363/00, de 5 de Julho era, pois, diverso do objecto do presente recurso, na medida em que, pese embora a identidade do preceito legal invocado, era diversa a interpretação normativa do artigo 107º, n.º 2, do Código de Processo Penal que se questionava (como adiante melhor se explicitará: infra, 8. e 9.). Tanto basta concluir que não existe, no caso, fundamento para a interposição do recurso previsto na alínea g) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. Esta conclusão não significa que a orientação perfilhada no referido acórdão do Tribunal Constitucional n.º 363/00, de 5 de Julho, não possa vir a ser adoptada no presente processo, se as suas razões justificativas aqui também operarem (o que, como aliás se verá, nem sequer é o caso). Mas esta circunstância não determina o preenchimento dos pressupostos processuais do recurso previsto na alínea g) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, que manifestamente exige que a dimensão normativa a apreciar já tenha sido julgada inconstitucional (não podendo, portanto, a dimensão normativa já julgada ser meramente semelhante àquela que se analisa). Subsiste, porém, o recurso revisto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. E os pressupostos deste encontram-se preenchidos, já que na decisão recorrida foi aplicada norma (ou interpretação normativa) cuja inconstitucionalidade o recorrente suscitou durante o processo (cfr. supra, 3.). Portanto, cumpre dele conhecer.
8. Sustenta o recorrente que é inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 32º, n.º 1, 13º e 20º, n.º 1, todos da Constituição, a interpretação do artigo 107º, n.º 2, do Código de Processo Penal, segundo a qual a impossibilidade de acesso às transcrições das declarações orais prestadas em audiência (quando tenha sido requerida a respectiva gravação), por as mesmas ainda não estarem disponíveis, não constitui justo impedimento para a interposição do recurso da decisão final condenatória em processo penal. Basicamente, invoca os seguintes argumentos (supra, 6.): a. Não sendo facultada ao arguido a transcrição da prova gravada em tempo
útil, é-lhe cerceada a possibilidade de interpor recurso; b. Atento o disposto no n.º 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal, o recorrente terá de aludir à transcrição das declarações prestadas em audiência para fundar a sua discordância em relação à matéria dada como provada e como não provada; c. O uso, pelo recorrente, da transcrição da prova gravada, auxilia-o a clarificar os pontos da matéria de facto provada e não provada de que discorda, auxiliando também o tribunal de recurso na análise das questões suscitadas; d. Não sendo facultada ao arguido a transcrição efectuada pelo tribunal, corre-se o risco de existirem duas transcrições – a efectuada pelo tribunal e a efectuada pelo arguido recorrente –, o que eventualmente confundiria o tribunal de recurso, obrigando-o a compará-las; e. A tarefa de transcrição da prova gravada não compete ao mandatário judicial, nem tão-pouco ao arguido, pelo que terá de ser cometida a um terceiro, com todas as despesas daí decorrentes, sendo que o recorrente é beneficiário de apoio judiciário. O objecto do presente recurso carece de uma delimitação adicional, justificada pela circunstância de o tribunal ora recorrido (a Relação de Évora) ter perfilhado a interpretação normativa já identificada, no pressuposto de que o suporte material (isto é, a cassete) da prova gravada prestada em audiência havia estado à disposição do recorrente desde o depósito do acórdão condenatório do qual pretendia recorrer (o do Tribunal Colectivo do Círculo Judicial de
Évora) e, portanto, durante o prazo para a interposição do correspondente recurso (supra, 4.). Não é a impossibilidade de acesso à transcrição, sem mais, que está em causa; é essa impossibilidade acompanhada da possibilidade de acesso ao suporte material. O objecto do presente recurso resume-se, assim, à questão de saber se é constitucionalmente conforme a interpretação do artigo 107º, n.º 2, do Código de Processo Penal segundo a qual, havendo possibilidade de acesso ao suporte material da prova gravada, a impossibilidade de acesso às transcrições das declarações orais prestadas em audiência (quando tenha sido requerida a respectiva gravação), por as mesmas ainda não estarem disponíveis, não constitui justo impedimento para a interposição do recurso da decisão final condenatória em processo penal.
9. Assim delimitado o objecto do presente recurso, torna-se patente a profunda diferença existente entre a questão de que agora cumpre apreciar e a questão apreciada no já mencionado acórdão do Tribunal Constitucional n.º
363/00, de 5 de Julho (como, aliás, se assinala no acórdão ora recorrido: supra,
4.), em que estava em causa a impossibilidade de acesso às actas em que se encontravam documentadas as declarações prestadas oralmente em audiência, sendo tal acesso essencial à preparação da defesa do arguido, na medida em que mais nenhum registo existia das declarações prestadas (excepto, naturalmente, aquele que resultasse da memória dos intervenientes na audiência ou das notas nela tomadas). Nesse acórdão, o Tribunal Constitucional disse o seguinte:
'[...]
[...] a resposta a dar à questão de saber se a interpretação normativa dos artigos 107º, n.º 2 do CPP e 146º, n.º 1 do CPC por que optou a decisão recorrida é ou não inconstitucional, por violação do artigo 32º, n.º 1 da Constituição, depende da resposta a dar a duas outras questões: a primeira é a de saber se o acesso às actas em que se encontram documentadas as declarações prestadas oralmente em audiência constitui ou não um elemento essencial à preparação da defesa do arguido, designadamente à elaboração do recurso em matéria de facto; a segunda consiste em saber se contra a atribuição desse direito processual (o direito a consultar as actas da audiência para efeitos de preparação do recurso, designadamente quando tenha sido requerida a documentação da prova) não existirá uma justificação racional suficiente em função de outros interesses constitucionalmente garantidos.
7.3.1. Quanto à primeira questão, pensamos que a resposta a dar é positiva; isto
é, o acesso às actas em que se encontram documentadas as declarações prestadas oralmente em audiência constitui um elemento importante para a preparação da defesa do arguido, concretamente para a elaboração da alegação do recurso. A documentação da prova produzida em audiência visa, fundamentalmente, permitir o recurso em matéria de facto. Na realidade, não estando o juiz ad quem presente na audiência realizada em primeira instância, só poderá vir a julgar da bondade do decidido em matéria de facto se puder ter acesso à prova aí produzida, o que só é evidentemente possível através do seu registo. Pois bem, constituindo a acta da audiência (em que se encontra registada toda a prova aí produzida) o suporte fundamental da decisão que o tribunal de recurso virá a tomar em matéria de facto parece-nos evidente que, só por isso, ela constitui igualmente um elemento essencial para que o arguido (ou o seu defensor) possam preparar a defesa. O acesso à acta da audiência nestas hipóteses, num momento prévio à elaboração da alegação de recurso, não só pode constituir um elemento essencial para que o arguido decida o sentido em que deve orientar a sua defesa como, fundamentalmente, permitirá sempre uma muito mais rigorosa e completa preparação da alegação de recurso. Com o acesso à acta a alegação de recurso pode certamente ganhar em rigor e consistência e, nessa medida, em qualidade. Não vale, por isso, o argumento de que se socorre a decisão recorrida no sentido de que o acesso por parte do arguido à acta da audiência não é essencial à preparação da sua defesa, uma vez que não há aí nada que lhe seja desconhecido, já que participou na audiência. Parece-nos, de facto, evidente, que as condições de elaboração da alegação do recurso em matéria de facto são substancialmente diferentes se o arguido (ou o seu defensor) o puder fazer tendo acesso à acta em que se encontram registadas as declarações orais feitas em audiência, do que se tiver de a elaborar em função de 'notas' que tenha tirado acerca do que foi dito nessa mesma audiência ou em função do que a sua 'boa memória' lhe permita ter registado. Em suma: julgamos, pois, ser essencial à preparação da alegação de recurso que o arguido e o seu representante possam dispor dos mesmos elementos – entre os quais assumirá particular importância, na hipótese de haver recurso em matéria de facto, a acta da audiência – de que o tribunal ad quem depois disporá para decidir.
[...].'
No caso agora em apreço, o acesso à transcrição não pode ser encarado como essencial à preparação da defesa, no sentido definido pelo Tribunal Constitucional no mencionado acórdão n.º 363/00, pois que a impugnação do julgamento da matéria de facto pode perfeitamente basear-se no próprio suporte material da prova gravada (que é, afinal, o registo originário da prova), à disposição do arguido desde o início do prazo para a interposição do competente recurso. Não tem, assim, razão o recorrente quando alega (supra, 8., a)) que, não lhe sendo facultada a transcrição da prova gravada em tempo útil, lhe é cerceada a possibilidade de interpor recurso, resultando violada a norma do artigo 32º, n.º
1, da Constituição.
10. O segundo argumento do recorrente – o de que, atento o disposto no n.º
4 do artigo 412º do Código de Processo Penal, teria de aludir à transcrição das declarações prestadas em audiência para fundar a sua discordância em relação à matéria dada como provada e como não provada (supra, 8., b)) – nada releva para a apreciação da questão sub judice. Na verdade, não compete ao Tribunal Constitucional proceder à interpretação autêntica do direito ordinário – no caso, determinar se o mencionado preceito do Código de Processo Penal obriga a que se aluda a tal transcrição ou, diversamente, obriga a que se aluda ao suporte técnico ou material (como entendeu o tribunal recorrido: supra, 4.) –, mas apreciar a conformidade constitucional da interpretação perfilhada pelo tribunal recorrido. O que significa que o erro de interpretação em que eventualmente tenha incorrido o tribunal recorrido nunca é, em si, argumento a ponderar pelo Tribunal Constitucional na decisão da questão de constitucionalidade que lhe é submetida.
11. O terceiro argumento do recorrente – o de que o uso da transcrição da prova gravada o auxiliaria a clarificar os pontos da matéria de facto provada e não provada de que discorda, auxiliando também o tribunal de recurso na análise das questões suscitadas (supra, 8., c)) – pressupõe a consagração constitucional de um direito que se poderia designar 'direito a obter do tribunal a transcrição da prova gravada', decorrente do direito ao recurso a que se refere o artigo
32º, n.º 1, da Constituição. Ora, não pode aceitar-se este entendimento. Como já considerou o Tribunal Constitucional, no seu acórdão n.º 677/99, de 21 de Dezembro (publicado no Diário da República, II Série, n.º 49, de 28 de Fevereiro de 2000, p. 4028):
'[...] Impor-se ao recorrente o ónus de transcrever as pertinentes passagens da gravação da prova em que se baseia para extrair a conclusão da existência de erro no julgamento da matéria, de facto, não priva, pois, o arguido do direito de recorrer, nem tão-pouco torna o exercício deste direito particularmente oneroso. E, assim, não afecta o direito ao recurso, que, constituindo, embora, no processo penal, uma importante garantia de defesa, não é, todavia, um direito irrestrito tal que o legislador não possa condicionar mediante a imposição de certos ónus ao recorrente.
[...].'
Não sendo inconstitucional a imposição, ao recorrente, do ónus de transcrição da prova gravada, por identidade de razões não há-de considerar-se como faculdade
ínsita no direito ao recurso a de o recorrente aceder à transcrição a que, eventualmente, tenha procedido o tribunal recorrido, a fim de clarificar os pontos da matéria de facto provada ou não provada de que discorda. O direito ao recurso consagrado no artigo 32º, n.º 1, da Constituição não postula que ao arguido seja facultado, para fins de esclarecimento, um segundo registo da prova
(a transcrição), a par do registo de que já dispõe, por força do acesso que lhe
é facultado ao suporte técnico da gravação.
12. O quarto argumento do recorrente – o de que, não sendo facultada ao arguido a transcrição efectuada pelo tribunal, se corre o risco de existirem duas transcrições (a efectuada pelo tribunal e a efectuada pelo arguido recorrente), o que eventualmente confundiria o tribunal de recurso, obrigando-o a compará-las (supra, 8., d)) – eventualmente só relevaria se o recorrente demonstrasse que tal 'confusão' em que porventura incorresse o tribunal de recurso seria, na interpretação ora em crise, sempre resolvida no sentido da absoluta prevalência da transcrição efectuada pelo tribunal. Na verdade, poderia questionar-se a constitucionalidade de uma interpretação que assentasse na ideia de prevalência da transcrição efectuada pelo tribunal perante a transcrição realizada pelo próprio recorrente e perante o próprio suporte técnico que lhe serviu de base, e na ideia de que a decisão do recurso apenas deve atender ao teor da transcrição efectuada pelo tribunal, não admitindo que a sua fidedignidade face ao próprio suporte técnico pudesse ser posta em causa. Nessas circunstâncias, o recorrente que tivesse preparado a sua defesa com base no suporte material da prova gravada (isto é, ouvindo a cassete) e a quem não tivesse sido facultada a transcrição realizada pelo tribunal poderia depois ver-se confrontado com uma decisão de recurso fundamentada, não no suporte material da prova gravada, mas na transcrição do tribunal, que com aquele não era conforme. Diga-se, porém, que da decisão ora recorrida não resulta minimamente tal ideia de prevalência da transcrição efectuada pelo tribunal, legitimadora da suspeita de que o recorrente poderia vir a ser penalizado pela utilização, pelo tribunal de recurso, de uma falsa transcrição. Como tal, não se vê em que medida as dificuldades práticas eventualmente decorrentes da adopção da interpretação sub judice e a concomitante alegada
'confusão' do tribunal de recurso perante duas transcrições não coincidentes cerceiam o direito ao recurso.
13. O último argumento do recorrente – o de que a tarefa de transcrição da prova gravada não compete ao mandatário judicial, nem tão-pouco ao arguido, pelo que terá de ser cometida a um terceiro, com todas as despesas daí decorrentes, sendo que o recorrente é beneficiário de apoio judiciário (supra, 8., e)) – improcede completamente na demonstração de que a interpretação normativa ora questionada restringe o acesso aos tribunais por motivos económicos e discrimina negativamente os arguidos de menores recursos. Com efeito, o tribunal recorrido não condicionou a admissibilidade do recurso da matéria de facto à apresentação de uma transcrição, a expensas do recorrente. Pelo contrário, considerou que a motivação do recurso apenas deveria fazer referência aos suportes técnicos (supra, 4.), gratuitamente facultados ao recorrente. Assim sendo, não se compreende em que medida a interpretação normativa ora em crise impôs ao recorrente um ónus que para si era incomportável sob o ponto de vista económico e, portanto, violador do disposto nos artigos 13º e 20º, n.º 1, da Constituição. III
14. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide: a) Não julgar inconstitucional a interpretação do artigo 107º, n.º 2, do Código de Processo Penal segundo a qual, havendo possibilidade de acesso ao suporte material da prova gravada, a impossibilidade de acesso às transcrições das declarações orais prestadas em audiência (quando tenha sido requerida a respectiva gravação), por as mesmas ainda não estarem disponíveis, não constitui justo impedimento para a interposição do recurso da decisão final condenatória em processo penal; b) Consequentemente, negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida no que se refere à questão de constitucionalidade.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
Lisboa, 22 de Outubro de 2002- Maria Helena Brito Luís Nunes de Almeida Artur Maurício José Manuel Cardoso da Costa