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Processo nº 736/02
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. - Nos presentes autos de recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são recorrente A e recorridos o Ministério Público e B, C e D, constituídos assistentes, foi proferida, em 4 de Dezembro de 2002, decisão sumária, nos termos do nº 1 do artigo 78º-A daquele diploma legal, não tomando conhecimento do objecto do recurso.
2. - Escreveu-se, então:
'1. - A, identificado nos autos, foi condenado por acórdão do Tribunal Colectivo da comarca de Cabeceiras de Basto, de 23 de Maio de 2000, além do mais, pela prática de um crime de homicídio com excesso de legítima defesa, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 131º, 33º, nº 1, e 73º, nº 1, alínea a) e b), do Código Penal, na pena de sete anos de prisão e pela prática de um crime de detenção ilegal de arma, previsto e punido pelo artigo 6º da Lei nº 22/97, de 27 de Junho, na pena de sete meses de prisão. Operando o cúmulo jurídico, foi o mesmo condenado na pena única de sete anos e três meses de prisão. Interposto recurso pelo arguido, o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de
2 de Junho de 2001, revogou o acórdão recorrido 'no plano em que decretou a condenação do arguido por autoria de um crime de homicídio com excesso de legítima defesa' e, com fundamento no nº 2 do artigo 33º do Código Penal, decretou a sua absolvição pela prática desse crime. Inconformados, os assistentes constituídos nos autos – B, C e D – recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão de 11 de Abril de 2002, concedeu parcial provimento ao recurso e, em sede penal, condenou o arguido, pela prática de um crime de homicídio com excesso de legítima defesa (artigos
131º, 33º, nº 1, e 73º, nº 1, alíneas a) e b), do Código Penal), na pena parcelar de 2 anos e 10 meses de prisão e, em cúmulo jurídico desta pena com a outra pena parcelar de (7 meses de prisão) que lhe havia sido aplicada pela comissão de um crime de detenção ilegal de arma (artigo 6º da Lei nº 22/97 de
27.6) e que se mantém, na pena única de 3 (três) anos de prisão que, contudo, se suspende, na sua execução, pelo período de 3 (três) anos, com a condição de o mesmo arguido, no prazo de 6 (seis) meses a contra da data do trânsito em julgado do presente acórdão, pagar, aos demandantes, as quantias indemnizatórias agora fixadas, comprovando, no processo, a efectivação desse pagamento. Reagindo, o arguido arguiu a nulidade do aresto, o que foi desatendido por acórdão de 10 de Outubro último.
2. - Não se conformando, interpôs o arguido recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de
15 de Novembro, para apreciação da constitucionalidade das normas dos artigos
131º, 33º, nº 1 e 73º, nº 1, alíneas a) e b), do Código Penal, 'tal como foram interpretadas e aplicadas pelo Douto Acórdão referido' [é o acórdão de 10 de Outubro], 'no entendimento de que foi possível proceder à condenação do arguido apesar de, em matéria de facto, se ter dado como não provado que ele tenha agido livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei. Dito de outro modo: na medida em que o Arguido foi vítima de uma condenação em termos de responsabilidade objectiva'. Entende o recorrente que foi violado 'o disposto nos artigos 1º e 27º, nº 1, da Constituição Política, na medida em que o Arguido foi condenado sem se ter demonstrado que tenha agido com culpa, já que se demonstrou que actuou sem culpa, pelo que, de igual modo, foram violados os artigos 13º, 14º, 15º [e] 31º do Código Penal, que consagrou o princípio nulla poena sine culpa'. A questão de inconstitucionalidade foi invocada, segundo o recorrente, 'na reclamação imediatamente anterior, na qual invocou a nulidade do anterior Acórdão do S.T.J. de 11-Abril-2002'. O recurso foi admitido pelo Conselheiro relator (despacho de fls. 784) o que, no entanto, não vincula o Tribunal Constitucional – nº 3 do artigo 76º da Lei nº
28/82.
3. - Entende-se ser de proferir decisão sumária, nos termos do nº 1 do artigo
78º-A deste diploma legal, por não poder conhecer-se do objecto do recurso.
4. - Com efeito, e desde logo, o recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade em causa destina-se a que este Tribunal aprecie a conformidade constitucional de normas, ou interpretações normativas, efectivamente aplicadas na decisão recorrida (e que integrem a sua ratio decidendi), e não se destina a reagir à decisão proferida, como tal, de modo a obter a sua reapreciação. Na verdade, e como reiterada e invariavelmente, constitui jurisprudência deste Tribunal, de harmonia com o texto da Constituição da República – artigo 280º, nº
1, alínea b) – e com a sua Lei Orgânica – norma já citada – os recursos de constitucionalidade, sendo embora interpostos da decisão de outros tribunais, não visam impugnar a inconstitucionalidade de tais decisões, mas antes o juízo que nelas se contenha sobre a inconstitucionalidade ou a não inconstitucionalidade de normas com interesse para o julgamento da causa (os acórdãos nºs. 128/84 e 274/88, publicados no Diário da República, II Série, de
12 de Março de 1985 e 18 de Fevereiro de 1989, que se indicam a título meramente exemplificativo, mantêm a sua orientação jurisprudencial intocada). Ora, obviamente, o recorrente coloca-se no plano da inconformidade ao nível do decidido e da valoração dos elementos definidores de um determinado tipo legal (de crime), o que, podendo, eventualmente, configurar amparo, não existente no nosso ordenamento jurídico, certamente excede os poderes de cognição do Tribunal Constitucional.
5. - Acresce que, contrariamente ao que afirma, o recorrente não suscitou durante o processo, nomeadamente no próprio requerimento de arguição de nulidades (a atender-se ter sido atempada a suscitação, problema que à economia de decisão não interessa sequer discutir), qualquer questão de constitucionalidade normativa – não o fez de modo directo, explícito e perceptível, como era seu ónus, através da indicação de normas legais, pois cingiu-se a convocar os artigos 1º e 27º, nº 1, da Constituição da República
(supondo que é a este texto que se refere) para, como se disse, manifestar o seu desacordo quanto à valoração da matéria de facto pela decisão recorrida (e ainda aqui seria questionável saber qual é a decisão de que pretende recorrer).
6. - Não estando reunidos os pressupostos de admissibilidade do recurso, nos termos do nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, decide-se sumariamente dele não tomar conhecimento. Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 6 unidades de conta.'
3. - Notificado, reclamou o recorrente, oportunamente, para a conferência, de acordo com o disposto no nº 3 do artigo 78º-A citado.
Pretende a revogação do decidido, de modo a poder tomar-se conhecimento do objecto do recurso, argumentando, em síntese, não ser exacto que tenha manifestado a sua inconformidade ao nível do decidido, dado que invocou um acórdão que 'fizera um juízo sobre determinadas normas de um modo inconstitucional' e, por outro lado, a suscitação da questão de constitucionalidade só ocorreu em fase de reclamação de nulidade desse acórdão porque foi então que, pela primeira vez, tal tipo de interpretação jurídica se levantou.
O magistrado do Ministério Público, ouvido, considera a reclamação como manifestamente improcedente.
Na verdade, observa, o reclamante não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, idónea para suportar o recurso de fiscalização concreta interposto, 'o que implica manifesta inverificação dos pressupostos de admissibilidade de tal recurso'.
Os demais recorridos, por sua vez, sustentam a improcedência da reclamação, por idêntico naipe de razões.
Cumpre decidir.
4. - A reclamação não procede.
Na verdade, resulta do texto da decisão sumária – relativamente ao qual o reclamante nada de relevante acrescenta – não se recortar uma ou qualquer questão de constitucionalidade normativamente referenciada, estando em causa, unicamente, o juízo de subsunção à norma do concreto caso, na sua singularidade perspectivada. O que, naturalmente, não é modelável como recurso de constitucionalidade, que visa fiscalizar a conformidade constitucional das normas jurídicas, no seu todo ou segmentadamente, ou, ainda, em determinada interpretação.
Reitera-se, por conseguinte, o que, a este respeito, se escreveu na decisão sumária.
De qualquer modo, e como decorre claramente do ponto 5 dessa decisão, ainda se dirá não estar em causa, sequer, uma questão de suscitação atempada, como agora o reclamante insiste: o que se ponderou então não respeitou à oportunidade da suscitação mas, de modo essencial, à virtualidade da mesma para abrir a via do recurso.
Mantém-se, deste modo, o julgamento constante da decisão sumária, pelos motivos dela constantes.
5. - Em face do exposto, indefere-se a reclamação deduzida.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 15 unidades de conta. Lisboa, 15 de Janeiro de 2003 Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida