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Processo nº 464/01
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Em 18 de Junho de 1999, A, devidamente identificada nos autos, veio requerer, no Tribunal Judicial da Comarca da Maia, autorização para reduzir o seu capital social. Considerando tratar-se de uma acção da competência dos tribunais de comércio, nos termos do disposto na al. c) do nº 1 do artigo 89º da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), entrada em vigor em 1 de Junho do mesmo ano, o tribunal, em 17 de Dezembro seguinte, julgou-se incompetente, condenando a autora em custas. A 4 de Fevereiro de 2000, a autora veio 'requerer a reforma do decidido quanto a custas'. Considerando que a aplicação 'sem mais [d]a tabela anexa ao CCJ, (mesmo que reduzidas a metade)', levaria a um valor desproporcionado das custas a pagar, sustentou que deveria ser aplicado ao caso o disposto na al. a) do nº 1 e no nº 2 do artigo 15º do Código das Custas Judiciais. O pedido de reforma foi, porém, indeferido pelo despacho de fls. 41, que confirmou a condenação em custas por entender que não podia ser aplicada, no caso, a redução prevista no nº 2 do artigo 15º do Código das Custas Judiciais, antes tendo cabimento a redução para metade prevista no nº 2 do artigo 17º do mesmo Código, 'em virtude da fase em que o processo termina'. Inconformada, A recorreu da decisão relativa às custas para o Tribunal da Relação do Porto, sustentando, em síntese, que deveria ter sido aplicado o disposto na al. a) do nº 1 e no nº 2 do artigo 15º do Código das Custas Judiciais, por estar em causa um processamento que, em concreto, foi simplificado; consequentemente, o juiz deveria ter utilizado o seu 'poder moderador' e reduzido o valor das custas que resultariam da aplicação das regras definidas para este tipo de acções, desproporcionado ao serviço prestado pelo tribunal. Seria, a seu ver, inconstitucional, por violação do 'princípio constitucional da proporcionalidade das taxas o entendimento expresso pelo Tribunal ‘a quo’ de que existem casos em que a lei veda a intervenção do Tribunal no sentido de moderar o valor das custas exigíveis em função da concreta simplicidade do processo. É, em resumo, inconstitucional, a interpretação feita do art. 15 nº 2 do CCJ pelo Tribunal ‘a quo’'. O Tribunal da Relação do Porto, pelo acórdão de fls. 119, concedeu provimento parcial ao agravo, decidindo alterar a condenação em custas para 'Custas pela autora, com a taxa de justiça reduzida a ¼, nos termos do art. 17º, nº 1, a) do CCJ', solução que havia sido sustentada pelo Ministério Público nas contra-alegações de recurso, porque a autora não deveria ser prejudicada por não ter sido verificada a incompetência do tribunal 'aquando do primeiro contacto do julgador com o processo, conforme o impõe o art. 1487º, nº 2 do Código de Processo Civil'. Para o efeito, o Tribunal da Relação do Porto decidiu o seguinte:
'Redução da taxa de justiça no processo principal. Pretende a agravante que a taxa de justiça do despacho que declarou o tribunal incompetente em razão da matéria, tenha a taxa de justiça reduzida a uma UC, por aplicação do art. 15º n.º 1, b) e n.º 2 do Código das Custas Judiciais. Por sua vez o Tribunal entende que a autora tem direito à redução a 1/2 da taxa de justiça, por força do art. 17º n.º 2, a) daquele diploma. O Mº Pº defende que a autora tem direito à redução a 1/4 da taxa de justiça, por aplicação do art. 17º n.º 1, a) do CCJ, posição que a autora também acaba por assumir, em alternativa ao processo principal. Por nós, entendemos mais correcta e defensável a posição assumida pelo Mº Pº. Vejamos. O DL n.º 224-A/96, de 26 de Novembro de 1996 aprova um novo Código de Custas Judiciais, em que se cria a figura de ‘Taxa de Justiça’, optando-se por um sistema de proporcionalidade em relação ao valor da causa, com a taxa fixa (art.
13º). Admite-se, porém, reduções face ao género de processo ou à fase em que o mesmo termina (arts. 14º a 17º - para a 1ª instância). Quer a alínea b) do art. 14º, quer a alínea a) do n.º 1 do art. 15º estabelecem reduções em ‘acções de processo simplificado em que a divergência respeite à solução jurídica da causa (ou à matéria de facto)’. Ora esta alínea constitui a transposição para o actual diploma do art. 7º do DL n.º 211/91 de 14 de Junho, que o art. 2º do DL n.º 224-A/96 revoga. Tratava-se do diploma que criava um processo simplificado, em que ambas as partes apresentavam petição conjunta, solicitando que o Tribunal sanasse só aquilo em que divergiam, fossem factos, fosse direito. E para além desta redução, o art. 15º n.º 1, contempla mais 21 hipóteses a que o legislador entendeu dar o direito à redução. O processo especial de autorização judicial de redução de capital social não é contemplado em nenhuma das ditas alíneas. Não cabe no n.º 1 do artº 15º. E assim, também não pode ser englobado no n.º 2, que refere: ‘Nos casos previstos no número anterior, a taxa de justiça é reduzida a um oitavo quando não houver ou não for admissível oposição, podendo o Juiz justificadamente, reduzi-la até metade de 1 UC’. Complicado ou simples, para o processo em causa, não entendeu o legislador estabelecer qualquer redução da taxa de justiça pela qualidade do processo. Mas já terá direito à redução pela fase em que o mesmo terminar ou se encontrar, sendo-lhe aplicável o art. 17º do CCJ. A divergência será entre o n.º 1, a) (1/4) e n.º 2, b) (1/2). O que ocorreu é que a autora se equivoca e remete os autos para o Tribunal da Maia, quando se deveria dirigir ao Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia. Neste processo especial é imposta a verificação da regularidade da petição (art.
1487º n.º2 do CPC) e só depois serão ordenadas as publicações. Acontece que o Tribunal não detectou o equívoco, só dele se apercebendo em fase posterior. Terão as partes que ser penalizadas pela conduta do Tribunal? Acompanhando o Mº Pº, terá de defender-se a posição que mais beneficia a parte, até pelos valores envolvidos, que são exagerados e de modo algum corresponderão aos serviços prestados. Para mais, tendo em conta o tempo já decorrido. Temos, assim, que no processo principal, a autora pagará as custas, sendo a taxa de justiça reduzida a 1/4, por aplicação do art. 17º n.º 1, a) do CCJ.'
2. Novamente inconformada, A, declarando que, em seu entender, não caberia recurso para o Supremo Tribunal de Justiça mas que, 'por mera cautela e atento o disposto do n° 4 do art. 70° da Lei 28/82 de 15 de Novembro, renuncia (...) a um eventual direito a recurso ordinário', veio recorrer para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, nos seguintes termos:
'5 - Em causa está o entendimento, feito no acórdão recorrido, de que as disposições do Código das Custas Judiciais, nomeadamente, o seu art. 15° n° 1 e n° 2, não permitem uma intervenção moderadora do Juiz em todos os casos em que, pela concreta simplicidade do processo, a exigência de uma taxa de justiça calculada por aplicação da tabela anexa a tal Código (art. 13°), resulte manifestamente desproporcionada relativamente à actividade desenvolvida pelo Tribunal.
6 - Considera-se que tal entendimento viola o princípio constitucional da proporcionalidade das taxas.
7 - Esta inconstitucionalidade foi suscitada pela Recorrente, em 1ª instância, nos n.ºs 13, 14 e 15 do requerimento apresentado nos termos do art. 669° b) do CPC (reforma da sentença quanto a custas) e, nos pontos 10 e 11 das suas alegações em 2ª instância e c) e g) das respectivas conclusões.'
3. Notificadas para o efeito, as partes vieram apresentar alegações. No que toca a A, formulou as seguintes conclusões: a) Segundo decidido pelo Tribunal da Relação do Porto, a Recorrente deve pagar, depois das reduções concedidas, a quantia de 1.509.000$00 pelo facto de, nas circunstâncias descritas, ter interposto a presente acção num Tribunal incompetente. b) A actividade do Tribunal traduziu-se, apenas, na elaboração e notificação do despacho pelo qual declarou a sua incompetência, despacho esse de extrema simplicidade. c) É manifesta, sem necessidade de quaisquer averiguações, uma vez que resulta evidente ao senso comum, a evidente desproporção entre o serviço prestado pelo Tribunal (o seu custo e/ou o 'benefício' dele resultante) e o valor da contrapartida exigida à Recorrente. d) A fixação de uma taxa, pese embora toda a liberdade de decisão deixada ao legislador ordinário, tem que acontecer com respeito pelo núcleo essencial do princípio da proporcionalidade que, constitucionalmente, deve presidir à fixação das taxas. e) A exigência de moderação/proporcionalidade na tributação é particularmente acentuada relativamente às taxas de justiça, porquanto uma tributação exagerada resultará, na prática, em impedir ou dificultar o acesso aos Tribunais por razões económicas, ou seja, origina uma violação do art° 20 da CRP . f) É jurisprudência do Tribunal Constitucional a afirmação da sua competência (e dos demais Tribunais) [para] verificarem da violação desse princípio da proporcionalidade, ao menos em situações extremas, como a presente. g) O conjunto de regras de fixação da taxa de justiça (desde logo, a aplicação da tabela que remete o art. 13° do CCJ), que atende essencialmente ao valor da causa, à fase em que o processo termina e, excepcionalmente, à natureza de alguns processos e não, como parece ser exigível, ao trabalho em concreto desenvolvido pelo Tribunal, gera, facilmente, situações de exigência de taxas de justiça desproporcionadas, por exorbitantes. h) Tal sistema resulta, assim, inconstitucional quando conduza a taxas de justiça manifestamente desproporcionadas. i) É, assim, inconstitucional a interpretação feita pelo Tribunal recorrido das pertinentes normas do CCJ, no sentido de que só é permitida a redução da taxa de justiça resultante da aplicação da tabela anexa ao CCJ nos casos e nos termos expressamente contemplados nesse Código. j) A inconstitucionalidade decorrente da aplicação ao presente caso das normas em causa do CCJ pode facilmente ser ultrapassada pela consagração de uma interpretação conforme à Constituição das normas de tal código que prevêem a possibilidade de uma redução excepcional da taxa de justiça, nomeadamente o seu art.15°, interpretação essa no sentido de se reconhecer que existe sempre e em todos os casos a possibilidade de o Juiz fixar a taxa de justiça devida sempre que, no caso, a aplicação da 'tabela', mesmo que combinada com reduções expressamente previstas, conduza a valores inconstitucionais porque não conformes à actividade realmente despendida pelo Tribunal. k) Pelo que deverá ser declarada a inconstitucionalidade da tributação que, a título de taxa de justiça, é exigida à Recorrente. l) Consideram-se inconstitucionais, quando da sua aplicação decorra a fixação de uma taxa de justiça manifestamente exagerada, por ofensa ao princípio da proporcionalidade das taxas e, ainda, ao art. 20° da CRP, as normas constantes da Secção I do Capítulo II do C.C.J. (taxa de justiça em geral), em particular o seu art.13° e tabela para que remete e artº 15, n.º1 a) e n° 2, na interpretação que delas foi feita pelo Tribunal recorrido'. Também alegou o Ministério Público, que concluiu da seguinte forma:
'1 ° - A norma constante do artigo 15° do Código da Custas Judiciais destina-se apenas a desagravar a taxa de justiça devida em determinados processos, procedimentos ou incidentes, aí taxativamente previsto, atenta a sua peculiar natureza – nomeadamente o seu carácter 'não autónomo', a natureza da questão controvertida (situada no campo do direito da família ou menores) ou o carácter excepcionalmente simplificado da tramitação da causa. assente num parcial consenso das partes.
2° - Sendo absolutamente estranhos ao âmbito normativo de tal preceito legal, quer as tabelas anexas ao Código da Custas Judiciais (que permitem fixar a taxa de justiça devida em função do valor da causa), quer a redução da taxa de justiça normalmente devida em função da fase alcançada pelo processo e da natureza da decisão que lhe pôs termo.
3° - Nesta perspectiva, não constitui solução arbitrária ou discricionária lesiva do princípio da igualdade e do direito de acesso à justiça. a que se traduz em o legislador, em tal norma, não ter equiparado aos casos nela tipificados os processos atinentes ao exercício de direitos sociais, atenta a natureza da relação material controvertida e a possível complexidade das questões patrimoniais e financeiras a dirimir .
4°- Termos em que deverá improceder o presente recurso'.
4. Admitindo a hipótese de não se poder conhecer do objecto do recurso, a relatora fez notificar às partes o seguinte parecer:
'1. Segundo o requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, formulado ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, a recorrente, A - Em causa está o entendimento, feito no acórdão recorrido, de que as disposições do Código das Custas Judiciais, nomeadamente, o seu art. 15° n° 1 e n° 2, não permitem uma intervenção moderadora do Juiz em todos os casos em que, pela concreta simplicidade do processo, a exigência de uma taxa de justiça calculada por aplicação da tabela anexa a tal Código (art. 13°), resulte manifestamente desproporcionada relativamente à actividade desenvolvida pelo Tribunal.
6 - Considera-se que tal entendimento viola o princípio constitucional da proporcionalidade das taxas.
7 - Esta inconstitucionalidade foi suscitada pela Recorrente, em 1ª instância, nos n.ºs 13, 14 e 15 do requerimento apresentado nos termos do art. 669° b) do CPC (reforma da sentença quanto a custas) e, nos pontos 10 e 11 das suas alegações em 2ª instância e c) e g) das respectivas conclusões.’
2. Afigura-se, porém, que o Tribunal da Relação do Porto não interpretou ‘o art.
15º nº 1 e nº 2’ no sentido que a recorrente acusa de ser inconstitucional, como resulta desta transcrição.
Diferentemente, o que o acórdão recorrido entendeu foi que a acção proposta não cabia em nenhum dos casos previstos no nº 1 do referido artigo 15º, não sendo, pois, possível a aplicação do disposto no nº 2.
Na verdade, o que o que o Tribunal da Relação do Porto afirmou foi que a al. a) do nº 1 era apenas aplicável ao chamado processo simplificado, regulado pelo Decreto-Lei nº 211/91, de 14 de Junho, nada tendo aquela alínea a ver com quaisquer outros processos que, em abstracto ou em concreto, sejam ou tenham decorrido de forma simples; e que em nenhuma das outras alíneas do mesmo nº 1 se poderia enquadrar o processo destinado a obter autorização judicial para a redução do capital social. Logo, não podia o juiz utilizar o poder de redução previsto, para os casos do nº 1, no nº 2 do mesmo artigo 15º.
Segundo o Tribunal da Relação do Porto, ao caso é antes aplicável o artigo 17º, nº 1, a), também do Código das Custas Judiciais.
3. Ora o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade interposto ao abrigo da citada alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 destina-se a conhecer da alegada inconstitucionalidade de uma norma (ou de uma interpretação normativa) efectivamente aplicada pela decisão recorrida, como expressamente ali se refere (‘Cabe recurso para o Tribunal Constitucional em secção, das decisões dos tribunais: b) Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.’) e o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado. Deste modo, não tendo os preceitos identificados no requerimento de interposição de recurso sido interpretados e aplicados ao caso dos autos com o sentido que a recorrente acusa de ser inconstitucional, não pode o Tribunal Constitucional conhecer do objecto do recurso (cfr., por exemplo, os acórdãos nºs 311/94,
367/94 e 366/96, publicados no Diário da República, II Série, de 1 de Agosto de
1994, de 7 de Setembro de 1994 e de 10 de Maio de 1996, respectivamente).
4. O objecto do recurso não pode ser modificado nas alegações posteriormente apresentadas, nem incidir sobre normas não definidas pela recorrente. Por esse motivo, não podem ser conhecidas normas contidas em outros preceitos, para além daqueles que constam do requerimento de interposição de recurso.
5. Finalmente, acrescenta-se que, da leitura das alegações resulta que é à decisão recorrida que a recorrente atribui a inconstitucionalidade que invoca. Ora, no recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, como se sabe, o Tribunal Constitucional apenas pode conhecer da inconstitucionalidade de normas, e não de decisões. Também por este motivo, não se poderia conhecer do objecto do presente recurso.' A recorrente veio pronunciar-se sobre o parecer, a fls. 151, no sentido de dever ser conhecido o objecto do recurso, quer porque entende que, ao considerar inaplicáveis ao caso os nºs 1 e 2 do artigo 15º do Código das Custas Judiciais, o tribunal está ainda a interpretar e aplicar os referidos preceitos, quer porque não atribuiu a inconstitucionalidade que invocou à decisão recorrida.
5. O recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade interposto ao abrigo da citada alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 destina-se a conhecer da alegada inconstitucionalidade de uma norma efectivamente aplicada pela decisão recorrida, e não das próprias decisões que as apliquem, como expressamente ali se refere ('Cabe recurso para o Tribunal Constitucional em secção, das decisões dos tribunais: b) Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.') e o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado (cfr. a título de exemplo, em primeiro lugar, o acórdão nº 367/94, Diário da República, II Série, de 7 de Setembro de
1994 e, em segundo lugar, os acórdãos nºs 612/94, 634/94 e 20/96, publicados no Diário da República, II Série, respectivamente, de 11 de Janeiro de 1995, 31 de Janeiro de 1995 e 16 de Maio de 1996). Para além disso, incumbe ao recorrente definir o objecto do recurso que interpôs, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº
28/82. Para o efeito, não chega apontar uma série de preceitos e pretender que o Tribunal Constitucional se lhe substitua nessa definição. Cumpre-lhe, não só, indicá-los como ainda, caso tenha impugnado uma determinada interpretação dos mesmos, concretizar qual a interpretação que acusa de ser inconstitucional. Como se disse, por exemplo, no acórdão nº 178/95 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30º, 1118): 'Tendo a questão de constitucionalidade que ser suscitada de forma clara e perceptível (cfr., entre outros, o Acórdão nº 269/94, Diário da República, II Série, de 18 de Junho de 1994), impõe-se que, quando se questiona apenas uma certa interpretação de determinada norma legal, se indique esse sentido (essa interpretação) em termos que, se este tribunal o vier a julgar desconforme com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir, por forma a que o tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários daquela e os operadores jurídicos em geral, saibam qual o sentido da norma em causa que não pode ser adoptado, por ser incompatível com a Lei Fundamental'. Finalmente, cabe recordar que é o requerimento de interposição de recurso o momento relevante para a definição do objecto do recurso de constitucionalidade, não podendo o mesmo, nomeadamente, ser ampliado nas alegações (cfr., por exemplo, o acórdão nº 366/96, Diário da República, II Série, de 19 de Maio de
1996).
6. Tendo em conta as regras acabadas de lembrar, cabe começar por verificar que o objecto do presente recurso se circunscreve aos nºs 1 e 2 do artigo 15º do Código das Custas Judiciais, combinados com a tabela anexa ao seu artigo 13º, não podendo ser consideradas quaisquer outras normas do mesmo diploma, por não terem sido identificadas no requerimento de interposição de recurso. Com efeito, não pode o Tribunal Constitucional, nem substituir-se à recorrente e escolher, de entre 'as disposições do Código das Custas Judiciais' (requerimento de interposição de recurso), aquelas que a decisão recorrida aplicou, nem considerar as outras que só são referidas nas alegações apresentadas.
7. A recorrente vem sustentar que é inconstitucional o entendimento que o Tribunal da Relação do Porto fez 'de que as disposições do Código das Custas Judiciais, nomeadamente, o seu art. 15º nº1 e nº 2, não permitem uma intervenção moderadora do Juiz em todos os casos em que, pela concreta simplicidade do processo, a exigência de uma taxa de justiça calculada por aplicação da tabela anexa a tal Código (art. 13º), resulte manifestamente desproporcionada relativamente à actividade desenvolvida pelo Tribunal'. Ora a verdade é que o Tribunal da Relação do Porto não interpretou com este sentido, que a recorrente acusa de ser inconstitucional, 'o art. 15º nº 1 e nº
2' (requerimento de interposição de recurso). Com efeito, e como se observou no parecer atrás transcrito, o que o que o Tribunal da Relação do Porto explicou foi que a al. a) do nº 1 era apenas aplicável ao chamado processo simplificado, constante do Decreto-Lei nº 211/91, de 14 de Junho, nada tendo aquela alínea a ver com quaisquer outros processos que, em abstracto ou em concreto, sejam ou tenham decorrido de forma simples; e que em nenhuma das outras alíneas do mesmo nº 1 se poderia enquadrar o processo destinado a obter autorização judicial para a redução do capital social. Logo, não podia o juiz utilizar o poder de redução previsto, para os casos do nº 1, no nº 2 do artigo 15º.
É certo, portanto, que o acórdão recorrido entendeu que a acção proposta não cabia em nenhum dos casos previstos no nº 1 do referido artigo 15º, não sendo, pois, possível aplicar o disposto no respectivo nº 2; mas é igualmente certo que o mesmo acórdão decidiu ser antes aplicável o disposto no artigo 17º, nº 1, a), também do Código das Custas Judiciais. Não considerou, portanto – e esta seria a
única interpretação que suportaria a alegação, feita pela recorrente, de conduzir a uma impossibilidade de redução da taxa de justiça quando a concreta tramitação tivesse sido de tal forma simplificada que aquela se revelasse manifestamente desproporcionada – que 'as disposições do Código das Custas Judiciais, nomeadamente, o seu art. 15º nº1 e nº2, não permitem uma intervenção moderadora do Juiz em todos os casos em que, pela concreta simplicidade do processo, a exigência de uma taxa de justiça calculada por aplicação da tabela anexa a tal Código (art. 13º), resulte manifestamente desproporcionada relativamente à actividade desenvolvida pelo Tribunal'. A norma efectivamente aplicada pelo tribunal recorrido, para a decisão que proferiu relativamente à taxa de justiça a pagar, foi a da alínea a) do nº 1 do artigo 17º do Código das Custas Judiciais, norma que a recorrente não incluiu no objecto do recurso. É evidente que, para chegar à decisão que proferiu, o Tribunal da Relação do Porto teve de excluir a possibilidade de aplicação de outras normas do Código das Custas Judiciais – e, em especial, dos nºs 1 e 2 do artigo 15º, cuja aplicabilidade tinha sido sustentada pela recorrente. Neste sentido, admite-se então que a interpretação que conduziu à exclusão do seu
âmbito de aplicação da acção presente pode ser objecto de fiscalização da constitucionalidade.
8. Passa-se, então, a conhecer da inconstitucionalidade atribuída pela recorrente à interpretação das disposições constantes dos nºs 1 e 2 do artigo
15º do Código das Custas Judiciais, conjugadas com a tabela anexa referida no nº
1 do artigo 13º do mesmo Código, segundo a qual não se inclui no seu âmbito de aplicação uma acção destinada a obter autorização para redução do capital social em que a tramitação concretamente seguida tenha sido simplificada, por violação do princípio da proporcionalidade das taxas. A verdade é que não tem fundamento a acusação de inconstitucionalidade. Com efeito, não se vê que a não inclusão nas diversas alíneas do nº 1 do artigo 15º
– que se referem a acções sem qualquer analogia com a que está agora em causa – possa implicar a violação apontada pela recorrente. Como resulta do que já foi dito, é no artigo 17º que o Código das Custas Judiciais prevê a possibilidade de redução da taxa de justiça que, em abstracto, seria devida quando, em concreto, a tramitação seguida foi 'simplificada', em maior (nº 1) ou menor (nº 2) medida, nomeadamente em atenção ao invocado princípio da proporcionalidade. Foi, aliás, ao artigo 17º que o acórdão recorrido recorreu para reduzir a taxa de justiça no caso de que nos ocupamos; a recorrente, todavia, não impugnou a constitucionalidade da norma efectivamente aplicada de forma a que o Tribunal Constitucional dela pudesse conhecer. Em todo o caso, cabe dar nota de que, no acórdão nº 349/02 deste Tribunal (ainda não publicado), se decidiu, num caso semelhante, 'não julgar inconstitucional a norma do artigo 7º alínea h) do Código das Custas Judiciais, na interpretação segundo a qual, nas acções de autorização para redução do capital social, considera-se necessariamente (isto é, sem poder ser reduzido) como valor da acção, para efeito de custas, o valor da redução requerida, independentemente da maior ou menor actividade jurisdicional desenvolvida.'
9. A terminar, cumpre referir, em especial, a al. a) do nº 1 do artigo 15º, que permite a redução constante do nº 2 do mesmo preceito nas 'acções de processo simplificado em que a divergência respeite à solução jurídica da causa', para justificar por que razão é que a afirmação de que nenhuma analogia existia entre a acção agora em causa e as que são previstas nas várias alíneas desse nº 1 vale também para aquela. Ao referir-se ao processo simplificado, como se explica claramente no acórdão recorrido, o legislador não pensou em processos em que a tramitação seguida, por qualquer motivo, tenha sido mais simples do que a que normalmente teria de ser percorrida. O legislador quis antes referir-se, como se sabe, ao processo simplificado regulado pelo Decreto-Lei nº 211/91, de 14 de Junho. Este diploma, substituindo o artigo 464º-A introduzido no Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei nº
242/85, de 9 de Julho (entretanto completado pelos artigos 3º e 4º do Decreto-Lei nº 212/89, de 30 de Junho), veio disciplinar mais desenvolvidamente a possibilidade de se dispensarem certas fases da tramitação normal de um processo se as partes, conjuntamente, delimitarem o litígio, expondo ao tribunal em que pontos estão de acordo e em que aspectos estão em desacordo. Foi, aliás, o Decreto-Lei nº 211/91 que permitiu o recurso a este processo simplificado nas hipóteses em que esse desacordo respeitasse, apenas, à questão de direito. Ora é justamente nesta situação – em que a simplificação processual é, naturalmente, de maior relevo – que o Código das Custas Judiciais, seguindo a orientação já traçada pelo próprio Decreto-Lei nº 211/91 (cfr. o seu artigo 7º), que a al. a) do nº 1 do artigo 15º do Código das Custas Judiciais é aplicável. Nenhuma semelhança existe, pois, com a hipótese dos autos.
Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso, confirmado-se a decisão recorrida no que respeita à questão despacho constitucionalidade. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 ucs. Lisboa, 16 de Outubro de 2002- Maria dos Prazeres Pizarro Beleza José de Sousa e Brito Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida