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Proc. nº 414/02
3ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Por decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco foi o arguido
(ora reclamante), A, condenado como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelo artigo 292º do Código Penal, na pena de 8 meses de prisão. Tal pena ficou suspensa na sua execução por um período de 5 anos.
2. Inconformado com o assim decidido o arguido recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão de 9 de Janeiro de 2002, julgou o recurso improcedente.
3. Desta decisão foi interposto - já depois de julgada improcedente uma sua reclamação por nulidade -, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art. 70º da LTC, recurso para o Tribunal Constitucional. Pretendia o recorrente, nos termos do respectivo requerimento de interposição, ver apreciada a constitucionalidade:
'a) das normas das alíneas a) e b) do nº 3 do art. 412º do Código de Processo Penal, quando conjugada com a norma do nº 2 do art. 101º do Código de Processo Penal (que não pode deixar de ser interpretada no sentido de impor ao Tribunal a quo o ónus da transcrição da prova gravada em audiência) por violação do direito ao recurso consagrado no nº 1 do art. 32º da Constituição da República Portuguesa, na interpretação segundo a qual o arguido/recorrente em processo penal, quando impugna a decisão proferida em matéria de facto tem obrigatoriamente de especificar os depoimentos ou elementos de facto que considera incorrectamente julgados e impõem uma decisão diversa da proferida, não por remissão global e crítica aos depoimentos prestados pelas testemunhas
(com identificação das mesmas) e aos elementos de prova, mas por referência aos concretos termos utilizados nos depoimentos das mesmas, impondo assim e por outra via a transcrição dos mesmos pelo recorrente; e b) das normas do nº 3 do art. 412º, do nº 1 do artigo 420º e do artigo 431º do Código de Processo Penal, igualmente por violação do direito ao recurso consagrado no nº 1 do art. 32º da Constituição da República Portuguesa, na interpretação segundo a qual a falta de indicação pelo recorrente dos concretos depoimentos que impõem uma decisão factual diversa tem como consequência o não conhecimento do recurso (ou dessa parte do recurso) pelo Tribunal ad quem, sem que seja permitido ao recorrente suprir tal falta'.
4. Na sequência, foi proferida pelo Relator do processo neste Tribunal, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão sumária no sentido do não conhecimento do recurso (fls. 355 a 358). É o seguinte, no essencial, o seu teor:
'(...) A admissibilidade do recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 pressupõe, além do mais, que o recorrente tenha suscitado, durante o processo, as questões de constitucionalidade normativa que pretende ver apreciadas, constituindo desde há muito jurisprudência assente neste Tribunal
(veja-se, entre muitos nesse sentido, os acórdãos nºs 62/85, 90/85 e 450/87, in Acórdãos do Tribunal Constitucional., 5º vol., p. 497 e 663 e 10º vol., pp. 573, respectivamente) que, em princípio, tal exige que as mesmas sejam colocadas pelo recorrente antes da prolação da decisão recorrida. Em consequência, tem este Tribunal afirmado repetidamente que, em regra, a reclamação por nulidade da decisão recorrida não constitui meio ou momento processualmente adequado para suscitar, pela primeira vez, como aconteceu in casu, as questões de inconstitucionalidade. Somente tem este Tribunal admitido que a questão de constitucionalidade seja suscitada já depois de proferida a decisão recorrida em hipóteses, de todo em todo excepcionais ou anómalas, em que o recorrente não tenha tido oportunidade processual de o fazer antes, ou em que o poder jurisdicional, por força de norma processual específica, não se tenha esgotado com a prolação da decisão recorrida. E, nessa sequência, tem o Tribunal entendido que uma das situações em que o interessado não dispõe de oportunidade processual para suscitar a questão da constitucionalidade antes de esgotado o poder jurisdicional é precisamente a daqueles casos em que é confrontado com uma situação de aplicação ou interpretação normativa, feita pela decisão recorrida, de todo imprevisível ou inesperada, em termos de não lhe ser exigível que a antecipasse, de modo a impor-se-lhe o ónus de suscitar a questão antes da prolação dessa decisão.
É precisamente esta a hipótese que o recorrente entende verificar-se nos autos. Para sustentar a sua posição argumenta, no requerimento de interposição do recurso, que 'tendo as inconstitucionalidades ora invocadas sido já reconhecidas, em termos bastante semelhantes, quer em decisões do Supremo Tribunal de Justiça (cfr. Acórdão proferido no recurso nº 153/02-3), quer em decisões do próprio Tribunal Constitucional, nomeadamente no acórdão nº 401/01, deve o presente recurso ser admitido, porque a inconstitucionalidade foi oportunamente invocada e porque a questão a ser julgada intender com a aplicação de norma, ou uma sua interpretação, em sentido inesperado e imprevisível'. O argumento invocado, porém, apenas revela a falta de razão do recorrente. É também porque - ou precisamente por isso - aqueles preceitos haviam sido já, por outras vezes, interpretados e aplicados pelas instâncias com aquela dimensão normativa - chegando mesmo a discutir-se, no próprio Tribunal Constitucional, a questão da sua inconstitucionalidade - que não pode afirmar-se que a mesma era imprevisível ou inesperada em termos de não ser exigível ao recorrente que a antecipasse, de modo a impor-se-lhe o ónus de suscitar a questão da sua inconstitucionalidade antes da prolação da decisão recorrida. Em suma: sendo previsível que o Tribunal da Relação de Coimbra pudesse vir a interpretar, nos termos em que o fez, os preceitos do Código de Processo Penal que vêm questionados pelo recorrente, era-lhe efectivamente exigível que tivesse, antes de proferida a decisão recorrida, suscitado a questão da sua inconstitucionalidade. Não o tendo feito, não pode agora, de acordo com a jurisprudência antes expressa, que mantém inteira validade, conhecer-se do objecto do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, por falta de um dos seus pressupostos legais de admissibilidade; a saber: ter a questão de constitucionalidade sido suscitada pelo recorrente durante o processo.
5. Inconformado com esta decisão o recorrente apresentou, ao abrigo do disposto no art. 78º-A, nº 3 da LTC, a presente reclamação para a Conferência (fls. 360 a
363), onde, no essencial, reafirma o que já havia dito no requerimento de interposição do recurso, no sentido da imprevisibilidade da interpretação normativa que a decisão recorrida deu aos preceitos do Código de Processo Penal cuja inconstitucionalidade pretende ver apreciada.
6. Notificado para responder, querendo, à reclamação apresentada, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da sua manifesta improcedência (fls. 365 e
366), na medida em que 'atentas as dúvidas interpretativas que a matéria processual sobre que versa o recurso tem suscitado na prática dos tribunais, era perfeitamente previsível a eventualidade de ser proferida decisão no sentido da impugnada'. Dispensados os vistos legais, cumpre decidir. III – Fundamentação
7. Na decisão reclamada decidiu-se não conhecer do objecto do recurso porquanto
'sendo previsível que o Tribunal da Relação de Coimbra pudesse vir a interpretar, nos termos em que o fez, os preceitos do Código de Processo Penal que vêm questionados pelo recorrente, era-lhe efectivamente exigível que tivesse, antes de proferida a decisão recorrida, suscitado a questão da sua inconstitucionalidade'. Ora, a verdade é que na fundamentação da presente reclamação o reclamante não avança com qualquer argumento novo que possa pôr em causa o sentido e os fundamentos daquela decisão, limitando-se, no essencial, a reiterar a afirmação já feita no requerimento de interposição do recurso no sentido da imprevisibilidade da interpretação normativa por que optou a decisão recorrida. Esta questão, porém, já foi suficientemente desenvolvida na decisão reclamada, onde se demonstra a falta de razão do ora reclamante. Assim, pelas razões constantes da decisão reclamada, que mais uma vez agora se reiteram porquanto em nada são abaladas pelo teor da reclamação apresentada, é efectivamente de não conhecer do objecto do recurso que o recorrente pretendeu interpor. III - Decisão Em face do exposto, decide-se desatender a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do recurso. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta Lisboa, 18 de Outubro de 2002- José de Sousa e Brito Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida