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Proc. nº 393/02 Acórdão nº 427/02
1ª Secção Relatora: Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Notificados da decisão sumária proferida nos autos em 17 de Junho de
2002 (fls. 491 a 503), em que, tendo em conta a jurisprudência anterior do Tribunal Constitucional, se decidiu não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 27º-B do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras (aprovado pelo Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro), aditada pelo artigo 2º do Decreto-Lei nº 140/95, de 14 de Junho, e, consequentemente, negar provimento ao recurso interposto para este Tribunal, vieram os recorrentes A e M reclamar para a conferência, nos termos do artigo 78º-A, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional.
No requerimento que apresentaram, concluíram do seguinte modo:
'1ª. Os Recorrentes pretendiam e pretendem demonstrar, através de pertinentes alegações a oferecer, que o art. 27º-B do RJIFNA, bem como outras normas deste diploma, ofende normas e princípios constitucionais e normas legais de valor hierárquico superior, porque é uma norma que: a. coage pessoas humanas a prestar gratuitamente trabalho que não escolheram livremente; b. coage pessoas humanas a contrair dívidas pecuniárias de terceiros; c. ficciona a apropriação de coisas, quando o coagido apenas adquire o dever de cumprir dívidas pecuniárias; d. não prossegue a justiça social, antes favorecendo o capitalismo monopolista de estado, em que este está ao serviço dos Grandes Grupos Económicos detentores do controlo da finança e das empresas estratégicas, causando assim o generalizado empobrecimento do Povo Português e a insolvência generalizada das micro, pequenas e médias empresas; e. contende contra o direito à liberdade e à igualdade entre as pessoas; f. viola os princípios da proporcionalidade, da igualdade, do Estado de Direito democrático; g. ataca a essência da dignidade da pessoa humana, porque pressupõe a prática de actos impossíveis de se verificar; h. viola o princípio da unidade da ordem jurídica, quando supõe uma relação sócio-económica de natureza patrimonial-dominial, havendo outras normas, de valor hierárquico superior, que impõem a prática de actos e os configuram como relação patrimonial-obrigacional.
2ª. Com ressalva do muito respeito devido, e salvo erro involuntário, este Venerando Tribunal ainda não curou os casos da espécie pelo prisma ou enfoque em que os Recorrentes o colocam.
3ª. Por isso, a douta decisão reclamada deve ser revogada, e os autos prosseguirem os seus termos.'
2. Foram notificados os recorridos para se pronunciar sobre a reclamação apresentada.
O Ministério Público respondeu que tal reclamação 'é manifestamente improcedente', 'nada aduzindo, aliás, os reclamantes que se revele idóneo para pôr em crise os precedentes jurisprudenciais existentes acerca da concreta questão jurídico-constitucional suscitada'.
Por sua vez o recorrido Centro Regional de Segurança Social do Norte não respondeu.
3. A decisão sumária proferida pela relatora não merece censura.
Como claramente é afirmado na decisão reclamada, a questão de constitucionalidade que os recorrentes pretendem ver apreciada no presente processo já foi 'objecto de decisão anterior do Tribunal', sendo por isso permitido ao relator proferir decisão sumária aplicando jurisprudência anterior do Tribunal Constitucional sobre a matéria (cfr. artigo 78º-A, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional).
Com efeito, no acórdão nº 312/00 (publicado no Diário da República, II Série, nº 240, de 17 de Outubro de 2000, p. 16728 ss), o Tribunal Constitucional decidiu que 'a norma constante do artigo 24º do RJIFNA não viola o princípio de que ninguém pode ser privado da sua liberdade pela única razão de não poder cumprir uma obrigação contratual, implicado pelo direito à liberdade e segurança consagrado no artigo 27º, nº 1, da Constituição, em consonância com o previsto no artigo 1º do Protocolo nº 4 Adicional à Convenção Europeia dos Direitos do Homem'.
Por sua vez, no acórdão nº 516/00 (publicado no Diário da República, II Série, nº 26, de 31 de Janeiro de 2001, p. 2067 ss), este Tribunal entendeu que 'a norma constante do artigo 27º-B do RJIFNA não viola [...] o princípio segundo o qual ninguém pode ser privado da sua liberdade pela única razão de não poder cumprir uma obrigação contratual, implicado pelo direito à liberdade e segurança consagrado no artigo 27º, nºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa' e que 'não existe na solução da lei qualquer medida discriminatória, desnecessária ou excessiva, susceptível de constituir violação do artigo 18º, nº
2, da Constituição ou de contrariar o direito à segurança social consagrado no artigo 63º da Constituição'.
Reiterando a jurisprudência anterior do Tribunal Constitucional, pelos fundamentos constantes dos acórdãos referidos, a decisão sumária reclamada concluiu que 'a norma contida no artigo 27º-B do RJIFNA não obriga a trabalho forçado e gratuito nem comina a prisão por dívidas, não violando portanto os princípios da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da igualdade, do Estado de direito democrático, consagrados na Constituição da República Portuguesa'.
Na mesma decisão, afastou-se, por fim, a alegada violação, pela norma questionada no presente processo, do artigo 165º, nº 1, alíneas b) e c), da Constituição, sendo certo que tal norma – a norma contida no artigo 27º-B do RJIFNA – foi introduzida no Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras (aprovado pelo Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro) pelo Decreto-Lei nº 140/95, de 14 de Junho, editado na sequência de autorização parlamentar ao Governo (constante da Lei nº 39-B/94, de 27 de Dezembro).
Ora, no requerimento agora apresentado, os reclamantes não invocam qualquer argumento susceptível de pôr em causa nem a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a questão de constitucionalidade suscitada nem a decisão proferida nos autos. Na verdade, os reclamantes mais não fazem do que manifestar a sua discordância quanto ao decidido.
4. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, não tendo os ora reclamantes aduzido razões susceptíveis de modificar a decisão anteriormente proferida, o Tribunal Constitucional decide confirmar a decisão reclamada, de 17 de Junho de 2002, em que se decidiu não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 27º-B do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras (aprovado pelo Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro), aditada pelo artigo 2º do Decreto-Lei nº 140/95, de 14 de Junho, e, consequentemente, negar provimento ao recurso interposto.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta, por cada um.
Lisboa, 18 de Outubro de 2002- Maria Helena Brito Artur Maurício Luís Nunes de Almeida