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Proc. nº 461/02 TC – 1ª Secção Relator: Consº. Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 – Nos autos supra identificados em que é recorrente A foi proferida a seguinte decisão sumária:
'1 – A, com os sinais dos autos, recorre para este Tribunal do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fls. 854 e segs., dizendo no respectivo requerimento de interposição de recurso:
'A, recorrente nos autos à margem referenciados, em que é recorrida a B, não se conformando com o douto acórdão de 15/5/2002, que a fls.16 verso recusou a aplicação da norma da alínea ii) do artigo 1º da Lei 23/91, com fundamento na sua inconstitucionalidade, dele vem, data venia, interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do artº 69º e seg. maxime para os efeitos da alínea a) do nº 1 do art. 70º ambos da Lei nº 28/82, de 15/11.
O Supremo Tribunal de Justiça recusou a aplicação da norma questionada, interpretando restritivamente a qualificação de empresas de capitais públicos, excluindo da aplicação da norma aquelas em que o Estado detém mais 50 %.
Como no caso vertente em que o Estado detém 58,9 % da Secil e a Secil detém 85,6642 % da recorrida, e por tal facto, as contas da recorrida ficam obrigatoriamente sujeitas à consolidação com as da sociedade dominante – Grupo Secil – como se alcança de folha 578 da certidão de 19/1/1966 da 2ª Conservatória do Registo Predial de Setúbal dos autos.
'Isto significa que o Estado através da Secil era dono de 50,456 % da recorrida (58,9 % x 85,6642 %) e, sendo assim, os seus trabalhadores estavam abrangidos pela referida Lei' como escreveu o Acórdão da Relação do Porto de
14/5/2001 a folha 806 dos autos.
O douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça recusando a aplicação da norma da alínea ii) do artº 1º da Lei 23/91 de 4/7 violou o princípio da igualdade (artigo 13º da Constituição da República Portuguesa).
..................................................................................................................'
O recurso foi admitido no STJ, o que nos termos do artigo 76º nº 3 da LTC não vincula o tribunal Constitucional.
Cumpre decidir se se verificam os pressupostos do recurso.
2 – O recurso vem interposto ao abrigo do artigo 70º nº 1 alínea a) da LTC, como se comprova não só pela expressa menção feita ao preceito no requerimento de interposição do recurso, como também pela circunstância de o recorrente sempre se reportar no mesmo requerimento a uma 'recusa de aplicação' da norma do artigo 1º alínea ii) da Lei nº 23/91.
Tal recurso pressupõe, com efeito, que a decisão impugnada tenha recusado a aplicação da norma em causa, com fundamento na sua inconstitucionalidade.
Ora, é manifesto que o acórdão recorrido nem recusou a aplicação da norma invocada – artigo 1º alínea ii) da Lei nº 23/91 – nem, consequentemente, o fez com fundamento em inconstitucionalidade, como se passa a demonstrar.
3 - Alegado pelo recorrente que beneficiava da amnistia concedida por aquele normativo, o acórdão recorrido aprecia esta questão, concluindo pela improcedência de uma tal alegação.
Fê-lo apenas por entender que a empresa B, onde o recorrente estava empregado, era uma sociedade anónima de capitais exclusivamente privados, sendo que a amnistia só abrangia os trabalhadores de empresas públicas ou de capitais públicos, ou ainda de capitais maioritariamente públicos.
Não há aqui, pois, nenhuma recusa de aplicação da norma com fundamento em inconstitucionalidade, mas, muito simplesmente, o entendimento de que, sendo a B uma sociedade de capitais exclusivamente privados, a norma não era aplicável a uma tal situação, o que, aliás, nem sequer merece a discordância do recorrente.
O que este sustenta é de resto coisa bem diversa: a tese de que a B
é uma sociedade de capitais maioritariamente públicos.
Não se verifica, assim, qualquer interpretação restritiva do preceito legal em causa, o que, a suceder, poderia configurar a recusa, expressa ou implícita, de aplicação de outras interpretações normativas, por elas colidirem com a Constituição.
De resto, nem se vislumbra no acórdão recorrido qualquer apelo à Constituição para justificar a decisão; a interpretação normativa feita não é posta em causa pelo recorrente – que nunca defendeu que o preceito se aplicasse a trabalhadores de empresas de capitais exclusivamente privados – mas tão só a qualificação dada à empresa B, o que, obviamente, se faz, no acórdão recorrido, sem quaisquer fundamentos de ordem constitucional.
Em suma, pois, não se verificam os pressupostos do recurso interposto ao abrigo do artigo 70º nº 1 alínea a) da LTC.
4 – Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se não conhecer do objecto do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 Ucs'.
2 – Desta decisão reclama, agora, o recorrente para a conferência, alegando, em síntese:
- que o acórdão recorrido fez uma interpretação restritiva do conceito de 'empresa de capitais públicos' constante da norma do artigo 1º alínea ii) da Lei nº 23/91 e que nele se 'faz apelo à distinção entre sector público e privado da economia, que exemplifica confrontando a Secil S A com a B
, concretizando o que está plasmado nos nºs 2 e 3 do artigo 82º da CRP';
- que 'para interpretar a alínea ii) o acórdão recorrido faz um apelo aos preceitos constitucionais enunciaindo quais são os requsitos que no seu entender qualificam uma empresa como sendo de capitais públicos – aquelas em que a propriedade e a gestão pertencem ao Estado – recorrendo à norma plasmada no nº 2 do artigo 82º da CRP';
- que o acórdão recorrido 'recusa a aplicação da alínea ii), na interpretação feita pelo recorrente no sentido de abranger as empresas de capitais maioritariamente públicos, quando detidos pelo Estado de forma indirecta (através de empresas públicas ou de capitais públicos), pois entende que tal interpretação é inconstitucional, viola os critérios de separação dos sectores e o direito à propriedade privada (arº 62º e 82º da CRP)'
- que, a considerar-se que o apelo feito à Constituição para recusar a aplicação da citada alínea ii), na interpretação dada pelo recorrente, não é explícito, deve entender-se – o que resulta da interpretação da decisão – que ele é 'implícito.'
Cumpre decidir.
2 – Não logra o recorrente infirmar a decisão sumária reclamada.
Com efeito, é evidente que o acórdão recorrido não faz qualquer apelo explícito à Constituição (designadamente aos artigos citados pelo recorrente) para qualificar a B como empresa de capitais exclusivamente privados, ignorando-se em que trecho do dito aresto o recorrente vê esse apelo.
Tal qualificação surge no acórdão sem a mínima referência a critérios constitucionais de separação entre os sectores públicos e privados da economia e ao direito à propriedade privada.
Mas, se é assim, também não resulta da interpretação do mesmo acórdão que esse apelo seja implícito, sendo de salientar, para o demonstrar, o que, a propósito nele se escreveu: 'Sendo embora empresas com capitais maioritariamente públicos, a 'Secil S A ', ao participar no capital da B , fê-lo na qualidade duma empresa privada, no âmbito da sua normal gestão empresarial privada, ou seja, na qualidade de pessoa jurídica de direito privado, distinta do Estado que era, apenas, um dos seus accionistas, ainda que maioritário. Mas, accionista maioritária da B , com 85,664 % do capital, era a Secil S A e não o Estado'.
Nada há, pois, a censurar à decisão reclamada.
3 – Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 Ucs. Lisboa, 22 de Outubro de 2002- Artur Maurício Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa