Imprimir acórdão
Proc. n.º 248/01 Acórdão nº 410/02
1ª Secção Relatora: Maria Helena Brito
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. No acórdão n.º 341/2002, de 11 de Julho (fls. 1068 e seguintes), o Tribunal Constitucional decidiu não tomar conhecimento do objecto do recurso que havia sido interposto para este Tribunal pela Câmara Municipal de Oeiras, pelos seguintes fundamentos:
'[...]
15. Constitui pressuposto processual do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional – aquele que foi interposto pela recorrente – o ter o recorrente suscitado, durante o processo, a questão de inconstitucionalidade que pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional. O artigo 72º, n.º 2, da mesma Lei concretiza tal pressuposto, ao estabelecer que o recurso previsto naquela alínea b) só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer. No presente recurso, a recorrida levantou a questão prévia da falta de preenchimento do aludido pressuposto (supra, 13.). A recorrente, na resposta a essa questão prévia (supra, 13.), sustentou que havia suscitado as questões de inconstitucionalidade que pretende ver apreciadas em vários momentos processuais: aquando da produção de alegações perante o tribunal ora recorrido, isto é, no momento da apresentação das alegações de 6 de Março de 2000 (supra, 7.); aquando da arguição de nulidades por omissão de pronúncia e do requerimento de reforma do acórdão da Relação de Lisboa de 23 de Janeiro de 2001, isto é, antes de proferido o acórdão da Relação de Lisboa que indeferiu tal arguição e tal requerimento, e do qual, aliás, a recorrente também agora recorre para o Tribunal Constitucional (supra, 9. a 11.); finalmente, aquando do requerimento de interposição do presente recurso para o Tribunal Constitucional (supra, 11.).
16. Como é evidente, a circunstância de a recorrente ter suscitado as questões de inconstitucionalidade que pretende ver apreciadas no próprio requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional em nada influi na questão de saber se a recorrente suscitou atempadamente tais questões. Tendo o tribunal ora recorrido mantido na íntegra a decisão da 1ª instância (supra, 8.), nunca poderia a recorrente sustentar que só lhe tinha sido possível suscitar as questões de inconstitucionalidade depois da pronúncia do tribunal recorrido e, como tal, nunca lhe bastaria suscitar tais questões no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional. Do mesmo modo, é irrelevante a circunstância de a recorrente ter suscitado as questões de inconstitucionalidade aquando da arguição de nulidades por omissão de pronúncia e do requerimento de reforma do acórdão da Relação de Lisboa de 23 de Janeiro de 2001. E isto porque, nos termos do artigo 666º do Código de Processo Civil, proferido este acórdão, ficou imediatamente esgotado o poder jurisdicional da Relação, só lhe sendo lícito alterá-lo nos estritos limites dos artigos 667º e seguintes do mesmo Código. Não lhe era lícito, nomeadamente, alterar o decidido por considerar serem inconstitucionais as normas que anteriormente aplicara. E tanto assim é que, no acórdão de 6 de Março de 2001
(supra, 10.), a Relação de Lisboa não se pronunciou sobre qualquer questão de inconstitucionalidade. Aliás, nunca a recorrente podia ter interposto um autónomo recurso para o Tribunal Constitucional deste acórdão, atendendo a que nele, por definição, se não julgou a matéria da causa e, consequentemente, não foram aplicadas as normas cuja conformidade constitucional é questionada
(pressuposto processual também exigido pela alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional). Portanto, tudo se resume a saber se, antes de proferido o acórdão da Relação de Lisboa de 23 de Janeiro de 2001, a recorrente suscitou as questões de inconstitucionalidade normativa que pretende ver apreciadas. Segundo a recorrente, tê-lo-ia feito nas alegações apresentadas em 6 de Março de
2000. Simplesmente, compulsando tais alegações (supra, 7.), depreende-se que a recorrente não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade normativa. Suscitar uma questão de inconstitucionalidade normativa, nos termos dos artigos
70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, significa, pelo menos, imputar a qualquer norma ou a qualquer norma, numa certa interpretação, a violação de um preceito ou de um princípio constitucional, imputação a que a recorrente claramente não procedeu. Assim, na conclusão 4ª de tais alegações, a recorrente limitou-se a aludir às disposições legais com base nas quais deve ser determinado o valor da indemnização por expropriação, bem como a referir o artigo 12º do Código Civil. Na conclusão 5ª, referiu que a sentença recorrida havia erradamente considerado aplicáveis os critérios constantes do Plano Director Municipal de Oeiras, sem aliás referir quaisquer das suas normas. E na conclusão 11ª reportou-se ao modo de apuramento das capacidades edificativas de um terreno, aludindo genericamente aos artigos 13º e 62º da Constituição. Em suma, as mencionadas conclusões das alegações não só não identificam qualquer norma legal (à excepção do artigo 12º do Código Civil), como também não imputam a qualquer norma legal (ou a qualquer interpretação de uma norma legal) a violação de preceitos ou princípios constitucionais. Acrescente-se, aliás, que na 19ª conclusão a recorrente expressamente imputa à própria sentença recorrida e não a qualquer norma nela aplicada a violação de determinados preceitos constitucionais (os dos artigos 13º e 62º da Constituição). O que permite dizer que, nas referenciadas alegações, a única questão de inconstitucionalidade que foi suscitada foi a de uma decisão judicial, não tendo sido suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade de uma norma (ou de uma norma, em certa interpretação). E, como é sabido, tanto o artigo 70º, n.º 1, alínea b), como o artigo 72º, n.º 2, ambos da Lei do Tribunal Constitucional, quando se referem a questões de inconstitucionalidade, referem-se a questões de inconstitucionalidade de normas ou de interpretações normativas, pois que o Tribunal Constitucional não tem competência para apreciar a conformidade de uma decisão judicial, em si mesma considerada, com a Constituição. Finalmente, registe-se que em nenhum outro momento processual a recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade das normas que agora pretende que o Tribunal Constitucional aprecie, como nitidamente resulta do que acima se relatou (supra, 3., 4., 5. e 7.). Não admira, pois, que na decisão ora recorrida, se não tenha resolvido qualquer problema de inconstitucionalidade relacionado com tais normas (supra, 8.). Na verdade, a Relação de Lisboa limitou-se aludir ao artigo 62º da Constituição, ao conceito de expropriação, à aplicabilidade do Decreto-Lei n.º 576/70, de 24 de Novembro ao caso dos autos, ao conceito de justa indemnização, aos elementos que devem ser ponderados na fixação da justa indemnização, a certas normas do referido Decreto-Lei – algumas delas já declaradas inconstitucionais –, e à relevância do Plano Director Municipal de Oeiras na determinação do montante da indemnização. Não foram, na decisão recorrida, tratadas as concretas questões de inconstitucionalidade que a recorrente agora pretende ver apreciadas, justamente porque a recorrente não as suscitou antes de proferida tal decisão. Não estando preenchido um dos pressupostos processuais do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional – a invocação pelo recorrente, durante o processo, da questão de inconstitucionalidade que pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional –, não pode conhecer-se do respectivo objecto.
[...].'
2. Notificada do citado acórdão do Tribunal Constitucional, a Câmara Municipal de Oeiras veio requerer a respectiva reforma, ao abrigo do disposto no artigo 669º do Código de Processo Civil (fls. 1102 e seguintes). Sustenta, em síntese, o seguinte: a. A recorrente invocou, em diversos momentos processuais, a questão da inconstitucionalidade do artigo 8º do Decreto-Lei n.º 576/70, de 24 de Novembro
(numa certa interpretação) e a da inconstitucionalidade do artigo 44º e Anexo I do Regulamento do Plano Director Municipal de Oeiras (também numa certa interpretação), questões essas que foram desatendidas nos acórdãos recorridos; b. A questão jurídica da inaplicabilidade retroactiva das normas sub judice foi expressamente invocada nas alegações da recorrente – apresentadas previamente à prolação do acórdão do qual interpôs recurso –, enfermando portanto de lapso manifesto o entendimento perfilhado no acórdão do Tribunal Constitucional segundo o qual as conclusões dessas alegações não identificariam qualquer norma legal (à excepção do artigo 12º do Código Civil); c. O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23 de Janeiro de 2001 desatendeu, pelo menos implicitamente, a questão de inconstitucionalidade invocada nas conclusões 4ª, 5ª e 11ª das mencionadas alegações; d. Na sequência do referido acórdão da Relação de Lisboa, a recorrente, num requerimento arguindo a respectiva nulidade e peticionando a respectiva reforma, invocou as questões jurídico-constitucionais ora em causa; e. Estas questões só não foram apreciadas e decididas por nas decisões recorridas se ter entendido que não foram suscitadas de modo formalmente adequado, o que viola frontalmente o disposto nos artigos 204º da Constituição e
664º do Código de Processo Civil, não podendo fundamentar a rejeição do presente recurso; f. No acórdão do Tribunal Constitucional cuja reforma se requer, não se considerou que foram invocadas pela recorrente, em diversos momentos processuais, as referidas questões jurídico-constitucionais, constando do processo elementos que determinam necessariamente decisão diferente da que foi proferida; g. Deverá, assim, ser reformada a decisão do Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 669º do Código de Processo Civil.
3. Notificada do referido requerimento de reforma, a recorrida B. apresentou a resposta de fls. 1110 e seguintes, nela tendo nomeadamente sustentado que as questões colocadas pela recorrente já foram concreta e exaustivamente analisadas e decididas nos autos, não tendo nenhuma questão ficado omissa no acórdão do Tribunal Constitucional de 11 de Julho de 2002. Termina concluindo no sentido de que, atenta a repetição de questões anteriormente apreciadas, deve ser indeferido o requerimento da recorrente.
Cumpre apreciar e decidir.
II
4. O artigo 669º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil permite a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando 'constem do processo documentos ou quaisquer elementos que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida e que o juiz, por lapso manifesto, não haja tomado em consideração'. Atendendo ao teor do requerimento de reforma ora em apreço
(supra, 2.), é este o concreto preceito legal no qual se alicerça a presente pretensão da recorrente.
Sendo certo que mais nenhum outro fundamento de reforma foi invocado
(vide artigo 669º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, alínea a)), nem a requerente suscita qualquer nulidade do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 341/2002, de
11 de Julho (vide artigo 668º do Código de Processo Civil), cumpre apenas verificar se estão reunidos os requisitos de que o citado artigo 669º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil faz depender a reforma da sentença ou do acórdão.
Ora, é manifesto que tais requisitos não estão preenchidos. Para que o juiz possa reformar a decisão que proferiu não basta – como claramente decorre desta alínea b) –, que do processo constem elementos que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida: é ainda necessário que o juiz, por lapso manifesto, não tenha tomado em consideração tais elementos.
Sucede que, no acórdão cuja reforma ora se pretende, foram tomadas em consideração os elementos que – alegadamente – implicariam decisão diversa da proferida. Todas as peças processuais em que a requerente sustenta ter suscitado as questões de inconstitucionalidade que pretende ver apreciadas por este Tribunal foram tomadas em consideração, como abundantemente resulta do acima relatado
(supra, 1.). Simplesmente, de tal análise resultou que a requerente não havia suscitado no processo tais questões: e, como tal, não se conheceu do objecto do recurso, por falta de um dos seus pressupostos processuais.
O requerimento de reforma previsto no artigo 669º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil não se destina a uma reapreciação, pelo tribunal, dos elementos em que a sua decisão assentou. E, pretendendo a requerente uma tal reapreciação, é evidente que a sua pretensão, por falta de base legal, tem de ser indeferida.
III
5. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, indefere-se a reforma requerida a fls. 1102 e seguintes. Lisboa, 10 de Outubro de 2002- Maria Helena Brito Luís Nunes de Almeida Artur Maurício José Manuel Cardoso da Costa