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Proc. nº 789/01 TC – 1ª Secção Relator: Consº. Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 – No presente recurso, em que é recorrente A, com os sinais dos autos, foi proferido, pelo relator, o seguinte despacho:
'1 – A intentou em 23.11.2000 contra B, acção de impugnação de despedimento no Tribunal de Trabalho de Braga.
Realizada audiência de partes em 12.12.2000 e não tendo sido possível a conciliação, contestou a Ré o pedido, de que veio a ser absolvida por sentença de 30.01.2001, de que se extracta, com interesse para o presente recurso de constitucionalidade, o seguinte trecho:
'A A., embora a invoque, não diz exactamente qual é a norma que é inconstitucional. Da análise da petição poderá retirar-se a interpretação de que o que a A. pretende é a inconstitucionalidade da clausula 5ª do contrato de trabalho a termo celebrado. No entanto, a inconstitucionalidade só pode incidir sobre leis, em sentido lato, que ofendam a Constituição e não também sobre as cláusulas de contratos privados. De duas uma: ou as cláusulas do contrato estão conforme a lei ordinária e são válidas, ou não estão conforme à mesma e daí pode resultar, se for esse o caso, a sua invalidade. O que pode acontecer é que a cláusula do contrato pode ser válida por estar de acordo com a lei ordinária, mas não aplicada, por via indirecta, em virtude da inconstitucionalidade da lei que a sustenta.
Tendo em conta as normas citadas pela A. e que são: Alínea h) do artº 41º do D.L. 64/a/89, de 27.02; Alínea e) do nº 1 do artº 42º e nº 3 deste mesmo artº, do mesmo diploma legal citado, a inconstitucionalidade só poderá verificar-se em relação a alguma destas normas.
Com interesse para a questão dos autos, dispõe o art.º 18º nº 2 da Constituição que a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias, nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. As normas citadas (do Dec. Lei 64/A/89), disciplinam uma matéria respeitante a uma das formas de contratação laboral. Tal disciplina jurídica foi decretada pelo Governo no uso da autorização legislativa concedida pela Lei nº 107/88, de
17 de Setembro e nos termos da alínea b) do nº 1 do artº 201º da Constituição. Assim, tendo em conta o referido, não se nos afigura que existe qualquer inconstitucionalidade orgânica das normas em causa. De igual modo também se nos afigura que não existe inconstitucionalidade material porquanto a lei especifica suficientemente os casos e as formas pelas quais podem ser celebrados os contratos a termo. Aliás, esta forma de contratação teve em vista agilizar o mercado de trabalho de forma a não obrigar as entidades patronais a ter a seu cargo por tempo indeterminado um trabalhador, nos casos em que tal não se justifica. Se a forma como o legislador permite os contratos de trabalho a termo para os trabalhadores à procura do 1º emprego é ou não a mais correcta, não cabe ao tribunal pronunciar-se. Face ao exposto, a acção terá que improceder, e, em consequência, absolvo a Ré do pedido'.
A A., inconformada com a sentença, apelou para o Tribunal da Relação do Porto tendo concluído a sua alegação como segue:
'1. O contrato de trabalho a termo certo celebrado entre a aqui apelante e a apelada, em 1 de Junho de 1998 ao abrigo da alínea h) do nº 1 do artº 41º do D.L. 64-A/89, não se encontra justificado, e, como tal é nulo, levando à manutenção da relação de trabalho;
2. Não basta a referência à lei para que se cumpram as disposições do artº 42º do referido diploma;
3. A cláusula 5ª do referido contrato não pode ser aceite como justificação quer por não nos indicar qual das duas situações previstas naquela alínea h) quer por se tratar de uma interpretação restritiva de um direito fundamental dos trabalhadores – o direito ao trabalho, à segurança e estabilidade no emprego.
4. Os direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores são de observância imediata quer pelos particulares quer pelo Estado.
5. Os D.L. 89/95 e 34/96, enquanto aplicados como interpretativos da alínea h) do nº 1 do D.L. 64-A/89, de 27 de Fevereiro são inconstitucionais quer orgânica quer materialmente.
6. Assim, a douta sentença recorrida fez incorrecta aplicação do artº 41º do D.L. 64-A/89; fez aplicação interpretativa de dois diplomas (DL. 84/95 e 34/96) que são inconstitucionais, como tal, quer orgânica quer materialmente e violou o artº 17º, 18º e 52º da CRP.'
A apelada também apresentou alegações em que concluiu:
'PRIMEIRA: A douta sentença recorrida, cumpre inteiramente o disposto na alínea h) do nº 1 do artigo 41º do Decreto-Lei 64-A/89 de 27/02, o disposto no artigo
42º do mesmo diploma, o disposto nos Decretos-Leis 89/95 e 34/96, o disposto nos artigos 17º 18º e 52º da Constituição da República Portuguesa. SEGUNDA: O Mmº. Juiz a quo, considerou, ainda, não existir qualquer inconstitucionalidade orgânica das normas colocadas em causa pela Recorrente, isto porque, quanto à inconstitucionalidade da cláusula 5ª do contrato a termo celebrado, dispôs o Tribunal a 'quo' e muito bem que, a inconstitucionalidade só pode ocorrer em leis que ofendam a Constituição e não sobre as cláusulas de contratos privados. TERCEIRA: Também muito bem decidiu o Tribunal 'a quo', que não existe inconstitucionalidade material porquanto a lei especifica suficientemente os casos e as formas pelas quais podem ser celebrados os contratos a termo. QUARTA: O Mmº. Juiz a quo e muito bem, concluiu pela validade do contrato celebrado entre as partes, porque, o motivo de justificação do contrato a termo terá sido o da procura de primeiro emprego por parte da A., e neste propósito os artigos 3º do Decreto-Lei 89/95, de 06/05, e Artigo 2º do Decreto-Lei 34/96 de
18/04, e porque na cláusula 5º do contrato de trabalho celebrado entre as oras Recorrida e Recorrente, esta declarou nunca ter sido contratada por tempo indeterminado, sendo que o motivo justificativo da oposição do termo está indicado de forma suficiente, face à lei vigente. QUINTA: Neste contexto, o Mmº. Juiz a quo, concluiu que, o motivo da contratação a termo invocado no contrato de trabalho celebrado entre as partes, é válido, e tendo a ora Recorrida comunicado a intenção de não o renovar, fez com que a caducidade deste contrato se operasse de forma eficaz e nos termos permitidos pelo artigo 46º do DL. nº. 64-A/89 de 27/02. SEXTA: Pelo que, a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, deverá ser mantida'.
Por acórdão de 29 de Outubro de 2001, o Tribunal da Relação do Porto julgou improcedente o recurso, confirmando em consequência a sentença recorrida, tendo decidido:
'Quanto à 2ª questão colocada pela Rte., da inconstitucionalidade orgânica e material dos Dec - Lei 89/95 e 34/96, enquanto aplicados como interpretativos da al. h) do nº. 1 do Dec-Lei 64-A/89, de 27/2, não se vislumbra que esses Diplomas estejam feridos de qualquer inconstitucionalidade, seja orgânica, seja material, porquanto tais Diplomas vieram apenas explicitar o que se deveria entender por
'trabalhadores à procura do 1º emprego', expressão contida na referida al. h), não se vendo em que é que tal interpretação afronte os artºs. 17º, 18º e 52º da Constituição. Aliás, o argumento fundamental da Rte., quanto à pretendida inconstitucionalidade – o de que a cláusula 5ª do contrato e os Dec-Lei 89/95 e
34/96, enquanto interpretativos da al. h) do nº. 1 do artº. 41º do Dec-Lei
64-A/89 são inconstitucionais por permitirem uma interpretação restritiva do direito fundamental dos trabalhadores ao trabalho, à segurança e estabilidade do emprego – a ser válido, levaria então a que todo o Capítulo VII do Dec-Lei nº
64-A/89, dedicado aos contratos a termo, fosse declarado inconstitucional, por permitir a constituição de vínculos laborais precários, o que, porém, não sucedeu até hoje, por razões óbvias de política de fomento de emprego'.
De novo inconformada, a A. recorreu para o Tribunal Constitucional, tendo dito no requerimento de interposição de recurso:
'O recurso é interposto ao abrigo da al. b) do nº1 do artº 70º da Lei nº. 28/82, de 15 de Novembro e pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade dos DL
89/95 e 34/96, enquanto aplicados como interpretativos da al. h) do nº1 do artº
41º do D.L. 64-A/89 de 27 de Fevereiro. Tais diplomas, naqueles termos, violam o artº 17º, 18º e 52º da CRP. A questão da inconstitucionalidade foi suscitada nos autos nos artº(s) 26º e 27º da p.i. e fls... do recurso de Apelação'.
Convidada a esclarecer se pretende ver apreciada a constitucionalidade dos DL nºs. 89/95 e 34/96, na sua totalidade, ou apenas de alguma, ou algumas, das suas normas, devendo indicar os preceitos legais em causa, veio a ora recorrente indicar os artigos 3º e 4º do Decreto-Lei nº. 89/95, de 6 de Maio e os artigos
2º e 3º do Decreto-Lei nº. 34/96.
Nas alegações que produziu, concluiu nos seguintes termos:
'1. Os D.L. 89/95, de 06 de Maio e D.L. 34/96, de 18 de Abril, visam criar incentivos ao emprego de jovens à procura de primeiro emprego e desempregados de longa duração;
2. Foram emitidos ao abrigo da alínea a) do Artº. 201º da Constituição;
3. O D.L. 64-A/89, de 27 de Fevereiro, regulamenta direitos fundamentais dos trabalhadores – o direito ao trabalho, à segurança e estabilidade no emprego;
4. Os direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores são de observância imediata quer pelos particulares quer pelo Estado, e, são matéria da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo;
5. Os artº(s) 3º e 4º do D.L. 89/95 e os artº(s) 2º e 3º do D.L. 34/96, enquanto aplicados como interpretativos da alínea h) do nº 1 do D.L. 64-A/89, de 27 de Fevereiro são inconstitucionais, quer orgânica quer materialmente, por não terem sido precedidos de qualquer autorização e regularem matéria que não cabe na sua competência. Nestes termos, devem tais normas ser julgadas inconstitucionais, quando aplicadas em termos de interpretar a alínea h) do nº 1 do artº 41º do D.L.
64-A/89, de 27 de Fevereiro, fazendo-se assim JUSTIÇA.'
Os B. contra-alegaram, tendo dito a concluir, no que interessa para a questão de constitucionalidade:
'(...) DÉCIMA-QUINTA: Por todo o já referido, os artigos 3º e 4º do Decreto-Lei nº.
89/95 de 6 de Maio e os Artigos 2º e 3º do Decreto-Lei nº. 34/96, de 18 de Abril enquanto interpretativos da alínea h) do nº. 1 do Artigo 41º do Decreto-Lei nº.
64-A/89 de 27 de Fevereiro, a ora Recorrida entende que, são perfeitamente constitucionais. DÉCIMA-SEXTA: Porquanto tais diplomas vieram apenas explicitar o que se deveria entender por 'trabalhadores à procura do primeiro emprego', expressão contida na referida alínea h) do nº. 1 do Artigo 41º do Decreto-Lei nº. 64-A/89 de 27 de Fevereiro, não se vendo em que é que tal interpretação se oponha aos Artigos 17º e 18º da Constituição da República Portuguesa. DÉCIMA-SÉTIMA: Os argumentos da ora Recorrente quanto à pretendida inconstitucionalidade, dos Decreto-Leis nº. 89/95 e 34/96, enquanto interpretativos da al. h) do nº. 1 do artigo 41º do Decreto-Lei 64-A/89 de
27/02, serem inconstitucionais por permitirem uma interpretação restritiva do direito fundamental dos trabalhadores ao trabalho, à segurança e estabilidade do emprego, decidiram e muito bem os Excelentíssimos Senhores Desembargadores que,
- a ser válido levaria então a que todo o Capítulo VII do Decreto-Lei nº.
64-A/89, dedicado aos contratos a termo fosse declarado inconstitucional por permitir a constituição de vínculos laborais precários o que porém nunca sucedeu, por óbvias razões de política de fomento ao emprego. DÉCIMA-OITAVA: Entende a Recorrida que o Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, que confirmou a sentença proferida no processo com o nº. 420/00, do Tribunal de Trabalho de Gondomar, deverá ser mantido, porque cumpre inteiramente, os Artigos 3º e 4º do Decreto-Lei nº. 89/95 de 6 de Maio e os Artigos 2º e 3º do Decreto-Lei nº. 34/96, de 18 de Abril enquanto interpretativos da alínea h) do nº. 1 do Artigo 41º do Decreto-Lei nº. 64-A/89 de 27 de Fevereiro, e o disposto nos artigos 17º. 18º. e 52º da Constituição da República Portuguesa'.
Cumpre apreciar.
2 – Importa desde já delimitar o objecto do presente recurso, tendo em conta que ele fica definido no requerimento de interposição de recurso, não sendo admitida a sua ampliação nas subsequentes alegações.
Ora, resulta claro desse requerimento que a Recorrente pretende '(...) ver apreciada a inconstitucionalidade' dos artigos 3º e 4º do Decreto-Lei nº. 89/95, de 6 de Maio e os artigos 2º e 3º do Decreto-Lei nº. 34/96, de 18 de Abril,
'(...) enquanto aplicados como interpretativos da al. h) do nº. 1 da artº 41º do D.L. 64-A/89 de 27 de Fevereiro', pois 'tais diplomas, naqueles termos, violam o artº 17º, 18º e 52º da CRP'.
Resta averiguar se a decisão recorrida fez efectiva aplicação das normas cuja constitucionalidade é suscitada pela Recorrente.
Na sentença proferida pelo Tribunal de Trabalho de Gondomar não se encontra qualquer referência ao artigo 4º do Decreto-Lei nº. 89/95, de 6 de Maio, nem ao artigo 3º do Decreto-Lei nº. 34/96, de 18 de Abril, não tendo nenhuma destas indicadas normas sido aplicada na decisão. Nesta, apenas se refere:
'Face ao referido concluímos que o motivo de justificação do contrato a termo terá sido o da procura de primeiro emprego por parte da A.. A este propósito os artºs. 3º do D.L. 89/95, de 06.05 e 2º do D.L. 34/96, de 18.04, definem como jovens à procura de primeiro emprego as pessoas com idade igual ou superior a 16 anos e igual ou inferior a 30 anos, inscritos nos centros de emprego, que nunca tenham prestado a sua actividade mediante a celebração de contratos de trabalho sem termo. Face à cláusula 5ª do contrato celebrado entre a A. e a R., verificamos que aquela declarou nunca ter sido contratada por tempo indeterminado. Resulta daqui que o motivo justificativo da aposição do termo está indicado de forma suficiente. Assim sendo, não se verifica a nulidade do termo, sendo válido o contrato celebrado entre as partes, face à lei ordinária vigente'.
Igualmente se procura em vão no acórdão do Tribunal da Relação do Porto menção aos artigos 4º do Decreto-Lei nº. 89/95, de 6 de Maio e 3º do Decreto-Lei nº.
34/96, de 18 de Abril, mas e tão só:
'No caso em análise, embora a estipulação do termo aposto no contrato de trabalho celebrado entre a A. e a R. tenha sido feita com referência à al. h) do nº. 1 do artº. 41º do Dec.-Lei 64-A/89, entendemos que o motivo justificativo da contratação se mostra suficientemente especificado, pois que tal decorre claramente da cláusula 5ª do contrato, de onde consta que o trabalhador declara nunca ter sido contratado por tempo indeterminado – requisito considerado necessário para que se possa falar em primeiro emprego, como resulta dos artºs.
3º do Dec.-Lei 89/95, de 6/5 e 2º do Dec.Lei 34/96, de 18/4: 'jovens à procura de primeiro emprego' são as pessoas com idade ... inscritas nos Centros de Emprego, que nunca tenham celebrado contratos de trabalho sem termo.
(...) Temos, pois, atenta a forma como foi justificada a contratação, que se mostra suficientemente cumprida e observada a exigência contida na alínea h) do nº. 1 do artº 41º e na alínea e) do nº. 1 do artº. 42º, ambos do Dec-Lei 64-A/89, de
27/2. Bem concluiu, pois, o Mmº. Juiz, face à cláusula 5ª do contrato, que o motivo justificativo da contratação a termo foi suficientemente indicada, sendo por isso válida a aposição do termo no contrato 'sub-judice'.
Serve isto para dizer que não tendo sido aplicadas pela decisão recorrida as normas constantes do artigo 4º do Decreto-Lei nº. 89/95, de 6 de Maio e do artigo 3º do Decreto-Lei nº. 34/96, de 18 de Abril (desempregados de longa duração), não pode este Tribunal delas conhecer; o objecto do recurso de que o Tribunal poderia conhecer (por lapso, omitiram-se estas duas últimas palavras) limitar-se-ia, assim, ao disposto nos artigos 3º do Decreto-Lei nº 89/95 e 2º do Decreto-Lei nº 34/96, em conjugação com o que estabelece o artigo 41º nº 1 alínea h) do Decreto-Lei nº 64-A/89, já que a invocada inconstitucionalidade resulta do apelo àquelas normas que foi feita na interpretação e aplicação deste
último preceito legal.
3 – Assim delineado, o objecto do presente recurso reporta-se, fundamentalmente,
à matéria respeitante à contratação a termo de jovens à procura de primeiro emprego.
Segundo o entendimento da Recorrente, interpretar a expressão 'trabalhadores à procura de primeiro emprego' – tal como definidos no artigo 41º, nº. 1, alínea h) do Decreto-Lei nº. 64-A/89, de 27 de Fevereiro em conjugação com os artigo 3º do Decreto-Lei nº. 89/95, de 6 de Maio e artigo 2º do Decreto-Lei nº. 34/96, de
18 de Abril - no sentido de 'trabalhadores nunca contratados por tempo indeterminado' é materialmente (para além de organicamente) inconstitucional por restringir o direito fundamental ao trabalho, à segurança e estabilidade no emprego, enquanto não faz relevar contratos a termo certo que o trabalhador tenha anteriormente celebrado, assim se permitindo o que a lei quer impedir – 'a manutenção de situações de emprego precário' – com violação do disposto nos artigos 17º, 18º e 52º da CRP.
Vejamos o teor das normas em apreço.
Artigo 41º do Decreto-Lei nº.64-A/89, de 27 de Fevereiro:
'Admissibilidade do contrato a termo
1 – Sem prejuízo do disposto no artigo 5º, a celebração de contrato de trabalho a termo só é admitida nos casos seguintes: a. (...) b. (...) c. (...) d. (...) e. (...) f. (...) g. (...) h. Contratação de trabalhadores à procura do primeiro emprego ou de desempregados de longa duração ou noutras situações previstas em legislação especial de política de emprego.'
Decreto-Lei nº. 89/95, de 6 de Maio:
'Artigo 3º Jovens à procura do primeiro emprego
1 – Para efeitos do presente diploma, consideram-se jovens à procura do primeiro emprego as pessoas, com idade superior a 16 anos e inferior a 30 anos, que nunca tenham prestado a sua actividade ao abrigo de contrato de trabalho por tempo indeterminado.
2 – Não releva para efeitos de atribuição da qualificação de jovens à procura do primeiro emprego a anterior celebração de contratos de trabalho a termo.
3 – Para efeito do disposto no nº. 1, a idade do trabalhador é aferida na data da celebração do contrato de trabalho.'
Decreto-Lei nº. 34/96, de 18 de Abril
'Artigo 2º Jovens à procura do primeiro emprego
1 – Para efeitos deste diploma, consideram-se jovens à procura do primeiro emprego as pessoas com idade superior a 16 anos e igual ou inferior a 30 anos, inscritos nos centros de emprego, que nunca tenham prestado a sua actividade mediante a celebração de contratos de trabalho sem termo.
2 – Para efeitos do disposto no número anterior, a idade do trabalhador é aferida à data do início do contrato de trabalho sem termo'.
As normas conjugadas, objecto do presente recurso, qualificam como trabalhadores
à procura de primeiro emprego aqueles jovens - com idade entre os 16 e os 30 anos – inscritos nos centros de emprego que nunca tenham prestado a sua actividade por contrato de trabalho sem termo.
No entendimento da Recorrente, afastar da verificação desses requisitos aqueles jovens com idades entre os 16 e os 30 anos, inscritos nos centros de emprego, mas que prestaram anteriormente a sua actividade por contrato de trabalho a termo, é restringir ilegitimamente o direito fundamental ao trabalho, à segurança e estabilidade no emprego.
4 - Importa, agora, isolar os traços fundamentais da acção proposta pela recorrente e das decisões nela proferidas e compreender melhor o sentido do alegado pela recorrente em matéria de constitucionalidade, particularmente a dimensão normativa que questiona, no contexto daquelas decisões.
Na acção intentada pela ora recorrente, esta invocou que o contrato de trabalho com termo certo que outorgara com a Ré em 1/6/98 se deveria considerar 'ab initio' sem termo por duas ordens de razões:
- Insuficiente especificação no contrato do motivo da contratação a termo, o que implicaria considerar-se o contrato sem termo por força do disposto no artigo 42º nº 1 alínea e) e nº 3 do Decreto-Lei nº 64-A/89;
- Inexistência de motivo de contratação a termo, uma vez que a Ré contratara a Autora para executar o trabalho normal, o trabalho habitual de Técnica Postal de Gestão, o que geraria a nulidade do termo aposto, por força do artigo 41º nº 2do Decreto-Lei nº 64-A/89.
Por estas razões, deveria considerar-se nulo o 'despedimento' comunicado à Autora pela Ré, devendo esta ser condenada a pagar o valor das retribuições que a primeira deixou de auferir desde a data do seu 'despedimento' até à sentença final e a reintegrar a Autora no seu posto de trabalho ou a pagar uma indemnização por antiguidade se a Autora por esta viesse a optar.
A acção foi julgada improcedente por sentença proferida em 1ª instância que resolve duas questões:
A primeira, a de saber se o contrato era válido em função da suficiência dos termos da estipulação do termo.
A ela responde a sentença concluindo que, escrito no proémio do contrato que este 'é celebrado nos termos da alínea h) do nº 1 do artº 41º do DL
64/A/89' e, na cláusula 5ª, que a Autora 'declara nunca ter sido contratada por tempo indeterminado' o motivo da contratação a termo era a procura de primeiro emprego por parte da Autora, sendo que, a este propósito, os artºs 3º do Decreto-Lei nº 89/95 e 2º do Decreto-lei nº 34/96 definiam como jovens à procura do 1º emprego as pessoas com idade igual ou superior a 16 anos e igual ou inferior a 30 anos, inscritos nos centros de emprego, que nunca tivessem prestado a sua actividade mediante a celebração de contratos de trabalho sem termo.
A segunda questão a resolver foi a da constitucionalidade dos citados Decretos-Lei nºs 89/95 e 34/96 a que a sentença dá a resposta já acima transcrita.
A Autora recorre desta sentença para a Relação sustentando, em síntese:
- Que a cláusula contratual em causa não cumpria os requisitos formais exigidos pelo artigo 42º do Decreto-Lei nº 84-A/89
- Que se não verificavam as circunstâncias previstas no artigo 41º nº 1 alínea h) do decreto-lei nº 84-A/89 pois:
a) Trabalhador à procura de primeiro emprego é aquele que nunca trabalhou ao abrigo de contratos de trabalho com ou sem prazo;
b) Tendo em conta os artigos 4º e 5º do Decreto-Lei nº
84-C/89, a Autora, não poderia ser considerada à procura de primeiro emprego já que à data da celebração do contrato já havia trabalhado por conta da Ré no
âmbito de dois contratos a termo certo, não estava inscrita há mais de doze meses no centro de emprego e em 1/6/99 já havia celebrado contratos de trabalho a termo por períodos de seis meses que conjuntamente ultrapassavam 12 meses
Invoca, por fim a inconstitucionalidade dos citados Decretos-lei nºs
89/95 e 34/94, nos termos sintetizados nas conclusões supra transcritas.
Finalmente, o acórdão recorrido decide que os termos da estipulação do motivo do contrato a prazo são suficientes, apelando para o disposto nos mesmos decretos-lei (artigos 3º do primeiro e 2º do segundo) e resolve a questão de constitucionalidade nos termos também já transcritos.
A alegação de inconstitucionalidade, tal como é feita pela recorrente, repercute-se na resolução de duas questões: por um lado na questão da suficiência ou insuficiência da menção, no contrato, do motivo da contratação a termo certo, por outro, na questão de saber se a situação em causa permitia a celebração dessa modalidade de contratação.
Nos termos da mesma alegação, a recorrente assenta numa consideração fundamental: a de que o conceito de trabalhador à procura de primeiro emprego é restritivo do direito á segurança no emprego uma vez que é considerado como tal aquele que já trabalhou anteriormente a termo certo, quando se impunha que só o fosse aquele que nunca trabalhara; por outras palavras, quando o trabalhador já esteve anteriormente empregado a termo certo não poderia ser contratado a prazo
– admitir o contrário é restringir aquele direito fundamental.
Sem embargo de se reconhecer que o acórdão recorrido conhece da questão de constitucionalidade, importa apurar em que medida o juízo de constitucionalidade se repercutiria na decisão da causa, pois bem pode suceder que ele afinal não represente mais do que um obiter dictum resultante do facto de se apenas querer dar resposta a uma questão suscitada.
Ora, interessa, para o efeito, assinalar que, de acordo com a matéria de facto dada como provada, o contrato de trabalho a termo certo celebrado pela A. em que, no proémio, se refere o artigo 41º nº 1 alínea h) do Decreto-Lei nº 84-A/89 e, na cláusula 5ª, a declaração da Autora de que nunca fora contratada por tempo indeterminado, é o único de que os autos dão conta, constituindo os outros dois supostos 'contratos' meras renovações daquele, o que, nos termos do artigo 44º nº 4 do Decreto-Lei nº 84-A/89, se considera 'um
único contrato'.
A alegação da recorrente, pretendendo fazer valer para a última renovação operada (no âmbito da qual a Ré comunica à Autora que o contrato não será renovado e que esta considera um despedimento ilegal) a existência de dois contratos anteriores a termo certo para não ser considerada como trabalhadora á procura do primeiro emprego, só se compreende, pois, se, em contrário do que se mostra provado e do disposto no citado artigo 44º nº 4 do Decreto-Lei nº
84-A/89, ela não tem em conta que há apenas um único contrato, celebrado em
1/6/98, não vindo alegado nem provado que, anteriormente a esse único contrato, Autora e Ré tivessem celebrado outros contratos de trabalho, com ou sem prazo.
Isto significa que a dimensão normativa questionada pela recorrente sub specie constitutionis não tem qualquer atinência à decisão da causa, não podendo do mesmo modo entender-se que o julgamento de constitucionalidade feito no acórdão recorrido se viesse a repercutir naquela decisão.
E esta última asserção – aparentemente ousada – comprova-se pelo facto indiscutível de um eventual juízo de inconstitucionalidade (por as normas restringirem o direito à segurança no emprego enquanto consideram como trabalhador à procura de primeiro emprego o que já esteve contratado a prazo) se não reflectir na validade de um contrato que não foi antecedido de qualquer outro, com ou sem prazo.
Em bom rigor, pois, também as normas dos artigos 3º do Decreto-Lei nº 89/95 e 2º do Decreto-Lei nº 34/96 (por lapso, escreveu-se 34/98) não foram aplicadas, na dimensão questionada pela recorrente, como ratio decidendi, no acórdão recorrido, contra o que impõe o artigo 70º nº 1 alínea b) da LCT
5 - O que se deixa dito, prenuncia uma decisão plausível de não conhecimento do objecto do recurso, questão sobre a qual a recorrente não teve oportunidade de se pronunciar.
Deste modo, com observância do princípio do contraditório, notifique-se a recorrente para, querendo, se pronunciar sobre as questões expostas.'
Efectuada a notificação deste despacho e decorrido o prazo legal para a recorrente se pronunciar, esta nada disse.
Cumpre decidir.
2 – Como se deixou relatado, no despacho supra transcrito admitiu-se o não conhecimento do objecto do recurso, no que concerne às normas dos artigos
4º do Decreto-Lei nº 83/95 e 3º do Decreto-lei nº 34/96, por não terem sido aplicadas no acórdão recorrido e, no que respeita às normas dos artigos 3º do primeiro diploma e 2º do segundo diploma, por elas não terem sido aplicadas, na dimensão questionada pela recorrente, como razão de decidir.
O pleno da Secção acolhe igualmente este entendimento, nos seus precisos termos, sendo certo que a recorrente a ele nada opôs.
3 – Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se não conhecer do objecto do recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 Ucs, a cobrar se e quando se verificarem as condições previstas no artigo 54º nº 1 da Lei nº 30-E/2000, de 20 de Dezembro.
Lisboa, 22 de Outubro de 2002- Artur Maurício Maria Helena Brito Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa