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Processo n.º 563/00
2ª Secção Relator – Cons. Paulo Mota Pinto Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional: I. Relatório A, representado por sua mãe, B, requereu, em 22 de Dezembro de 1995, junto do Chefe da Repartição de Finanças de Pombal, avaliação de fracção autónoma de que
é proprietário e que se encontra arrendada a C, médico, na sequência de cedência da posição de arrendatário de anterior inquilino cujo contrato teve início em 1 de Setembro de 1971. Invocou o requerente a manifesta desactualização da renda mensal de 600$00, propondo a renda mensal de 80.000$00. O arrendatário contestou alegando que:
'(...)
2º O pedido dos requerentes encontra-se alicerçado nos Decs. Leis 330/81 de 4 de Dezembro, sendo certo que a notificação que ordenou a citação do requerido foi efectuada nos termos do Dec. Lei 436/83 de 19 de Dezembro.
3º Ora, quer um quer outro Dec. Leis foram revogados pelo Artigo 3º do Dec. Lei
321-B/90 de 15 de Outubro (conferir als. g) e h)) do citado Artigo. Aliás,
4º a notificação para citação do inquilino, F é como já se ventilou efectuada nos termos do Dec. Lei 436/83 de 19 de Dezembro e, como se não bastasse o facto do mesmo já estar revogado, sucede que, inclusivamente, o mesmo Dec. Lei acabou por ser declarado inconstitucional. Na verdade,
5º a actualização de rendas encontra-se actualmente disciplinada nos artigos 30º a 39º do Regime do Arrendamento Urbano e no presente caso pelo artigo 117º do mesmo diploma.
6º É certo que o Artigo 9º da R.A.U. preceitua que o artigo 4º do Dec. Lei
330/81 se mantém em vigor ‘enquanto tiver aplicação’. Porém,
7º só nas circunstâncias tipificadas pelos Artigos 30º a 39º da R.A.U. poderá haver uma actualização das rendas e só se essa actualização não tiver sido efectuada com a R.A.U. é que, nos termos do Artigo 9º da própria R.A.U. as avaliações extraordinárias se justificaram.
8º Ora, no caso dos presentes autos tal avaliação extraordinária de renda não pode ter lugar em virtude da actualização de rendas ter sido efectuada de acordo com o R.A.U. e com o próprio requerido, falecendo assim as razões invocadas factualmente, por falsas dos requerentes. Com efeito,
9º os requerentes vêm factualmente justificar uma avaliação extraordinária da renda alegando que o contrato de arrendamento foi outorgado para fins de Consultório Médico e pela renda mensal de 600$00, valor esse de renda , que se mantém em vigor, acrescentando no artigo 3º do pedido ‘que a renda em vigor encontra-se manifestamente desactualizada’...
10º Ora, isto não é verdade. É falso. Com efeito,
11º A renda tem sido actualizada anualmente, e tem sido pontualmente paga pelo requerido. É que,
12º o montante actual da renda não são 600$00, mas 2.406$00. Acresce que,
13º como muito bem sabe a requerente, é a própria que emite e assina os recibos de renda a favor do requerido e é a mesma que procede à actualização anual das rendas. Aliás, comunicado ao requerido nos prazos legais. (...)' Em 14 de Janeiro de 1997, a comissão de avaliação emitiu parecer no sentido de atribuir o valor de renda anual de 390.000$00. Deste parecer interpôs o inquilino recurso junto do Tribunal Judicial da Comarca de Pombal. Notificado para se pronunciar, o requerente alegou que:
'1º Face à ressalva constante do artigo 9º do Decreto-Lei n.º 321-B/90, de
15.10, mantém-se em vigor o artigo 4º do Decreto-Lei n.º 330/81, de 04.12 e o artigo 5º do Dec.-Lei n.º 463/83, de 15.12, com o alcance resultante do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 77/88, de 12.04.88.
2º E, por isso, o artigo 4º do Dec.-Lei n.º 330/81 é aplicável a todos os contratos para fins não habitacionais, anteriores à entrada em vigor desse diploma legal desde que, quanto aos mesmos, não tenha sido usado da faculdade aí prevista, de requerer a avaliação extraordinária da renda.
3º Por outro lado, o artigo 1º do Decreto-Lei n.º 189/82, de 17.05, que veio fazer a interpretação autêntica do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 330/81, de
04.12, determina que a actualização anual pelos coeficientes anuais não obsta à avaliação extraordinária.
4º O que, aliás, se compreende pela simples razão de que as actualizações anuais por factores e a actualização extraordinária prosseguem objectivos autónomos entre si: no caso da actualização anual, obviar ao alargamento do fosso entre os valores das rendas antigas e as actuais; no caso da actualização extraordinária, corrigir eventuais desajustamentos entre os valores da renda e os julgados mais justos e razoáveis, tendo ainda em conta o objectivo de corrigir distorções de mercado dado que se trata de arrendamentos para exercício de actividades económicas e ainda à luz do princípio do não locupletamento à custa alheia.
5º Pelo que a interpretação que o recorrente pretende fazer valer de que a avaliação não seria possível em caso de o senhorio já ter entretanto procedido a actualizações anuais por coeficientes legais, colocaria em flagrante desigualdade situações iguais de arrendamento anteriores à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 330/81, de 04.12 e, deste modo, seria, em tal interpretação, ferido de inconstitucionalidade o artigo 1º do Decreto-Lei n.º 189/82, de 17.05
(que interpreta autenticamente o artigo 4º do Dec.-Lei n.º 330/81, de 04.12) por violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa. (...)' Por decisão de 15 de Julho de 1998 foi concedido provimento ao recurso considerando-se, assim, sem efeito a avaliação efectuada pela comissão nos seguintes termos:
'Da questão prévia da admissibilidade da avaliação extraordinária. O sistema legal de actualização de rendas no caso de arrendamentos não habitacionais foi regulamentado inicialmente pelos artºs. 1104 a 1106 do CC, prevendo o art.º 1105 uma avaliação fiscal requerida pelo senhorio, destinada a corrigir o rendimento ilíquido inscrito na matriz, desde que decorridos 5 anos sobre a avaliação anterior ou sobre a fixação ou alteração contratual da renda ocorridas anteriormente. O DL 330/81, de 4/12 veio introduzir o sistema da actualização anual para os arrendamentos comerciais, industriais e para exercício de profissões liberais, posteriormente alargado a todos os arrendamentos urbanos destinados a fins diferentes de habitação pelo DL 189/82 de 17/5 (cfr. artº 2º). Este diploma estabelecia que as actualizações teriam por base um coeficiente, o qual constaria de portaria a publicar anualmente até 31 de Outubro para vigorar no ano civil seguinte. De harmonia com o disposto no n.º 1 do art.º 4º do DL 330/81 o regime dele emergente aplicava-se aos contratos de arrendamento para comércio, indústria ou profissão liberal existentes à data da sua entrada em vigor, decorridos 5 anos sobre a sua última avaliação, fixação ou alteração contratual da renda e ainda em caso de trespasse ou cessão de arrendamento desde que tivesse decorrido mais de um ano sobre aqueles factos. O n.º 2 do art.º 4º do diploma em referência abria ainda a possibilidade de ser requerida uma avaliação fiscal extraordinária para ajustamento das rendas praticadas à data da aplicação do regime de actualização anual. Face às dúvidas suscitadas pela aplicação deste preceito e não completamente dissipadas pelo despacho normativo n.º 75/82 (DR I- Série de 11/5/1982), foi publicado o DL
189/82, de 17/5 que, fazendo interpretação autêntica do art.º 4º do DL 330/81, veio permitir ao senhorio que tivesse requerido a avaliação fiscal extraordinária proceder à actualização anual da renda, com base no coeficiente em vigor, até lhe ser possível o ajustamento da mesma através da avaliação (cfr. art.º 1º). Do mesmo modo, e nos mesmos termos do n.º 2 do mesmo preceito legal, permitia-se ao senhorio que já tivesse exigido a actualização da renda com base na Portaria 62/82 de 15/1, o requerimento de avaliação fiscal extraordinária, desde que feito no prazo de 90 dias a contar da data de publicação do diploma. Do regime legal saído da publicação do DL 189/82 de 17/5, e ao contrário do que defende o ora recorrido, resulta que para futuro a aplicação do coeficiente de actualização antes de ser requerida a avaliação fiscal obstava à mesma. Com efeito, só assim se compreende a ressalva do n.º 2 do art. 1º, ao permitir que o senhorio que tivesse aplicado o coeficiente de actualização sem requerer a avaliação extraordinária o pudesse ainda vir a fazer no prazo de 90 dias contados da publicação do diploma. Acresce que o n.º 7 do art.º 4º (redacção do DL 392/82, de 18/9), acrescentando um novo obstáculo à possibilidade de ser requerida a avaliação extraordinária, interditava-a nos casos em que o senhorio e o arrendatário acordassem no montante da actualização da renda. (...) Por último, e ainda este propósito, anota-se apenas que era este o regime consagrado expressa e claramente no n.º 4 do art. 5º do DL 436/83, de 19/12, cuja declaração de inconstitucionalidade conduziu à repristinação dos DL 330/81 e 392/82. O RAU em vigor trata unitariamente as actualizações de rendas nos arrendamentos urbanos sem diferenciação atento o seu fim. De acordo com o n.º 1 do art.º 30º
‘a actualização de rendas é permitida apenas nos casos previstos na lei e pela forma nela regulada’, o que nos remete para o preceituado no art.º 31º, que enumera como casos de actualização a anual em função de coeficientes aprovados pelo Governo e noutras ocasiões, em função de obras de conservação extraordinária ou beneficiação realizadas pelo senhorio. No entanto o art.º 9º do DL 321-B/90, de 15 de Outubro, manteve em vigor ‘o disposto no art.º 4º do DL 330/81, de 4/2 com redacção dada pelo DL 392/82, de
18/9, nos artºs 5º a 11º do DL 436/83, de 19/12, com o alcance resultante do n.º
17 al. c) do Ac. do TC 77/88 e artºs 11º a 15º da Lei 46/85, de 20/9, no tocante a avaliações extraordinárias e a correcções extraordinárias de rendas, bem como legislação para que eles remetam enquanto tiver aplicação’. Analisando esta ressalva introduzida pelo DL 321-B/90 conclui-se que ‘ao manter em vigor enquanto tiver aplicação o artº 4º do DL 330/81, nos termos e na medida em que essas avaliações podiam ser requeridas avaliações fiscais extraordinárias em relação aos arrendamentos sujeitos à data da entrada em vigor do RAU. Assim, a avaliação não será possível no caso de o senhorio já ter procedido, entretanto, a actualizações anuais para aplicação dos coeficientes legais ou no caso de ter acordado com o arrendatário o montante da actualização’ (autor e obra citados[...], pág. 143). No caso em apreço o senhorio, ora recorrido, alegou que a fracção objecto da avaliação extraordinária foi dada de arrendamento para o exercício de profissão liberal em 1/9/1971, pela renda mensal de 600$00, que se mantém. Contudo, logo na resposta o recorrente impugnou aquela factualidade, referindo que a renda tem vindo a ser anualmente actualizada, fixando-se em 2406$00 mensais fruto dessas actualizações, o que comprovou pela junção dos respectivos recibos. Desta forma, e atentando em quanto se deixou dito, a avaliação extraordinária prevista no DL 330/81 não tem aqui cabimento legal, dado que à data da entrada em vigor do RAU já não seria possível ao senhorio requerê-la. E não se diga que tal entendimento fere o princípio constitucionalmente consagrado da igualdade pois o recorrido na sua qualidade de senhorio – ou o anterior proprietário – teve a possibilidade de desencadear a avaliação extraordinária, apesar da actualização, usando o regime de excepção do n.º 2 do art. 1º do DL 392/82; não o tendo feito precludiu-se tal direito, como acontece em todos os domínios da esfera jurídica de cada indivíduo, já que a segurança nas relações jurídicas é também um princípio basilar do Estado de Direito.' Inconformado com esta decisão, o requerente interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação em 21 de Outubro de 1998, e recurso de constitucionalidade para este Tribunal em 23 do mesmo mês, para apreciação do artigo 1º do Decreto-lei n.º 189/82, de 17 de Maio, 'na interpretação que considera que estas normas discriminam entre os casos de pedido de avaliação extraordinária de renda não habitacional apresentados antes ou depois de iniciada a actualização por coeficientes anuais por colocar em flagrante desigualdade situações iguais de arrendamento, anteriores à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 330/81, de 04.12.' Por despacho de 7 de Fevereiro de 2000 foi admitido este segundo recurso. Notificado para alegar, concluiu o recorrente nos seguintes termos:
'a) A interpretação dada ao artigo 4º do Decreto-Lei n.º 330/81, de 04.12, pelo Decreto-Lei n.º 189/82, de 17.05, no sentido de ao senhorio que optasse por aplicar o coeficiente de actualização anual antes de apresentar o requerimento de avaliação fiscal fica vedado o acesso à avaliação, ofende o princípio constitucional da igualdade. b) A situação do senhorio que faz preceder o pedido de avaliação fiscal da actualização da renda por factores é substancialmente igual à do senhorio que faz preceder o pedido de actualização por coeficientes do pedido de avaliação fiscal. c) A compatibilidade das duas formas de actualização resulta de uma razão de fundo, presente qualquer que seja o momento do pedido da avaliação, que é a diferente natureza e fim de cada uma dessas formas de actualização. d) A actualização por avaliação extraordinária visa repor o valor da renda num montante que repare a erosão do valor das rendas causada pelo longo período de tempo da sua inalterabilidade. e) A actualização por coeficientes visa obstar a que o valor das rendas venha a degradar-se no futuro.' Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos Antes de se abordar as questões de constitucionalidade suscitadas pelo recorrente, cabe uma referência ao facto de da decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Pombal ter havido interposição de recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra – que, certamente por ter sido admitido o recurso para o Tribunal Constitucional, não chegou a ser despachado. A questão é relevante por se prender com a verificação de um dos pressupostos do recurso de constitucionalidade – a saber, o do prévio esgotamento de recursos (n.º 2 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional). O recurso para o Tribunal da Relação foi interposto, como se viu, em 21 de Outubro de 1998, altura em que vigorava o Decreto-Lei n.º 436/83, de 19 de Dezembro, que, no seu artigo 9º determinava que '[d]o resultado da avaliação fiscal extraordinária poderão recorrer tanto o senhorio como o inquilino, aplicando-se os mesmos termos do recurso interposto das avaliações requeridas no
âmbito do artigo 1105º do Código Civil, com as necessárias adaptações.' Por seu turno, as avaliações fiscais no âmbito deste artigo faziam-se nos termos do Decreto n.º 37 0211, de 21 de Agosto de 1948, alterado pelo Decreto n.º 37
784, de 14 de Março de 1950 e pelo Decreto-Regulamentar n.º 1/86, de 2 de Janeiro, nos termos do qual das decisões do chefe da repartição de Finanças e do presidente da comissão de avaliação, bem como das deliberações desta, cabia recurso para o juiz do tribunal da respectiva comarca (artigo 14º), não cabendo recurso da sua decisão final (artigo 15º, § único). Tendo também em conta que a alçada do tribunal da 1ª instância só pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, foi fixada em valor que impedia o recurso para o Tribunal da Relação, poder-se-ia, eventualmente, ter discutido uma (implícita) recusa de admissão do recurso intentado interpor para essa segunda instância. A solução consagrada no referido
§ único do artigo 15º do Decreto n.º 37 021, na redacção do Decreto Regulamentar n.º 1/86, foi objecto, num primeiro momento (excepção feita ao Acórdão n.º
270/95, publicado no Diário da República [DR], II Série, de 21 de Julho de
1995), de um juízo de inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, na medida em que não permitia o acesso aos tribunais superiores em via de recurso, para discussão de questão atinente à admissibilidade legal da avaliação extraordinária recorrida (Acórdãos n.ºs. 124/98, 383/98, 695/98 e
696/98, publicados, respectivamente, no DR, II Série, de 30 de Abril de 1998, de
28 de Novembro de 1998, em Acórdãos do Tribunal Constitucional [ATC], 41º vol.,
1998, pp. 603-623, e o último não publicado). Contudo, a partir do Acórdão n.º
202/99, tirado em Plenário na sequência de divergência entre o referido Acórdão n.º 696/98, no sentido da inconstitucionalidade, e o Acórdão n.º 638/98
(publicado no DR, II Série, de 15 de Maio de 1999), que retomou a tese da não inconstitucionalidade da norma em causa, adoptada no Acórdão n.º 270/95, firmou-se jurisprudência no sentido de se não ter por inconstitucional a norma do § único do artigo 15º do Decreto n. 37 021, de 21 de Agosto de 1948, na redacção do Decreto-Regulamentar n.º 1/86, de 2 de Janeiro, na parte que não permite o acesso aos tribunais superiores, por via de recurso, em processo com valor superior à alçada do tribunal recorrido, para discussão da questão atinente à admissibilidade legal da avaliação extraordinária. Isto considerado, compreende-se já que o recorrente tenha interposto sucessivamente o recurso para o Tribunal da Relação (a que, segundo os critérios do n.º 1 do artigo 678º do Código de Processo Civil, teria acesso, por o valor da causa ser então superior a metade da alçada do tribunal) e para o Tribunal Constitucional. Não há, de todo o modo, obstáculo ao conhecimento do recurso. Está em causa a 'interpretação dada ao artigo 4º do Decreto-Lei n.º 330/81, de
04/12, pelo Decreto-Lei n.º 189/82, de 17.05, no sentido de ao senhorio que optasse por aplicar o coeficiente de actualização anual antes de apresentar o requerimento de avaliação fiscal [ficar] vedado o acesso à avaliação [fiscal extraordinária', entendendo o recorrente que tal interpretação ofende o princípio constitucional da igualdade. Ora, em boa verdade, declarando fazer interpretação autêntica do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 330/81, o legislador do Decreto-Lei n.º 189/82, de 17 de Maio, fixou também, de forma inovadora, um prazo para o recurso a essa avaliação:
'Tratando-se de contratos de arrendamento referidos no n.º 1 do artigo 4º do
[Decreto-Lei n.º 330/81] e em que os senhorios já tenham exigido a actualização da renda com base no coeficiente fixado pela Portaria n.º 62/82, de 15 de Janeiro, poderá ainda ser requerida, no prazo de 90 dias a contar da data da publicação do presente diploma, a avaliação fiscal extraordinária prevista no n.º 2 do mencionado artigo 4º.' O que é dizer que se deve entender o sentido impugnado com essa ressalva. Na verdade, os senhorios que tenham optado por aplicar o coeficiente de actualização fixado anualmente não ficaram impedidos de apresentar o requerimento para sujeitar os seus imóveis arrendados a avaliação fiscal: ficaram, sim, sujeitos a um prazo relativamente curto para o fazerem, e no caso dos autos viram-se, de facto, impedidos de recorrer a tal avaliação fiscal, porque só o diligenciaram em 22 de Dezembro de 1995. Adequadamente delimitado o objecto do recurso, pode agora, como escreveu o recorrente, entrar-se 'no âmago da questão do presente recurso que é a da invocada desconformidade do artigo 1º do Decreto-Lei nº 189/82, de 17.05 e do artigo 4º do Decreto-Lei n. 330/81, de 04.12, com o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da CRP.' Uma vez que já se transcreveu acima a disposição pertinente (a do nº 2) do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 189/82, de 17 de Maio, pode transcrever-se agora apenas a do n.º 2 do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 330/81, de 4 de Dezembro, que
é, igualmente, a relevante para o caso. Previa esta norma:
'Poderá ser requerida uma avaliação fiscal extraordinária para ajustamento das rendas praticadas à data da aplicação do regime de actualização anual' Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 436/83, de 19 de Dezembro, veio revogar ambos os mencionados diplomas (artigo 12º, n.º 1), mas manteve a previsão da possibilidade de requerer 'uma avaliação extraordinária para ajustamento das rendas praticadas à data da aplicação do regime de actualização anual' (artigo
5º, n.º 1). Porém, o Acórdão n.º 77/88 (publicado no DR, I Série, de 28 de Abril de 1988), declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, deste diploma, repristinando, portanto, ambos os diplomas anteriores (cfr. os Acordãos n.ºs
330/90 e 352/92, publicados respectivamente, no DR, II Série, de 19 de Março de
1991 e em ATC, 23º vol., 1992, pp. 475-482), que só vieram a ser revogados pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro (artigo 3º, com a ressalva do artigo
9º) e pelo Regime do Arrendamento Urbano por tal diploma aprovado. Uma vez que não cabe a este Tribunal apreciar do bem fundado da aplicação das normas de direito infra-constitucional que lhe são presentes, desde que tenham sido efectivamente aplicadas (cfr., por exemplo, Acórdãos n.ºs. 44/85, 21/87,
339/87 e 315/92, publicados, respectivamente, nos ATC, 5º vol., pp. 403 e ss., e no Diário da República, II Série, de 31 de Março de 1987, de 19 de Setembro de
1987 e de 18 de Fevereiro de 1993), o que há a decidir é apenas se viola o princípio da igualdade a opção feita pelo legislador do Decreto-Lei n.º 182/82, no sentido de restringir a um prazo de 90 dias, contados a partir de 17 de Maio de 1982, a possibilidade, dos senhorios em contratos de arrendamento para o comércio, indústria ou profissão liberal em que já tivesse havido aplicação das actualizações anuais, de requerer a avaliação extraordinária prevista no n.º 2 do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 330/81. Este n.º 2 do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 330/81 parecia, aliás, precludir o recurso à avaliação extraordinária tão logo se optasse pelo regime de actualização anual. No ensinamento de F.M. Pereira Coelho (Arrendamento – Direito Substantivo e Processual. Lições ao curso do 5º ano de Ciências Jurídicas no ano lectivo de 1988-1989, policop., Coimbra, 1988, pp. 175-176), a
'avaliação fiscal extraordinária tem em vista ‘o ajustamento da renda praticada
à data da aplicação do regime de actualização anual’ (art. 4º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 330/81), não se justificando, por isso, se o regime de actualização anual já está a ser praticado à data em que a avaliação é requerida: a lei entende que, numa tal hipótese, o senhorio considerou a renda que vinha a ser praticada como base correcta para sobre ela funcionar, de futuro, o sistema de actualização anual'. O prazo discutido no presente recurso (apesar de limitado e há tanto tempo transcorrido), representou, pois, um avanço em relação ao mais rígido regime do Decreto-Lei n.º 330/81. Pelo que, a ser constitucionalmente desconforme pelas razões invocadas, implicaria tratar da mesma forma todas as 'situações iguais de arrendamento, anteriores à data de entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 330/81, de 04.12' (na versão do requerimento de interposição de recurso), ou 'a situação do senhorio que faz preceder o pedido de avaliação fiscal da actualização da renda por factores' e a 'do senhorio que faz preceder o pedido de actualização por coeficientes do pedido de avaliação fiscal' (na versão das conclusões das alegações). A questão é, portanto, a do prazo, como se disse ao delimitar o objecto do recurso, mas visa obter a declaração – pela via de um juízo de inconstitucionalidade – da inexistência de prazo: porque se entender que são iguais as situações dos arrendamentos submetidos a diversos regimes devido à existência de tal prazo – seja por tais arrendamentos vigorarem já antes do diploma que permitiu a actualização anual por coeficientes e por avaliação fiscal extraordinária (e, portanto, por corresponderem às situações que motivaram o legislador a criar ambos os regimes), seja por se entender dever ser irrelevante a ordem de aplicação. Dificilmente se poderá, porém, aceitar esta última consideração. Na verdade, é evidente que, ao contrário do que invoca o recorrente, não seria idêntico fazer uma actualização de um certo montante de renda segundo coeficientes reduzidos e permitir, anos passados, a avaliação para determinar um valor próximo do de mercado, ou fazer primeiro a avaliação e aplicar, daí para a frente, os coeficientes de actualização a partir do valor actualizado (uma vez que as actualizações se somariam ao valor determinado pela avaliação, acrescendo-o). Nessa medida, porém, dir-se-ia até que o argumento do recorrente sai reforçado: se se, apesar da necessidade de protecção do inquilino que a regulamentação das rendas visava, pode pedir a avaliação antes de se proceder à aplicação dos coeficientes de actualização, por maioria de razão – não por igualdade de razão
– se deveria pedi-la depois. Tal raciocínio seria, todavia, precipitado. Na verdade, tal conclusão suporia que não existissem razões específicas, constitucionalmente relevantes, para a diferenciação que se anotou. Ora, para além da já referida, apontada por Pereira Coelho – a '(...) lei entende que, numa tal hipótese, o senhorio considerou a renda que vinha a ser praticada como base correcta para sobre ela funcionar, de futuro, o sistema de actualização anual' –, outras existem. Desde logo, importa considerar o carácter tipicamente alternativo das duas medidas, revelado, claramente, pelas diferentes consequências da sua aplicação desfasada no tempo, e pelo facto de que a sua aplicação simultânea permitiria actualizar um valor acabado de definir segundo critérios que remetiam para o valor de mercado (ao contrário do que aconteceria aos arrendamentos novos, que só passado um ano seriam actualizados). Em resultado dessa natureza alternativa, justificar-se-ia que houvesse uma opção entre um ou outro, ou que o legislador admitisse apenas a sua acumulação em termos limitados. Prevaleceu esta última posição: limitando-se no tempo a possibilidade de recurso
às avaliações fiscais (o referido prazo de 90 dias do Decreto-Lei n.º 189/82); excluindo-se a avaliação fiscal quando senhorio e arrendatário acordassem no montante da actualização da renda (n.º 7 do artigo 4º do Decreto-Lei 330/81, na redacção do Decreto-Lei n.º 392/82, de 18 de Setembro); fixando-se um tecto transitório para os aumentos possivelmente resultantes das avaliações extraordinárias já efectuadas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 330/82; e anulando-se todos os resultados das avaliações extraordinárias já efectuadas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 330/81 (n.º 1 do artigo 2º do Decreto-Lei n.º 392/82), bem como suspendendo-se todas as ainda em curso (n.º 3 do mesmo artigo). O que, quando muito, pode provar, apenas, que o legislador de 1982 veio contradizer o regime do ano anterior – mas não que o regime de base era inconstitucional, muito menos quando integrado neste contexto. A comparação entre quem actualizou primeiro e requereu avaliação depois e entre quem requereu avaliação primeiro e actualizou depois, não é, pois, rigorosa, por confrontar situações de diversa, e não igual, relevância, e baseia-se, afinal, num juízo, no mínimo, discutível – o de que estaríamos perante a soma de dois regimes, sendo arbitrária a ordem dos factores. O que está em causa, porém, não é o exercício irrestrito da faculdade de requerer a avaliação extraordinária mas sim a sua limitação – uma vez que na ponderação de valores que lhe cabe, o legislador entendeu claramente admiti-la, mas restringi-la. Ora, como se escreveu no Acórdão n.º 369/97, publicado no Diário da República, II Série, de 10 de Julho de 1997, o que caracteriza uma medida legislativa como inconstitucional por violação do princípio da igualdade é, 'em última análise,
[a] ausência de fundamento material suficiente, isto é, (...) falta de razoabilidade e consonância com o sistema jurídico'. E cabe recordar, como repetidamente tem sido assinalado pela jurisprudência constitucional, que, na apreciação do princípio da igualdade, aos tribunais
(incluindo o Tribunal Constitucional) não compete verdadeiramente
'substituírem-se' ao legislador, ponderando a situação como se estivessem no lugar dele e impondo a sua própria ideia do que seria, no caso, a solução
'razoável', 'justa' e 'oportuna' (do que seria a solução ideal do caso). Compete, apenas, 'afastar aquelas soluções legais de todo o ponto insusceptíveis de se credenciarem racionalmente' – cfr., por todos, os Acórdãos da Comissão Constitucional n.º 458, apêndice ao DR, de 23 de Agosto de 1983, p. 120, e do Tribunal Constitucional n º 634/95, DR, II Série, de 20 de Abril de 1996).' Como se viu, no presente caso não pode entender-se como destituída de fundamento material suficiente a limitação temporal da possibilidade de recurso a uma avaliação fiscal extraordinária, mormente se integrada no quadro das outras limitações à sua efectivação e resultados. Por outro lado, e na medida em que todos os arrendamentos pré-existentes ao Decreto-Lei n.º 330/81, e por ele abrangidos, puderam beneficiar do duplo regime de actualização das rendas nele previsto, e que todos os arrendamentos não habitacionais (e não só os inicialmente abrangidos pelo Decreto-Lei n.º 330/81) puderam beneficiar de um prazo de 90 dias (contados deste 17 de Maio de 1982), para, após aplicação do regime de actualização por coeficientes, requerer avaliação extraordinária (posteriormente sujeita aos condicionalismos do Decreto-Lei n.º 392/82), também não se descortina aqui qualquer violação do princípio da igualdade. Conclui-se, assim, que as normas impugnadas não violam o princípio da igualdade, em nenhum dos apontados sentidos. III. Decisão Pelos fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao recurso e condenar o recorrente em custas, com 15 ( quinze ) unidades de conta de taxa de justiça. Lisboa, 2 de Outubro de 2002. Paulo Mota Pinto Bravo Serra Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa