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Proc. n.º 633/01 Acórdão nº 417/02
1ª Secção Relatora: Maria Helena Brito
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. Nos presentes autos de acção especial de expropriação por utilidade pública, foi adjudicada à Região Autónoma da Madeira o direito de propriedade sobre um prédio (identificado nos autos) pertencente a A, por despacho proferido no 4º Juízo Cível do Funchal em 18 de Outubro de 1999 (fls. 251 e seguintes).
2. A. interpôs, ao abrigo do disposto no artigo 56º do Decreto-Lei n.º
438/91, de 9 de Novembro, recurso da decisão arbitral de fls. 5 e 6, que fixara
à indemnização a atribuir pela expropriação o valor de 584.460$00, pedindo que à indemnização fosse fixado o valor de 1.823.100$00 (fls. 259 e seguintes).
Na sua resposta, o Governo Regional da Madeira sustentou que deveria ser mantido o valor da indemnização fixada pela arbitragem (fls. 270 e seguintes).
Realizada a avaliação, A. produziu alegações, nas quais sustentou, para o que aqui releva, o seguinte (fls. 326 e seguintes):
'[...]
[...]a grande divergência situa-se na aplicação do disposto no artº 25º nº 5 do anterior Código das Expropriações, que surge ao arrepio de qualquer fundamentação, nada sendo invocado a favor da sua utilização ao caso concreto dos presentes autos. Essa norma, que foi totalmente suprimida no actual Código, dispõe que:
«5 - À parte do solo apto para construção que exceder a profundidade de 50m, relativamente a todos os arruamentos que o ladeiam e que não possa ser aplicada na construção corresponderá, no caso de ser economicamente justificável, um valor unitário de 20% do valor unitário da parte restante...» Ora, e independentemente de quaisquer outras considerações, é bem patente que os Srs. Peritos não avaliaram qualquer «parte restante», nem fizeram qualquer distinção entre terreno expropriado apto para construção e terreno abrangido pela limitação desta norma, sendo portanto, evidente que a mesma não se aplica ao caso dos autos. E, por outro lado, a norma em causa refere-se a terreno «que não possa ser aplicado na construção», e, segundo todos os peritos, o terreno que foi avaliado não sofre dessa limitação, o que torna também mais do que evidente que o aludido nº 5 do artº 25º do anterior Código não se aplica a esta situação. Mesmo que assim não fosse, seria necessário ter em consideração que:
«... as consequências do limite de 50m fixado no nº 5 do artº 25 são injustas e inaceitáveis...
...Este requisito põe em causa o princípio da justa indemnização que, como se refere doutamente no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 210/93, tem implicada necessariamente a observância do princípio da igualdade...» (José Osvaldo Gomes, Expropriações por Utilidade Pública, pág. 198 e 199).
[...].'
O Governo Regional da Madeira também alegou, tendo entre o mais sustentado o seguinte (fls. 330 e seguintes)
'[...] Os critérios adoptados pelos árbitros são os constitucionalmente consagrados – valor real e actual do bem objecto de expropriação. O que o recorrente/expropriado pretende é subverter os princípios constitucionais, de modo a que eles cubram intuitos especulativos. Só que a Constituição tanto impede (e bem) a fixação de valores que não correspondem à realidade, como impede (até por maioria de razão) a fixação de valores especulativos, como pretende o recorrente. O dinheiro afecto ao pagamento da expropriação são dinheiros públicos (dinheiro de todos nós), que deve conduzir à justa compensação do expropriado, mas não à especulação e diga-se que o valor fixado no auto de arbitragem já é bastante acentuado.
[...] A Administração não pode, nem deve, penalizar o expropriado, não lhe pagando o justo preço mas, também, não pode permitir que o expropriado se sirva da expropriação para especular e extorquir valores desproporcionadamente superiores ao efectivo valor dos bens objecto da expropriação.
[...] Não tem o recorrente/expropriado razão já que tem lugar a aplicação do artº 25º, nº 5 do Código das Expropriações, que nada tem de inconstitucional.
[...].'
3. Por sentença de fls. 386 e seguintes, o juiz do 4º Juízo Cível do Funchal julgou o recurso parcialmente procedente e, em consequência, fixou o valor da indemnização a atribuir ao recorrente e aos demais comproprietários da parcela expropriada em 715.500$00, acrescida da aplicação da taxa resultante da evolução do índice de preços no consumidor que viesse a ser fixada para o ano
2000 pelo I.N.E.. Lê-se no texto da sentença o seguinte:
'[...] Resulta, desde logo, do teor da norma transcrita [o artigo 25°, nº 5, do Código das Expropriações de 1991], que a redução de valor aí prevista apenas terá lugar quando a área excedente não possa ser aplicada na construção, o que significa que, se todo o terreno estiver destinado, de acordo com plano municipal eficaz, a adquirir as características descritas na alínea a) do nº 3 do art. 25°, não tem lugar a redução de valor para 20% do valor unitário da parte restante [...]. De referir também que o art. 25°, nº 5 terá de ser conjugado com o disposto no nº 3 do art. 24° do Código das Expropriações, dado que há que ponderar que a
área de implantação e o logradouro das construções isoladas até ao limite do lote padrão, terá de ser equiparada a solo apto para a construção. Importa salientar ainda que «(...) se o terreno, embora situado para além da linha de 50 m, tiver sido considerado para efeito da determinação da edificabilidade do terreno (i. e., tiver servido de base, tal como o restante, para aplicação do índice de construção), já não será economicamente justificável a aplicação do preceito» [...]. Significa isto que, mesmo quando o solo é classificado como solo apto para a construção, nem toda a área da parcela expropriada tem necessariamente o mesmo valor: o valor da parte do solo da parcela expropriada que não exceda a profundidade de 50 m relativamente a todos os arruamentos que o ladeiam, é calculado em conformidade com os critérios constantes dos nºs 1 a 4 do art. 25°; o valor do solo que exceda essa referida profundidade de 50 m e que não possa ser aplicado na construção será encontrado em função da aplicação de uma redução de 20% do valor unitário da parte restante. De realçar que «(...) esta norma, ao fixar um critério objectivo de determinação do valor de parte das parcelas expropriadas, tem natureza imperativa, aplicando-se sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos e não podendo ser afastada por considerações subjectivas» [...]. Pugna o recorrente pela inconstitucionalidade da norma em apreço por entender que a mesma viola o princípio da justa indemnização consagrado constitucionalmente – art. 62°, nº 2 da C.R.P. J. Osvaldo Gomes a fls. 198 e 199 do seu livro Expropriações por Utilidade Pública, defende que o limite de profundidade fixado no art. 25°, nº 5 trata de modo desigual e injusto os proprietários de terrenos sempre que estes tenham profundidade superior a 50 m, para além do que impede uma compensação integral afastando o valor real e corrente de mercado. Ora, como resulta do já anteriormente expendido, a justa indemnização deve ser aferida em função das circunstâncias e das condições de facto existentes à data da declaração de utilidade pública. A Constituição não define concretamente o que deve entender-se por justa indemnização, contudo, esta há-de aproximar-se o mais possível de uma reconstituição natural, atento o princípio vertido no art. 562° do Código Civil. A génese do princípio constitucional da justa indemnização radica na pretensão de evitar que aos expropriados possam ser concedidas indemnizações manifestamente insuficientes para compensar o dano sofrido com a privação do bem, que seriam desajustadas do montante que resultaria da aplicação da teoria da diferença prevista na lei civil e do valor venal ou de mercado do bem expropriado.
«A indemnização, com efeito, só é justa se conseguir ressarcir o expropriado do prejuízo que efectivamente ele sofreu. Não pode, por isso, ser de montante tão reduzido que a torne irrisória ou meramente simbólica, mas também não pode ser desproporcionada à perda do bem expropriado. Não deve, assim, atender a factores especulativos ou outros que distorçam, para mais ou para menos, a proporção que deve existir entre o prejuízo imposto pela expropriação e a compensação a pagar por ela» – Acórdão nº 20/2000 do Tribunal Constitucional – proc. nº 209/98, publicado no D.R II Série de 28.04.2000. A observância ao princípio constitucional da justa indemnização, exige ao legislador ordinário a definição de um critério do quantum indemnizatório susceptível de realizar o princípio da igualdade dos expropriados entre si e destes com os não expropriados. Desta forma, «(...) a desigualdade imposta pela expropriação tem de compensar-se com o pagamento de uma indemnização que assegure ‘uma adequada restauração da lesão patrimonial sofrida pelo expropriado’. (...) O princípio da igualdade, por outro lado, proíbe que se dê tratamento jurídico desigual aos expropriados colocados em idêntica situação, só podendo estabelecer-se distinções de tratamento ali onde exista um fundamento material para tanto. (...) O desiderato de justiça, postulado pelo reconhecimento de um direito fundamental dos expropriados ao recebimento de uma justa indemnização pela perda do bem de que são privados por razões de utilidade pública, alcança-se, seguramente, quando o legislador opta pelo critério do valor de mercado do bem expropriado» (Acórdão nº 20/2000 acima mencionado). A diferença estabelecida no art. 25°, nº 5 que, no entender do expropriado, acarretaria uma violação do princípio da justa indemnização, radica na diferenciação de critérios para o cálculo do valor das partes da parcela expropriada em função de excederem ou não 50 m de profundidade relativamente a todos os arruamentos que o ladeiam. Ora, trata-se, por conseguinte, da aplicação de um critério objectivo, qual seja, o exceder a profundidade de 50 m relativamente a todos os arruamentos que ladeiam o solo. Como se viu, à parte do solo que não exceder esses 50 m de profundidade aplica-se para o cálculo do seu valor os critérios dos nºs 1 a 4 do art. 25°; à parte que exceda essa profundidade aplicar-se-á uma redução do valor encontrado nos termos dos números anteriores a 20% (nº 5 do art. 25°). Tratando-se, efectivamente, de um critério objectivo e imperativo, caso se verifiquem os pressupostos legais, não se vislumbra que a sua aplicação acarrete qualquer diferenciação de tratamento entre os expropriados, porquanto não serão critérios de natureza subjectiva que determinarão a redução a 20% do valor encontrado. Acresce que a redução mencionada só terá lugar se a parte do solo que exceda a profundidade de 50 m relativamente aos arruamentos que o ladeiam não puder ser aplicada na construção, caso contrário, essa redução não ocorre. Ora, se assim é, não pode deixar de considerar-se que as características que o terreno possui e que aqui relevam, relevariam, também elas, caso o prédio fosse colocado à venda e sujeito à apreciação e obtenção do respectivo valor de mercado. Com efeito, se se trata de terreno que não é possível aplicar na construção essa circunstância implicaria, em sede de venda livre, a obtenção de um preço diferente daquele que seria possível obter caso todo o terreno fosse aplicável na construção. Desta forma, crê-se que a aplicação dessa redução a 20%, enquanto aplicação de um critério objectivo de determinação do valor do terreno a expropriar, porque pondera as circunstâncias específicas do mesmo e as condições de facto a ele inerentes, não estabelece uma diferenciação arbitrária, mas antes uma diferenciação consubstanciada numa diferença substancial que é a de o terreno poder ser ou não aplicável na construção. Pelo exposto, entendemos que a aplicação da redução prevista no art. 25°, nº 5 do Código das Expropriações não implica qualquer violação do princípio de justa indemnização constitucionalmente consagrado, e, consequentemente, não viola também o princípio de tratamento igual entre expropriados e entre estes e os demais cidadãos, pelo que tal norma não está ferida de inconstitucionalidade. Na situação sub judice, verifica-se que, efectivamente, os senhores peritos tiveram em consideração que a área a expropriar tem acesso directo do Caminho de Santo António, mas dista deste, toda ela, cerca de 145 metros e é confinante com o leito da Ribeira de Santo António. Assim, pese embora se trate de terreno apto para construção o mesmo excede a profundidade de 50 m relativamente ao arruamento que a ladeia. Esclareceram ainda os senhores peritos, subscritores do laudo maioritário, que a parcela de terreno expropriada não pode ser aplicada na construção dado a sua localização em leito de ribeira e aos condicionamentos inerentes à construção em zonas marginais a linhas de água. Constata-se, deste modo, que se mostram reunidos os pressupostos para a aplicabilidade da redução de 20% do valor unitário atendendo ao facto de a área a expropriar exceder a profundidade de 50 m relativamente ao arruamento que a ladeia, não podendo a mesma ser utilizada na construção, pelo que improcede, também aqui, a pretensão do recorrente.
[...].'
4. Inconformado com a referida sentença, A. dela interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa (fls. 413), tendo o Governo Regional da Madeira interposto recurso subordinado (fls. 420).
Nas suas alegações (fls. 427 e seguintes), A.. concluiu do seguinte modo:
'[...]
13 - O n.º 5 do art.º 25º do anterior Código das Expropriações impunha um critério de avaliação que nada tinha a ver com a realidade dos terrenos expropriados, ofendendo escandalosamente o princípio da justa indemnização.
14 - Sendo tal norma inconstitucional, por violação do disposto no art.º 62º n.º
2 e 13º da C.R.P.
[...].'
O Governo Regional da Madeira, nas alegações de fls. 438 e seguintes, sustentou, entre o mais, que 'não se compreende de que forma a aplicação do n.º 5 do art. 25º do CE colidiria com o princípio da justa indemnização', bem como que 'não existe, também, pela aplicação do preceito, qualquer violação do princípio da igualdade'.
Entretanto, foi declarado deserto o recurso subordinado interposto pelo Governo Regional da Madeira (fls. 450 e v.º).
5. Por acórdão de fls. 452 e seguintes, proferido em 7 de Junho de 2001, o Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento à apelação, confirmando a sentença recorrida.
Sobre a questão de inconstitucionalidade suscitada, disse o Tribunal da Relação de Lisboa:
'[...]
[...] pretende o apelante ser inconstitucional o disposto no referido nº 5 do art. 25°, por violação dos arts. 62° n° 2 e 13° da Constituição da República Portuguesa. Tal com doutamente discorreu a sentença apelada, não vemos como é que aquela disposição possa violar aqueles princípios. Além dos fundamentos alicerçados naquela sentença, apenas acrescentaremos algumas razões. O art. 62° n° 2 do diploma fundamental prescreve que a expropriação por utilidade pública só se pode efectuar com base na lei e mediante o pagamento da justa indemnização. Por seu lado, o art. 13° do mesmo diploma, refere que todos os cidadãos são iguais perante a lei e que ninguém pode ser privilegiado ou prejudicado, privado de qualquer direito por motivo de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social. Ora, o disposto no n° 5 do citado art. 25° veio regular a avaliação da parte de prédio que no seu conjunto seja apto para a construção, mas em que a parte concreta expropriada não possa ser utilizada na implantação da construção, dando a esta um valor de 20% do restante prédio, sendo este calculado nos termos dos demais números do mesmo artigo. Está aqui em causa impedir uma locupletamento injustificado do expropriado que vê ser-lhe expropriada uma parcela de terreno que, integrado em prédio apto para a construção, não lhe permite a lei ou o aproveitamento economicamente justificável, a construção nessa parte expropriada. Com efeito, se a parcela a expropriar, embora integrada num conjunto apto para a construção, não permite legal ou economicamente a construção, não pode ser paga com o preço que teria se pudesse ser-lhe implantada uma construção. Nesta parte não nos parece certo que o art. 7° do D.L. n° 468/71 de 5 de Novembro se aplique ao caso, como refere a douta sentença, pois o citado preceito aplica-se ao leito dos rios pertencente ao domínio público, quando tudo leva a crer no caso que o leito do rio em causa, por este não ser navegável nem flutuável, nos termos do art. 1387° n° 1 al. b) do Cód. Civil, pertença ao prédio expropriado, embora tal facto, como aquele refere nas suas alegações, não tenha relevância económica. No entanto, o art. 12° do mesmo D.L. n° 468/71 estabelece uma série de restrições ou ónus sobre a parcela expropriada, o que conjuntamente com o disposto no art. 53° do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, levou a que o laudo maioritário conclua não ser possível a construção na referida parcela. Deste modo, o citado n° 5 veio dizer como se avalia a citada parcela, tendo em conta o valor da parte restante apta à construção. Não se vê, assim, em que medida o citado dispositivo discrimine os cidadãos ou permita uma expropriação sem a atribuição da indemnização justa. Improcede, desta forma, este fundamento do recurso.
[...].'
6. De novo inconformado, A.. recorreu do referido acórdão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional, 'por violação dos arts. 13º e 62º nº 3 da Constituição da República Portuguesa, resultante da inconstitucionalidade do art. 25º nº 5 do Código das Expropriações constante do Dec.Lei nº 438/91 que foi aplicado na decisão recorrida e cuja inconstitucionalidade tinha sido invocada pelo recorrente nas suas alegações de recurso' (fls. 462).
O recurso foi admitido por despacho de fls. 464. Na alegações que produziu junto do Tribunal Constitucional (fls. 466 e seguintes), concluiu assim o recorrente:
'1º. A decisão recorrida fez directa aplicação do regime no artº 25 nº 5 do Código das Expropriações constante do Dec. Lei nº 438/91, reduzindo a indemnização a 20% do valor pacificamente achado para o prédio objecto de expropriação por utilidade pública.
2º. A norma atrás referida, manteve o regime definido pelo art. 30º nº 2 do anterior Código de Expropriações, conjugado com o art. 62º nº 2 do Dec. Lei nº
794/76 de 5/11.
3º. O aludido art. 30º nº 2 foi declarado inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo Acórdão deste Tribunal nº 52/90, de 7/3/90, publicado no DR, I, 30/03/90, por violação do art. 62º nº 2 e art. 13º n. 1 da C.R.P..
4º. Dado que o invocado art. 25º nº 5 do C.E. de 1991 consiste apenas no reaproveitamento do anterior art. 30º nº 2, as razões que levaram ao reconhecimento dessa inconstitucionalidade devem ser estendidas à norma que é objecto do presente recurso.
5º. Pois, em ambos os casos, a indemnização é determinada através da fixação de um critério abstracto e rígido que não permite a consideração das particulares circunstâncias de cada bem expropriado.
6º. E, se a norma já declarada inconstitucional, ainda admitiu a hipótese de ser efectuado algum tipo de avaliação ao prédio expropriado (como «terreno em zona diferenciada do aglomerado urbano»), o art. 25º nº 5 do Código que se lhe seguiu, impõe, para essa zona, um critério único, que nada tem a ver com as condições concretas da mesma.
7º. Tratando-se de uma imposição legal que deprecia o valor do prédio, de uma forma tão radical que, por pouco, nada teria o expropriante a pagar...
8º. Sendo bem patente que o critério imposto por esta norma se situa nos antípodas da consideração do valor real da zona que é objecto de expropriação.
9º. E sendo também evidente que, por escassos centímetros, e só por isso, o proprietário dessa zona ficará lesado (cinco vezes mais lesado...) relativamente ao dono de um terreno exactamente igual, que se situe acima do limite de 50 metros.
10º. Além disso, a norma em causa foi aprovada com invocação da autorização legislativa constante da Lei nº 24/91 de 16/6.
11º. Porém, essa autorização, apenas admitia que fossem aprovadas normas que tivessem na devida consideração as circunstâncias e as condições de facto existentes em cada terreno que fosse objecto da expropriação.
12º. Por isso, é bem evidente que o art. 25º nº 5 do Dec. Lei nº 438/91 não respeitou os limites dessa autorização.
13º. Sendo esta norma claramente inconstitucional por violação dos art. 62º nº
2, art. 13º e art. 168º nº 1, al. e), da Constituição da República Portuguesa, na redacção de 1982.
[...].'
O Governo Regional da Madeira, recorrido no presente recurso, ofereceu as alegações de fls. 475 e seguintes, tendo nomeadamente sustentado que:
'[...] São cristalinas as razões da conformação constitucional do art. 25°, n° 5, do Dec-Lei nº 438/91, de 9 de Novembro. Pretende o recorrente que o n° 5, do art. 25° do Dec-Lei n° 438/91, terá como fonte o art. 30º, n° 2, do Dec-Lei 845/76, de 11 de Dezembro. Dava-lhe jeito esta génese para numa extrapolação abusiva, pelo facto de aquela disposição do Dec-Lei n° 845/76 ter sido declarada inconstitucional pelo Acórdão n° 52/90 deste Tribunal, pois, então, por contágio, também o n° 5, do art. 25° do Dec-Lei n° 438/91 o devia, igualmente, ser tido por inconstitucional. Só que basta ler as duas disposições para se concluir que assim não é, ou, então, são tantas e tais as alterações. Ou então, aconteceu em relação ao n° 5, do art. 25° do Dec-Lei nº 438/91, o que se reconheceu no Acórdão deste Tribunal n° 194/97, de 11 de Março, a outras disposições daquele Código, como se refere no sumário daquele acórdão, que se transcreve: No novo Código das Expropriações (aprovado pelo Dec-Lei n° 438/91, de 9 de Novembro), o legislador teve em conta a jurisprudência do Tribunal Constitucional e passou a fixar critérios concretos e a ter em consideração elementos certos e objectivos. Ora, é exactamente o que acontece no caso do n° 5, do art. 25°, pois o que acontece é que de forma objectiva considera-se ter um valor correspondente a 20% da restante área com aptidão para construir aquele que dista mais de 50 m de profundidade, relativamente a arruamentos existentes, e não passou a ser aplicada na construção. Nada fica para ser, arbitrária e subjectivamente decidido pelo aplicador da lei, que possa conduzir à desigualdade de trato dos diferentes proprietários expropriados. Nem os critérios concretos e elementos certos e objectivos que a lei fixa atentam com o princípio da justa indemnização. Pelo contrário, introduzem em elemento diferenciador objectivo, correctivo da indemnização, ou seja, da sua adequação, em termos de não compensar por igual o que é objectivamente diferente.
[...] Pelo que podemos concluir em relação ao n° 5 do art. 25° do Dec-Lei n° 438/91, o mesmo que se concluiu no Acórdão citado em relação ao n° 2, do art. 24° do mesmo Dec-Lei, uma vez que a razão de ser de ambas as normas envolve alguma similitude ou identidade. Tal conclusão é a seguinte:
«como tais normas se adequam à finalidade de assegurar o pagamento de indemnizações justas aos expropriados, não desfavorecem elas o expropriado no confronto com os proprietários não abrangidos pela expropriação – e, por isso, não violam o princípio da igualdade, no âmbito externo. E, como não estabelecem distinções de tratamento entre terrenos que se encontrem em situação idêntica, não violam a igualdade entre os expropriados». Não assiste, pois, a menor razão ao recorrente quando, em dolosa confusão, pretende que o preceituado no n° 5, do art. 25° do Dec-Lei n° 438/91 ofende o disposto no art. 13º e no art. 62°, n° 2, da Constituição da República Portuguesa. Com o devido respeito, a desorientação e desespero do recorrente é tal que numa amálgama jurisprudencial que vai citando ao longo das suas alegações, traz à liça acórdãos deste Venerando Tribunal que lhe negam qualquer razão. O caso mais patente é exactamente o Acórdão n° 20/2000, em que o recorrente selecciona o que lhe importa, mas oculta o sentido decisório que é exactamente contrário ao por ele pretendido, pois decidiu-se não declarar inconstitucional, do n° 5, do art. 24° do Dec-Lei n° 438/91. Afigurando-se-nos muito próximas as razões em que no presente caso se justifica idêntica decisão em relação ao n° 5, do art. 25° do mesmo Dec-Lei. Em desespero de causa o recorrente pretende que o n° 5, do art. 25° do Dec-Lei n° 438/91, enfermaria ainda de inconstitucionalidade, por não ter respeitado o
âmbito e os termos da autorização legislativa contida na alínea e) do art. 2° da Lei 24/91, de 16 de Junho, sendo que, porém, não lhe assiste também neste caso, a menor razão. A acusação que o recorrente faz é de que o Governo estabeleceu um critério indemnizatório para todos os casos e não teve em consideração «as circunstâncias e as condições de factos existentes». Por incrível que pareça o recorrente acusa a disposição em causa de inconstitucionalidade, por respeitar escrupulosamente o princípio da igualdade. Ora, as «circunstâncias e as condições de facto» diversas que a Lei n° 24/91, de
16/6, determinaram que fossem tidas em conta no Dec-Lei autorizado são exactamente as que constam do n° 5 do art. 25° em causa. Essas circunstâncias e os critérios constantes daquela disposição legal são objectivamente fixados e aplicados, por igual, a todos os expropriados por ela abrangidos. Não enferma, pois, o nº 5, do artº 25º do Dec-Lei nº 348/91, também a este título, de qualquer inconstitucionalidade.
[...].'
Cumpre apreciar.
II
7. O Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro, dispunha o seguinte no seu artigo 25º, n.º 5:
'Artigo 25º Cálculo do valor do solo apto para a construção
[...]
5 – À parte do solo apto para a construção que exceder a profundidade de 50 m, relativamente a todos os arruamentos que o ladeiam, e que não possa ser aplicada na construção corresponderá, no caso de ser economicamente justificável, um valor unitário de 20% do valor unitário da parte restante, determinado nos termos dos números anteriores.
[...].'
É esta a norma cuja conformidade constitucional ora se questiona. Segundo o recorrente (supra, 6.), a inconstitucionalidade da norma decorreria, em síntese, da circunstância de ela não permitir a consideração do particularismo de cada bem expropriado, fixando um critério rígido de indemnização que não obedeceria ao imperativo constitucional da justa indemnização, nem às exigências da autorização legislativa constante da Lei n.º
24/91, de 16 de Junho.
8. O actual Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de
18 de Setembro, não contém norma correspondente à que constitui objecto do presente recurso, nomeadamente no seu artigo 26º, que trata do cálculo do valor do solo apto para a construção (sobre este artigo 26º, veja-se Fernando Alves Correia, A jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre expropriações por utilidade pública e o Código das Expropriações de 1999, sep. da Revista de Legislação e de Jurisprudência, Coimbra, 2002, p. 139 ss.).
Por seu lado, o Código das Expropriações de 1976, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 845/76, de 18 de Dezembro (e, portanto, anterior ao Código do qual consta a norma que constitui o objecto do presente recurso) também não continha norma correspondente. A norma deste Código que, segundo o recorrente, estaria na génese da norma ora em apreço – o artigo 30º, n.º 2 –, tinha uma redacção muito diversa, pois que se limitava a dispor o seguinte:
'O valor dos terrenos situados em zona diferenciada do aglomerado urbano, que, pelas suas condições, sejam susceptíveis de rendimento como prédios rústicos, não poderá exceder o valor correspondente aos terrenos de médio rendimento da mesma zona ou região.'
Esta norma será, de qualquer modo, referida adiante (infra, 10.).
9. Na análise da presente questão importa começar por salientar que o artigo 62º, n.º 2, da Constituição, ao determinar que a expropriação por utilidade pública implica o pagamento de justa indemnização, não proíbe a fixação de critérios legais de cálculo do valor da indemnização. Dito de outro modo, tal preceito constitucional não impõe que os critérios de cálculo do valor da indemnização sejam remetidos ao julgador, auxiliado ou não por peritos.
Este aspecto assume importância na discussão da questão sub judice, atendendo a que às considerações tecidas pelo recorrente acerca da necessidade de a indemnização reflectir as condições concretas do bem expropriado de algum modo subjaz o repúdio por critérios gerais de fixação do montante da indemnização.
Ora o referido artigo 62º, n.º 2, da Constituição não pode ser entendido como repudiando a existência de tais critérios. Não só porque uma indemnização justa não significa uma indemnização fixada segundo a discricionariedade do julgador, como também porque os critérios gerais permitem assegurar a justiça relativa, evitando que nas mesmas circunstâncias alguns expropriados recebam mais do que outros, ou que em circunstâncias diversas os vários expropriados recebam montante igual.
Neste sentido, veja-se o acórdão do Tribunal Constitucional n.º
131/2001, de 27 de Março (publicado no Diário da República, II Série, n.º 143, de 22 de Junho de 2001, p. 10350), onde se analisaram as normas dos n.º s 2 e 3 do artigo 25º do Código das Expropriações de 1991 e onde se disse que:
'[...] optando o legislador por um critério de coeficientes valorativos – e constitucionalmente nada parece obstar a essa opção – a demarcação de coeficientes com um certo limite parece ser uma exigência do próprio princípio da igualdade – uma variação ilimitada dos coeficientes concorreria seguramente para o arbítrio nas avaliações.'
Afastada a ideia de que a indemnização justa postularia a inexistência de critérios gerais de fixação do valor da indemnização, torna-se apenas necessário determinar se são razoáveis os critérios constantes da norma ora em apreço, ou se, pelo contrário, eles conduzem ao pagamento de uma indemnização que não tem correspondência com o prejuízo sofrido.
10. Sobre a necessidade de os critérios de fixação do valor da indemnização terem correspondência com o prejuízo sofrido já se pronunciou o Tribunal Constitucional, nomeadamente quando apreciou a referida norma do n.º 2 do artigo 30º do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 845/76, de 11 de Dezembro (supra, 8.). Essa norma foi declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 52/90, de 7 de Março (publicado no Diário da República, I Série, n.º 75, de 30 de Março de
1990, p. 1516), por violação do n.º 2 do artigo 62º e do n.º 1 do artigo 13º da Constituição. E foi a seguinte, em síntese, a fundamentação do acórdão do Tribunal Constitucional que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de tal norma:
'5º- [...]
[...] ao impor-se como limite máximo para o valor dos terrenos o valor do rendimento médio agrícola, [estão-se] a prejudicar os proprietários de terrenos cujo rendimento de outra natureza se situar muito acima do referido rendimento médio. De qualquer modo, não se poderá, nesta matéria, concretizar o princípio da justa indemnização constitucionalmente imposto, através da fixação de um critério abstracto e rígido, que não permita a consideração das particulares circunstâncias de cada bem expropriado. Mas, para além disso, e embora a Constituição não assegure dentro do direito de propriedade a tutela do direito à edificação, o certo é que, em terrenos como os abrangidos no preceito em causa, em que a sua vocação urbanística é manifesta, por isso que situados em zona quase urbana, não permitir que se atenda às possibilidades edificatórias como factor de potenciação valorativa é restringir desproporcionadamente o direito do proprietário expropriado à compensação pela lesão sofrida. Na verdade, em tais terrenos, o seu valor compensatório correcto nunca será alcançado se não se atender a outros factores de valorização que não apenas ao do «rendimento médio» referido no texto do preceito e que só poderá valer para os terrenos cuja única aptidão seja agrícola. Entre os factores de valorização que o critério do nº 2 do artigo 30º posterga estão não só o da potencial edificabilidade em tais terrenos, «próximos de uma inserção total na malha urbana» (Acórdão nº 109/88), como também o da simples localização, uma vez que se trata de terrenos contíguos a edificações autorizadas e marginados por vias públicas urbanas pavimentadas. O pagamento da justa indemnização, para além de ser uma exigência constitucional da expropriação, é também a concretização do princípio do Estado de direito democrático, nos termos do qual se torna obrigatório indemnizar os actos lesivos de direito ou causadores de danos. Tal indemnização tem como medida o prejuízo que para o expropriado resulta da expropriação. [...] Ora, o critério indemnizatório fixado no nº 2 do artigo 30º do Código das Expropriações, dada a sua natureza restritiva e limitada, ao impedir o recurso a outras circunstâncias valorativas que não seja o «médio rendimento» dos terrenos da zona ou região, não «cumpre» afinal o conceito constitucionalmente adequado de «justa indemnização», que decorre do artigo 62º, nº 2, da Constituição, pelo que deve tal norma, tal como já aconteceu com o nº 1, ser declarada inconstitucional.
6º- Acresce que, como a expropriação se traduz num acto unilateral do Estado que tem de ser suportado pelo particular proprietário do bem a expropriar, em regra em função do interesse público que subjaz à expropriação, tal acto coloca o expropriado numa situação de desigualdade perante os outros cidadãos, como bem nota Alves Correia [...]. Daí que, como também este autor salienta, «[...] os sistemas de limitação da indemnização violam um princípio que consideramos fundamental nas relações entre os particulares e os poderes públicos e indissociável do próprio Estado de direito que é o ‘princípio da igualdade perante os encargos públicos’». Esta igualdade de contributos só ficará garantida se a generalidade das expropriações se fizer por forma que as indemnizações atribuídas a final assegurem, em relação a cada caso concreto e tendo em atenção as respectivas circunstâncias específicas, a adequada reconstituição da lesão patrimonial infligida ao expropriado. Por outro lado, escreveu-se no Acórdão nº 131/88, a concluir:
[...] o direito à justa indemnização, em casos de expropriação, traduz-se num direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, para efeitos do previsto no artigo 17º da Constituição, pelo que só pode sofrer as restrições previstas na Constituição, as quais devem limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. No caso do nº 2 do artigo 30º, em que se trata – como se referiu supra, nº 5º – de terrenos situados em zonas diferenciadas do aglomerado urbano, o argumento acima referido vale por maioria de razão. na verdade, como também já se salientou, o preceito reporta-se a terrenos insusceptíveis de rendimento como prédios rústicos, em zona mais próxima do aglomerado urbano e, por isso, com maior potencialidade edificatória e com uma localização privilegiada para uma rápida inserção em zona de aglomerado urbano, e é em relação a estes prédios que o legislador vem impor que o seu valor para efeitos de expropriação fique limitado ao valor dos terrenos de médio rendimento da zona ou região, quando nem sequer os mesmos têm aptidão agrícola. Tem, por isso, aqui inteira pertinência a posição reiteradamente afirmada nos acórdãos deste Tribunal sobre o tema e nos quais se afirma que o «critério restritivo ali imposto, não assegurando uma adequada restauração da lesão patrimonial sofrida pelos expropriados, acaba também por determinar para estes uma desigualdade de tratamento, impondo-lhes uma onerosidade forçada e acrescida sem a tutela do princípio da igualdade, por inexistência de justificação material para a diferença de tratamento dessas situações, nos termos aí previstos» (Acórdãos nºs 131/88, 109/88, 381/89 e 420/89). Nem se diga que as duas situações – do nº 1 e do nº 2 do artigo 30º – são diferentes e, por isso, diversamente tratadas.
É que nos parece totalmente irrelevante que as situações fácticas sejam diversas sob alguns dos seus aspectos: o que importa é a forma como ambas as situações são tratadas em face do critério geral aplicável às expropriações quanto ao valor que deve ser considerado como o da justa indemnização. E aqui o tratamento
é identicamente desviante: isto é, nem em relação ao nº 1 nem em relação ao nº 2 do artigo 30º do Código das Expropriações os critérios fixados em tais disposições realizam um conceito constitucionalmente adequado de justa indemnização, e isto sem que exista uma base real e convincente que permita justificar a diferença de tratamento entre a situação do regime das expropriações e as situações dos preceitos dos nºs 1 e 2 do artigo 30º, quando o certo é que as situações são, nesta perspectiva, substancialmente idênticas. Assim, tem de se concluir que o preceito do nº 2 do artigo 30º do Código das Expropriações viola também o artigo 13º, nº 1, da Constituição, que impõe a igualdade de todos os cidadãos perante a lei.
[...].'
Portanto, em síntese e para o que aqui releva, a norma do n.º 2 do artigo 30º do Código das Expropriações de 1976 foi declarada inconstitucional, por não atender à potencialidade edificativa do terreno expropriado e à sua localização privilegiada para uma rápida inserção em zona de aglomerado urbano.
Estas razões, todavia, não são transponíveis para o caso ora em apreço. Na verdade, a norma do n.º 5 do artigo 25º do Código das Expropriações de 1991 regula casos em que a parcela expropriada não pode ser aplicada na construção. O mesmo é dizer que a potencialidade edificativa da parcela expropriada e a sua localização privilegiada para uma rápida inserção em zona de aglomerado urbano são circunstâncias a que se atende para o cálculo do valor da indemnização, na medida em que se essas circunstâncias estiverem verificadas, não opera a redução prevista na mencionada norma.
11. Também sobre a necessidade de os critérios de fixação do valor da indemnização terem correspondência com o prejuízo sofrido se pronunciou o Tribunal Constitucional, quando apreciou uma certa vertente da norma do artigo
33º, n.º 1, do Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei n.º 845/76, de
11 de Dezembro. Essa vertente normativa foi igualmente declarada inconstitucional, no acórdão n.º 210/93, de 16 de Março (publicado no Diário da República, II Série, n.º 124, de 28 de Maio de 1993, p. 5609), aí se dizendo o seguinte:
'[...]
[...] a norma do nº 1 do artigo 33º do Código das Expropriações de 1976, ao dispor que o valor dos terrenos situados em aglomerado urbano não poderá exceder, em qualquer caso, o valor de 15% do custo provável da construção que neles seja possível erigir, estabelece um limite tal à indemnização que põe em causa, em algumas situações, o princípio da «justa indemnização». Com efeito, aquela norma, na medida em que fixa um tecto percentual inultrapassável ao quantitativo da indemnização por expropriação de terrenos situados em aglomerado urbano, impedirá algumas vezes que o dano patrimonial infligido ao expropriado seja integralmente ressarcido, obstando, assim, a que seja atingida a meta almejada de uma indemnização justa. Refira-se, a este propósito, que a contradição entre a norma do artigo 33º, nº
1, do Código das Expropriações de 1976 e o artigo 62º, nº 2, da Constituição vem sendo salientada pela doutrina. Assim, já há alguns anos, F. Alves Correia escreveu que era «lícito colocar a questão de saber se as normas de indemnização constantes do Código das Expropriações que se desviam do critério do valor real ou de mercado do bem expropriado, com especial destaque para o artigo 33º, que estabelece um limite quantitativo totalmente arbitrário ao montante da indemnização, não brigarão com o conceito de justa indemnização do artigo 62º, nº 2, da Constituição» (cfr. As Garantias, cit., p. 134). E, mais recentemente, o mesmo autor opinou no sentido de que «não parece haver dúvidas de que o critério de determinação do valor dos terrenos situados em aglomerados urbanos constante daquele artigo é inconstitucional, já que, ao introduzir um limite máximo para a indemnização totalmente arbitrário, correspondente ao valor de 15% do custo provável da construção que neles seja possível erigir, não atende a todos os elementos caracterizadores do valor real e corrente do bem expropriado e viola frontalmente o princípio da igualdade de encargos, ao impor aos proprietários destes terrenos um sacrifício que não é integralmente compensado pela indemnização» [...]. Deve, pois, concluir-se que a norma do nº 1 do artigo 33º do Código das Expropriações infringe o conceito de «justa indemnização», inserto no artigo
62º, nº 2, da Lei Fundamental – infracção esta, convém esclarecê-lo, que encontra o seu fundamento não na opção legislativa da referência do valor do terreno situado em aglomerado urbano ao custo provável da construção que nele seja possível implantar, tendo em conta o seu normal destino edificatório, mas antes na fixação ao quantum da indemnização de um máximo percentual igual para todos os casos, rigoroso e inultrapassável.
13. Uma vez adquirido que a norma do nº 1 do artigo 33º do Código das Expropriações, na medida em que estabelece um limite máximo para a indemnização por expropriação de terrenos situados em aglomerado urbano, briga com o conceito constitucional de «justa indemnização» inserto no artigo 62º, nº2, da Lei Fundamental, facilmente se adivinha que ela viola também o princípio da igualdade, condensado no artigo 13º, nº 1, da Constituição, tanto na relação interna como na relação externa da expropriação. Com efeito, ao nível da relação interna da expropriação, isto é, comparando a posição jurídica dos vários sujeitos expropriados, verifica-se que aqueles que são indemnizados de acordo com os índices valorativos constantes do nº 1 do artigo 33º do Código das Expropriações de 1976 são colocados numa situação de desfavor, sem fundamento razoável ou material bastante, em confronto com os expropriados cuja indemnização é calculada com base no critério geral do valor real e corrente do bem, a que se referem os artigos 27º, nº 2, e 28º, nº 1, do mesmo Código.
[...].'
Portanto, em síntese e para o que aqui releva, a norma do n.º 1 do artigo 33º do Código das Expropriações de 1976, na vertente apreciada no acórdão acabado de transcrever, foi declarada inconstitucional, por estabelecer uma barreira percentual ao quantitativo máximo da indemnização por expropriação de terrenos situados em aglomerado urbano. Como se diz no (já citado) acórdão do Tribunal Constitucional n.º 131/2001, de 27 de Março (publicado no Diário da República, II Série, n.º 143, de 22 de Junho de 2001, p. 10350), 'o que [...] determinou o juízo de inconstitucionalidade sobre a norma do artigo 33º, n.º 1, do Código de
1976 foi a rigidez ou fixidez de um limite máximo inultrapassável do valor do solo que impedia, ou podia impedir, uma justa indemnização pela variedade de situações dos solos expropriados com directa incidência no seu valor real'.
Esta razão, porém, não opera no caso em apreço. Efectivamente, a norma do n.º 1 do artigo 33º do Código das Expropriações de
1976 aplicava-se a terrenos nos quais era possível construir e, como tal, o estabelecimento de um tecto indemnizatório implicava necessariamente a desconsideração de certos prejuízos (ou mesmo o reconhecimento de que certos prejuízos não mereciam ser ressarcidos). Diversamente, a norma do n.º 5 do artigo 25º do Código das Expropriações de 1991
(ora em apreço) aplica-se a parcelas em que não é possível construir, traduzindo o estabelecimento de uma barreira percentual, não a desconsideração de certos prejuízos, mas a consideração de que os prejuízos decorrentes da expropriação da parcela são necessariamente menores do que aqueles que adviriam da perda da parte restante do solo. Aliás, a barreira percentual estabelecida no n.º 5 do artigo 25º só opera quando seja economicamente justificável a redução do valor da parcela expropriada: a própria lei impõe, assim, que se pondere a possibilidade de os prejuízos sofridos serem efectivamente maiores do que aqueles que (não) resultam da objectiva impossibilidade de construção na parcela expropriada.
12. Vejamos, então, se a norma que constitui o objecto do presente recurso
– a do n.º 5 do artigo 25º do Código das Expropriações de 1991 – fixa ou não critérios razoáveis de cálculo do montante da indemnização. Note-se, em primeiro lugar, que a atribuição à parcela expropriada de um valor de 20% do restante prédio advém da circunstância de, nessa parcela, não ser possível a construção, apesar de estar integrada em prédio apto para a construção. E não sendo possível a construção nessa parcela, o preço que o proprietário da parcela expropriada obteria caso a vendesse no mercado seria naturalmente condicionado por essa circunstância. Ora a atribuição ao proprietário expropriado de um montante indemnizatório que não tivesse em conta a concreta impossibilidade de construção na mencionada parcela redundaria, por um lado, na atribuição, àquele proprietário, de uma indemnização equivalente àquela que seria paga ao proprietário de parcela semelhante, mas em que é possível a construção, e, por outro lado, num locupletamento daquele proprietário, já que não seria razoavelmente possível obter o mesmo preço num regime de venda livre. Razões de justiça relativa e absoluta estão, portanto, presentes na imposição legal de redução do montante indemnizatório. Refira-se, em segundo lugar, que a própria barreira percentual de 20% não é arbitrária. É evidente que se podem questionar as razões da fixação do limite em
20% e não em 15% ou 25%, mas tal concreto limite não decorre de qualquer norma constitucional, alicerçando-se portanto na liberdade de conformação do legislador. À fixação de um tal limite de 20% subjaz a consideração de que a parcela expropriada se encontra profundamente depreciada em função da impossibilidade de construção em solo qualificado como apto para a construção, devendo tal profunda depreciação reflectir-se obviamente no valor indemnizatório a atribuir ao proprietário expropriado. O limite de 20% reflecte, portanto, a profunda depreciação que afecta a parcela expropriada, nada havendo a questionar quanto à sua razoabilidade.
Sublinhe-se, por último, que a exigência de que a parcela exceda a profundidade de 50 metros, relativamente a todos os arruamentos que ladeiam o solo, mais não reflecte do que o estabelecimento de um critério objectivo e seguro de aferição da depreciação da parcela, que aliás já se encontra depreciada pela circunstância de nela ser impossível a construção. A norma do n.º 5 do artigo 25º do Código das Expropriações de 1991 não viola, pois, o disposto nos artigos 62º, n.º 2, e 13º, da Constituição.
13. No que se refere à invocada inconstitucionalidade orgânica da norma em apreço, por violação da norma da lei de autorização legislativa que 'apenas admitia que fossem aprovadas normas que tivessem na devida consideração as circunstâncias e as condições de facto existentes em cada terreno que fosse objecto da expropriação' (cfr. as conclusões da alegações do recorrente: supra,
6.), valem as considerações atrás tecidas acerca da inexistência de proibição constitucional de fixação de critérios objectivos de cálculo do montante da indemnização por expropriação (supra, 9.). Na verdade, também não se vê em que medida a referida lei de autorização legislativa proíbe a fixação de critérios objectivos, isto é, em que medida impede a fixação de critérios pelo próprio legislador, naturalmente assentes na ponderação de certas circunstâncias ou condições de facto. A ponderação das circunstâncias ou condições de facto existentes não significa, como se disse, a atribuição ao juiz, auxiliado ou não por peritos, de total discricionariedade no modo de cálculo do valor da indemnização: em suma, não significa o alheamento do legislador num domínio em que a fixação de critérios pode bem ser uma exigência do tratamento igualitário dos expropriados.
III
14. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide: a) Não julgar inconstitucional a norma do n.º 5 do artigo 25º do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro; b) Consequentemente, negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida no que se refere à questão de constitucionalidade.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta.
Lisboa, 10 de Outubro de 2002- Maria Helena Brito Luís Nunes de Almeida Artur Maurício José Manuel Cardoso da Costa