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Processo nº 716/02
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. - No Tribunal Judicial da comarca de Oliveira de Azeméis, em julgamento de processo comum com intervenção do tribunal singular, foi proferida sentença que, além do mais, condenou o arguido A, como autor de um crime de abuso de confiança fiscal previsto e punido pelos artºs. 24º, nºs. 1 e
5, do Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15/1, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 394/93, de 24/11, 30º, nº 2, e 39º do Código Penal, na pena de 14 meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de 3 anos, sob a condição de o arguido pagar ao Estado, no prazo de 2 anos, a quantia de 89.276.447$00.
Interposto recurso pelo arguido para o Tribunal da Relação do Porto, sustentou este, em síntese:
'- O tribunal recorrido deu como provados factos que não se provaram, tendo incorrido em erro notório na apreciação da prova e violado o princípio in dubio pro reo.
- Os elementos integradores do crime de abuso de confiança fiscal não ficaram provados.
- De qualquer modo, a conduta do recorrente não é ilícita, nos termos do artº
36º do CP, visto que as prestações tributárias devidas e não pagas ao Estado foram utilizadas no pagamento de ordenados e a fornecedores e para fazer face às demais despesas indispensáveis ao funcionamento da empresa, sendo assim os interesses sacrificados de valor manifestamente inferior aos valores cumpridos.
- O período de suspensão da execução da pena deve ser fixado em 5 anos.'
2. - O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 20 de Fevereiro de 2002, rejeitou o recurso, decisivamente por falta de motivação, nos termos dos artigos 412º, nº 1, 414º, nº 2, e 420º, nº 1, do Código de Processo Penal.
Desse aresto pretendeu o arguido recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, o que não foi admitido, por inadmissível, nos termos do artigo 401º, nº 1, alínea e), do mesmo Código (despacho de fls. 20).
Posteriormente, interpôs recurso do acórdão da Relação para o Tribunal Constitucional, com base na alínea f) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, indicando, como princípios constitucionais violados, 'o princípio do direito ao recurso em sentenças penais condenatórias, o princípio de presunção de inocência e o princípio in dubio pro reo previstos no artigo 32º, nºs. 1 e 2 da CRP'.
Respondendo à notificação feita nos termos dos nºs. 2 e
5 do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, veio dizer que:
'A, em face da notificação, vem aos autos informar que as questões de ilegalidade são suscitadas e invocadas no recurso da 1ª instância para a Relação e no recurso da Relação para o STJ. O primeiro recurso para a relação foi admitido e depois rejeitado em termos formais numa questão, pouco líquida na jurisprudência como é o ónus do nº 3 e 4 do artº 412º do CPP, não tendo o recorrente outro meio (apesar do artº 400 do CPP formalmente não o admitir) como seja, suscitar a injustiça e a ilegalidade relativa à apreciação do recurso na totalidade senão recorrer para o STJ. Nestes recursos invoca-se os princípios constitucionais violados: in dúbio pro réu; princípio da presunção da inocência e o princípio do direito ao recurso amplo em matéria de facto.'
O recurso não foi admitido, por despacho de 27 de Maio de 2002 (fls. 23):
'Em primeiro lugar [escreveu-se a dado passo] a decisão de que o presente recurso é interposto é o despacho que não admitiu o recurso interposto do acórdão desta Relação para o STJ. E a única norma de que nesse despacho se fez aplicação foi a do artº 400º, nº 1, alínea e), do CPP [por lapso escreveu-se artº 401º, nº 1, alínea e), lapso esse evidente, na medida em que no referido despacho se menciona o texto correspondente à alínea e) do nº 1 do artº
400º, além de que o nº 1 do artº 401º não tem alínea e)]. E, como é óbvio, nas peças que o recorrente agora veio indicar nenhuma questão se suscitou relativamente a esse artº 400º, nº 1, alínea e). Deve notar-se que o recorrente não pode ter sido surpreendido pela interpretação que no despacho sob recurso se fez da alínea e) do nº 1 do artº 400º, pois não se vê que de norma alguma vez se tenha feito leitura diferente. Em segundo lugar, a ilegalidade da norma referida na alínea f) do nº 1 do artº
70º da Lei nº 28/82 há-de ser suscitada com um dos fundamentos das alíneas c), d) e e), que são totalmente alheias à situação dos autos. Assim, por ser manifestamente infundado, não se admite o recurso, nos termos do artº 76º, nº 2, da mesma Lei nº 28/82.'
3. - É desta decisão que o arguido reclama para o Tribunal Constitucional, nos termos do nº 4 do artigo 76º da Lei nº 28/82.
Em síntese – ao pedir que a reclamação seja atendida e o recurso admitido – defende-se que, ao interpretar restritivamente o disposto no artigo 412º, nº 3, alínea b) e nº 4 do Código citado, em manifestação de
'fundamentalismo preclusivo do direito ao recurso amplo em matéria de factos', violaram-se os princípios constitucionais convocados.
E acrescenta-se:
'Uma interpretação normativa dos preceitos que regulam a motivação do recurso penal e as respectivas conclusões (artigos 412º e 420º do CPP e por força do recurso o art. 403) de forma que faça derivar da prolixidade ou de falta de concisão das conclusões com a motivação um efeito cominatório, irremediavelmente preclusivo do recurso, que não permita um prévio convite ao aperfeiçoamento da eventual deficiência detectada ou de esclarecimento quanto uma eventual limitação do recurso, constitui uma limitação desproporcionada das garantias de defesa do arguido em processo penal, restringindo o seu direito ao recurso e, nessa medida, o direito de acesso à justiça.'
4. - O magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, ouvido nos termos do nº 2 do artigo 77º da Lei nº 28/82, pronunciou-se nos seguintes termos:
'Atento o teor do requerimento de interposição do recurso de fiscalização concreta, de fls. 18 dos autos, a decisão impugnada é a proferida pela Relação – e que consta de fls. 10 e segs..
É, porém, evidente que não se verificam os pressupostos do recurso fundado da alínea f) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, não se perspectivando minimamente qual seria a 'lei com valor reforçado' que tal acórdão teria aplicado – e sendo manifesto que, na motivação apresentada, não tratou o recorrente de suscitar qualquer questão de ilegalidade, susceptível de caber nos poderes cognitivos deste Tribunal. Em suma: não tendo o recorrente delineado - nem 'durante o processo', nem sequer no âmbito da presente reclamação – qualquer questão de 'ilegalidade normativa qualificada', susceptível de integrar o objecto do recurso de fiscalização concreta que interpôs, é evidente que terá de ser rejeitada a presente reclamação, por manifesta inverificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso dirigido a este Tribunal.'
5. - O recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade interposto pelo ora reclamante teve por fundamento a alínea f) do nº 1 do artigo
70º da Lei nº 28/82, ou seja, trata-se de recurso de decisão judicial que aplicou norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo com qualquer dos fundamentos referidos nas alíneas c), d) e e) do mesmo preceito.
Como, obviamente, não estão em causa hipóteses subsumíveis às duas últimas alíneas, resta considerar a primeira, que respeita à violação de lei com valor reforçado.
Ora, é evidente não se verificarem os pressupostos de admissibilidade deste tipo de recurso, pelas razões enunciadas pelo magistrado do Ministério Público, com os quais se concorda e se dão por reproduzidas.
6. - Consequentemente, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 15 unidades de conta. Lisboa, 4 de Dezembro de 2002 Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida