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Processo nº 315/2002
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A fls.459, foi preferida a seguinte decisão sumária:
«1. A, não se conformando com 'a aliás douta decisão final global' (refere-se aos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Janeiro e de 7 de Março de
2002, de fls.417 e 444, respectivamente), recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo que seja apreciada a constitucionalidade das normas 'do artº 431º al. a) do CPP, quando permite que se prescinda de sindicar matéria de facto por se considerar que a tal obsta a omissão indevida de registo de uma diligência externa e exterior à matéria aprecianda e que se prescinda da dupla jurisdição; e também a obrigatoriedade da gravação da prova' e 'do artº 410 nº 2 al. a) quando se reconhece que as instâncias se confrontaram com visíveis dificuldades em delinear o cenário factual e essas dificuldades se radicam num património exíguo e ao mesmo tempo se considera que inexiste insuficiência para a decisão da matéria de facto provada', por infracção do nº 1 do artigo 32º da Constituição. Diz ainda que suscitou as referidas inconstitucionalidades nas alegações do recurso que interpôs para o Supremo Tribunal de Justiça e no requerimento de 31 de Janeiro de 2002. O recurso foi admitido, por decisão que não vincula o Tribunal Constitucional
(nº 3 do artigo 76º da Lei nº 28/82).
2. A foi condenado pelo Tribunal Judicial da Comarca de Loures na pena de dez anos de prisão pela prática de um crime de homicídio, previsto no artigo 131º do Código Penal, condenação que foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa. Apenas no que agora interessa, o Tribunal da Relação de Lisboa (acórdão de fls.
340) considerou não lhe ser possível conhecer do recurso no que toca à matéria de facto por não existir documentação de toda a prova produzida no julgamento, uma vez que 'na sessão do dia 30 de Junho' não ocorreu ' a integral documentação' das 'declarações orais', diferentemente do que se verificou nas demais sessões. Entendeu que 'o registo apenas parcial da prova equivale a falta total de documentação na medida em que o objectivo visado pela documentação – assegurar um recurso efectivo em matéria de facto –, só pode ser alcançado se o tribunal de recurso tiver acesso a toda a prova produzida e examinada em audiência'. O Tribunal da Relação de Lisboa observou, porém, que a irregularidade resultante de tal ausência de registo se mostra sanada, porque 'não só não foi arguida no próprio acto como na sessão do dia 3 de Julho, destinada à produção de alegações orais, a mandatária do arguido declarou prescindir do registo de toda prova produzida no local (justamente produzida no dia 30 de Junho)'. Ao recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, A, e a propósito da arguição de nulidade do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa por não ter conhecido do recurso no que respeita à matéria de facto, veio invocar a inconstitucionalidade
'de aplicação da norma do artº 431º al. a) do CPP, quando apenas foi – indevidamente – omitido o registo de prova de uma diligência externa e exterior
à matéria factual a discutir, por colisão com o disposto no art. 32º nº 1 da CRP'. Por sua vez, o Supremo Tribunal de Justiça, pronunciando-se sobre esta nulidade, decidiu não ocorrer tal vício porque 'tendo a Relação decidido como decidiu – exaustivamente, de resto – sobre as possibilidade e utilidade de conhecer de matéria de facto, óbvio se tem não ser prefigurável a nulidade apontada pelo recorrente (a da alínea c) do nº 1 do artigo 379º, do Código de Processo Penal'.
Daqui resulta que só implicitamente se possa ter como aplicado pelo Supremo Tribunal de Justiça a alínea a) do artigo 431º do Código de Processo Penal.
3. Não é porém, por esta razão que o Tribunal Constitucional não pode conhecer do objecto do recurso, no que toca a este preceito legal. O obstáculo reside, antes, em não ter sido aplicado com a interpretação que o recorrente acusa de ser inconstitucional, ou seja, o Supremo Tribunal de Justiça – tal como o Tribunal da Relação de Lisboa, note-se – não considerou que da alínea a) em causa resulta que se 'prescinda de sindicar matéria de facto por se considerar que a tal obsta a omissão indevida de registo de uma diligência externa e exterior à matéria aprecianda'. Basta considerar que o Tribunal da Relação de Lisboa considerou sanada a irregularidade resultante da omissão de documentação, nos termos já referidos, para chegar a esta conclusão; e que o Supremo Tribunal de Justiça teve de partir desta consideração – não sindicada perante ele, aliás – para julgar como se indicou. Não tendo sido suscitada a inconstitucionalidade da norma em que se baseia a decisão de considerar sanada a irregularidade, nunca o Tribunal Constitucional poderia conhecer da questão que lhe é colocada. Assim, não tendo a disposição impugnada sido aplicada pela decisão recorrida com o sentido acusado de ser inconstitucional, não pode o Tribunal Constitucional conhecer desta parte do objecto do recurso, interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art. 70º da Lei nº 28/82 (cfr., por exemplo, os acórdãos nºs 311/94 e
366/96, publicados no Diário da República, II Série, respectivamente, de 1 de Agosto de 1994 e de 10 de Maio de 1996).
4. E também não pode conhecer da inconstitucionalidade atribuída pelo recorrente ao 'artº 410 nº 2 al. a)', suscitada no requerimento de arguição de nulidade do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17de Janeiro de 2002 e indeferida pelo acórdão de 7 de Março seguinte. Com efeito, basta ler o requerimento de interposição de recurso para verificar que o recorrente não coloca, a respeito de tal preceito, nenhuma questão de inconstitucionalidade normativa; apenas manifesta a sua discordância perante o indeferimento da nulidade que arguiu. O seu conhecimento não cabe, pois, no
âmbito do recurso que interpôs. Estão, pois, reunidas as condições para que se proceda à emissão da decisão sumária prevista no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. Assim, decide-se não conhecer do objecto do recurso. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 ucs.»
2. Inconformado, o recorrente veio, então, reclamar para a conferência, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, nos seguintes termos:
'A aliás douta decisão sumária reclamada opera um evidente equívoco entre uma pretensa omissão e um acto do reclamante. Na verdade não se deve nem pode confundir o facto de não ter ‘...sido suscitada a inconstitucionalidade da norma em que se baseia a decisão de considerar sanada a irregularidade...’, o que levaria a que ‘... nunca o Tribunal Constitucional poderia conhecer da questão que lhe é colocada.’, com a circunstância de se haver alegado não estarmos perante uma mera irregularidade, mas sim face a verdadeira aplicação inconstitucional de normas (art. 431º al.a) e 410º nº 2 do CPP), quando interpretadas, conforme a arguição do recorrente, pela decisão final global do Venerando STJ, integrada pelos Acórdãos de 17 de janeiro e de 7 de Março de 2002. O ora reclamante crê que, desfeito tal equívoco pela Conferência, ele poderá demonstrar nas suas alegações a razão que lhe assiste'. Notificado para o efeito, o Ministério Público veio sustentar a manifesta improcedência da reclamação, por 'em nada conseguir abalar os fundamentos da douta decisão reclamada, no que respeita à evidente inverificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso interposto', concluindo que a decisão referida 'deverá (...) ser naturalmente confirmada por inteiro'.
3. Com efeito, a reclamação é claramente improcedente, não tendo havido qualquer equívoco na decisão reclamada. Com efeito, não se vê o que pretende o reclamante com a afirmação de que alegou
'não estarmos perante uma mera irregularidade, mas sim face a verdadeira aplicação inconstitucional de normas (art. 431º al.a) e 410º nº 2 do CPP'. Não pretende, seguramente, que o Tribunal Constitucional vá analisar se, contrariamente ao que vem decidido, se verificou ou não uma irregularidade que se tem de considerar sanada, uma vez que, como se sabe, tal questão não cabe no objecto possível do recuso que interpôs. Mantêm-se, assim, as razões que levaram à decisão sumária de não conhecimento do recurso, razões que, aliás, o reclamante não analisa na sua reclamação. Nestes termos, indefere-se a reclamação, confirmando-se a decisão reclamada. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 ucs. Lisboa, 9 de Outubro de 2002- Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida