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Processo nº 496/01
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A recorreu 'do Acórdão de 19/6/01' do Supremo Tribunal de Justiça para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo 'ver declarada' a inconstitucionalidade das normas 'do artº 178º do E.M.J., artº 1º da L.P.T.A., artºs 67º, § único do R.S.T.A., e ainda dos artºs 291º, nº 2 e 690º, nº 3, ambos do C.P.C.', por violação dos artigos 20º e 268º, nº 4, da Constituição, inconstitucionalidade que afirma ter sido suscitada no 'requerimento de aclaração e/ou reforma por ter sido esse o primeiro momento processual em que o pôde fazer após ter sido confrontado com a aplicação das normas arguidas de inconstitucionalidade'. O recurso foi admitido.
2. O acórdão recorrido foi proferido no recurso contencioso de anulação que o ora recorrente interpôs da deliberação de 18 de Junho de 1996 do Conselho Superior da Magistratura, constante dos autos, e que veio a ser julgado deserto pelo despacho de 6 de Fevereiro de 2001, de fls. 282, '(...) nos termos das disposições combinadas do artº 178 do E.M.J., do artº 1º da L.P.T.A., do artº
67º º, § único do R.S.T.A. e dos artigos 291º, nº 2 e 690º, nº 3, ambos do C.P.C.'. Este despacho foi aclarado, na sequência do requerimento de fls. 287, pelo despacho de fls. 293 – que considerou 'útil a sua aclaração, consistente numa mais ampla explicitação da sua fundamentação'. No requerimento de 'aclaração e/ou reforma' o recorrente, após ter reconhecido ter sido notificado para alegar, mas 'em termos que lhe geraram (...) o imprevisível e normal equívoco e, consequentemente, o erro por, remetendo embora para o item 9 que, mais abaixo, refere ‘para alegações em 10 dias’ (artº 176º do E.M.J.), o que realmente se juntou e lhe deu conhecimento foi da resposta do C.S.M. de 11/12/2000, cujo duplicado foi enviado conjuntamente, apenas se tendo o signatário dado conta da referência às alegações aquando da notificação do despacho' que julgou deserto o recurso, invocou a inconstitucionalidade material da interpretação ali perfilhada das disposições legais em que o mesmo se baseou, por violação dos artigos 20º e 268º, nº 4 da Constituição. No despacho de fls. 293, a terminar, e não obstante a afirmação de que não cabe na apreciação de um pedido de aclaração o conhecimento de vícios apontados à decisão a aclarar, o Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se nestes termos:
'No entanto, sempre se dirá que se entende que as disposições em que o despacho se fundou em nada colidem com o disposto nos artºs 20º e 208º [268º], nº 4, ambos da Constituição, dado uma realidade ser o acesso aos tribunais e outra os efeitos decorrentes do não cumprimento de preceitos processuais'.
3. O recorrente requereu, então, que sobre este despacho recaísse acórdão da conferência, vindo assim a ser proferido o acórdão de que agora foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional. Para o que releva neste momento, este acórdão considerou que o recorrente lhe colocara a questão da 'inconstitucionalidade invocada por violação do disposto nos artºs 20, e 268, da CRP, pese embora, e na medida em que é efectuada a remissão para o requerimento de aclaração e/ou reforma referenciado, deverá ser ainda apreciada a aplicabilidade do artº 67 § único do RSTA , e dos artigos
291º, nº 2 e 690º, nº 3 do CPC, aplicação essa pressuposto lógico da alegada inconstitucionalidade (...)'. Assim, e observando que, segundo o disposto no artigo 178º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, os recursos interpostos de deliberações do Conselho Superior da Magistratura se regem subsidiariamente pelas regras definidas para os recursos contenciosos interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo, considerou aplicáveis as disposições da Lei Orgânica e do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo, e respectiva legislação complementar. Logo, aplica-se subsidiariamente o disposto no referido § do artigo 67º do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo, 'que importa que os recursos sejam julgado desertos pela falta de alegações do recorrente', sendo certo que as remissões constantes deste preceito se têm de considerar feitas para as disposições correspondentes da actual redacção do Código de Processo Civil (nº 2 do artigo 291º e nº 3 do artigo 690º).
'Este entendimento resulta não só do quadro legal, pela forma como o delimitámos, mas assenta, sobretudo na própria estrutura do sistema de recurso contencioso em causa. Na realidade, sendo certo que cabe ao recorrente o impulso processual inicial, importando a obrigação da indicação dos fundamentos de facto e de direito e a formulação clara da pretensão, bem como a junção da prova documental destinada a provar o acto recorrido e os factos alegados no recurso (cfr. art.º 172 do EMJ), estando em causa uma imputada ilegalidade ou invalidade do acto administrativo, resultante de uma actividade, a que subjazem razões de ordem pública, nomeadamente no que diz respeito à certeza e estabilidade das situações jurídicas criadas pela Administração, ou um dos seus órgãos, impõe-se que sobre o recorrente impenda a obrigação do impulso subsequente, traduzido no ónus de alegação. Com efeito, será por esta via, e recolhidas as respostas dos interessados, que o recorrente, analisando os elementos juntos aos autos (nomeadamente em termos probatórios) estabelecerá os exactos limites da pretendida intervenção do tribunal (que pode eventualmente passar pelo desinteresse ou abandono do recurso, redução dos vícios imputados ao acto recorrido, ou até, mesmo no estrito interesse do recorrente, na medida em que se entenda que possa imputar ao mesmo acto novos vícios. Assim, e até por razões que se prendem com a economia e celeridade processuais, importa que o recorrente proceda ao impulso processual subsequente em que a apresentação de alegações se reconduz, e cuja falta acarretará, consequentemente, a deserção do recurso, nos termos legalmente determinados. Não o fazendo, nomeadamente, conforme dispõe o art.º 176 do EMJ, o recurso fica, tal como foi já decidido, deserto'. No que respeita às questões de constitucionalidade que lhe foram colocadas, o Supremo Tribunal de Justiça considerou que 'Embora garanta aos administrados o direito a recorrerem a órgãos jurisdicionais, para, nomeadamente, em termos de recurso contencioso, e com fundamento em ilegalidade de qualquer acto administrativo que lese os seus direitos ou interesses legalmente protegidos, a CRP não regulou ela própria os termos processuais para a concretização de tal direito, remetendo a sua regulamentação para a lei ordinária.
É esta que deverá estabelecer a forma pela qual o direito será exercido. Ora conforme já vimos, e no caso sub judice, impõe-se para além de um primeiro impulso processual do recorrente, que este subsequentemente proceda, através da apresentação das alegações, novo impulso, pelo qual e em termos definitivos estabelece o thema decidendum. Assim, não pode constituir ónus insuportável, a imposição da prática de actos processuais com vista ao normal e clarificador andamento do processo, antes surgindo como justo e equilibrado, e como tal justificável, permitindo, em
última análise a realização da boa (e até rápida) Justiça. Não podendo a inércia do recorrente, neste caso, ser suprida pelo juiz, e existindo, sempre, razões subjacentes de interesse e ordem pública no sentido da obtenção de uma solução rápida (e justa), a referida inércia importa as consequências processuais determinadas para a mesma, isto é, a deserção do recurso. Tais regras processuais, estabelecidas pela lei ordinária, mostram-se, deste modo, e como já referimos, justificadas, não eliminando, diminuindo, ou tornando particularmente oneroso o direito de acesso ao direito e aos tribunais, nem afectam de algum modo a garantia da tutela jurisdicional dos direitos e interesses dos administrados. Conclui-se, nestes termos, pela inexistência das alegadas inconstitucionalidades.'
4. Convidado a indicar 'a norma ou normas que pretende que o Tribunal Constitucional aprecie, não sendo suficiente para se considerar definido o objecto do recurso a indicação dos preceitos legais que é feita no requerimento de interposição de recurso', veio o recorrente dizer o seguinte:
'1º O recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a norma dada pelo conjunto normativo constituído pelos artigos 178º do EMJ, 1º da LPTA, 67º §
único do RSTA, 291º, nº 2 e 690º, nº 3, ambos do CPC, interpretados e aplicados de molde a fundamentarem a deserção do recurso contencioso decidido pelo STJ. Com efeito,
2º Compulsando os artigos 178º do EMJ e 67º do RSTA, verifica-se a similitude normativa na tramitação ali definida, com excepção no que toca à penalização da falta de alegações. Ora,
3º Se o legislador quisesse que a falta de alegações nos recursos dos actos do Conselho Superior da Magistratura tivesse como consequência a pura e simples deserção do recurso contencioso não deixaria certamente de o afirmar, já que se pressupõe que o legislador exprime de forma minimamente compreensível o seu pensamento.
4º Por outro lado, não se vislumbra por que razão a ausência de ónus traduz uma decisão normativa menos adequada, já que o recurso contencioso dos actos do Conselho se configura como um procedimento simplificado em relação aos recursos contenciosos da Administração Pública.
5º Daí que, a criação de um ónus obtido por interpretação de normas que se entendem subsidiariamente aplicáveis – as normas acima referidas –, venha a configurar uma criação jurisprudencial limitativa e infundada do direito de acesso aos tribunais e garantia da tutela jurisdicional efectiva, garantida pelos artigos 20º e 268º, nº 4 da CRP, tanto mais que a Reforma do Contencioso Administrativo, actualmente em curso, configura as alegações com carácter marcadamente facultativo.
6º Em conclusão afigura-se ao recorrente que o objecto do recurso é definido pelas disposições conjugadas dos artigos 178º do EMJ, 1º da LPTA, 67º § único do RSTA, 291º, nº 2 e 690º, nº 3, ambos do CPC, que na interpretação e aplicação que lhes foi dada pela decisão recorrida, tornam essas normas materialmente inconstitucionais.'
5. Notificadas para o efeito, as partes apresentaram as suas alegações, concluindo o recorrente da seguinte forma:
'Conclusões:
1° Interpretadas e aplicadas como o foram no Acórdão recorrido, as normas dos artºs 178° do E.M.J., 1° da L.P.T.A.. 67°, § único do R.S.T.A. e 291°, n° 2 e
690°, n° 3, ambos do C.P.C. consubstanciariam um autêntico «monstro híbrido» em que seria buscar ao regime dos recursos do contencioso administrativo e dos recursos em processo civil apenas e tão só aquilo que, em quando um deles, é mais oneroso para o recorrente.
2° Resultado tanto mais absurdo quanto no caso sub judice não só não há fixação expressa do efeito cominatório da falta de alegações, como também o requerimento de interposição tem de conter logo toda a argumentação de facto e de direito bem como a formulação clara e precisa do próprio pedido.
3° Assim interpretadas e aplicadas, as supra referenciadas normas consubstanciam um desproporcionado e totalmente infundamentado ónus contra o recorrente,
4° O qual, menos justificação tem ainda num processo em que o interesse público da defesa da legalidade dos actos da Administração se revela incompatível e, naturalmente, se superioriza relativamente à lógica privatista do «impulso processual», própria dos «processos de partes».
5º Face a tudo quanto antecede, é o próprio interesse público que conduz à solução oposta à consagrada no Acórdão recorrido e torna manifestamente injustificada e desproporcionada a sanção de deserção do recurso, com isso se permitindo até permanência tranquila e insancionada na Ordem Jurídica de actos que manifestamente a violam, apenas com o pretexto de falta de «alegações finais».
6º Violam, pois, essas mesmas normas os preceitos e princípios dos artºs 20° e
268° da C.R.P. por de forma totalmente infundamentada consubstanciarem um injustificado e desproporcionado obstáculo a que Justiça seja feita, com a anulação ou declaração de nulidade de um acto ilícito da Administração, e a que a respectiva causa seja julgada num prazo razoável e num processo equitativo.' Quanto ao recorrido, formulou as seguintes conclusões:
'1. As normas em causa não sofrem de inconstitucionalidade pois não criam uma situação de desfavor e um ónus infundamentado e desproporcionado para o recorrente e não violam o disposto nos art.20 e 268 CRP .
2. O art. 291 e 690 n.º4 CPC para os quais remete o art. 67 parág. único por força do art.178 EMJ fixam expressamente efeito cominatório para a falta de alegações no recurso interposto – a deserção do próprio recurso.'
6. É o seguinte o teor das disposições que contêm as normas que constituem o objecto deste recurso: Artigo 178º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei nº 21/85, de 30 de Julho São subsidiariamente aplicáveis as normas que regem os trâmites processuais dos recursos de contencioso administrativo interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo. Artigo 1º da LPTA (Decreto-Lei nº 267785, de 16 de Julho) O processo nos tribunais administrativos rege-se pelo presente diploma, pela legislação para que ele remete e, supletivamente, pelo disposto na lei de processo civil, com as necessárias adaptações. Artigo 67º, § único, do R.S.T.A. (Decreto-Lei nº41 234, de 20 de Agosto de 1957)
À alegação e à sua falta é aplicável o disposto nos artigos 292º e 690º do Código de Processo Civil. Artigo 291º, nº 2, do Código de Processo Civil:
2. Os recursos são julgados desertos pela falta de alegação do recorrente ou quando, por inércia deste, estejam parados durante mais de um ano. Artigo 690º, nº 3, do Código de Processo Civil:
3. Na falta de alegação, o recurso é logo julgado deserto.
7. Constitui, assim, objecto do presente recurso a norma que se extrai das disposições conjugadas dos preceitos acima transcritos, segundo a qual a falta de alegações do recorrente no recurso das deliberações do Conselho Superior da Magistratura para o Supremo Tribunal de Justiça determina a deserção do recurso. Para o recorrente, tal norma violaria o artigo 20º e o nº 4 do artigo 268º da Constituição, nos termos já referidos. Ora o Tribunal Constitucional teve já oportunidade de julgar não inconstitucional o § único do artigo 67º do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo (no Acórdão nº 741/98, publicado no Diário da República, II Série, de 9 de Março de 1999, bem como na Decisão Sumária nº 20/2001, inédita),
'enquanto determina, por remissão para os artigos 292º e 690º do Código de Processo Civil, que na falta de alegações do recorrente o recurso é julgado deserto' (acórdão nº 741/98). A circunstância de, no caso presente, tal norma ter de ser conjugada com as normas constantes dos artigos 178º do Estatuto dos Magistrados Judiciais e do artigo 1º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, em nada altera a questão de constitucionalidade de que agora se trata. A verdade, todavia, é que a questão de constitucionalidade foi colocada e analisada pelo referido acórdão nº 741/98 à luz do princípio da igualdade, razão pela qual se torna agora necessário colocá-la em confronto com as regras constitucionais apontadas pelo recorrente, os artigos 20º e 268º, nº 4, da Constituição, que consagram o princípio do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva, respectivamente, em geral e em particular no âmbito do contencioso administrativo. De todo o modo, e em primeiro lugar, têm pleno cabimento as considerações feitas no acórdão nº 741/98 para justificar a imposição do ónus de apresentar alegações nos recursos contenciosos de anulação, que são as seguintes:
«7. Sustenta, porém, o recorrente que uma tal desigualdade, que 'existe no próprio processo civil', é de natureza diferente da que ocorre no contencioso administrativo:
'aquilo de que o artigo 690º trata é bem diferente do que é regulado no artigo
67º do Reg. S.T.A.
É que, enquanto no C.P.C. se cura das consequências da falta de alegação de recurso jurisdicional (da decisão de um Tribunal para outro tribunal), o Reg. S.T.A., ocupa-se da alegação ‘soit disant’ final do recurso contencioso.' E adiante concretiza a diferença:
'Com efeito, a peça que em processo civil antecede as alegações a que alude o art. 690º é um simples requerimento (não fundamentado) de recurso. Lógico é que, se o recorrente não apresentar a sua alegação, o tribunal ‘ad quem’ fica absolutamente impedido de conhecer as suas razões contra a decisão impugnada. Ao contrário, no contencioso administrativo necessariamente que o recorrente já expôs todos os fundamentos demonstrativos da ilegalidade da acto recorrido pois, por via do artigo 36º, n.º 1, al. D) da LPTA, teve de, logo na petição, de:
‘Expor com clareza os factos e as razões de direito que fundamentam o recurso, indicando precisamente os preceitos ou princípios de direito que considere infringidos.’ ' Note-se, todavia, que, segundo o artigo 690º, n.º 4 (na actual redacção) do Código de Processo Civil, a mera ausência de conclusões – que não de alegações – também pode bastar para que se não conheça do recurso, se o recorrente não der resposta ao convite do relator – ou dos juízes adjuntos – para apresentar conclusões, as completar ou esclarecer. Bem se vê, assim, que o que funda o ónus de apresentar alegações e de incluir nestas conclusões não é apenas a circunstância de, na falta de alegações ou conclusões, o tribunal de recurso ficar impossibilitado de conhecer as razões do recorrente. É, sobretudo, o intuito de, por um lado, sujeitar as partes a uma disciplina processual que leve ao decaimento de acções irrelevantes ou só emotivamente iniciadas e, de, por outro lado, delimitar os poderes de conhecimento e, consequentemente, de decisão, dos tribunais: vejam-se os n.ºs 2 (primeiro §) e 3 do artigo 684º do CPC (antes e depois da última reforma processual civil) e o novo artigo 684º-A do CPC. O n.º 3 do artigo 684º do Código de Processo Civil permite mesmo o estreitamento do objecto do recurso após as alegações, designadamente, aquando da produção das conclusões a convite do relator, e o próprio Acórdão recorrido reconhece a possibilidade de as conclusões das alegações poderem 'ir além do peticionado se da instrução do processo resultarem elementos atendíveis que o recorrente não pudesse inicialmente conhecer.' O que, de todo o modo, resulta com clareza é que, mesmo que o Tribunal já possa conhecer em momento anterior as razões do recorrente contra a decisão impugnada,
é nas alegações, e, mais precipuamente, nas suas conclusões, que se delimita o objecto do recurso, quer em processo civil, quer no recurso contencioso de anulação. Não pode, assim, afirmar-se qualquer diferença essencial, para o efeito cominatório da falta de alegações, entre o recurso em processo civil e o recurso contencioso de anulação, resultante do facto de o recorrente já ter exposto na petição de recurso os fundamentos pelos quais impugna a legalidade da acto recorrido.' Em segundo lugar, e no que toca à garantia constitucional de acesso ao direito e
à justiça, o Tribunal Constitucional já por diversas vezes teve a ocasião de explicitar quais são as suas exigências, para o efeito de com elas confrontar normas que impõem ónus processuais. Dessa jurisprudência resulta que não é incompatível com a tutela constitucional do acesso à justiça a imposição de ónus processuais às partes; necessário é que não sejam, nem arbitrários, nem desproporcionados, quando confrontada a conduta imposta com a consequência desfavorável atribuída à correspondente omissão. Assim, no acórdão nº 122/2002 (Diário da República, II Série, de 29 e Mio de
2002) escreveu-se: 'O direito processual constitui um encadeamento de actos com vista à consecução de um determinado objectivo, qual seja o de se obter uma decisão judicial que componha determinado litígio, o que, consequentemente, impõe, por um lado, que as ‘partes’ assumam posições equiparadas para desfrutarem de igualdade processual para discretear sobre as razões de facto e de direito apresentadas por uma e outra (cf., sobre o ponto, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, t. I, próprio.364 e 365, e Acórdão nº
223/95, deste tribunal, publicado no Diário da República, 2ª série, de 27 de Junho de 1995), e, por outro, para se alcançar uma justa e equitativa decisão, mister é que haja determinada disciplina, para, além de mais, se conseguir que a composição do litígio se não ‘perca’ por razões ligadas a livre alvedrio das mesmas ‘partes’, alvedrio esse que, no limite, poderia conduzir a uma
‘eternização’ de actos com repercussão na não razoabilidade da tomada de decisão em tempo útil. Daí que o processo, todo o processo – aqui se incluindo, obviamente o processo civil –, para além de dever ser um due process of law (v., de entre outros, os Acórdãos deste Tribunal nºs 249/97 e 514/98, publicados no Jornal Oficial, 2ª série, de 17 de Maio de 1997 e de 10 de Novembro de 1998, respectivamente), tenha de obedecer a determinadas formalidades que, elas mesmas, não podem deixar de ser consideradas, numa certa perspectiva, como constituindo, inclusivamente, factores ou meios de segurança, quer para as ‘partes’, quer para o próprio tribunal. As formalidades processuais ou, se se quiser, os formalismos, os ritualismos, os estabelecimentos de prazos, os requisitos de apresentação das peças processuais e os efeitos cominatórios são, pois, algo de inerente ao próprio processo. Ponto
é, porém, que a exigência desses formalismos se não antolhe como algo que, mercê da extrema dificuldade que apresenta, vai representar um excesso ou uma intolerável desproporção, que, ao fim e ao resto, apenas serve para acentuadamente dificultar o acesso aos tribunais, assim deixando, na prática, sem conteúdo útil a garantia postulada pelo nº 1 do artigo 20º da Constituição. Afora casos como esse, a exigência das formalidades processuais não poderá, destarte, ser vista como a prescrição de obstáculos à livre e desmedida actuação processual das ‘partes’ '. Ora, nos recursos de que agora nos ocupamos, o recorrente é notificado para apresentar alegações, não se podendo ver nesta exigência, em si mesma, um encargo particularmente gravoso. Para além disso, resulta expressamente da lei qual é a consequência da falta de apresentação: o facto de ser estabelecida mediante remissão não significa, naturalmente, que a cominação não esteja expressamente definida. Finalmente, não é materialmente injustificada a exigência da apresentação de alegações. Com efeito, embora o recorrente tenha de definir com rigor a sua pretensão na petição de recurso, não deve o legislador ficar impedido de lhe impor o ónus de, depois de conhecer a resposta da autoridade recorrida e as razões de eventuais contra-interessados, vir ao processo revelar se ainda mantém interesse no recurso e se o respectivo objecto continua ou não nos mesmos termos. Ora, sendo legalmente imposta a sua notificação para alegar e figurando expressamente na lei a consequência da falta de alegação, não viola seguramente o princípio do acesso ao direito e à tutela judicial efectiva que a lei ligue à abstenção do recorrente o significado da deserção do recurso. Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida no que respeita à questão de constitucionalidade. Custas pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido, fixando-se a taxa de justiça em 15 UCS. Lisboa, 9 de Outubro de 2002- Maria dos Prazeres Pizarro Beleza José de Sousa e Brito Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida