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Processo nº 580/02
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. - Nos presentes autos de recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, em que são recorrente A e recorrida a Comissão de Inscrição da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, foi proferida, em 14 de Outubro de 2002, decisão sumária, nos termos do nº 1 do artigo 78º-A daquele diploma legal, do seguinte teor:
'1. - A, identificado nos autos, interpôs, no Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra, recurso contencioso de anulação do acto de recusa de inscrição do recorrente na Associação de Técnicos Oficiais de Contas – ATOC – praticado pela Comissão de Inscrição desta Associação. Os autos seguiram seus termos após o que foi proferida sentença em 30 de Setembro de 1999, rejeitando o recurso por ser ilegal – artigo 54º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (LPTA – Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho). Agravou o interessado para o Supremo Tribunal Administrativo que, por acórdão de
5 de Abril de 2000, concedeu provimento ao recurso e revogou a sentença recorrida, determinando o prosseguimento do recurso contencioso no tribunal a quo. Após a tramitação processual adequada, foi proferida nova sentença na 1ª Instância, em 28 de Novembro do mesmo ano, julgando o recurso improcedente e mantendo o acto válido na ordem jurídica. Inconformado, recorreu de novo o interessado, vindo a ser proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 4 de Dezembro de 2001, acórdão negando provimento ao recurso, o qual foi objecto de pedido de aclaração, desatendido por novo aresto, de 19 de Março de 2002.
2. - Notificado, interpõe A recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. Isto porque o acórdão recorrido fez – no entendimento do recorrente – aplicação de normas – o Regulamento aprovado pela ATOC, em especial a alínea d) do nº 1 do seu artigo 1º e o artigo 3º [refere-se ao Regulamento da Comissão de Instalação da ATOC, na sequência da Lei nº 27/98, de 3 de Junho] 'cuja inconstitucionalidade e ilegalidade tinha sido suscitada nos autos, por violação do disposto nos artigos 13º, 18º, 112º, nº 8, e 165º, nº 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa, bem como violação do artigo 1º da Lei nº
27/98, de 3 de Junho'.
3. - Não especifica o recorrente de que acórdão interpõe recurso, sendo certo que o proferido em último lugar é o de 19 de Março de 2002, tirado em conferência, que negou a aclaração pretendida. Resulta no entanto, de modo inequívoco, que pretende recorrer do aresto que conheceu do mérito da causa, o de 14 de Dezembro de 2001, no qual, de resto, se vai integrar o segundo, pelo que é nesse entendimento que se procederá. Entende-se, não obstante, ser de proferir decisão sumária, nos termos do nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, por não se poder tomar conhecimento do objecto do recurso.
4. - Com efeito – e pondo de remissa a questão de ilegalidade, que não tem cabimento neste tipo de recurso – a normação impugnada não constituiu a ratio decidendi do aresto de 14 de Dezembro de 2001, que fundamentou a sua decisão no facto de o recorrido não ter demonstrado preencher um dos pressupostos vinculativos exigidos pelo artigo 1º da Lei nº 27/98, de 3 de Junho, diploma que veio permitir, a título excepcional, a admissão da inscrição como técnico oficial de contas de responsáveis directos por contabilidade organizada, nos termos do Plano Oficial de Contabilidade, no período decorrido entre 1 de Janeiro de 1989 e 17 de Outubro de 1995, de entidades que possuíssem ou devessem possuir esse tipo de contabilidade. Escreveu-se, com efeito, no dito aresto:
'c) Dos vícios e princípios que teriam sido violados pela decisão recorrida quanto ao Regulamento e na interpretação dos arts. 1º e 2º da Lei 27/98 de 3 de Junho. Nas conclusões das suas alegações o recorrente faz uma acérrima crítica ao Regulamento da Comissão Instaladora da ATOC de 3.6.1998 invocando estar o mesmo eivado de incompetência absoluta, usurpação do poder e violação dos princípios da igualdade, boa fé e responsabilidade das informações prestadas. Além disso, a1onga-se no decorrer das demais conclusões de outras críticas ao Regulamento, designadamente por a ATOC não ter competência regulamentar e o mesmo regulamento atentar contra o artº lº da Lei 27/98, violando-se, ainda no regulamento, os princípios da boa fé, o da igualdade constitucional, o da auto-vinculação, o da interpretação abusiva da Lei 27/98, e a restrição dos meios de prova. A sentença recorrida, porém, atendendo, embora, ao esgrimir dos argumentos do recorrente contra o regulamento, pelos menos em parte, centrou, todavia, a sua decisão, como devia, na apreciação dos fundamentos de facto e de direito em que a deliberação de 31.07.98 havia sido tomada, uma vez que o que estava em causa era o acto administrativo praticado, e não o regulamento em que aquele acto se havia baseado. Assim, designadamente, a sentença recorrida, depois de referir as condições dadas como assentes, em que o recorrente formulara o seu pedido de inscrição e os factos em que assentara a recusa da mesma, considerou que o recorrente havia entregue a declaração referente ao exercício de 1992 em 03.03.98 e que, ainda que fosse válida a declaração referente a 1995 o recorrente só faria prova dos anos de 1994 e 1995. Consequentemente quando o artº 1º da Lei 27/98 fala em 3 anos seguidos ou interpolados dos responsáveis directos por contabilidade organizada nos termo do POC, tal pressuposto não havia sido demonstrado pelo recorrente, que, aliás, a esse respeito nada disse. O recorrente, nas conclusões da sua alegação, não ataca aquela realidade, referida na decisão recorrida, limitando-se a afirmar, conclusivamente, ter exercido durante mais de 3 anos entre a data de 1 de Janeiro de 1989 e 17 de outubro de 1995 as funções de profissional de contabilidade, como responsável directo por contabilidade organizada nos termos do POC pelo que o seu pedido de inscrição deveria ter sido aceite. Ora, é inequívoco, que, independentemente de apurar e concretizar o conceito de
'responsáveis directamente por contabilidade organizada nos termos do Plano Oficial de Contabilidade, de entidades que possuíssem ou devessem possuir contabilidade organizada', referido no artº 1º da Lei 27/98 de 3 de Junho, que o recorrente teria de demonstrar perante a Comissão de Inscrição da ATOC, que sendo profissional de contabilidade, entre 1 de Janeiro de 1985 e até
17.10.1995, tinha durante 3 anos seguidos ou interpolados, individualmente ou sob a forma de sociedade, exercido aquele tipo de actividade. O recorrente, porém, para prova do preenchimento daquele pressuposto vinculado, exigido pelo artº 1º da Lei 27/98 limitou-se .a juntar uma declaração de rendimentos modelo
22 respeitante ao exercício de 1992, recebida nas Finanças em 03.03.98; uma declaração de rendimentos modelo 22 respeitante ao exercício de 1994, entregue em 16.05.95 e uma declaração de rendimentos modelo 22 relativa ao período de
1995. Ora, é manifesto, que mesmo que se considerassem as 3 declarações apresentadas como válidas, a relativa a 1995 por abranger, apenas o período até
17.10.1995, de acordo com o exigido pelo artº 1º da Lei 27/98, adicionada aos períodos de 1992 e 1994, nunca poderia comprovar que o recorrente tivesse exercido durante 3 anos seguidos ou interpolados, individualmente ou sob a forma de sociedade, a actividade de responsável directo por contabilidade organizada nos termos do Plano Oficial de Contabilidade. Deve salientar-se, ainda, que o recorrente, perante a notificação da deliberação que considerou não estar comprovado o exercício da actividade, face aos documentos apresentados, não apresentou quaisquer outros documentos que infirmassem a deliberação de 31.7.1996. Há, pois, que concluir, que a asserção da decisão recorrida de que o recorrente não havia demonstrado o exercício efectivo das funções e no período considerado no artº lº da Lei 27/98 perante a Comissão de Inscrição se mostra correcta, não merecendo a mesma censura (no sentido apontado veja-se o Ac6rdão do STA no Proc.
47 669, desta Secção, de 9 Outubro de 2001). Demonstrado, pois, que o recorrente não poderia ser inscrito como técnico oficial de contas ao abrigo do artº lº da Lei 27/98 de 3 de Junho, por não preencher um dos pressupostos vinculados para que tal pudesse ocorrer, é de todo despiciendo apurar se as normas do Regulamento que interpretou a aplicação, daquela lei, sofrem, ou não das inconstitucionalidades ou ilegalidades, que o recorrente lhe imputa, uma vez que, independentemente das normas fixadas naquele Regulamento, o seu pedido de inscrição teria sempre que ser indeferido por não cumprir o pressuposto fixado na lei que o regulamento pretendeu interpretar. Efectivamente, estando em causa a impugnação de um acto administrativo e o apuramento da verificação ou não verificação dos pressupostos vinculados estabelecidos no artº lº da Lei 27/98 de 3 de Junho e concluindo-se pela não-verificação de um dos pressupostos vinculados aí fixados, não há que ter em conta, uma vez verificada a inexistência do pressuposto, se forem violados os princípios constitucionais da igualdade, boa fé, responsabilidade das informações prestadas, o da auto-vinculação e o da interpretação abusiva da Lei
27/98 ou o da restrição dos meios de prova. De facto, uma vez que, sempre .e de todo o modo a Administração, perante a inexistência do pressuposto vinculado teria de indeferir a pretensão formulada ao abrigo do referido artº lº da Lei
27/98 de 3 de Junho, por não preenchimento do pressuposto do exercício efectivo daquele tipo de actividade durante o período mínimo de 3 anos, não se coloca a necessidade de apreciar, perante aquele indeferimento, se o mesmo poderia ser ultrapassado face à existência de princípios gerais da actividade administrativa que teriam sido violados pelo Regulamento, os quais só teriam que ser ponderados se estivesse em causa um poder discricionário da Administração perante norma que o permitisse.'
5. - De resto, no acórdão de 19 de Março de 2002, que indeferiu o pedido de aclaração do aresto anterior, e como para que não restassem dúvidas que assim foi, ponderou-se:
'O Acórdão em causa [ou seja o aclarado], depois de expressamente afirmar que, de acordo com o art. 1º da Lei 27/98 de 3 de Junho o recorrente não provara o exercício durante 3 anos seguidos ou interpolados, individualmente ou sob a forma de sociedade, da actividade de responsável directo por contabilidade organizada nos termos do Plano Oficial de Contabilidade, considerou que, não tendo sido feita aquela prova, ao abrigo daquela Lei era 'de todo despiciendo apurar se as normas do Regulamento que interpretara a aplicação daquela Lei sofriam, ou não, das inconstitucionalidades e ilegalidades que o recorrente lhe imputara ' uma vez que, independentemente das normas fixadas naquele Regulamento, o seu pedido de inscrição teria sempre que ser indeferido por não cumprir o pressuposto fixado na lei que o regulamento pretendeu interpretar' . O Acórdão, é, assim, bem esclarecedor sobre as razões por que não apreciou se o Regulamento em causa era ilegal e/ou inconstitucional, tendo sido, também inequívoca a sua ponderação sobre a questão que o recorrente considera ter sido omitida. Não há, pois, que completar qualquer esclarecimento ou emitir pronúncia sobre questão não apreciada pelo Acórdão em causa.'
6. - As transcrições feitas são suficientemente ilustrativas de falta de um dos pressupostos de admissibilidade deste tipo de recurso, que implica questionar a constitucionalidade de norma que integra a causa decidendi, configurando-se como agente essencial do sentido da decisão impugnada.
7. - Em face do exposto, decide-se, nos termos do nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, não tomar conhecimento do objecto do recurso. Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 6 unidades de conta.'
2. - Notificado, vem o recorrente reclamar para a conferência, de acordo com o disposto no artigo 700º, nº 3, do Código de Processo Civil – correctamente, o nº 3 daquele artigo 78º-A – pedindo que recaia sobre a matéria acórdão no sentido de se ordenar prosseguimento dos autos para conhecimento do objecto do recurso.
Numa primeira parte da sua resposta (nºs. 1 a 20, inclusivé), o reclamante reconvoca as normas constitucionais que entende terem sido violadas (pelo aresto recorrido), nomeadamente, e em síntese:
a) alertando para o facto de os órgãos da ATOC não terem competência para aprovar o regulamento em causa, 'atento o princípio da primariedade ou da procedência da lei, segundo o qual todos os regulamentos carecem de habilitação legal, exigência que vem expressamente consagrada no nº 8 do artigo 112º da CRP'; b) não ter a Lei nº
27/98 atribuído a essa Associação competência para regulamentar as condições da sua aplicação, o que, de resto, não podia constitucionalmente atribuir;
c) como tal, não dispor a ATOC de competência regulamentar, seja por via estatutária, seja mercê daquela lei.
Ora, relativamente a este grupo de questões, por maior que seja a sua pertinência, há a considerar que elas são alheias à fundamentação da decisão sumária, uma vez que, como se salientou oportunamente, as normas sindicandas pelo recorrente não integraram a causa decidendi, na constatação que o acórdão recorrido se 'limitou' a pronunciar-se em função do artigo 1º da Lei nº 27/98 – que não faz parte do objecto do recurso.
A segunda parte da resposta (nºs. 21 e seguintes) tem a ver exactamente com esta última norma.
Mas, a este propósito, entendeu-se no acórdão recorrido que o interessado não fez prova do 'pressuposto vinculado' exigido pelo artigo
1º da Lei nº 27/98, permitindo esse juízo conclusivo ter por despiciendo cuidar de saber se a norma padece das inconstitucionalidades ou das ilegalidades que lhe são imputados pelo recorrente: é que, como se escreveu, independentemente desse corpo normativo posto em crise, sempre o pedido de inscrição teria de ser indeferido 'por não cumprir o pressuposto fixado na lei que o regulamento pretendeu interpretar' – o exercício efectivo do tipo de actividade em causa pelo período mínimo de 3 anos, seguidos ou interpolados.
Por outras palavras, os parâmetros do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade respeitam a uma norma ou interpertação normativa, que tinha sido aplicada na decisão sob recurso e não a esta, em si própria considerada, na ponderação singular do caso concreto. Não é sindicável por este Tribunal a subsunção da norma ao caso concreto feita pelo tribunal recorrido.
3. - Em face do exposto, decide-se indeferir a reclamação, confirmando a decisão sumária proferida oportunamente.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 15 unidades de conta.
Lisboa, 6 de Janeiro de 2003 Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida