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Proc. nº 153/2002
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
1. A.. deduziu junto do Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto oposição, nos termos do artigo 286º do Código de Processo Tributário, na execução fiscal a correr termos sob o nº 1821-94/1065831. O oponente sustentou a inconstitucionalidade do artigo 13º do Código de Processo Tributário assim como a 'inexistência jurídica' do Decreto-Lei nº 103/80, de 9 de Maio, uma vez que não foi referendado. O Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto por decisão de 30 de Abril de
2001, considerou o seguinte: De acordo com o princípio da legalidade tributária constitucionalmente consagrada a reserva relativa da Assembleia da República abrange, para além do mais, a definição da incidência dos impostos, o que compreende a respectiva incidência objectiva e subjectiva. Quanto a incidência subjectiva, o princípio citado implica que, salvo autorização legislativa concedida ao Governo, terá de ser uma lei emanada do Parlamento a definir os sujeitos passivos dos impostos, nomeadamente os responsáveis tributários não são originários. Dá-se por assente, a conclusão do oponente, de que o regime constante do art.
13º do Código de Processo Tributário contém disposições de direito substantivo e que o Código de Processo Tributário, aprovado pelo Dec. Lei nº 154/91, de 23.04, foi emitido ao abrigo da autorização legislativa concedida ao Governo pela Lei nº 37/90, de 10.08. Como tal, é legítimo a questão levantada pelo oponente quanto a inclusão no objecto da lei de autorização do Governo legislar em matéria de incidência subjectiva, já que a aludida Lei nada refere expressamente nesse particular . No entanto, há que atentar ao que o art. 1º da Lei nº 37/90 autorizava o Governo
'a elaborar um Código de Processo Tributário, em substituição do actual Código de Processo das Contribuições'. Assim sendo, tem que ser entendido no sentido de que autorização legislativa abrangia inequivocamente todas as matérias já contempladas no CPCI, incluindo, a matéria respeitante à responsabilidade tributárias dos administradores e gerentes, constante do seu art. 16º. Concluindo, o referido art. 13º do Código de Processo Tributário não enferma da apontada inconstitucionalidade orgânica.
2ª QUESTÃO Da inexistência jurídica do Decreto Lei nº 103/80 de 9 de Maio. Alega o oponente a inexistência jurídica do Dec. Lei nº 103/80 por o mesmo não ter sido referendado. Apreciando. O referido diploma, foi promulgado pelo Presidente da República em 5 de Maio de
1980, pelo que em conformidade com o texto constitucional em vigor – art. 141º nº 1 da Constituição da República Portuguesa tinha que ser referendado pelo Governo e, a sua falta determinava nos termos do nº 3 do citado normativo a inexistência jurídica do acto. Haverá, no entanto, que precisar que objecto de referendo ministerial não é o Decreto Lei, mas o acto do Presidente da República, isto é, o acto de promulgação. Assim sendo na resolução da questão enunciada não poderá deixar de atender-se ao momento temporal em que o aludido diploma foi emitido. Na época mantinha-se a prática constitucional herdada do Estado Novo, continuando a utilizar-se o expediente, 'já durante a vigência da Constituição de 1976 de, mantendo-se em funções o mesmo Governo, a assinatura de um Decreto Lei ou Decreto Regulamentar pelo Primeiro Ministro e pelos Ministros competentes, seguida de promulgação presidencial, dispensar uma posterior intervenção do Governo para referendar o acto, entendendo-se que assinatura dos membros do Governo se convolava em referenda' (Diogo Freitas do Amaral e Paulo Otero, O Valor Jurídico-Político da Referenda Ministerial, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 56º, nº 1, pág. 144). A prática enunciada apenas cessou na sequência do Decreto Lei nº 3/83, de 11.01, que veio estabelecer novas regras quanto à publicação, identificação e formulários dos diplomas legais. Daí que, embora o citado Decreto Lei nº 103/80 não tenha sido objecto de referenda, na esteira do entendimento sufragado por Jorge Miranda (Manual de Direito Constitucional, Vol. II, pág. 260) bem como da jurisprudência constitucional (cfr., por todos, acórdão nº 309/94, de 24.03 de
1994, DR, II série, de 29.08.94) se nos afigure que a apontada prática se mostra constitucionalmente admissível não padecendo, por isso, o diploma em questão do apontado vício formal por convolação da assinatura em referenda. O tribunal julgou parcialmente procedente a oposição à execução.
2. A.. interpôs recurso da sentença de 30 de Abril de 2001 na parte em que lhe foi desfavorável. Nas respectivas alegações suscitou de novo as inconstitucionalidades anteriormente invocadas. O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 19 de Dezembro de 2001, negou provimento ao recurso.
3. A.. interpôs recurso de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição do artigo 13º do Código de Processo Tributário e do Decreto-Lei nº
103/80, de 9 de Maio. Junto do Tribunal Constitucional o recorrente apresentou alegações que concluiu do seguinte modo:
1 - O Decreto-Lei nº 103/80, de 9 de Maio é juridicamente inexistente por não ter sido referendado.
2 - A Lei n.º 37/90, de 10 de Agosto, autorizou o Governo a legislar em matéria de direito adjectivo.
3 - A Lei de autorização legislativa tem que ser interpretada segundo os princípios consagrados no artigo 9° do Código Civil.
4 - A Lei 37/90, de 10 de Agosto não contém qualquer elemento que permita interpretá-la no sentido de que o Governo ficou autorizado a alterar as disposições de direito substantivo que constavam do Código de Processo das Contribuições e Impostos.
5 - A fixação do sentido e alcance da Lei 37/90, de 10 de Agosto, obriga a presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
6 - É inconstitucional a interpretação da norma do artigo 1º da Lei 37/90, no sentido de que a autorização legislativa concedida por esta lei, abrangeu as disposições de carácter substantivo do Código de Processo das Contribuições e Impostos.
7 - A Lei 37/90, de 10 de Agosto, autorizou o Governo a alterar apenas as disposições de direito adjectivo do Código de Processo das Contribuições e Impostos.
8 - A norma do artigo 13° do Código de Processo Tributário é de direito substantivo.
9 - O artigo 13° do Código de Processo Tributário é organicamente inconstitucional.
10 - A matéria da norma do artigo 13° do Código de Processo Tributário constitui reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, prevista na alínea i) do n.º 1 do artigo 168° da Constituição da República Portuguesa.
11 - Pelo disposto no artigo 204° da Constituição da República Portuguesa os Tribunais não podem aplicar a norma inconstitucional do artigo 13° do Código de Processo Tributário.
12 - Foram violados os artigos 140°, n.º 2, 161.º, alínea d), 165°, n.º 1, alínea i) e n.º 2, 166°, n.º 3 e 204° da Constituição da República Portuguesa. A Fazenda Pública pronunciou-se nos seguintes termos: Contra-alegando no recurso interposto por A., a representante da Fazenda Pública, louvando-se do douto Acórdão do Venerando Tribunal Constitucional, de
24 de Abril de 1994, proferido no processo n ° 287/91, no sentido de que 'a prática constitucional reiterada até à entrada em vigor da Lei n° 6/83, de 29 de Julho era de considerar que, não tendo havido substituição do Governo que aprovou um determinado diploma, a assinatura do Primeiro-Ministro e ministros competentes (quando constitucionalmente exigida) se podia convolar em referenda' considera que não ocorre a alegada inexistência jurídica do diploma: Também, quanto à alegada inconstitucionalidade do artigo 13° do CPT, constitui jurisprudência firmada do Venerando Tribunal Constitucional que esta disposição legal não enferma de inconstitucionalidade material ou orgânica. Pelo devendo ser mantido o douto Acórdão recorrido.
Cumpre decidir.
II Fundamentação
4. O recorrente sustenta a inconstitucionalidade orgânica do artigo 13º do Código de Processo Tributário. O Tribunal Constitucional já procedeu à apreciação da conformidade à Constituição de tal norma. Com efeito, no Acórdão nº 400/2001 (D.R., II Série, de 7 de Novembro de 2001), entre outros, o Tribunal Constitucional decidiu não julgar materialmente inconstitucional essa norma. Porém, o recorrente suscita nos presentes autos a inconstitucionalidade orgânica do artigo 13º do Código de Processo Tributário, por violação do artigo 168º, nº
1, alínea i), da Constituição. A Lei nº 37/90, de 10 de Agosto, autorizou o Governo a elaborar um Código de Processo Tributário, em substituição do actual Código de Processo das Contribuições e Impostos. O recorrente sustenta que interpretar tal disposição no sentido de a mesma conferir autorização ao Governo para legislar sobre as matérias abrangidas pelo anterior Código de Processo das Contribuições e Impostos viola a Constituição. No entanto, não indica qual o preceito ou princípio constitucional violado e apresenta estes argumentos no contexto da arguição da inconstitucionalidade orgânica do actual artigo 13º do Código de Processo Tributário. Ora, a inconstitucionalidade orgânica desta disposição só poderia resultar de a matéria por ela regulada (pressupondo que integra a reserva relativa da Assembleia da República, o que agora não se discutirá) não estar abrangida pela respectiva lei de autorização legislativa. Contudo, a Lei nº 37/90, de 10 de Agosto, autorizou o Governo a elaborar um código que substituísse o Código de Processo das Contribuições e Impostos. O Código de Processo das Contribuições e Impostos, no artigo 16º, regulava a responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes das sociedades. O artigo 13º do Código de Processo Tributário veio regular precisamente essa matéria. Não existe razão para considerar que tal matéria não estava abrangida pela lei de autorização legislativa (uma vez que esta autorizou a substituição de todo um código e, portanto, das matérias concretamente nele tratadas), não se vislumbrando, por outro lado, em que medida é que a interpretação da lei de autorização legislativa neste sentido – que corresponde a uma estrita interpretação declarativa – é inconstitucional (como o recorrente afirma sem, porém, o demonstrar ou fundamentar ainda que minimamente). Improcede, pois, o presente recurso quanto a esta questão.
6. O recorrente sustenta, por outro lado, a inexistência jurídica do Decreto-Lei nº 103/80, por o mesmo não ter sido referendado, o que consubstancia uma questão de inconstitucionalidade normativa. O Tribunal Constitucional, em jurisprudência abundante e reiterada, tem entendido que, antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 3/83, de 11 de Janeiro, era dispensável a assinatura dos membros do Governo após a promulgação presidencial, quando essa assinatura constava do diploma (aposta antes da promulgação), desde que se mantivesse em funções o mesmo Governo (cfr. Acórdãos nºs 309/94, D.R., II Série, de 29 de Agosto de 1994, e 354/2000, D.R., II Série, de 7 de Novembro de 2000).
É este o entendimento que agora se seguirá, concluindo-se que a assinatura do Primeiro-Ministro constante do diploma permitia concluir, de acordo com a prática constitucional então vigente, que o mesmo está referendado. Improcede, também, o presente recurso quanto a esta questão de constitucionalidade.
III Decisão
7. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide: a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 13º do Código de Processo Tributário; b) Não julgar inconstitucionais as normas do Decreto-Lei nº 103/80, de 9 de Maio; c) Negar, consequentemente, provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 UCs.
Lisboa, 2 de Outubro de 2002 Maria Fernanda Palma Bravo Serra Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa