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Processo nº 572/2002
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A, instaurou no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa contra B, proprietária do Jornal '...', e contra C e D, na qualidade, respectivamente, de director e de jornalista do referido jornal, uma acção de indemnização por danos patrimoniais e morais que foi julgada improcedente contra os dois primeiros réus e parcialmente procedente contra o terceiro, que foi condenado a pagar a quantia de 100.000$00 por danos morais, por sentença de 18 de Dezembro de 2001. Inconformado, D recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo que o Tribunal Constitucional aprecie 'a interpretação feita pela sentença recorrida do disposto nos artigos 70, 483, 484 e 487 do C.C., em violação do disposto nos artigos 26 e 37 da C.R.P.'. Diz ainda o recorrente que não suscitou a questão de constitucionalidade
'durante o processo' por 'não ter tido oportunidade para suscitar a questão e uma vez que não cabe recurso ordinário da douta decisão recorrida'. Por despacho de 8 de Fevereiro de 2002, o Tribunal recorrido não admitiu o recurso, por entender que essa questão de constitucionalidade não foi suscitada durante o processo, como a lei exige, 'pese embora os problemas a que se referem as normas indicadas estivessem postos ao Réu desde o início da acção atenta a causa de pedir invocada pela Autora e até a concreta menção dos artigos 484º e
487º do CC na petição inicial'.
2. D veio, então, reclamar para o Tribunal Constitucional do despacho de não admissão do recurso, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 76º da Lei nº
28/82, fundamentando a sua reclamação no Acórdão nº 61/92 deste Tribunal, cujo ponto V do respectivo sumário transcreve: 'V. Tendo a reclamante sido apenas confrontada com a norma havida por inconstitucional quando lhe foi notificada a sentença que, ao abrigo da mesma norma, a condenou no pedido, não podia, em consequência, haver suscitado a sua inconstitucionalidade durante o processo nem, tão pouco, em termos de se antecipar ao proferimento da decisão, suscitando logo a questão da inconstitucionalidade'. Pelo despacho de fls. 5 foi mantida a decisão de não admissão do recurso. Notificado para o efeito, o Ministério Público pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação: 'A presente reclamação é manifestamente improcedente, desde logo porque o reclamante não curou de delinear, em termos minimamente inteligíveis, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, explicitando qual a interpretação feita dos preceitos legais questionados que considera inconstitucional. Para além disso é evidente e inquestionável que a convocação e aplicação de tais preceitos legais, numa acção indemnizatória com a especificidade da dos presentes autos, não pode seguramente configurar-se como
‘decisão surpresa’, susceptível de dispensar o recorrente do ónus de suscitação procedimentalmente adequada, durante o processo, da questão de constitucionalidade que tivesse por pertinente, face aos termos do litígio'.
3. Com efeito, a reclamação é improcedente, por faltar um pressuposto indispensável ao conhecimento do objecto do recurso: ter sido suscitada durante o processo, nos termos exigidos pela al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº
28/82, a inconstitucionalidade das normas que o reclamante pretende seja apreciada pelo Tribunal Constitucional. Como este Tribunal tem reiterada e uniformemente afirmado, este requisito da invocação da inconstitucionalidade de uma norma ou de uma sua interpretação durante o processo traduz-se na necessidade de que tal questão seja colocada perante o tribunal recorrido de forma a proporcionar-lhe a oportunidade de a apreciar (cfr. nº 2 do artigo 72º da Lei nº 28/82). Só nos casos excepcionais e anómalos, que aqui manifestamente não ocorrem, em que o recorrente não dispôs processualmente dessa possibilidade, é que será admissível a arguição em momento subsequente (cfr., a título de exemplo, e para além dos acórdãos nºs 61/92 e
24/99, este último citado no despacho de não admissão do recurso, os acórdãos deste Tribunal com os nºs 62/85, 90/85 e 160/94, publicados, respectivamente, nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5º vol., págs. 497 e 663 e no Diário da República, II, de 28 de Maio de 1994). Depreende-se da citação feita pelo reclamante que considera não ter disposto da oportunidade de suscitar a questão da inconstitucionalidade antes de proferida a sentença condenatória, por só ter sido confrontado com as normas cuja constitucionalidade questiona com a respectiva notificação; e, para além disso, que entende que não lhe era exigível ter feito qualquer juízo quanto à sua aplicação possível, de modo a ter podido colocar tal questão ao tribunal de 1ª instância. Ora a verdade é que, pedindo-se na acção a condenação no pagamento de uma indemnização também por danos morais, era inevitável que o tribunal, para a julgar, tivesse que recorrer aos artigos 70º, 483º, 484º e 487º do Código Civil. Não se verifica, portanto, que tenha recorrido a preceitos cuja aplicabilidade não fosse previsível pelo reclamante. Poderia, todavia, ter sucedido que estes preceitos tivessem sido interpretados de forma imprevisível ou anómala, tendo-lhes sido atribuído um sentido cuja antecipação não fosse realmente exigível ao reclamante. Não foi, todavia, o que sucedeu; nem o reclamante o sustenta.
4. Não tendo sido cumprido o ónus de suscitar oportunamente a questão de constitucionalidade, obstáculo apontado pelo despacho agora reclamado, torna-se desnecessário averiguar se o reclamante definiu uma questão de constitucionalidade normativa susceptível de constituir o objecto de um recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas, como observa o Ministério Público.
Nestes termos, indefere-se a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 ucs. Lisboa, 9 de Outubro de 2002 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida