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Processo nº 698/02
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
A. Nos presentes autos, vindos dos Juízos de Pequena Instância Criminal do Porto
(1ª Secção), proferiu o Relator a seguinte DECISÃO SUMÁRIA:
'1. O Ministério Público veio interpor recurso para este Tribunal Constitucional, ‘nos termos - da alínea a) do nº 1 e nº 3 do artº 280º da Constituição da República; - nº 1 do artº 75-A; - alínea a) do nº 1 do artº 70º da Lei Sobre Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional
(Lei nº 28/82 de 15/11, alterada pela Lei 143/85 de 26/11, pela Lei 85/89 de
7/9, pela Lei 88/95 de 1/9 e pela Lei nº 13-A/98 de 26/2), da sentença do Mmº Juiz dos Juízos de Pequena Instância Criminal do Porto (1ª Secção), de 9 de Outubro de 2002, que, declarando ‘inconstitucional a norma do art. 191º, nº 1 do Código de Posturas do Concelho do Porto, na parte em que se refere à tributação da utilização de espaços pertencentes a particulares, por violação dos arts.
103º, nº 2 e 165º, nº 1, al. i) da Constituição’, concedeu provimento ao recurso interposto pela ora recorrida P, S.A., com sede em Lisboa, ‘revogando a decisão recorrida’, ou seja a decisão ‘proferida pelo Sr. Vereador do Pelouro das Actividades Económicas e Protecção Civil da Câmara Municipal do Porto’, pela qual lhe foi aplicada ‘a coima de 1 900 euros, por ter colocado determinados factos publicitários no seu estabelecimento, sem licença municipal, o que constitui contra-ordenação prevista e sancionada pelos arts. 29º, nº 1 da Lei nº
42/98, de 6/8, 1º, nº 1 e 10º, nºs 1 e 3 da Lei nº 97/88, de 17/8, 191º, nº 1 do Código de Posturas do Concelho do Porto e 17º, nº 2 do RGCO’.
2. A sentença recorrida, começando por ‘apreciar a inconstitucionalidade da norma contida no art. 191º, nº 1 do Código de Posturas do Concelho do Porto, por violação do princípio da legalidade fiscal consignado nos arts. 103º, nº 2 e
165º, nº 1, al. i) da Constituição’ (e aquela norma dispõe que ‘carece de licença municipal a colocação ou utilização de anúncios e reclamos, visíveis da via pública, com ou sem carácter municipal’), passou a ‘distinguir os conceitos de taxa e imposto’, para concluir que não se está ‘perante a utilização de bens ou locais públicos mas sim de bens ou locais pertencentes a particulares’ e que,
‘tendo em conta que os dizeres em causa se encontram colocados no estabelecimento da arguida, propriedade particular, não se vislumbra que forma de utilização de um bem semi-público possa estar em causa ou que a autarquia venha a ser constituída numa situação obrigacional de assunção de maiores encargos pelo levantamento do obstáculo jurídico’. E remata assim a sentença:
‘Pelo que, a contribuição exigida à arguida deve ser juridicamente classificada como um verdadeiro imposto, devendo obedecer aos ditames que a Constituição dirige a esta classe de tributos. E daí que a norma que a impõe, porque criada por diploma não emanado pela Assembleia da República (ou pelo Governo devidamente autorizado por aquela), deva ser considerada como enfermando do vício da inconstitucionalidade orgânica’
3. Desde já se impõe dizer que, numa perspectiva jurídico-constitucional, não merece censura a sentença recorrida, inscrevendo-se na linha da jurisprudência do Tribunal Constitucional (jurisprudência essa, aliás, identificada na sentença) para situações similares. Assim, o acórdão nº 32/00, publicado nos Acórdãos, 46º vol., págs. 283, segs, debruçando-se sobre normas do mesmo tipo do Regulamento sobre Publicidade da Câmara Municipal de Lisboa, emitiu um juízo de inconstitucionalidade orgânica, remetendo para anteriores arestos do mesmo Tribunal (acórdãos nºs 558/98 e
63/99). Tratando-se sempre nesses arestos, para cujos fundamentos se remete, e no presente caso da questão da natureza das importâncias exigidas pelas câmaras municipais, a título de licença ou sua renovação, quando é caso de mensagens publicitárias, através, por exemplo, de anúncios ou reclamos, a consideração decisiva - e aqui também o é – foi a de ‘que não se está perante a utilização de bens ou locais públicos ou semipúblicos, mas de bens ou locais pertencentes a particulares’ (e daí a conclusão de que a respectiva imposição de tais importâncias ter de obedecer aos ditames que pela Lei Fundamental são dirigidos aos impostos, gerando a desobediência a vício de inconstitucionalidade orgânica). Com o que tem de ser confirmada a sentença recorrida quanto ao juízo de inconstitucionalidade dela constante, nos seus precisos termos.
4. Termos em que, DECIDINDO, nego provimento ao recurso'. B. Dessa DECISÃO veio o 'representante do Ministério Público junto deste Tribunal', (...)reclamar para a conferência, nos termos do nº 3 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82', invocando o seguinte:
'1 – Sobre questão estritamente idêntica à controvertida no presente recurso, foi proferido o recente Acórdão nº 434/02, em que o Tribunal Constitucional julgou não inconstitucional a dimensão normativa questionada nestes autos.
2 – Sendo certo que o que está em causa neste processo é a aplicação de uma coima à recorrida – e não a tributação em taxa de qualquer afixação ilícita de publicidade.
3 – Ora, face ao decidido em tal aresto, de que se junta cópia, está obviamente prejudicada a prolação de decisão sumária, a qual – no nosso entendimento, - não poderá afrontar um precedente juízo de não inconstitucionalidade, proferido em anterior Acórdão do Tribunal Constitucional'. C. A ora recorrida P, S.A., respondeu à reclamação, pugnando 'pela manutenção do juízo de inconstitucionalidade das taxas em causa e pela improcedência de quanto vem alegado pelo Ministério Público'. Para a respondente, e no essencial, sendo 'verdade que no processo se levanta a questão da aplicação de uma coima a qual, em si mesma, reveste natureza sancionatória e não tem, ela coima, de ser qualificada como imposto ou taxa', o certo é que 'há uma questão prévia que se levanta e à qual o Tribunal não pode deixar de responder e que é a de saber se a taxa exigida é ou não devida, se a taxa exigida reveste ou não a natureza de imposto e, revestindo-a, se é ou não constitucional'. E concluiu assim a resposta:
'Sendo inconstitucionais as normas que instituíram as taxas, estas são nulas e, em consequência directa e necessária, nulas se tornam as multas que se definem por serem iguais ‘ao dobro da taxa da licença em falta’, uma vez que não existe qualquer taxa de licença em falta. Assim não é possível ao tribunal decidir da legalidade da aplicação da coima sem apreciar a questão da constitucionalidade das normas que estabelecem as taxas, ainda que tal apreciação se processe como questão prévia.
É este juízo que se pede se feito e não o da consideração das coimas como taxas. Ora, o acórdão nº 434/2002 entendeu que este segundo é que era o pedido formulado. Tê-lo-á feito por equívoco, segundo a recorrida se permite deduzir da leitura do acórdão, acompanhada do desconhecimento do restante processo'. D. É facto que na DECISÃO reclamada não foi tomado em consideração o juízo de não inconstitucionalidade a que aderiu o citado acórdão nº 434/2002, pois ele ainda não tinha transitado em julgado e também não havia sido publicado o acórdão no jornal oficial (inédito). Mas esse julgamento contido no acórdão nº 434/2002 implica que não possa achar-se simples a questão aqui a decidir, no quadro do nº 1 do artigo 78º-A, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, pelo que devem os presentes autos prosseguir a sua tramitação normal. E. Termos em que, DECIDINDO, revoga-se a DECISÃO reclamada e ordena-se o seguimento dos autos. Lisboa, 5 de Dezembro de 2002 Guilherme da Fonseca Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa