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Proc. n.º 101/02 Acórdão nº 344/02
1ª Secção Relatora: Maria Helena Brito
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Tendo sido notificado do acórdão do Tribunal Constitucional, n.º
259/2002, de 18 de Junho de 2002 (fls. 892 a 920), em que se decidiu negar provimento ao recurso interposto para este Tribunal, não julgando inconstitucionais, à luz do disposto nos artigos 18º, 20º, n.º 1 e 32º, n.º 7, todos da Constituição, as normas do artigo 412º, n.º s 3 e 4, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual a falta de indicação, nas conclusões da motivação do recurso em que o assistente impugne a decisão sobre a matéria de facto, das menções contidas nas alíneas a), b) e c) do n.º 3 e no n.º
4 do artigo 412º do Código de Processo Penal tem como efeito o não conhecimento daquela matéria e a improcedência do recurso nessa parte, sem que ao recorrente seja dada oportunidade de suprir o vício dessa falta de indicação, se também da motivação do recurso não constar tal indicação, veio o recorrente A arguir a nulidade do mencionado acórdão.
No requerimento apresentado, fundamentado no artigo 668º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil (aplicável por força do artigo 69º da Lei do Tribunal Constitucional), invoca-se, em síntese:
a) 'Vício de forma – violação dos poderes de cognição do Tribunal Constitucional', por no acórdão reclamado o Tribunal Constitucional ter entendido 'que «a questão de constitucionalidade que cumpre apreciar não pode ser a da genérica admissibilidade da rejeição, sem prévio convite à indicação das menções contidas nos n.º s 3 e 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal, de um recurso em que se impugne a decisão sobre a matéria de facto sem indicação de tais menções nas conclusões da motivação», sendo «diversamente, a da admissibilidade dessa rejeição liminar, quando o recorrente seja assistente»
(págs. 12/13 do Ac.)'.
b) 'Excesso de pronúncia – conhecimento de matéria de que este Tribunal não podia conhecer, por violação dos princípios do processo equitativo', por no acórdão reclamado o Tribunal Constitucional ter entendido
'que «a questão de constitucionalidade que ora cumpre apreciar não é a da admissibilidade da rejeição liminar de um recurso interposto pelo assistente, quando nas conclusões da motivação se não proceda às especificações a que aludem os n.º s 3 e 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal, mas, diversamente, a da admissibilidade dessa rejeição liminar quando também na própria motivação se não façam tais especificações» (pág. 13 do Ac.)'.
Em face das razões que expõe, o ora reclamante conclui do seguinte modo:
'Assim, tendo procedido a delimitação adicional substancial do objecto do recurso, sem que haja notificado o recorrente para se pronunciar sobre essa delimitação, violou este Tribunal o disposto nos artºs 20º, nºs 1 e 4, da Lei Fundamental, e do artº 3º, nº 3, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artº 69º da Lei nº 28/82 de 15/11, encontrando-se, em consequência, ferido de nulidade insanável o Acórdão em crise, por ter conhecido de matéria de que não podia conhecer sem prévia concessão do exercício do contraditório ao recorrente
(artº 668º, nº 1, al. d) do Código de Processo Civil, ex vi do artº 69º da LTC).'
2. Notificado para se pronunciar sobre a reclamação, o Ministério Público respondeu:
'1 – A presente arguição de nulidade carece manifestamente de fundamento.
2 – Na verdade, toda a argumentação do reclamante assenta num evidente vício de raciocínio: o de que o Tribunal teria procedido a uma ampliação do objecto do recurso, estendendo-o a norma ou interpretação normativa diversa – e mais ampla
– do que a delineada no requerimento de interposição do recurso de fiscalização concreta.
3 – Ora, o fenómeno verificado foi precisamente o oposto: o Tribunal Constitucional procedeu efectivamente a uma delimitação do objecto do recurso, restringindo-o de modo a abarcar efectivamente a fisionomia da concreta situação processual verificada nos autos.
4 – Adequando, deste modo, a questão de inconstitucionalidade normativa delineada pelo recorrente aos específicos e concretos factos processuais verificados: a posição de assistente do recorrente e a circunstância de obviamente não estar em causa uma simples deficiência formal das conclusões da motivação de recurso, mas o incumprimento, ao longo de toda essa peça processual, do ónus de adequada e efectiva impugnação da matéria de facto.
5 – Sendo evidente que este Tribunal Constitucional tem naturalmente o poder-dever de adequar a questão normativa suscitada em abstracto pelo recorrente à concreta especificidade do caso «sub juditio», sob pena de se não respeitar a funcionalidade típica da fiscalização concreta da constitucionalidade, indissociável da fisionomia do caso em apreciação.
6 – Ora, ao contrário do que pretende o recorrente, é manifesto e incontroverso que ele não cumpriu, na motivação do recurso, aquele ónus de adequada e procedimentalmente correcta impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto – sendo certo que, como o próprio recorrente reconhece, a fls. 925, não procedeu, em nenhum ponto da peça impugnatória, a qualquer referenciação dos suportes técnicos em que se fundavam os depoimentos invocados como base do alegado «erro de julgamento» – não cumprindo, deste modo, no âmbito da motivação, as exigências também formuladas pela norma do processo penal questionada.
7 – É, por outro lado, evidente que não carece o Tribunal Constitucional de proceder a notificação adicional ao recorrente para poder licitamente adequar o objecto do recurso à concreta fisionomia do caso dos autos – particularmente em hipóteses, como a do presente processo, em que se revela ostensiva e incontroversa a delimitação da «norma» cuja constitucionalidade cumpre apreciar, face à realidade processual verificada.
8 – Traduzindo tal «audição complementar» – prévia à «redução» do objecto do recurso – verdadeiro acto inútil, manifestamente desnecessário face à regra constante do artigo 3º do Código de Processo Civil.
9 – Termos em que deverá improceder a pretensão deduzida.'
3. A presente reclamação tem manifestamente de improceder.
Determina o artigo 668.º, n.º 1, alínea d), parte final, do Código de Processo Civil que a sentença é nula quando o tribunal 'conheça de questões de que não podia tomar conhecimento'.
Ora, no presente processo, sendo o recurso fundado na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, o julgamento deste Tribunal apenas poderia incidir sobre a norma (ou o segmento da norma, ou determinada interpretação da norma) efectivamente aplicada na decisão recorrida.
Por isso, no acórdão reclamado se apreciou a questão da conformidade constitucional das normas do artigo 412º, n.º s 3 e 4, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual a falta de indicação, nas conclusões da motivação do recurso em que o assistente impugne a decisão sobre a matéria de facto, das menções contidas nas alíneas a), b) e c) do n.º 3 e no n.º 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal tem como efeito o não conhecimento daquela matéria e a improcedência do recurso nessa parte, sem que ao recorrente seja dada oportunidade de suprir o vício dessa falta de indicação, se também da motivação do recurso não constar tal indicação.
Foi esta, na verdade, a dimensão interpretativa das normas impugnadas, acolhida pelo tribunal a quo, na decisão recorrida, e – repete-se – só essa dimensão interpretativa poderia ser apreciada pelo Tribunal Constitucional no âmbito de um recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade.
O recorte de tal dimensão interpretativa foi efectivamente feito pelo próprio Tribunal Constitucional no acórdão reclamado, de modo a permitir identificar, dentro do objecto definido pelo recorrente no requerimento de interposição do recurso (e nas alegações do recurso de constitucionalidade), a
'norma aplicada na decisão recorrida', em termos que pudessem permitir o conhecimento do objecto do recurso.
Como bem sublinha no seu parecer o representante do Ministério Público junto deste Tribunal (supra, 2.), 'a argumentação do reclamante assenta num evidente vício de raciocínio: o de que o Tribunal teria procedido a uma ampliação do objecto do recurso, estendendo-o a norma ou interpretação normativa diversa – e mais ampla – do que a delineada no requerimento de interposição do recurso de fiscalização concreta'. Todavia, como ficou já dito, e como também acentua o Ministério Público, o fenómeno verificado foi precisamente o oposto: o Tribunal Constitucional procedeu a uma delimitação do objecto do recurso, restringindo-o de modo a abarcar a fisionomia da concreta situação processual verificada nos autos.
Não se tendo procedido a uma ampliação do objecto do recurso, como pretende o ora reclamante, mas apenas a uma redução desse mesmo objecto, de modo a identificar a dimensão interpretativa com que no caso concreto as normas impugnadas foram aplicadas na decisão recorrida, não se impunha ao Tribunal Constitucional qualquer notificação adicional ao recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 3º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
Não existe no caso 'violação dos poderes de cognição do Tribunal Constitucional' nem 'excesso de pronúncia', não se verificando portanto a nulidade prevista no artigo 668.º, n.º 1, alínea d), parte final, do Código de Processo Civil
Ao decidir como decidiu, não violou este Tribunal qualquer norma constitucional atinente às garantias do acesso ao direito ou do exercício do contraditório.
4. Conclui-se assim que, sob a aparência de uma arguição de nulidade por excesso de pronúncia, o ora reclamante pretende afinal contestar a decisão proferida pelo Tribunal Constitucional e obter novo julgamento sobre a matéria por ele questionada, o que está obviamente excluído pelas regras processuais aplicáveis.
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 10 (dez) unidades de conta.
Lisboa, 11 de Julho de 2002 Maria Helena Brito Artur Maurício Luís Nunes de Almeida