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Processo n.º 113/02
2ª Secção Relator - Cons. Paulo Mota Pinto
(Cons. Guilherme da Fonseca)
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional I. Relatório O Ministério Público veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional, 'ao abrigo do disposto nos artigos 280º, n.º 1, al. a), da CRP e 70º, n.º 1 e 72º, n.ºs 1, al. a) e 3, da Lei n.º 28/82 de 15/11, com a redacção dada pela Lei n.º
85/89, de 7/9', da sentença do Mm.º Juiz do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa (3º Juízo – 2ª Secção) de 20 de Novembro de 2001. Nesta sentença julgou-se 'inconstitucional a norma do art. 55º, n.º 1, al. g) do CIRS (vigente em 1997), na parte em que exige como condição de abatimento dos encargos com pensões de alimento a filhos que tal obrigação resulte de sentença judicial ou acordo judicialmente homologado, por violação do art.º 104º da Constituição e dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da igualdade', consequentemente tendo sido declarado 'nulo (...) o acto de liquidação impugnado na parte em que resulta da não consideração do abatimento ao rendimento liquido dos encargos decorrentes do pagamento da pensão de alimentos'. A sentença recorrida assentou fundamentalmente nestas considerações:
'A exigência de que a pensão de alimentos provenha de uma obrigação judicialmente reconhecida, não podendo, como se afirmou, fundar-se no seu carácter constitutivo, só pode ter como fundamento uma maior comprovação da existência da obrigação, no sentido de evitar fraudes à lei pela criação artificiosa de obrigações de alimentos. Mas tal exigência não tem a virtualidade de alcançar esse objectivo. Com efeito, basta apelar à experiência comum de vida para se constatar que a intervenção judicial na homologação dos acordos de alimentos não se mostra como meio adequado a detectar situações de simulação na fixação de prestação de alimentos; antes pelo contrário, situações dessas (em que o montante dos alimentos será artificiosamente empolado) serão mais susceptíveis de homologação por se apresentarem como mais conformes com os interesses dos filhos. O controlo da efectiva prestação de alimentos, com a decorrente diminuição do rendimento de quem os presta, coloca-se, na realidade, no outro requisito legal
(que no caso dos autos não foi minimamente posto em causa) da comprovação da sua efectiva prestação. Pelo exposto, o requisito do reconhecimento judicial da obrigação de alimentos afigura-se como inadequado para efectuar qualquer controlo de reconhecimento desse encargo e, portanto, sem fundamento material bastante para legitimar uma discriminação entre as pensões de alimentos judicialmente reconhecidas ou não. Mas se, ainda assim, subsistissem algumas hesitações na formulação de um juízo de desconformidade constitucional dessa exigência, a consideração da globalidade do sistema do imposto sobre o rendimento leva-nos a constatar que a discriminação em causa conduz a resultados manifestamente inaceitáveis face aos princípios constitucionais. Com efeito, o ano 11, n° 1, al. a), CIRS considera rendimentos as pensões de alimentos, independentemente do seu reconhecimento judicial ou não. Assim, da conjugação dessa norma com a do art° 55, quem aufere a pensão está sujeito a IRS sobre ela em qualquer circunstância enquanto que quem a paga só a pode deduzir se a mesma tiver sido judicialmente reconhecida; ou seja, o montante das pensões de alimentos não judicialmente reconhecidas (como é o caso dos autos) vai ser duplamente tributado, enquanto rendimento do prestador de alimentos e enquanto rendimento do alimentado. Situação essa que, manifestamente, afronta os limites constitucionais do imposto sobre o rendimento e os princípios da proporcionalidade e igualdade. Em conclusão, afigura-se-me que o art° 55, n° 1, al. g), CIRS (vigente em 1997) ao permitir apenas o abatimento ao rendimento líquido dos encargos com pensões de alimentos devidas a filhos reconhecidas por sentença ou homologação judicial viola o ano 104º da Constituição e os princípios constitucionais da proporcionalidade e da igualdade, pelo que deve ver recusada a sua aplicação
(art° 204 da Constituição). Nas suas alegações no Tribunal Constitucional, o Ministério Público defendeu a concessão de provimento ao recurso, tendo concluído assim:
'1 – O legislador fiscal goza de uma ampla margem de discricionariedade legislativa no estabelecimento dos pressupostos que – no plano estritamente tributário – condicionam a invocabilidade de causas de abatimento ou dedução de encargos à matéria tributária, podendo legitimamente optar pela previsão de um sistema de 'prova tarifada', só considerando fiscalmente relevantes as pretensões que sejam demonstradas por certa forma, considerada suficiente para garantir a seriedade e plausibilidade dos encargos patrimoniais invocados.
2 – Tal sistema transcende o plano – puramente civilístico – da validade e eficácia dos actos ou negócios que estão na base da existência do invocado encargo do contribuinte, destinando-se as exigências de prova a prevenir as possíveis situações de fraude e evasão fiscal.
3 – Não constitui exigência desproporcionada a que se traduz – por força da norma a que se reporta o presente recurso – em não considerar fiscalmente relevantes, como fonte de encargo dedutível em sede de IRS, os acordos informalizados sobre a prestação de alimentos a filhos maiores, impondo – como garantia de seriedade do acordo e da efectiva exigibilidade e liquidação dos montantes acordados – a homologação judicial do mesmo.
4 – Termos em que deverá proceder o presente recurso.' Também apresentou alegações o recorrido, A, defendendo a confirmação da sentença recorrida, com as seguintes conclusões:
'A) – Foi judicialmente homologado o Acordo de Regulação do Exercício do Poder Paternal, no que à pensão de alimentos respeitava, entre o impugnante e a sua ex-mulher, mãe das filhas B e C, enquanto estas foram menores, ou seja, no período compreendido entre Maio e Setembro de 1996 – docs. n.°s 1 e 2; B) – Atingida a maioridade, o pai, porque as filhas prosseguiam a sua formação académica e careciam de alimentos, continuou a sustentá-las em função das necessidades escolares e do desenvolvimento natural delas; C) – Nem precisava de homologar os Acordos estabelecidos com as filhas, enquanto maiores, porque prevalecia e subsistia a situação de estudantes enquanto menores foram; D) – Porém relativamente à filha, B e com referências aos anos de 1996 a 1999, foi pela Relação de Lisboa dado provimento ao recurso, tendo o Tribunal de Família homologado, com efeitos retroactivos, o Acordo sobre a pensão de alimentos – doc. n.º 3; E) – Estava, pois, o impugnante em condições de poder abater os encargos com os alimentos prestados às filhas uma vez que, embora com efeitos retroactivos, cumpriu o disposto no art. 55°, al. g) do CIRS, ainda que sustentemos a sua inconstitucionalidade; F) – Não podia, pois, a Administração Fiscal recusar o abatimento dos alimentos prestados às filhas porque o Impugnante respeitou os pressupostos exigidos; G) – O Impugnante foi com a actuação da Administração Fiscal discriminado em relação aos demais pois que, cumprindo as mesmas obrigações que ele, não lhe foi exigi da homologação ou decisão judicial de Acordos de prestação de alimentos a filhos maiores ou menores; H) – Louvando-nos na douta sentença recorrida, também perfilhamos entendimento de que deve ser recusada a aplicação por violação do art. 104°. e 13° da Constituição e dos princípios constitucionais da Proporcionalidade e da Igualdade, do art. 55°, n.° 1, al. g), CIRS (vigente em 1997) na parte em que exige como condição de abatimento dos encargos com pensões de alimentos a filhos que tal obrigação resulte de sentença judicial ou acordo judicialmente homologado; I) – Em consequência, deve ser declarado nulo (subsidiariamente anular) o acto de liquidação impugnado na parte em que resulta da não consideração do abatimento ao rendimento líquido dos encargos decorrentes da pensão de alimentos.' Cumpre decidir. II. Fundamentos A norma cuja constitucionalidade vem questionada é o artigo 55.º, n.º 1, alínea g) do CIRS (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88 de 30 de Novembro). Na sua redacção originária, esta norma previa, entre os abatimentos ao rendimento líquido total, as pensões a que o sujeito passivo estivesse obrigado, tendo a redacção ora em causa (introduzida pela Lei n.º 2/92, de 9 de Março, e vigente em 1997) precisado que se tratava apenas das pensões a que o sujeito passivo estivesse obrigado 'por sentença judicial ou por acordo judicialmente homologado' (a redacção hoje vigente refere-se às 'importâncias comprovadamente suportadas e não reembolsadas respeitantes aos encargos com as pensões a que o sujeito passivo esteja obrigado por sentença judicial ou por acordo judicialmente homologado'). Como se viu, a sentença recorrida recusou aplicação à norma em causa por não a considerar adequada à detecção de situações de fraude ou simulação na fixação de prestação de alimentos – situações dessas seriam até mais susceptíveis de homologação por se apresentarem como mais conformes com os interesses dos filhos
– e por, considerando que sãs pensões de alimentos são tributadas como rendimentos, independentemente do seu reconhecimento judicial, tal poder provocar a consequência de o montante das pensões vir a ser duplamente tributado, 'enquanto rendimento do prestador de alimentos e enquanto rendimento do alimentado.' Começando por este último fundamento, logo se vê, porém, que ele claudica, quer na configuração da uma sua relevância constitucional directa, quer nos pressupostos de que parte. Na verdade, não se encontra na Constituição da República qualquer explícita proibição de uma 'dupla tributação' do rendimento – análoga, por exemplo, à proibição do ne bis in idem penal. Tal consideração só poderia, pois, relevar – e ainda que se supusesse, para já, que a norma em questão tem esse efeito –, de forma indirecta, enquanto tal 'dupla tributação' implicasse a violação de uma regra ou princípio constitucional, como, por exemplo, o artigo 104º, nº 1, da Constituição, ou o princípio da proporcionalidade. Acontece, porém, para além disto, que não pode dizer-se que a norma em questão tem como consequência a 'dupla tributação' do rendimento, apenas porque não se permite a dedução ao rendimento líquido total do devedor de uma pensão que não corresponde a um encargo judicialmente comprovado. É que, desde logo – e dispensando-nos, pois, de entrar na consideração dos montantes das pensões como rendimento líquido final do devedor ou do credor da pensão de alimentos –, o que o legislador faz é apenas exigir, para abatimento ao rendimento do devedor, uma prova especialmente exigente – tarifada – da obrigação de pagar a pensão de alimentos, prova, essa, que considerou bastante para assegurar a seriedade e plausibilidade dos encargos patrimoniais invocados. Isso, porém, não significa que o legislador não possa considerar como rendimento montantes efectivamente recebidos a título de alimentos, mesmo que correspondentes apenas a acordos informalizados. Tudo está, pois, em saber se o legislador fiscal respeitou o princípio da proporcionalidade, ou antes se se revela injustificada e desproporcionada a solução do questionado artigo 56º relativamente à comprovação judicial do acordo sobre alimentos devidos aos filhos. Convém, a este propósito, recordar o que este Tribunal tem afirmado sobre o alcance do princípio da proporcionalidade como parâmetro de controlo jurisdicional da actividade legislativa, em contraposição com o alcance do mesmo princípio quando encarado como parâmetro da actividade administrativa. Afirmou-se, assim, citando anterior jurisprudência, no citado Acórdão n.º
187/01, o seguinte:
'Não pode contestar-se que o princípio da proporcionalidade, mesmo que originariamente relevante sobretudo no domínio do controlo da actividade administrativa, se aplica igualmente ao legislador. Dir-se-á mesmo – como o comprova a própria jurisprudência deste Tribunal – que o princípio da proporcionalidade cobra no controlo da actividade do legislador um dos seus significados mais importantes. Isto não tolhe, porém, que as exigências decorrentes do princípio se configurem de forma diversa para a actividade administrativa e legislativa – que, portanto, o princípio, e a sua prática aplicação jurisdicional, tenham um alcance diverso para o Estado-Administrador e para o Estado-Legislador. Assim, enquanto a administração está vinculada à prossecução de finalidades estabelecidas, o legislador pode determinar, dentro do quadro constitucional, a finalidade visada com uma determinada medida. Por outro lado, é sabido que a determinação da relação entre uma determinada medida, ou as suas alternativas, e o grau de consecução de um determinado objectivo envolve, por vezes, avaliações complexas, no próprio plano empírico (social e económico). É de tal avaliação complexa que pode, porém, depender a resposta à questão de saber se uma medida é adequada a determinada finalidade. E também a ponderação suposta pela exigibilidade ou necessidade pode não dispensar essa avaliação. Ora, não pode deixar de reconhecer-se ao legislador – diversamente da administração –, legitimado para tomar as medidas em questão e determinar as suas finalidades, uma 'prerrogativa de avaliação', como que um 'crédito de confiança', na apreciação, por vezes difícil e complexa, das relações empíricas entre o estado que é criado através de uma determinada medida e aquele que dela resulta e que considera correspondente, em maior ou menor medida, à consecução dos objectivos visados com a medida (que, como se disse, dentro dos quadros constitucionais, ele próprio também pode definir). Tal prerrogativa da competência do legislador na definição dos objectivos e nessa avaliação (com o referido 'crédito de confiança' – falando de um 'Vertrauensvorsprung', v. Bodo Pieroth/Bernhard Schlink, Grundrechte. Staatsrecht II, 14ªed., Heidelberg, 1998, n.ºs 282 e 287) afigura-se importante sobretudo em casos duvidosos, ou em que a relação medida-objectivo é social ou economicamente complexa, e a objectividade dos juízos que se podem fazer (ou suas hipotéticas alternativas) difícil de estabelecer. Significa isto, pois, que, em casos destes, em princípio o Tribunal não deve substituir uma sua avaliação da relação, social e economicamente complexa, entre o teor e os efeitos das medidas, à que é efectuada pelo legislador, e que as controvérsias geradoras de dúvida sobre tal relação não devem, salvo erro manifesto de apreciação – como é, designadamente (mas não só), o caso de as medidas não serem sequer compatíveis com a finalidade prosseguida –, ser resolvidas contra a posição do legislador. Contra isto não vale, evidentemente, o argumento de que, perante o caso concreto, e à luz do princípio da proporcionalidade, ou existe violação – e a decisão deve ser de inconstitucionalidade – ou não existe – e a norma é constitucionalmente conforme. Tal objecção, segundo a qual apenas poderia existir 'uma resposta certa' do legislador, conduz a eliminar a liberdade de conformação legislativa, por lhe escapar o essencial: a própria averiguação jurisdicional da existência de uma inconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade por uma determinada norma, depende justamente de se poder detectar um erro manifesto de apreciação da relação entre a medida e seus efeitos, pois aquém desse erro deve deixar-se na competência do legislador a avaliação de tal relação, social e economicamente complexa.' As considerações que precedem afiguram-se relevantes no caso dos autos: conforme notou correctamente o recorrente, nas suas alegações perante este Tribunal, o legislador fiscal goza de uma ampla margem de discricionariedade no estabelecimento dos pressupostos que – no plano estritamente tributário – condicionam a invocabilidade de causas de abatimento ou dedução de encargos à matéria tributária. Em muitos casos, pode optar, mesmo, pela previsão de um sistema de 'prova tarifada', só considerando relevantes pretensões que sejam demonstradas por certa forma, para garantir a seriedade e plausibilidade dos encargos patrimoniais invocados. É o que acontece, designadamente, para prevenir a fraude e a evasão fiscais, em casos como o presente, em que o encargo tem como fonte um acordo entre o sujeito passivo e o credor. Aliás, como também se notou nas alegações do recorrente, a evolução legislativa, registada nas deduções fiscais (no caso, quanto ao IVA) demonstra bem a ponderação de interesses que aqui está cometida ao legislador fiscal. Tendo o exigência de comprovação judicial da impossibilidade de obtenção do montante do crédito implicado a pendência perante os tribunais de elevadíssimo número de processos de cobrança, exclusivamente destinados a propiciar a obtenção de prova bastante das diligências de cobrança e sua efectiva frustração, os Decretos-Leis nºs 23/98, de 9 de Fevereiro e 114/98, de 4 de Maio vieram alterar a ponderação de interesses, primeiro para dívidas de reduzido montante, depois para valores substancialmente mais elevados, e bastando-se, em muitos casos, com a certificação por revisor oficial de contas, da realização de diligências de cobrança e do respectivo insucesso.
Sendo, pois, inquestionável que o legislador goza, neste âmbito, de uma considerável margem de discricionaridade legislativa para ponderar os vários interesses envolvidos (como diz o recorrente: 'articulando as necessidades de prevenção da fraude fiscal, de simplificação e transparência da real situação patrimonial do contribuinte e da não desnecessária sobrecarga do sistema judicial com a formulação de pedidos ou pretensões que não correspondam à existência de um efectivo litígio'), e sem que se possa retirar da Constituição um certo e único regime constitucionalmente admissível, não pode considerar-se como injustificada e desproporcionada a exigência, para efeitos de abatimento fiscal, de homologação judicial do acordo sobre alimentos devidos aos filhos, mesmo nos casos em que tal homologação não é imposta pelo direito civil (sendo certo, aliás, que, no caso dos autos, o impugnante se limitou a invocar, em seu favor, prova testemunhal, e nem sequer qualquer acordo formalizado). O particular que pretenda beneficiar do abatimento por força do encargo com alimentos pode, por seu lado, ultrapassar, com relativa simplicidade, esta exigência, submetendo a homologação judicial o acordo sobre a prestação de alimentos. Por outro lado, não pode considerar-se inadequada, na óptica do legislador, a previsão deste obstáculo, através do controlo do juiz, quando tenha razões para suspeitar da seriedade do acordo que lhe é apresentado, à existência de simulações para efeitos de abatimento fiscal. A exigência de homologação judicial, como comprovação da efectiva exigibilidade e pagamento dos montantes acordados extrajudicialmente pelas partes, é uma das vias possíveis, compatíveis com a Constituição, para conciliar as necessidades de prevenção da evasão e fraude fiscal com uma 'burocratização' do sistema que não seja excessiva. Ora, a dificuldade de fazer cabal demonstração de um acordo totalmente informalizado sobre o dever de prestar alimentos, e de que tal encargo foi efectivo e totalmente assumido pelo contribuinte – sendo certo que a própria possibilidade de abatimento poderia constituir um estímulo ao reconhecimento por via particular de obrigações mais elevadas, e que, em muitos casos, o regime de isenção de que poderá beneficiar o titular dos alimentos inviabilizará a comprovação do pagamento pelo 'cruzamento' das declarações –, bem como a possibilidade de recorrer ao procedimento de homologação, fazem com que a exigência em questão não possa ser considerada desproporcionada. E pode, pois, concluir-se que não constitui solução desproporcionada a não atribuição de relevância – pela norma cuja apreciação é objecto do presente recurso , como fonte de encargo dedutível em sede de IRS, a meros acordos informalizados sobre a prestação de alimentos a filhos maiores, e a exigência, como garantia de seriedade do acordo e da efectiva exigibilidade e liquidação dos montantes acordados, da homologação judicial do mesmo.
III. Decisão
Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional decide: a. Não julgar inconstitucional o artigo 55º, n.º 1, alínea g), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (versão vigente em 1997), na parte em que exige como condição de abatimento dos encargos com pensões de alimentos a filhos que tal obrigação resulte de sentença judicial ou acordo judicialmente homologado; b. Por conseguinte, conceder provimento ao recurso e determinar a reforma da decisão recorrida de acordo com o presente juízo de constitucionalidade.
Lisboa, 26 de Novembro de 2002 Paulo Mota Pinto Bravo Serra Guilherme da Fonseca (vencido, pois negaria provimento ao recurso, conforme declaração de voto junta) Maria Fernanda Palma (vencida, pelas razões constantes da declaração de voto do Conselheiro Guilherme da Fonseca). José Manuel Cardoso da Costa DECLARAÇÃO DE VOTO
1. Votei vencido, pois negaria provimento ao recurso, confirmando o julgamento de inconstitucionalidade a que aderiu a sentença recorrida quanto à norma do artigo 55º, nº 1, alínea g), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (versão vigente em 1997), na parte em que exige como condição de abatimento dos encargos com pensões de alimentos a filhos que tal obrigação resulte de sentença judicial ou acordo judicialmente homologado.
2. As razões do meu dissentimento do acórdão são aquelas que fiz constar do projecto que apresentei como primitivo Relator e são estas: Não oferece dúvidas que o legislador fiscal, quanto ao 'apuramento do rendimento colectável dos sujeitos passivos residentes em território português', manda abater 'as importâncias comprovadamente suportadas e não reembolsadas respeitantes aos encargos com as pensões a que o sujeito passivo esteja obrigado por sentença judicial ou por acordo judicialmente homologado' (artigo 56º do CIRS, na redacção agora vigente), considerando-se tais pensões como um dos rendimentos da categoria H (artigo 11, nº 1, a), do mesmo Código, dispondo o nº
3 que esses rendimentos 'ficam sujeitos a tributação desde que pagos ou colocados à disposição dos respectivos titulares'). Tudo está agora em saber se a ampla margem de discricionariedade legislativa de que goza o legislador fiscal – e ninguém a discute – respeita o princípio da proporcionalidade, à luz do artigo 18º, nºs 1 e 3, da Constituição, ou antes se revela injustificada e desproporcionada a solução do questionado artigo 56º relativamente à comprovação judicial do acordo sobre alimentos devidos aos filhos. Posta a questão neste restrito patamar, por se revelar ela mais simples, a resposta tem de ser a da violação daquele princípio da proporcionalidade, na linha do decidido na sentença recorrida (aí se diz que, estando em causa, 'tão só, aferir da legitimidade da exigência de que a obrigação de alimentos a filhos provenha de sentença ou homologação judicial', o 'requisito do reconhecimento judicial da obrigação de alimentos afigura-se como inadequado para efectuar qualquer controlo de reconhecimento desse encargo'). Tem de reconhecer-se como positivo que o legislador fiscal vem nos últimos tempos a abrandar a burocracia no relacionamento com os contribuintes, vincando antes a colaboração e a participação nesse relacionamento, o que reflecte os princípios estruturantes da Administração Pública visados no nº 1 do artigo 267º da Constituição. É o que resulta dos artigos 59º e 60º da Lei Geral Tributária, correspondendo aos princípios consagrados nos artigos 6º-A, 7º, 8º e 10º do Código do Procedimento Administrativo. Tudo isto é particularmente saliente em matéria do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), pois a declaração de rendimentos é apresentada anualmente pelo sujeito passivo, segundo um modelo oficial, e com os anexos necessários, sem ter de comprovar, em regra, os elementos informativos relevantes para a sua concreta situação tributária, ficando, porém, sujeito a prestar os 'esclarecimentos indispensáveis' quando a declaração não for considerada clara ou nela 'se verifiquem faltas ou omissões' (artigos 57º, 60º e
61º do respectivo Código). E é com base em tal declaração que se apura o rendimento colectável de IRS (artigo 65º), considerando-se como deduções à colecta, por exemplo, despesas de saúde, despesas de educação e formação profissional, encargos com lares, encargos com imóveis, despesas de aconselhamento jurídico e patrocínio judiciário (artigos 78º e seguintes), tudo assente em documentos particulares que servem para preencher o tal modelo oficial, ainda que se trate de montantes muito elevados, superiores muitas vezes
às pensões a que se refere o questionado artigo 56º. Se o contribuinte pode indicar as despesas de educação e de formação profissional dos seus dependentes, com o alcance alargado do nº 3 do artigo 83º, comprovando-as documentalmente, não se vê como não possam ser tratados de igual modo os encargos com as pensões devidas a esses dependentes. Se tais pensões correspondem a uma obrigação de alimentos civilmente estabelecida e que é independente de qualquer declaração constitutiva, maxime judicial, porque razão, para satisfazer exigências da lei fiscal, ficam os devedores de tal obrigação sujeitos à via judicial – e sujeitos irremediavelmente – para obter um benefício fiscal? Como se lê na sentença recorrida, 'aquela exigência da lei fiscal não pode ser relacionada com a comprovação da própria existência da obrigação de alimentos, mas é antes uma opção legislativa de apenas considerar elegíveis para efeito do abatimento aí previsto as pensões judicialmente estabelecidas, desconsiderando todas as outras baseadas em simples negócio jurídico' Aliás, o legislador do CIRS enunciou no preâmbulo do diploma o aspecto central da 'simplificação da tributação do rendimento, avultando aqui a preocupação de assegurar maior comodidade dos contribuintes no cumprimento das suas obrigações' e o propósito da 'melhoria do relacionamento entre o Estado e os contribuintes', mas com isto não se acomoda uma exigência burocrática do tipo na contida no questionado artigo 56º. Ela é, pois, injustificada e desproporcionada, na medida em que empurra os contribuintes para o pretório para se obter uma comprovação judicial dos encargos com as pensões, quando podem eles não estarem dispostos – até por motivos pessoais de privacidade – a percorrer essa via (e o controlo pode sempre fazer-se a nível da Administração fiscal, através da fiscalização prevista nos artigos 132º e seguintes do CIRS, sem esquecer a obrigação de comprovar os elementos das declarações, como prevê o artigo 128º). Entre os interesses dos contribuintes e o interesse público da prevenção de possíveis situações de fraude e evasão fiscal, a prevalência deve ser dada àqueles. Com o que se conclui pela violação do princípio da proporcionalidade que decorre do artigo 18º, nºs 1 e 2, da Constituição e que a Lei Geral Tributária consagra no artigo 55º, merecendo confirmação a sentença recorrida.
3. Pondo de lado o fundamento que o acórdão abordou no ponto 5., quanto à 'dupla tributação' do rendimento, pois dele não tratei no projecto, toda a questão
'está, pois, em saber se o legislador fiscal respeitou o princípio da proporcionalidade, ou antes se se revela injustificada e desproporcionada a solução do questionado artigo 56º relativamente à comprovação judicial do acordo sobre alimentos devidos aos filhos'. A resposta do acórdão, acompanhando de perto o entendimento do Ministério Público recorrente, é evidentemente de sinal contrário às minhas razões, não se vendo, todavia, no acórdão uma resposta ao relevo que dei quanto ao abrandamento querido pelo legislador fiscal da burocracia no relacionamento com os contribuintes (os 'muitos casos de previsão de um sistema de ‘prova tarifada’' não vêm, aliás, identificados no acórdão). O fio argumentativo do acórdão ateve-se mais à ideia de conciliação das
'necessidades de prevenção da evasão e fraude fiscal com uma ‘burocratização’ do sistema que não seja excessiva', qualificando de relativamente simples a exigência do legislador, ao mandar submeter a homologação judicial o acordo sobre a prestação de alimentos. Só que, e como conclui no projecto, entre os interesses dos contribuintes, que não devem ser ‘empurrados’ para o pretório, e o interesse público da prevenção das possíveis situações de fraude e evasão fiscal, cujo controlo é incumbência da Administração fiscal, a prevalência deve ser dada àqueles interesses Guilherme da Fonseca