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Proc. n.º 84/02 Acórdão nº
342/02
1ª Secção Relatora: Maria Helena Brito
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. A., interpôs recurso da sentença do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, de 20 de Setembro de 2000, que negou provimento ao recurso contencioso de anulação do despacho do Director do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge que indeferiu o recurso hierárquico interposto da deliberação que a excluíra de um concurso público. Tal deliberação havia sido tomada pela Comissão de Abertura das Propostas do Concurso Público n.º 5/96 para o
'Fornecimento e Instalação de um Sistema de Cablagem para uma Rede Informática do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge', no respectivo acto público, realizado em 17 de Junho de 1996.
Nas alegações que então apresentou perante o Supremo Tribunal Administrativo, a recorrente formulou, entre outras, as seguintes conclusões:
'1. A sentença recorrida ao não se pronunciar sobre a ilegalidade do acto recorrido, por desrespeito de possibilidade legal de admissão condicional do concorrente (art. 59º, nº 2 do Dec-Lei nº 55/95) está eivada de omissão de pronúncia, nulidade prevista no art. 668º, nº 1 al. d) do C.P.C.
2. A sentença recorrida ao não se pronunciar sobre a ofensa aos princípios da prossecução do interesse público (dever de boa administração) e de respeito pelos direitos e interesses legítimos dos concorrentes, da igualdade, da proporcionalidade, da boa fé e da colaboração da Administração (arts. 266º, nºs
1 e 2, 267º e 268º da Constituição e arts. 4º, 5º, nºs 1 e 2, 6º-A e 7º do C.P.A.) está também eivada de omissão de pronúncia, nulidade prevista no citado art. 668º, nº 1 al. d) do C.P.C.
3. Não pode o recorrente ao encontrar-se perante uma acta que não deu cumprimento ao disposto no art. 27º, nº 1 do C.P.A. e art. 62º do Dec-Lei nº
55/95, de 29/03, arguir a sua falsidade, nos termos do disposto no art. 372º, nº
2 do C.Civil, pelo que a decisão recorrida ao invocar que não foi invocada a falsidade da acta viola as citadas disposições legais dos arts. 27º, nº 1 do C.P.A. e art. 62º do Dec-Lei nº 55/95, de 29/03, que impõem que a acta reproduza tudo o que se passou, o que não aconteceu no caso presente, face ao doc. nº 2 junto pela recorrente com a petição de recurso contencioso, que faz prova quanto ao seu conteúdo, pois não foi objecto de impugnação específica.
4. A não se entender assim, e a seguir-se a interpretação levada a efeito pelo Tribunal recorrido, há que acrescentar que era possível por parte deste o conhecimento oficioso da falsidade, pelo que por esse não conhecimento viola a sentença recorrida o disposto no art. 372º, nº 3 do C.Civil. Acresce que,
5. As interpretações perfilhadas na sentença recorrida quanto às normas do art.
64º, nº 1 do Dec-Lei nº 55/95, de 19/03, do art. 133º, nº 2 al. f) do C.P.A. e art. 372º, nº 3 do C.Civil, isto é, de que o Recorrente não deduziu falsidade, não apresentou reclamação, e tinha obrigação de deduzir falsidade como que se a mesma não fosse conhecimento oficioso e de que a acta continha tudo o que devia, são inconstitucionais, pois cerceiam o direito de recurso contencioso contra actos administrativos legais, garantido no art. 268º, nº 4 da C.R.P.'
O Director do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge respondeu às alegações, concluindo do seguinte modo:
'1. O que interessa ao recurso em causa é a apreciação, como questão prévia, da validade do motivo de rejeição do recurso hierárquico.
2. O recurso gracioso foi validamente rejeitado, dada a falta de reclamação do concorrente, ora recorrente.
3. Assim, fica prejudicada a apreciação das restantes questões levantadas pela ora recorrente, tendo o Tribunal feito a correcta interpretação e aplicação da lei.'
2. Por acórdão de 29 de Novembro de 2001, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida (fls. 114 e seguintes).
Sobre as inconstitucionalidades invocadas pela recorrente, lê-se no texto desse acórdão:
'[...] Finalmente, improcede a conclusão 5 da alegação da Recorrente. De facto, diversamente do sustentado pela Recorrente, as normas dos artigos 64°, n° 1, do DL 55/95, de 29-3; 133°, nº 2, alínea f) do CPA e 372°, n° 3 do CC não enfermam de inconstitucionalidade, não atentando contra a garantia de recurso contencioso, acolhida no n° 4, do artigo 268° da CRP. Neste particular contexto importa salientar, desde já, não ter a Recorrente colocado por forma inteiramente adequada a questão da constitucionalidade das citadas normas, na medida em que não basta afirmar a inconstitucionalidade por violação de um determinado preceito constitucional, necessário se tornando explicitar em que medida é que tais normas contrariam o texto constitucional. De qualquer maneira, no que concerne ao n° 3, do artigo 372° do CC, em face do já exposto, ou seja, na ausência de sinais externos do documento indiciadores da existência de falsidade não se vê em que medida é que o Meritíssimo Sr. Juiz «a quo», ao aludir ao regime previsto nos artigos 371°, n 1 e 372°,1, do Código Civil, possa ter cerceado o garantia de recurso contencioso, tanto mais que a Recorrente usou da via contenciosa, sendo que podia ter procurado contrariar a força probatória da questionada acta, arguindo a sua falsidade, não o tendo, porém, feito. Por outro lado, estando assente nos autos que foi elaborada acta referente à reunião da Comissão, de 17-6-96, onde a Recorrente viria a ser excluída, a sentença do TAC ao reconhecer tal realidade e com base nela ter por improcedente a arguida nulidade prevista na alínea f), do n° 2, do artigo 133° do CPA em nada contende com a garantia de recurso contencioso prevista no n° 4, do artigo 268° da CRP, desde logo por se tratar de norma atinente não com a interposição de recurso contencioso mas de preceito que estatui em sede de uma das causas de nulidade dos actos. Por último, a previsão de reclamação necessária como precedente obrigatório de um recurso hierárquico (também obrigatório), tal como decorre das disposições combinadas dos artigos 58°, n° 2 e 64°, n° 1, do DL 55/95, não atenta contra a garantia de recurso contencioso, previsto no n° 4, do artigo 268° da CRP. Na verdade, estamos aqui perante a já por várias vezes tratada questão da constitucionalidade dos meios de impugnação administrativa necessários à abertura de via contenciosa. Ora, quer este STA quer o Tribunal Constitucional têm afirmado reiteradamente não enfermarem de inconstitucionalidade, não contendendo com a já mencionada garantia de recurso contencioso, os preceitos que consagrem tais meios de impugnação administrativa, a menos que a sua específica regulamentação se revele, em última análise, atentatória da citada garantia.
É que a garantia constitucional de recurso contencioso acolhida no n° 4, do artigo 268° da CRP não fica necessária e inelutavelmente negada ou cerceada com a mera consagração de meios de impugnação administrativa necessária, não se podendo afirmar como tese geral a sua inconstitucionalidade. A necessidade de precedência de impugnação administrativa prévia não será inconstitucional quando se traduza em mera regulamentação do exercício do direito de recurso contencioso, não se consubstanciando num qualquer condicionamento ilegítimo de tal direito, sendo que a natureza lesiva de um acto não é incompatível com a necessidade da prévia exaustão de meios graciosos, quer de reclamação, quer de recurso hierárquico. De facto, não se vê que da enunciada garantia tenha de decorrer a impossibilidade de condicionamento por parte do legislador ordinário de tal recurso contencioso, fazendo-o depender de uma impugnação administrativa necessária. A tutela jurisdicional efectiva não resulta, assim, inviabilizada nem, sequer, restringida, pela previsão de vias administrativas de impugnação necessária, tudo se situando, nesta sede, ao nível de um condicionamento legítimo do direito de recurso contencioso. A apontada exigência não implica de «per si» a denegação de controle jurisdicional, a qual só surgirá, por exemplo, quando existir um verdadeiro
«periculum in mora». Ou seja, a obrigatoriedade de impugnação administrativa necessária só seria de considerar inconstitucional se, designadamente, viesse a criar obstáculos que redundassem na prática, na suspensão, restrição ou privação do direito de acesso
à via judiciária, situação que, contudo, em face da concreta alegação da Recorrente, não se vislumbra que possa ter sucedido.
[...] Temos, assim, que o n.º 1 do artigo 64º do DL 55/95 não enferma de inconstitucionalidade.
[...].'
3. Notificada deste acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, A. dele veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea b), da LTC, para apreciação da inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 64º do Decreto-Lei n.º 55/95, de 29 de Março, por violação da garantia constitucional de recurso contencioso, consagrada no artigo 268º, n.º
4, da Constituição da República Portuguesa (requerimento de fls. 127 e seguinte).
Por despacho de fls. 129, foi admitido o recurso para o Tribunal Constitucional.
4. Proferido despacho para a produção de alegações, a recorrente apresentou as seguintes conclusões:
'1. A Alegante, quando lhe foi comunicada verbalmente a sua exclusão por parte da Comissão, pretendeu reclamar de imediato.
2. Apenas foi consentido à Alegante manifestar verbalmente a sua vontade, não tendo sido elaborada ou lida qualquer acta.
3. Foi assim negado à Alegante o direito de reclamação, com ofensa do princípio da boa fé (art. 6°-A CPA) e do direito fundamental de participação no exercício da função administrativa (art. 7° CPA e arts. 267° e 268° da Const.), pelo que por esse motivo o acto recorrido enferma de nulidade – art. 133°, nº 2 d) CPA).
4. A inexistência de acta, impossibilitando a Alegante de ter ditado a sua reclamação, consubstancia uma invalidade procedimental, que se repercute na invalidade do acto final de não admissão ao Concurso e na do acto recorrido, que
é nulo (art. 133°, n° 1 CPA).
5. A exclusão por falta de junção do mod. 70, quando o mod. 22 é que era relevante para o efeito de aferir da regularidade da situação contributiva do concorrente em sede de IRC e acautelava suficientemente o interesse público, viola o princípio da proporcionalidade, pois a decisão tem de ser adequada, necessária e proporcional, requisitos estes que foram desrespeitados (arts.
266°, n° 2 Const. e 5°, nº 2 CPA).
6. A decisão recorrida, ao pretender fazer-se valer da falta de reclamação para a acta, a que deu causa, e ao não admitir a reclamação, viola o princípio da boa fé – art. 266°, n° 2 Const. e art. 6°-A CPA, além de defraudar a confiança do Alegante.
7. O princípio de colaboração da Administração com os particulares – art. 266° e
267° Const. e 7° CPA, com o seu corolário de participação no exercício da função administrativa e direito de reclamação (art. 161º, nº 1 CPA) também foram postos em causa pela decisão recorrida.
8. O desrespeito da possibilidade legal de admissão condicional da Alegante, como concorrente, com violação do disposto no art. 59°, nº 2 do Dec-Lei n°
55/95, é ofensa não só dos princípios da prossecução do interesse público (dever de boa administração) do respeito pelos direitos e interesses legítimos dos concorrentes, da igualdade, da proporcionalidade, da boa fé, da colaboração da Administração com os particulares, com violação dos arts. 266°, n° 1 e n° 2,
267° e 268° da Constituição e arts. 4°, 5°, nº 1 e n° 2, 6°-A e 7° CPA pelo que gera a ilegalidade do acto recorrido, que é, no mínimo, anulável – art. 135° CPA.
9. A decisão recorrida é, por isso, ilegal, e pela interpretação e aplicação dos diversos dispositivos e normas constitucionais é também inconstitucional. Nestes termos e nos demais de Direito se requer que seja dado provimento ao presente recurso, declarando-se nulo ou anulando-se o acto recorrido, com legais consequências.'
Por sua vez, o recorrido Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge concluiu assim as alegações que apresentou:
'Nestes termos e nos demais de direito que V. Ex.ªs muito doutamente suprirão, deve ser proferida decisão de não conhecimento do objecto do presente recurso, uma vez que não tem esse Tribunal competência para declarar nulos ou anulados actos administrativos, nem apreciar a sua alegada ilegalidade, como requer a Recorrente nas suas alegações. Caso assim não se entenda, o que apenas por cautela se admite, deve ser negado provimento ao recurso por não se verificar a alegada inconstitucionalidade do nº
1 do art. 64º do Dec. Lei 55/95, de 29 de Março.'
Notificada da questão prévia de não conhecimento do recurso suscitada pelo recorrido, a recorrente respondeu (requerimento de fls. 151):
'1. Como bem reconhece o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, o presente recurso fundamenta-se na inconstitucionalidade da norma constante do nº 1 do artº 64º do Dec-Lei nº 55/95, de 29/03, por violação desproporcionada e, por isso (dessa forma), constitucionalmente ilegítima da garantia constitucional do recurso contencioso contra actos administrativos lesivos;
2. Não tem, portanto, salvo melhor opinião, cabimento a questão prévia suscitada. Nestes termos e nos demais de direito, deve o presente recurso prosseguir, o que se requer.'
Cumpre apreciar.
II
5. Tal como delimitado pela recorrente no requerimento de interposição do recurso para este Tribunal, o presente recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade tem como objecto a norma contida no n.º 1 do artigo 64º do Decreto-Lei n.º 55/95, de 29 de Março, face à garantia constitucional de recurso contencioso, consagrada no artigo 268º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (supra, 3.).
É o seguinte o teor da norma impugnada:
'Artigo 64º
(Recurso hierárquico)
1 – Apenas das deliberações sobre reclamações, apresentadas nos termos dos artigos 58º, 60º e 62º, cabe recurso, com efeito suspensivo, para o membro do Governo competente, quando o contrato for para ser celebrado pelo Estado, e para o órgão máximo da entidade pública contratante, nos restantes casos, a interpor no prazo de cinco dias a contar da notificação do indeferimento ou da entrega da certidão da acta onde consta aquele acto.
[...].'
6. Vejamos, antes de mais, se o Tribunal Constitucional pode conhecer do presente recurso, começando por analisar a questão prévia suscitada pelo recorrido.
6.1. Afirmou o recorrido, nas alegações produzidas perante o Tribunal Constitucional:
– que, nas suas alegações para o Tribunal Constitucional, 'a recorrente requer «que seja dado provimento ao recurso, declarando-se nulo ou anulando-se o acto recorrido, com as legais consequências»';
– que 'o Tribunal Constitucional não tem competência para declarar nulos ou anular actos recorridos, como pretende a recorrente, mas para apreciar a inconstitucionalidade e a ilegalidade de normas, nos termos dos artigos 277º e seguintes da Constituição';
– que a competência para declarar nulo ou anular o acto recorrido 'é exclusiva dos tribunais administrativos e que, de resto, já foi exercida, rendo-se esgotado com o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo a possibilidade de apreciação jurisdicional da alegada invalidade do acto administrativo em causa'.
Com tais fundamentos, o recorrido sustentou que o Tribunal Constitucional não pode conhecer do objecto do presente recurso.
6.2. O recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional – aquele que foi interposto pela recorrente – é um recurso de uma decisão de um tribunal que tenha aplicado norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
No âmbito de um recurso fundado nessa disposição, o Tribunal Constitucional apenas pode conhecer da inconstitucionalidade de normas ou de interpretações normativas. E, para que o Tribunal possa conhecer do objecto do recurso, exige-se que os recorrentes suscitem, durante o processo, a inconstitucionalidade da norma (ou da norma com uma determinada interpretação) que pretendem submeter ao julgamento deste Tribunal e que tal norma (ou a norma com essa interpretação) seja aplicada na decisão recorrida, como ratio decidendi, não obstante a acusação de inconstitucionalidade.
6.3. Ora, no caso dos autos, se, no requerimento de interposição do recurso para este Tribunal, a recorrente pediu a apreciação da conformidade constitucional da norma contida no n.º 1 do artigo 64º do Decreto-Lei n.º 55/95, de 29 de Março, nas alegações que posteriormente apresentou nada alegou sobre a eventual inconstitucionalidade de tal norma, limitando-se a invocar a inconstitucionalidade da decisão recorrida e do acto administrativo em discussão no processo.
Na verdade, disse a recorrente nas alegações de recurso apresentadas perante o Tribunal Constitucional a anteceder as conclusões já transcritas
(supra, 4.):
'[...]
Ora, este documento [declaração sob compromisso de honra] nunca foi impugnado pela entidade recorrida, ou posto em causa em qualquer das decisões já proferidas, pelo que o seu conteúdo tem de se considerar admitido [...] pelo que tem de se ter como certo que durante o referido concurso não foi produzida qualquer acta, pelo que o documento junto como acta é nulo [...], sendo certo que como acto nulo ou inexistente não é susceptível de ratificação [...].
[...]
Acresce ainda, como ilegalidade do acto recorrido, o desrespeito da possibilidade legal de admissão condicional como concorrente da ora recorrente
[...].
Assim, neste concurso público, também foram violadas as posições subjectivas dos recorrentes [...].
Pelas razões expostas, foi igualmente violado o princípio da igualdade [...].
Foram ainda violados o princípio da adequação e proporcionalidade, pois a exclusão da recorrente por falta de modelo 70, quando o relevante era o modelo 22, que foi apresentado, é inadequada aos interesses a prosseguir, na medida em que lhe infligiu um sacrifício desnecessário e desproporcional [...] ao não lhe conceder prazo para corrigir a situação [...].
[...]
Há violação ainda das exigências de boa fé por parte da administração, quando esta pretendeu fazer prevalecer os efeitos de uma irregularidade [...] a que deu causa [...].
Aliás, a violação dos princípios e normativos, conforme exposto, gera a ilegalidade do acto recorrido, que, deste modo, é anulável [...].
Em suma, o sentido e interpretação que é feita dos diversos dispositivos e normas constitucionais pelo recorrido torna a decisão proferida inconstitucional.
[...].'
Nas expressões utilizadas pela recorrente nas alegações produzidas perante o Tribunal Constitucional (incluindo as respectivas conclusões) não pode ver-se a fundamentação da inconstitucionalidade da norma que tinha sido identificada como objecto do recurso no requerimento de fls. 127 e seguinte, através do qual interpôs o recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade – a norma do n.º 1 do artigo 64º do Decreto-Lei n.º 55/95, de 29 de Março.
A recorrente procedeu deste modo a uma alteração do objecto do recurso, sendo certo que, nos termos gerais, apenas lhe seria permitido
'restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso' (cfr. artigo
684º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicável nos termos do artigo 69º da Lei do Tribunal Constitucional).
E, com essa alteração – que, de todo o modo, não poderia ser admitida pela razão já invocada –, a recorrente dirigiu afinal a censura de inconstitucionalidade (e de ilegalidade) não a uma ou mais normas aplicadas na decisão recorrida mas à própria decisão recorrida (e ao acto recorrido no processo que deu origem ao presente recurso).
Ora, como o Tribunal Constitucional tem afirmado reiteradamente, uma decisão judicial não é uma norma, pelo menos no sentido em que o termo é usado no artigo 280º da Constituição da República Portuguesa. O controlo de constitucionalidade que, nos recursos das decisões dos outros tribunais, a Constituição e a lei cometem ao Tribunal Constitucional é um controlo normativo, que apenas pode incidir, consoante os casos, sobre as normas jurídicas que tais decisões tenham aplicado, não obstante a acusação que lhes foi feita de desconformidade com a Constituição, ou sobre as normas jurídicas cuja aplicação tenha sido recusada com fundamento em inconstitucionalidade.
As decisões judiciais, consideradas em si mesmas, não podem, no sistema português de fiscalização concreta de constitucionalidade, ser objecto de tal controlo.
7. Conclui-se, assim, face ao teor das alegações de recurso apresentadas perante o Tribunal Constitucional, que a recorrente não pede a este Tribunal a apreciação da constitucionalidade de qualquer norma aplicada na decisão recorrida – designadamente da norma que havia identificado como objecto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade no requerimento de fls.
127 e seguinte, isto é, a norma do n.º 1 do artigo 64º do Decreto-Lei n.º 55/95, de 29 de Março.
Através do presente recurso de constitucionalidade, a recorrente pretende afinal obter um novo julgamento da matéria discutida no processo, o que excede obviamente a competência deste Tribunal.
Consequentemente, julga-se procedente a questão prévia suscitada pelo recorrido.
III
8. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do objecto do presente recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta.
Lisboa, 11 de Julho de 2002- Maria Helena Brito Luís Nunes de Almeida Artur Maurício José Manuel Cardoso da Costa