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Processo n.º 899/98
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1. - A, B, C, D, E, F e G, todos identificados nos autos, requereram, em 10 de Outubro de 1997, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, 'nos termos dos artigos 86º e segs. da L.P.T.A. e previamente à interposição da acção procedimental administrativa na modalidade de recurso contencioso a que alude o artigo 12º, n.º1, da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto, a intimação da H, das I., J, K, L, M, N, O, P, Q, R., e S, a absterem-se de utilizar a antiga estação de recolha de eléctricos do Arco do Cego, em Lisboa, para aí desenvolverem a sua actividade comercial, 'dado que a pretendida utilização irá violar os artigos 85º, 86º, n.º1, 102º e 103º do regulamento do P.D.M. de Lisboa'.
Contestaram oportunamente as requeridas H, J, L., M e R, todas deduzindo, além do mais, a excepção da respectiva ilegitimidade, tendo as seis primeiras requerido, por sua vez, a intervenção da Câmara Municipal de Lisboa (CML) e de Ambelis - Agência para a Modernização Económica de Lisboa, SA, e a última suscitado a questão da inadequação do meio cautelar utilizado.
O magistrado do Ministério Público competente, no seu parecer, considerou que, estando em causa eventuais vícios do acto administrativo que os recorrentes se propõem impugnar, o meio próprio que deveria ter sido utilizado era o da suspensão da eficácia do acto previsto nos artigos 76º e segs. da LPTA, 'meio esse tipicamente associado ao recurso contencioso de anulação e que pressupõe a prática de actos administrativos ou em matéria administrativa (arts. 26º, n.º1, al. m), e 51º, n.º1, al. l), do ETAF)', concluindo no sentido da rejeição da pretensão dos requerentes.
2. - O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, por decisão de 23 de Janeiro de 1998, veio a julgar as requeridas partes legítimas, não admitindo o chamamento da CML e da 'Ambelis', e indeferiu o pedido de intimação.
Para tanto, quanto à matéria do incidente e da legitimidade das requeridas, ponderou o Tribunal Administrativo de Círculo que, face ao disposto no nº1 do artigo 86º da LPTA, este meio processual - a intimação para um comportamento – tem por objectivo reagir contra a violação de normas de direito administrativo por parte de particulares ou concessionários mediante a imposição de um comportamento activo ou omissivo, destinado a assegurar o cumprimento das normas tidas por violadas ou em risco de o ser, e que «o pedido de intimação não pode ser formulado quando os interesses que com ele se pretendem tutelar sejam susceptíveis de defesa pelo incidente de suspensão da eficácia do acto» (cfr. nº3). Assim, concluiu que nesta providência
«o requerido é sempre um particular ou um concessionário, mas nunca a Administração», pois, «se a violação provier da Administração não será este procedimento acessório a forma de processo a utilizar», e, «daí não fazer qualquer sentido a pretensão das requerentes referidas no sentido da intervenção da CML».
E, acrescentou-se, que «nos termos em que a relação jurídica é configurada pelos requerentes, as requeridas têm legitimidade para a presente providência», pois, «aqueles imputam a estas a violação ou pelo menos o perigo de violação dessas normas».
Relativamente ao chamamento da 'Ambelis' a decisão de indeferir tal pretensão baseou-se no facto de os requerentes não lhe imputarem a violação de qualquer norma, não se justificando, assim, a sua intervenção.
Quanto ao fundo da causa, observou-se, essencialmente, que, não existindo à data do pedido um acto administrativo do qual os requerentes se pudessem defender através do incidente de suspensão da eficácia - só no decurso do processo de intimação é que foi proferido acto administrativo recorrível - o processo de intimação era o adequado, mas, admitindo haver fundado receio da futura utilização das instalações da antiga estação de recolha de eléctricos do 'Arco do Cego', considerou que, efectivada que fosse essa utilização, as requeridas não violariam normas de direito administrativo, visto serem empresas transportadoras, que nada têm a ver com as obras efectuadas e a efectuar naquele local. E, acrescentou-se, «a verificar-se a utilização pelas requeridas das instalações do 'Arco do Cego', tal ficará a dever-se a determinação da CML», e não a acto voluntário e da iniciativa das requeridas.
Indeferiu-se, assim, o pedido de intimação.
3. - Interposto recurso para o Tribunal Central Administrativo pelos recorrentes, veio este Tribunal, por acórdão de 23 de Abril de 1998, a deferir a providência e a ordenar «que as requeridas se abstenham de vir a utilizar a antiga estação de recolha de eléctricos do Arco do Cego, em Lisboa, como terminal de Operadores Privados de Transporte Rodoviário Expresso, na hipótese de a CML vir a autorizar a utilização daquele espaço urbano, com violação das normas constantes dos art.ºs referidos no regulamento, que aprovou o PDM, de Lisboa».
Por acórdão de 9 de Julho de 1998, veio o Tribunal Central Administrativo decidir da nulidade, por omissão de pronúncia, do acórdão de 23 de Abril, entretanto suscitada pela requerida M – tendo declarado a nulidade do dito acórdão na parte em que condenou a M, negando provimento ao recurso, e mantido, quanto a esta requerida a decisão da 1ª instância –, e do pedido de aclaração formulado pela requerida O, que indeferiu.
Notificada deste aresto, a R, por requerimento de 27 de Julho de 1998, requereu a anulação e reforma do acórdão de 23 de Abril, aclarado pelo acórdão de 9 de Julho, e invocou a inconstitucionalidade das normas dos artigos 85º, alínea d) e 86º, n.º1, do R.P.D.M., bem como do artigo 86º, n.º1, da LPTA, na forma como foram interpretadas e aplicadas naquele acórdão.
Decidindo tais questões, o Tribunal Central Administrativo, pelo acórdão de 13 de Agosto de 1998, indeferiu os pedidos de anulação e reforma do acórdão de 23 de Abril, alterado pelo acórdão de 9 de Julho, e não tomou conhecimento das inconstitucionalidades equacionadas, que considerou não terem sido atempadamente suscitadas.
4. - Por requerimento de fls. 445 e segs., vem agora o Município de Lisboa, interpor recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo em 23 de Abril de 1998, completado pelos acórdãos do mesmo Tribunal de 9 de Julho e de 13 de Agosto do mesmo ano, « ...enquanto a decisão interpretou as normas (disposições) dos artigos 86º (especialmente o seu n.º3) e 88º, n.º1, da LPTA, no sentido de que, em processos de intimação para um comportamento, instaurados como dependência de recurso contencioso de acto administrativo, o Tribunal pode intimar particulares a absterem-se da prática de actos que sejam ou venham a ser autorizados pela Administração, por via de acto administrativo, com fundamento em violação por tais normas, nessa interpretação, do artigo 2º (...) e do artigo 111º, n.º1, conjugado com o artigo 266º, todos da CRP...».
Entretanto, a requerida R., apresentou o requerimento, de fls. 451 e segs., pelo qual pretende interpor recurso para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo para uniformização de jurisprudência.
Por despacho de fls. 507, proferido pelo Desembargador relator no Tribunal Central Administrativo, foi admitido o recurso interposto para o Tribunal Constitucional e, invocando-se o disposto no artigo 75º, n.º1 da Lei 28/82, de 15 de Novembro, na redacção da Lei n.º 13-A/98, de 26/12, rejeitou-se o recurso interposto para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, que se considerou prematuro.
No Tribunal Constitucional, a convite do relator, veio o recorrente concretizar o requerimento de interposição de recurso, o que fez nos termos de fls. 528 a 547, sintetizando da seguinte forma:
'a) a referência, no requerimento de recurso, a ‘processos de intimação para um comportamento, instaurados como dependência de recurso contencioso de actos administrativos’, quer aludir à relação, a que se reportam os artºs. 86º, nº 2, e 90º da LPTA, entre o processo de intimação, como meio acessório de natureza cautelar, e o meio principal, havendo a palavra ‘dependência’ sido utilizada com sentido semelhante ao que tem no artº 383º, nº 1, do CPC; b) a indicação do meio principal (no caso, recurso contencioso) pertence ao requerente da intimação, havendo, no caso dos autos, os requerentes da intimação feito essa indicação (recurso contencioso) no requerimento inicial, cabeçalho e artºs. 115º a 119º (fls. 2ss.); c) o segmento normativo que o ora recorrente tem por inconstitucional e que corresponde à interpretação dos artºs. 86º e 88º, nº 1, da LPTA necessariamente pressuposto pela decisão recorrida é o seguinte: é possível, em processo de intimação para comportamento, instaurado como dependência de recurso contencioso de acto administrativo (isto é, em meio acessório e cautelar de recurso contencioso do acto ou actos administrativos), e sem que a Administração seja ou possa ser parte, intimar particulares a absterem-se de comportamentos que sejam ou venham a ser autorizados pela Administração, por via de acto administrativo
(pelo menos, se a autorização não tiver sido concedida ao tempo do requerimento de intimação, ou, no limite, ao da própria decisão desta); d) a legitimidade do ora recorrente para recorrer para o Tribunal Constitucional, como terceiro directa e efectivamente prejudicado, é co-essencial à própria razão de ser da inconstitucionalidade alegada, por violação do artº 2º da CRP, uma vez que tal inconstitucionalidade resulta de o segmento normativo mencionado permitir um tipo de decisão sem que a Administração possa ser parte no processo, quando o princípio constitucional do contraditório imporia que um tal tipo de decisão só se mostrasse admissível quando a Administração pudesse ser e fosse parte; e) considerando o facto de ser terceiro, o ora recorrente suscitou em tempo as questões de inconstitucionalidade, no seu ofício de fls. 357; f) ainda que a isso não se atendesse, sempre a ‘suscitação’ das questões de inconstitucionalidade no próprio recurso para o Tribunal Constitucional seria admissível, em conformidade com a jurisprudência desse Tribunal, expressa designadamente no Acórdão nº 3/83, 136/85, 94/88 e 479/89.'
5. - Em sede de alegações, o recorrente concluiu nos seguintes termos:
'A) Por força do disposto nos artºs 86º, n.º 1, e 87º, n.º 1, da LPTA, a Administração Pública não pode ser parte nos procedimentos de intimação para um comportamento, regulados nos artºs. 86º e ss. da mesma LPTA. B) A decisão recorrida pressupõe necessariamente uma interpretação dos preceitos dos artºs. 86º e 88º, n.º 1, da LPTA, no sentido de envolver um segmento normativo que pode formular-se assim: 'em processo de intimação para um comportamento instaurado como dependência de recurso contencioso de acto administrativo (isto é, como meio acessório e cautelar de recurso contencioso de acto administrativo), o tribunal pode intimar particulares a absterem-se da prática de actos (comportamentos) que sejam ou venham a ser autorizados pela Administração por via de acto administrativo'. C) A intimação dirigida a particulares no sentido de que não adoptem comportamentos autorizados pela Administração ou que esta venha a autorizar envolve uma paralisação da eficácia do acto autorizativo, por conflito de determinações, com prevalência da determinação judicial (art.º 205º, n.º 2, da CRP). D) O direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional efectiva e ao processo equitativo, a que se referem os n.ºs. 1 e 4 do art.º 20º da CRP, e que decorrem ainda do art.º 2º (Estado de Direito democrático), compreendem o direito a que decisões jurisdicionais que directa e efectivamente afectem
(pretendidos) direitos ou interesses legalmente protegidos de uma pessoa não possam ser tomadas sem que esta seja constituída parte. E) As pessoas colectivas públicas gozam dos direitos fundamentais à tutela jurisdicional e a processo equitativo. F) Ainda que não gozassem, os princípios resultantes dos n.ºs. 1 e 4 do art.º
20º ser-lhes-iam em qualquer caso aplicáveis por força do princípio da separação e interdependência de poderes (artºs. 2º, 111º, n.º 1, e 266º, n.º 1, da CRP). G) As medidas cautelares em contencioso administrativo encontram-se sujeitas a um padrão constitucional de adequação (art.º 268º, n.º 4, da CRP). H) O segmento normativo em causa, resultante da interpretação feita pelo tribunal a quo dos artºs 86º e 88º, n.º 1, da LPTA, ao permitir que, num processo em que a Administração não pode ser parte, sejam paralisados os efeitos de actos administrativos praticados ou a praticar, ofende os artºs. 2º, 20º, n.ºs. 1 e 4, e 111º, n.º 1, conjugado com o art.º 266º, n.º 1, todos da CRP, pelo que é inconstitucional. I) O segmento normativo em causa ofende ainda o padrão constitucional de adequação das medidas cautelares em contencioso administrativo, consignado no art.º 268º, n.º 4, da CRP, pelo que, também por esse lado, se mostra inconstitucional. J) O recorrente, enquanto tem a seu cargo o interesse público no ordenamento urbanístico, na regulação do tráfico e na satisfação das necessidades de transporte rodoviário no que toca à circunscrição municipal de Lisboa, é directa e efectivamente prejudicado pela decisão recorrida, por virtude do que se encontra referido na Conclusão B), que torna inútil a competência dos órgãos municipais para prosseguir o interesse público. L) O recorrente tem assim legitimidade para recorrer, nos termos conjugados do art.º 72º, n.º 1, al. b), da LTC e do art.º 104º, n.º 1, da LPTA. M) A legitimidade do recorrente é, aliás, co-essencial ao fundamento do recurso. N) O recorrente, ainda que como terceiro, arguiu a inconstitucionalidade na oportunidade que se lhe ofereceu (e sem que aliás isso lhe fosse exigível), em momento no qual o Tribunal a quo ainda podia reformar o acórdão, nos termos da nova redacção dos artºs. 669º, n.ºs. 2 e 3, e 670º do CPC. O) De qualquer modo, a arguição de inconstitucionalidade no próprio recurso para o Tribunal Constitucional seria sempre legítima, em conformidade com a jurisprudência desse Tribunal, por, não tendo sido parte no processo, o recorrente não haver disposto de oportunidade processual para levantar a questão antes de ser proferida a decisão pelo Tribunal Administrativo Central.
Por sua vez, os recorridos remataram as suas alegações com as seguintes conclusões:
'1. O Município de Lisboa não tem legitimidade para recorrer do Acórdão do Tribunal Central Administrativo de 23/4/98, completado pelos Acórdãos de 9/7/98 e 13/8/98;
2. Com efeito, nos termos do art.º 681º, n.ºs. 2 e 3 do C.P.Civil, não pode recorrer quem tiver aceitado a decisão depois de proferida, podendo tal aceitação ser expressa ou tácita;
3. Ora, dado que o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, nos termos do art.º
53º, alínea a), do DL 100/84, de 29 de Março, representa o Município de Lisboa em Juízo, tem de se entender que o ofício que o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Lisboa dirigiu ao T.C.A., em 3 de Junho de 1998, constitui uma verdadeira renúncia expressa ao recurso;
4. E constitui uma verdadeira renúncia expressa ao recurso, em virtude de o Município de Lisboa, via seu Presidente da Câmara Municipal, ter aceitado indiscutivelmente a decisão que agora pretende impugnar, ao afirmar que, da mesma, não resultava nenhuma interpretação inconstitucional dos artºs. 86º e
88º, n.º 1, da LPTA, em relação ao art.º 2º, 111º, n.º 1, conjugada com o art.º
266º da CRP;
5. Por outro lado, o Município de Lisboa, carece igualmente de legitimidade para interpor o presente recurso em face do que dispõe o art.º 680º, n.º 2, do C.P.Civil, dado que a decisão impugnada não produziu qualquer prejuízo directo e efectivo nos interesses do Município de Lisboa;
6. O Município de Lisboa não é uma das empresas de transporte rodoviário que ficaram directamente prejudicadas com a decisão impugnada;
7. O Município de Lisboa nem sequer constituiu empresas públicas municipais de transportes que pudessem vir a ficar afectadas com a decisão impugnada;
8. E nem sequer participa maioritariamente no capital das empresas de transporte rodoviário que ficaram directamente prejudicadas com a decisão impugnada;
9. No que diz respeito à defesa do interesse público prosseguido pelo Município de Lisboa em matéria de licenciamento de terminais rodoviários expresso, tal interesse público não foi prejudicado pela decisão impugnada;
10. E não foi prejudicado porque, para além do Município de Lisboa, pela pessoa do Presidente da Câmara Municipal, ter admitido expressamente, no seu ofício de
3 de Junho de 1998, que a decisão ora impugnada não iria condicionar a sua actuação, a mesma não impede o Município de Lisboa de vir a licenciar terminais rodoviários noutras zonas da cidade;
11. Conforme resulta do parecer da autoria do Sr. Prof. PAULO CORREIA do Instituto Superior Técnico, e junto com estas alegações, existem na cidade de Lisboa outras zonas para instalação de terminais rodoviários;
12. E o Sr. Vereador da Câmara Municipal de Lisboa responsável pelo pelouro do trânsito, já declarou publicamente existirem outras alternativas à estação do Arco do Cego;
13. Por conseguinte, o interesse público prosseguido pelo Município de Lisboa em matéria de localização de terminais rodoviários de transporte interurbano expresso não foi prejudicado pela decisão impugnada;
14. O recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade não pode ser admitido nos termos do art.º 72º, n.ºs. 1 e 2, da Lei n.º 28/82, com a redacção que lhe foi dada pelo art.º 1º, da Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro;
15. E não pode ser admitido porque, o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, no seu ofício de 3 de Junho de 1998, não invocou qualquer inconstitucionalidade na aplicação dos artºs. 86º e 88º, n.º 1, da LPTA, antes tendo dito que do Acórdão ora impugnado não resultava qualquer inconstitucionalidade em matéria de interpretação e aplicação daqueles preceitos da LPTA;
16. A decisão que admitiu o recurso do Município de Lisboa, é assim expressamente impugnada nos termos e para os efeitos do art.º 76º, n.º 3, da Lei n.º 28/82 atenta a manifesta falta de legitimidade do recorrente;
17. No entanto, a decisão impugnada, em matéria de interpretação e aplicação dos artigos 86º e 88º, n.º 1 da LPTA, não viola os artigos 2º, 20º, n.ºs. 1 e 4,
111º, n.º 1, conjugado com o art.º 266º, n.º 1 e 268º, n.º 4, da CRP;
18. O Município de Lisboa não era, nem podia ser parte no 'processo de intimação para um comportamento', dado que nunca chegou a conceder qualquer autorização à utilização da antiga estação do Arco do Cego como Terminal Rodoviário expresso;
19. E isso mesmo foi confirmado pelo Acórdão de 9/7/98 do Tribunal Central Administrativo;
20. Ora, dado que o Município de Lisboa, através da sua Câmara Municipal, nunca chegou a produzir qualquer acto administrativo que autorizasse expressamente a transferência da antiga estação sita na Av. Casal Ribeiro para o Arco do Cego, isso significa que o Município de Lisboa, até que tal acto viesse a ser produzido, era parte estranha à causa;
21. E sendo parte estranha à causa, nunca haveria lugar à aplicação do princípio do contraditório relativamente a alguém que deliberadamente ainda não tinha tomado qualquer decisão sobre o fundo da causa;
22. Também a decisão impugnada, na parte respeitante à impugnação e aplicação que o tribunal 'a quo' fez dos artigos 86º e 88º da LPTA, nada tem de reprovável sob o ponto de vista da sua constitucionalidade em face do princípio da separação de poderes previsto no art.º 111º, n.º 1, da CRP;
23. É que o Acórdão do T.C.A. de 23/4/98 não proibiu nem impediu o Município de Lisboa de autorizar terminais rodoviários na cidade de Lisboa. O que o Acórdão fez foi apenas debruçar-se sobre a legalidade da ocupação de uma determinada zona da cidade de Lisboa, em face do estipulado no regulamento do P.D.M. de Lisboa e nada mais;
24. O T.C.A. não exorbitou assim a função jurisdicional, antes mantendo-se nos limites da mesma;
25. O Município de Lisboa continuará a ter inteira liberdade de actuação para autorizar a instalação de terminais rodoviários noutras zonas da cidade de Lisboa, dentro dos limites das leis e dos regulamentos em vigor, a começar pelo próprio P.D.M. de Lisboa;
26. O deferimento da 'intimação para um comportamento' proposta pelos ora recorridos por parte do T.C.A. não foi desadequado, dado o interesse público a prosseguir pelo Município de Lisboa não ter sido atingido pela decisão impugnada.'
O recorrente, respondendo à questão prévia relativa à falta de legitimidade, suscitada pelos recorridos, disse o seguinte, em resumo:
'A) O disposto nos nºs.1 a 3 do art.º 681º do CPC não á aplicável ao recurso de inconstitucionalidade, por efeito do art.º 73º da LTC; B) Ainda que o fosse, jamais o recorrente aceitou, expressa ou tacitamente, a decisão recorrida; C) A decisão impugnada paralisa os efeitos de acto autorizativo dos órgãos do Município de Lisboa, afectando de modo imediato e actual a competência dos
órgãos municipais, cujo exercício se torna juridicamente inútil, e impedindo a realização do interesse público posto a seu cargo pelo modo que considerarem adequado; D) A decisão prejudica assim directa e efectivamente o Município de Lisboa; E) Se não fosse a determinação legal que impede a Administração de ser parte nos procedimentos de intimação para um comportamento, ter-se-ia verificado no caso uma situação manifesta de litisconsórcio necessário passivo, abrangendo o Município de Lisboa; F) Por isso, a legitimidade do recorrente é co-essencial ao próprio fundamento do recurso: é porque a decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo não podia constitucionalmente ser proferida num processo em que o Município não pode ser parte que a norma pressuposta pelo Tribunal Central Administrativo, na interpretação que fez das disposições pertinentes da LPTA, se mostra inconstitucional; é porque uma tal decisão só poderia ser proferida em processo no qual o Município pudesse e tivesse de ser parte que este tem legitimidade para recorrer.
6. - Equacionando-se a hipótese do não conhecimento do recurso, em virtude de poder vir a entender-se que a decisão recorrida não interpretou as normas impugnadas no sentido proposto pelo recorrente, determinou-se a audição dos interessados, tendo aquele, em resposta, salientado, em síntese, que «na interpretação sugerida do acórdão recorrido do Tribunal Central Administrativo não se considera um ponto fundamental: o carácter acessório, de natureza cautelar, do meio processual de intimação para um comportamento», sublinhando que os requerentes indicaram no requerimento inicial que o meio principal de que a 'intimação' é acessória é o recurso contencioso do acto administrativo, da autoria da Câmara Municipal de Lisboa, do seu Presidente ou de um vereador, que tiver aprovado a localização e as obras do 'Terminal de Operadores de Transporte Rodoviário Expresso' na antiga estação de recolha de eléctricos do Arco do Cego, não podendo a decisão recorrida ser interpretada fora deste contexto. E, acrescentam:
' - Em tal contexto, a referência a um acto administrativo municipal mostra-se indispensável para justificar a intimação. E, no mesmo contexto, a intimação não pode deixar de ser considerada como uma antecipação dos efeitos de uma hipotética nulidade do acto administrativo (v. arts. 120ºss do requerimento de intimação, fls. 24 ss.); e
- De toda a maneira, mesmo que o 'eventual' acto de autorização apenas condicionasse os efeitos da decisão recorrida, sempre esta envolveria paralisação dos efeitos do acto administrativo municipal que tivesse sido ou fosse proferido sem intervenção do Município de Lisboa no processo.'
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II
1. - Da legitimidade do recorrente
1.1. - Os recorridos A e Outros, em sede de alegações, suscitaram a questão prévia da ilegitimidade do recorrente, invocando o disposto nos artigos 681º, n.ºs 2 e 3, e 680º, n.º2, ambos do Código de Processo Civil, observando, em síntese, por um lado, que o recorrente aceitou a decisão recorrida no ofício que o Presidente da CML dirigiu, em 3 de Junho de 1998, ao Tribunal Central Administrativo, e, por outro, que a decisão impugnada não produziu qualquer prejuízo directo e efectivo nos interesses do Município, que
«nem sequer constituiu empresas públicas municipais de transportes que pudessem vir a ficar afectadas com a decisão impugnada», nem esta decisão condicionou a actuação do Município, como reconhece o Presidente da CML, no supra citado ofício (conclusões 1ª a 13ª).
Acrescentaram, ainda, os recorridos que o recurso «não pode ser admitido porque, o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, no seu ofício de 3 de Junho de 1998, não invocou qualquer inconstitucionalidade na aplicação dos artigos 86º e 88º, n.º1, da LPTA, antes tendo dito que do Acórdão ora impugnado não resultava qualquer inconstitucionalidade em matéria de interpretação e aplicação daqueles preceitos da LPTA» (conclusão 15ª).
Na sua resposta, o recorrente, distinguindo a matéria que à legitimidade diz respeito da relativa à problemática da inadmissibilidade do recurso por inverificação do pressuposto da suscitação atempada da questão de constitucionalidade, pugnou pela improcedência daquela excepção, articulando factos que, no seu entendimento demonstram não ter havido aceitação da decisão recorrida, e salientando que, «a decisão impugnada paralisa os efeitos de acto autorizativo dos órgãos do Município de Lisboa (...)», prejudicando, assim, directa e efectivamente o Município de Lisboa e, «se não fosse a determinação legal que impede a Administração de ser parte nos procedimentos de intimação para um comportamento, ter-se-ia verificado no caso uma situação manifesta de litisconsórcio necessário passivo, abrangendo o Município de Lisboa». Nesta perspectiva, conclui, «Por isso, a legitimidade do recorrente é co-essencial ao próprio fundamento do recurso: é porque a decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo não podia constitucionalmente ser proferida num processo em que o Município não pode ser parte que a norma pressuposta pelo Tribunal Central Administrativo, na interpretação que fez das disposições pertinentes da LPTA, se mostra inconstitucional; é porque uma tal decisão só poderia ser proferida em processo no qual o Município pudesse e tivesse de ser parte que este tem legitimidade para recorrer» (cfr. conclusões da resposta da recorrente
à excepção).
1.2. - Em matéria de legitimidade para a interposição do recurso de constitucionalidade, no que ao caso interessa, dispõe o artigo 72º da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro (LTC), que:
Artigo 72º
(Legitimidade para recorrer)
'1. Podem recorrer para o Tribunal Constitucional: a) ... b) As pessoas que de acordo com a lei reguladora do processo em que a decisão foi proferida tenham legitimidade para dela interpor recurso.
2. (...)
3. (...)
4. (...).'
Nos termos da lei reguladora do processo em que foi proferida a decisão recorrida – o Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho (LPTA) – estabelece o artigo 104º que: Artigo 104º Legitimidade e patrocínio
'1. Podem recorrer a parte ou interveniente no processo que fique vencido, a pessoa directa e efectivamente prejudicada pela decisão e o Ministério Público.
2. (...).'
Esta norma está, aliás, em consonância com a do artigo 680º do Código de Processo Civil (que seria subsidiariamente aplicável por força dos artigos 1º e
102º da LPTA), que, na parte que ora nos interessa, prescreve o direito ao recurso das pessoas directa e efectivamente prejudicadas pela decisão, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias (cfr. n.º2). A este respeito, escreve Alberto dos Reis, em nota a esse artigo 680º (Código de Processo Civil, Anotado, Vol.V, pág. 272, Coimbra, 1981), que para que uma pessoa que não seja parte na causa, possa recorrer de decisão proferida nela, é preciso que o prejuízo resulte imediatamente da decisão recorrida; não basta que seja eventual ou dependa de circunstância futura que possa vir a surgir como consequência do julgado. Seguindo a mesma orientação, vem entendendo a jurisprudência que o prejuízo, para poder classificar-se de directo e imediato, terá pois de resultar da própria decisão e de ser actual e positivo, no sentido de impor responsabilidades ou implicar a imediata afectação de direitos ou interesses juridicamente tutelados. Ele terá, em resumo, de ser «real e jurídico» (cfr. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de Novembro de 1979 e 7 de Dezembro de 1993, publicados no Boletim do Ministério da Justiça nºs. 291 e 432, a págs. 420 e 298, respectivamente).
1.3. - Importa, pois, averiguar se a decisão recorrida prejudica directa e efectivamente os interesses ou a esfera jurídica do recorrente – Município de Lisboa – tendo em vista o objecto do recurso de constitucionalidade. Volvendo ao caso concreto, é ponto assente que a decisão é, em primeiro lugar, como salientam os recorridos, directamente dirigida às empresas de transporte rodoviário objecto da intimação proposta pelos requerentes da providência e que são estas empresas que ficam impossibilitadas de utilizar a antiga estação do Arco do Cego como 'Terminal Rodoviário de Carreiras Expresso' - 'na hipótese de a CML vir a autorizar a utilização daquele espaço urbano, com violação das normas constantes dos art.ºs referidos no regulamento que aprovou o PDM, de Lisboa'-, não tendo o recorrente qualquer ligação jurídica a estas entidades. Contrapõe o recorrente que, na interpretação ora impugnada, o efeito da intimação implica a paralisação da eficácia do acto administrativo de autorização, ainda que futuro, e, assim, atinge imediatamente a esfera jurídica do Município, sem que este tenha sido ou pudesse ser parte no processo, sendo que a competência dos órgãos municipais fica desde logo limitada pela inutilidade jurídica do seu exercício. Na verdade, tal como o recorrente interpreta a decisão recorrida e dimensiona a questão de constitucionalidade, o acto que o Município venha a praticar, no
âmbito das suas competências, no sentido de autorizar as requeridas empresas de transportes rodoviários a passarem a exercer as suas actividades no espaço da estação do Arco do Cego, se não está à partida desprovido de eficácia, fica, pelo menos, esvaziado no seu conteúdo, posto que os destinatários desse acto estão impedidos de o acatar em consequência da decisão recorrida, sem que nela tenha tomado parte o ora recorrente. A tal conclusão não obsta a argumentação de que 'o Município de Lisboa dispõe de alternativas ao Arco do Cego em matéria de terminais rodoviários', dado que sempre estará em causa a liberdade de actuação do Município na prática do acto de autorização. Também não cabe ao caso a figura da renúncia ao recurso por banda do recorrente, por ter aceite a decisão recorrida, como reclamam os recorridos. Na verdade, embora no documento, de fls. 355 a 358, assinado pelo Presidente da Câmara, este autarca conceba um primeiro entendimento da decisão como da mesma não resultando qualquer condicionamento à actuação municipal, certo é que logo perspectivou uma outra dimensão interpretativa, agora sob recurso, relativamente
á qual suscitou a questão de constitucionalidade. Não houve, assim, aceitação da decisão recorrida na interpretação objecto do recurso. Pelo exposto, concluí-se pela legitimidade do recorrente para interposição do presente recurso de constitucionalidade.
2. - Da admissibilidade do recurso
2.1. - Invocaram os recorridos, no que se entende consistir a invocação da falta de um dos pressupostos específicos do recurso ao abrigo da alínea b) do nº1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, que o recurso não pode ser admitido porque 'o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, no seu ofício de 3 de Junho de 1998, não invocou qualquer constitucionalidade na aplicação dos arts. 86º e 88º, nº1 da LPTA ...' Na verdade, constitui jurisprudência reiterada, impressiva e uniforme do Tribunal Constitucional que os recursos de constitucionalidade interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º1 do artigo 70º da sua Lei Orgânica, como é o caso dos presentes autos, só são admissíveis se congregarem necessariamente alguns pressupostos, um dos quais consiste na suscitação da questão de constitucionalidade pelo recorrente durante o processo e outro o que subentende a aplicação da norma impugnada como ratio decidendi, pela decisão recorrida.
A suscitação atempada, ou seja, durante o processo, significa que a questão deve ser levantada, em princípio, em momento anterior ao de o tribunal recorrido proferir a decisão final, de modo a ser-lhe ainda possível pronunciar-se a seu respeito. A inconstitucionalidade há-de suscitar-se antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que a questão de constitucionalidade versa, entendendo-se, por conseguinte, a locução durante o processo não em sentido formal que permita equacionar o problema até à extinção da instância, mas sim em sentido funcional, determinante de a invocação ocorrer em momento em que o tribunal recorrido ainda possa conhecer da questão.
Nesta linha de orientação – que está apoiada abundantemente na jurisprudência como, a título exemplificativo, o ilustram os acórdãos n.ºs. 479/89 e 232/94, publicados no Diário da República, II Série, de
24 de Abril de 1992 e 22 de Agosto de 1994, respectivamente – igualmente se vem entendendo que o pedido de aclaração da decisão ou a arguição de nulidades desta não constituem já, em princípio, momento atempado e via idónea para equacionar os problemas de constitucionalidade articulados com a decisão, o mesmo se dizendo da suscitação ocorrida apenas no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade.
Também neste sentido o Tribunal Constitucional tem-se pronunciado repetidamente, como nos casos dos acórdãos citados ou nos n.ºs.
635/93 e 102/95, publicados no mesmo Diário, II Série, de 31 de Março de 1994 e
17 de Junho de 1995, respectivamente.
Por outro lado, os apontados critérios jurisprudenciais não hão-se ser tomados rigidamente, de jeito a não permitir o recurso quando ao interessado se depare uma decisão relativamente à qual não seria razoável exigir uma prognose de um conteúdo e de um despacho inesperados, anómalos ou excepcionais. Como igualmente, quando não houve oportunidade processual de suscitar a questão anteriormente, tem lugar a flexibilização dos descritos critérios em benefício do direito de recurso (vejam-se, neste domínios específicos, os acórdãos n.ºs. 188/93 e 60/95, publicados nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, vols. 24, págs. 495 e segs., e 30, págs. 445 e segs., respectivamente). Interessa, finalmente, insistir a necessidade de aplicação concreta e determinante – como causa decidendi – da norma controvertida. Não basta, assim, um tratamento normativo que não passe de mero obiter dictum ou de simples argumento ad ostentationem (cfr., entre outros, os acórdãos n.ºs. 364/96 e
206/92, publicados no Diário da República, II Série, de 9 de Maio de 1995 e de
12 de Setembro de 1992, respectivamente), sendo necessário que a norma tenha sido efectivamente aplicada na decisão recorrida ou, se estiver em causa uma sua interpretação, que ela tenha sido aplicada in casu com essa interpretação (cfr., entre outros, os acórdãos n.ºs. 187/95 e 139/95, para as duas hipóteses, publicados no citado Diário, II Série, de 22 de Junho de 1995 e nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 30º, págs. 701 e segs., respectivamente).
2.2. - No caso concreto, o problema da atempada suscitação da questão a apreciar por este Tribunal há-de ser equacionado tendo em conta o momento temporal em que ocorreu.
A esta luz, convenha-se que, não obstante a fase processual em causa - o momento da interposição do recurso para o Tribunal Constitucional - não constituir já, em regra, o meio idóneo e atempado para o efeito, o certo é que, contrariamente ao pretendido pelos recorridos, bem se pode concluir pela inexistência de oportunidade processual para o recorrente, antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal recorrido, suscitar a questão, pois não era parte no processo - a providência em causa, conforme já se referiu, não foi contra ele instaurada, sendo indeferido o pedido de chamamento deduzido nos autos pelas requeridas -, e só passou a intervir nos autos com o requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional.
Assim, impõe-se a conclusão de que o recorrente, detendo até então a qualidade de 'terceiro' nos autos, não teve oportunidade processual para suscitar antes da prolação da decisão recorrida a questão de constitucionalidade.
É verdade que o Presidente da CML, no seu ofício de 3 de Junho de 1998, respondendo a uma solicitação do Tribunal, alude à decisão do Tribunal Central Administrativo que intimou os operadores a absterem-se de utilizar o espaço da Estação do Arco do Cego, o que denota conhecimento da prolação da decisão recorrida.
Mas, mesmo que se entendesse que o recorrente passou a intervir nos autos nesse momento e que tinha o ónus de suscitar a questão de constitucionalidade, como parece ser a óptica dos requerentes, certo é que no ponto 4 do citado documento se equacionou a problemática da constitucionalidade ao referir-se que, caso se entendesse que da decisão resultava ' ... qualquer condicionamento à actuação municipal, por via de processo no qual, além do mais, o Município não foi chamado a intervir, em defesa do interesse público, a mesma decisão envolveria uma interpretação das normas constantes dos artigos 86º e
88º, nº1, da LPTA na qual essas normas seriam inconstitucionalidade, por ofensa, designadamente, do art. 2º e do art. 111º, nº1, conjugado com o artigo 266º, todos da CRP.', mostrando-se, assim, observado o referido pressuposto do recurso.
2.3. - Os requerentes pediram, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, ao abrigo dos artigos 86º e segs. da L.P.T.A., previamente à interposição da acção procedimental administrativa na modalidade de recurso contencioso a que alude o artigo 12º, n.º1, da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto, a intimação dos requeridos M e Outros, a absterem-se de utilizar a antiga estação de recolha de eléctricos do Arco do Cego, em Lisboa, para aí desenvolverem a sua actividade comercial, 'dado que a pretendida utilização irá violar os artigos
85º, 86º, n.º1, 102º e 103º do regulamento do P.D.M. de Lisboa' (refere-se ao Plano Director Municipal de Lisboa, aprovado por Resolução do Conselho de Ministros, publicado no Diário da República, I Série-B, de 29 de Setembro de
1994). Face ao preceituado no artigo 86º da LPTA, a providência utilizada - 'intimação para um comportamento' - surge como um meio subsidiário da suspensão de eficácia, não sendo admissível sempre que os interesses a tutelar sejam susceptíveis de defesa pela suspensão (isto é, em regra, sempre que a Administração já tenha praticado um acto administrativo respeitante àquela relação jurídica).
Na prática, isso significa que este meio é susceptível de ser utilizado nas relações entre particulares (ou entre particulares e concessionários), quando esteja em causa o (in)cumprimento de normas de direito público e exista recusa ou falta de intervenção de uma autoridade administrativa
- falta que muitas vezes constituirá uma omissão indevida (cfr., Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 2ª edição, Coimbra, 1999, págs.
192/193).
Foi com este entendimento que o TAC de Lisboa, na sentença de 23 de Janeiro de 1998, tendo em conta o fundamento invocado e o objecto do pedido, indeferiu o chamamento da CML e julgou ser este o meio processual adequado à pretensão deduzida, em virtude de à data da formulação do pedido não existir acto administrativo recorrível, e, assim, o interesse dos requerentes não poder ser defendido pelo incidente de suspensão de eficácia desse acto. No entanto, indeferiu a providência com fundamento na não existência de indícios de que as requeridas venham a violar normas de direito administrativo.
No recurso interposto pelos então requerentes, relativamente ao mérito da causa, o Tribunal Central Administrativo, no acórdão de 23 de Abril de 1998, ora recorrido, considerou enfermar a decisão da 1ª instância de erro de julgamento. A este respeito escreveu-se:
'No que concerne ao fundo da questão, diremos que a medida cautelar de intimação para um comportamento pressupõe que os particulares ou concessionários violem ou haja fundado receio de violarem normas de Dir.tº Administrativo. No caso «sub judice», as normas de Dir.tº Administrativo que estão em causa são as que, de acordo com o «Plano Director Municipal de Lisboa», impõem, nos termos do regulamento do Plano, que a Estação do Arco do Cego como «Área de Uso Especial», enquanto área ocupada por infraestruturas e instalações de transportes, só possa continuar a manter o seu uso (o da recolha de carros eléctricos da Carris) e não seja transformada em terminal rodoviário, que excederia as vias da rede local, não permitidas por aquele plano. A violação ou fundado receio de violação por parte das requeridas consistiria, assim, na utilização ou possibilidade de utilização, da Estação do Arco do Cego, como terminal rodoviário, violando-se, com essa utilização, ou possibilidade de utilização, aquelas normas do PDM de Lisboa. Do que consta do processo, até ao momento, não há por parte das requeridas qualquer utilização daquele terminal, no sentido não permitido, pelas normas do PDM, em causa. A CML até à altura aprovou, em 10-12-97, o projecto de obras de adaptação da Estação do Arco do Cego a terminal de transportes rodoviário e legalizou as obras entretanto executadas. Tal acto da CML é fortemente indiciador de que a Câmara pretende adoptar, no futuro, comportamentos violadores e aceitar esta violação por parte das requeridas, do PDM, indicados pelos requerentes. A acção ilegal da Administração (no caso, a Câmara) verifica-se, desde logo, e independentemente daquelas obras, ao prever-se, desde logo, que os particulares e concessionários, por acção ou omissão da Câmara, possam vir a utilizar ou venham a utilizar as instalações, em causa, para os fins não consignados no PDM. Efectivamente, ao aprovar o projecto de obras de adaptação da estação do Arco do Cego a terminal de transporte rodoviário a CML, através daquela aprovação está a criar condições (previsíveis) para, no futuro, serem violadas as normas de Dir.tº Administrativo indicadas pelos requerentes e a possibilitar essa violação, com a utilização pelas requeridas da referida estação, como terminal de transporte rodoviário.
É certo que a utilização efectiva pelas requeridas da Estação do Arco do Cego como terminal rodoviário ficará a dever-se a determinação da Câmara, nesse sentido. Simplesmente, a Câmara com o comportamento adoptado que visa, no futuro, a instalação do referido terminal rodoviário está a abrir caminho, desde logo, à violação, por parte das requeridas, no sentido de ser ali implantado aquele terminal, criando, com tal comportamento, fundado receito, por parte dos requerentes, no sentido de verem afectados o ambiente urbano e a qualidade de vida daquela zona da cidade de Lisboa, pela previsível utilização daquele espaço, como terminal rodoviário. Ao contrário do decidido, na sentença recorrida, os requerentes invocaram e demonstraram, ainda que sumariamente, que através dos comportamentos até então adoptados pela C.M.L. é previsível que estejam criadas, para o futuro, os condicionamentos que permitirão às requeridas violar, em conivência com o comportamento ilegal da Câmara, as normas de Dir.tº Administrativo violadoras do PDM, por si invocadas, e, do mesmo modo, tendo em atenção as razões, pelas quais, no PDM, se fixou que, no local em causa, não se poderiam exceder as vias da rede local, já que, de tal previsível utilização, resultará acentuada degradação do ambiente urbano e da qualidade de vida daquela zona da cidade de Lisboa.'
Da análise deste aresto, verifica-se que o fundamento da decisão radica no facto de ser ter concluído pela existência de fundado receio de utilização ou possibilidade de utilização por banda das requeridas da estação do Arco do Cego, como terminal rodoviário, violando-se, com essa utilização, ou possibilidade de utilização, as normas do PDM que são invocadas.
2.4. – A referência que no acórdão é feita ao 'acto' da CML diz respeito à aprovação do projecto das obras de adaptação da Estação do Arco do Cego a terminal rodoviário e não ao possível acto de autorização, por banda do ora recorrente, para que as empresas transportadoras em questão operem naquele espaço.
Poderá ver-se na menção a esse 'eventual' acto de autorização, contida na parte decisória do acórdão, uma virtualidade meramente condicionante dos seus efeitos, como tal não fundamentante da decisão.
Nessa leitura, não se surpreende a atribuída interpretação aos preceitos impugnados da LPTA, que o recorrente tem por inconstitucional, ou, se se preferir, essa interpretação não serviu, como tal, de fundamento à decisão recorrida.
E, assim, na lógica dessa perspectiva, impor-se-ia concluir que não há que tomar conhecimento do objecto do recurso: pretende-se discutir uma possível interpretação da decisão e a correcção dos seus fundamentos, designadamente os que respeitam à idoneidade do meio cautelar utilizado – o que, manifestamente, não se integra nos parâmetros do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade.
Mas, na verdade, a decisão tem como fundamento a possibilidade de violação das normas do PDM pelas transportadoras – e não a autorização do Município para utilização por essas transportadoras das instalações da antiga Estação – para, a partir de semelhante premissa, aplicar efectivamente, e de modo fundamentante, a norma do artigo 86º da LPTA.
Com efeito, parece ser essa a ilação a extrair do acórdão do Tribunal Central Administrativo onde, após se ponderar nos termos já transcritos (ponto 2.2.), se acrescenta, a culminar o raciocínio dedutivo até então lavrado:
'Assim e contrariamente ao decidido, existem claros indícios, no sentido de que as requeridas venham, no futuro, a violar as normas constantes do PDM, artigos
85º, 86º, nº 1, 102º e 103º do regulamento do PDM, de Lisboa, inexistindo, embora e ainda acto da CML, que possibilite aquela utilização proibida, pelo PDM.'
Em face do exposto, acordou-se 'em dar provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida, deferindo a providência requerida e ordenando, uma vez que estão verificados os requisitos do artigo 86º da LPTA, que as requeridas se abstenham de vir a utilizar a antiga estação de recolha de eléctricos do Arco do Cego, em Lisboa, como terminal de Operadores Privados de Transporte Rodoviário Expresso, na hipótese de a CML vir a autorizar a utilização daquele espaço urbano, com violação das normas constantes dos artigos referidos do regulamento, que aprova o PDM, de Lisboa'.
E não apenas se aplicou a norma impugnada – ou, se se preferir, o complexo normativo questionado – como se lhe deu um determinado dimensionadamente normativo: em processo de intimação para um comportamento instaurado como dependência de recurso contencioso de acto administrativo, ou seja, como meio acessório e cautelar de recurso contencioso de acto administrativo, pode o tribunal intimar particulares a absterem-se da prática de actos (ou comportamentos) que sejam ou venham a ser autorizados pela Administração por via de acto administrativo'.
Vai, por conseguinte, conhecer-se do objecto do recurso.
III
1. - Nos termos do nº 1 do artigo 86º da LPTA, quando os particulares ou concessionários violarem normas de direito administrativo, ou houver fundado receio de as violarem, pode o Ministério Público ou qualquer pessoa a cujos interesses a violação cause ofensa digna de tutela jurisdicional pedir ao tribunal administrativo de círculo que os intime a adoptarem ou a absterem-se de certo comportamento, com o fim de se assegurar o cumprimento das normas em causa.
Por sua vez, o nº 1 do artigo 88º do mesmo diploma prescreve que, na decisão, o juiz determine concretamente o comportamento a impor na intimação e, sendo caso disso, fixe o prazo para o respectivo cumprimento e identifique o responsável por este.
Perante este quadro normativo, a questão de constitucionalidade que se coloca tem a ver com uma interpretação do mesmo que entenda possível, em processo de intimação para comportamento, instaurado como dependência de recurso contencioso de acto administrativo – ou seja, como meio acessório e cautelar desse recurso –, e sem que a Administração seja ou possa ser parte, intimar particulares a absterem-se de comportamentos que sejam ou venham a ser autorizados pela Administração, por via de acto administrativo.
Assim equacionada a questão, a inconstitucionalidade decorrente de tal interpretação, violaria o artigo 2º da Constituição, uma vez que significaria a possibilidade de permitir um tipo de decisão relativamente à qual a Administração não poderia aduzir as suas razões, por não poder ser parte no processo.
Nesta óptica, entende o recorrente, está em causa o direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional efectiva e ao processo equitativo, expressos nos n.ºs 1 e 4 do artigo 20º, que decorrem da ideia de Estado de direito, e que 'compreendem o direito a que decisões jurisdicionais que directa e efectivamente afectem (pretendidos) direitos ou interesses legalmente protegidos de uma pessoa não possam ser tomadas sem que esta seja constituída parte' (cfr. conclusão D das alegações de recurso).
2. - O Tribunal Constitucional tem repetidamente salientado que o direito de acesso aos tribunais é, além do mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, mediante o correcto funcionamento das regras do contraditório (cfr., entre outros os acórdãos n.ºs
86/88, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 11º, págs. 741 e segs., 259/2000 e 330/2001, publicados no Diário da República, II Série, de 7 de Novembro de 2000 e de 12 de Outubro de 2001, respectivamente).
Como se escreveu e este respeito no acórdão n.º
330/2001:
'Tal como se sublinhou no acórdão n.º 358/98 (publicado no Diário da República, II série, de 17 de Julho de 1998), repetindo o que se tinha afirmado no acórdão n.º 249/97 (publicado no Diário da República, II série, de 17 de Maio de 1997), o processo de um Estado de Direito (processo civil incluído) tem, assim, de ser um processo equitativo e leal. E, por isso, nele, cada uma das partes tem de poder fazer valer as suas razões (de facto e de direito) perante o tribunal, em regra, antes que este tome a sua decisão. É o direito de defesa, que as partes hão-de poder exercer em condições de igualdade. Nisso se analisa, essencialmente, o princípio do contraditório, que vai ínsito no direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20º, n.º 1, da Constituição, que prescreve que 'a todos é assegurado o acesso [...] aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos'. A ideia de que, no Estado de Direito, a resolução judicial dos litígios tem que fazer-se sempre com observância de um due process of law já, de resto, o Tribunal a tinha posto em relevo no acórdão n.º 404/87 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 10º, páginas 391 e seguintes). E, no acórdão n.º 62/91 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 18º, páginas 153 e seguintes) sublinhou-se que o princípio da igualdade das partes e o princípio do contraditório 'possuem dignidade constitucional, por derivarem, em última instância, do princípio do Estado de Direito'. As partes num processo têm, pois, direito a que as causas em que intervêm sejam decididas 'mediante um processo equitativo' (cf. o n.º 4 do artigo 20º da Constituição), o que – tal como se sublinhou no acórdão n.º 1193/96 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 35º, pagina 529 e seguintes) – exige não apenas um juiz independente e imparcial (um juiz que, ao dizer o direito do caso, o faça mantendo-se alheio, e acima, de influências exteriores, a nada mais obedecendo do que à lei e aos ditames da sua consciência), como também que as partes sejam colocadas em perfeita paridade de condições, por forma a desfrutarem de idênticas possibilidades de obter justiça, pois, criando-se uma situação de indefesa, a sentença só por acaso será justa. O processo civil tem uma estrutura dialéctica ou polémica: ele reveste a forma de um debate ou discussão entre as partes (audiatur et altera pars), sendo o juiz uma instância passiva. Nele – insiste-se –, o juiz não pode tomar qualquer providência contra determinada pessoa, sem que ela seja ouvida. E mais: essa audição tem, em regra, que preceder o decretamento da providência. Só excepcionalmente, quando haja razões de eficácia e de celeridade que imponham o seu diferimento e que este não limite ou restrinja, de forma intolerável, o direito de defesa, ela pode ser diferida para momento ulterior, pois só então se justifica que a audição da parte não seja prévia.'
Este entendimento, se bem que considerado no âmbito do processo cível, que por natureza é um processo de partes em que a Administração não tem especial posição no contexto das relações autor/réu, ou requerente/requerido é extensivo ao
âmbito da jurisdição administrativa.
Aliás, o Tribunal Constitucional tem salientado a relevância destes mesmos princípios no âmbito do contencioso administrativo, como sucedeu, por exemplo, nos acórdãos n.ºs 412/2000 e 154/2001, publicados, respectivamente, no Diário da República, II Série, de 21 de Novembro de 2000, e I Série-A, de 10 de Maio de 2001.
3. - Ora, no caso sub judice, está em causa – como se viu – a decisão do Tribunal Central Administrativo, de 23 de Abril de 1998, proferida no âmbito do processo de intimação para um comportamento, que se encontra regulado nos artigos 86º a 91º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos.
Trata-se de um meio processual acessório que, nos termos do artigo 86º, nº2, da LPTA., pode ser deduzido previamente à interposição do meio principal ou como incidente processual, cuja decisão, caso seja decretada a intimação, é meramente instrumental ou subsidiária da decisão definitiva e final a proferir no processo principal e, necessariamente, provisória, pois esgota a sua eficácia no momento em que a sentença final reconhece ou nega o direito
(cfr. artigo 90º).
Este meio, como já se salientou, só pode ser utilizado
'quando particulares ou concessionários violarem normas de direito administrativo, ou houver fundado receio de as violarem ...' (cfr. artigo 86º, nº1 da LPTA.), e é subsidiário do processo de suspensão de eficácia do acto, pois não pode ser formulado quando os interesses que com ele se pretendam fazer valer sejam susceptíveis de defesa pelo incidente previsto no artigo 76º da LPTA. (cfr. nº3 do artigo 86º deste diploma).
Tanto na doutrina como na jurisprudência, o processo de intimação para um comportamento, dadas as características apontadas (regime de dependência do processo principal, caducidade, indemnização em caso de dano causado ao requerido e a formulação genérica da sua previsão normativa), é tido como uma verdadeira providência cautelar, próxima do procedimento cautelar comum, actualmente regulado nos artigos 381º e segs. do Código de Processo Civil
(cfr., entre outros, Ricardo Leite Pinto, 'Intimação Para Um Comportamento
[...]', Lisboa, 1995 págs. 32 e segs).
A este respeito, salienta o mesmo autor que 'de entre os meios processuais do contencioso administrativo, principais ou acessórios, a intimação para um comportamento é o único em que a Administração não figura como parte, sendo, portanto, o que mais se aproxima do processo civil' (cfr. ob. cit., pág. 34).
Ora, o Tribunal Constitucional já teve ocasião de afirmar que não violam o princípio do contraditório normas que, no domínio das providências cautelares, dispensam, por razões de garantia da eficácia da decisão a proferir na acção principal, a audição do requerido antes de ser decretada a providência (cfr., entre outros, os acórdãos n.ºs 739/98 e 598/99, publicados no Diário da República, II Série, de 8 de Março de 1999 e de 20 de Março de 2000, e 163/2001, ainda inédito), ou que diferem o contraditório, seja por estarem em causa decisões meramente provisórias, seja por razões de celeridade e eficácia (cfr. acórdãos n.ºs 162/2000, 259/2000 e 522/2000, publicados no Diário da República, II Série, de 10 de Outubro de 2000, 7 de Novembro de 2000, e de 31 de Janeiro de 2001).
Porém, existe uma diferença entre estes casos e o dos presentes autos: é que, naqueles, foi dispensada ou diferida a audição do requerido, que obviamente era parte no processo, enquanto que no caso dos presentes autos o ora recorrente não foi ouvido precisamente por não ser parte no processo, por imposição legal.
Mas daqui não resulta que se mostrem violados os princípios do contraditório e do direito de defesa do recorrente ou do direito a um processo equitativo.
Na verdade, está em causa um procedimento cautelar, por natureza célere, cuja decisão é meramente instrumental ou subsidiária da decisão definitiva e final a proferir no processo principal e, necessariamente provisória, pois esgota a sua eficácia nos termos do artigo 90º da LPTA.
'É uma providência que pretende prevenir os riscos da demora do processo principal e que é decidida pelo juiz administrativo com base numa mera aparência do direito e, por isso, com recurso a uma prova meramente perfunctória. O requerente pretende evitar, provisoriamente, que um particular ou concessionário pratique ou prossiga uma conduta contrária às normas de direito administrativo ou, de outro modo, pretende obter que, antecipadamente, esse particular ou concessionário preste um facto ou entregue uma coisa a que se encontra obrigado nos termos das leis administrativas. É uma medida antecipatória ou conservatória dos efeitos de direito que podem resultar de uma decisão de mérito a proferir no âmbito de um procedimento administrativo ou de um processo de contencioso administrativo (cfr. Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Intimações, in Cadernos de Justiça Administrativa, nº 16, pág. 62).
Acresce que, como já se salientou, a providência é dirigida contra particulares ou concessionários aos quais se imputa a violação, ou risco sério de lesão, de normas de direito administrativo e pressupõe a recusa ou falta de intervenção de uma autoridade administrativa, porque caso tenha havido actuação destas entidades este meio processual já não é o adequado.
Ora, foi por concluir que à data do pedido não havia acto administrativo recorrível que a sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, de 23 de Janeiro de 1998, decidiu indeferir o chamamento da CML, julgando adequado o processo de intimação à pretensão deduzida pelos recorrentes, não tendo, nesta parte, a decisão sido objecto de recurso.
No acórdão do Tribunal Central Administrativo, ora recorrido, que conheceu do mérito da causa, entendeu-se que 'ao aprovar o projecto de obras de adaptação da estação do Arco do Cego a terminal rodoviário a CML, através daquela aprovação, está a criar condições (previsíveis) para, no futuro, serem violadas as normas de Dir.tº Administrativo indicadas pelos requerentes e a possibilitar essa violação, com a utilização pelas requeridas da referida Estação como terminal rodoviário'.
Não está, por conseguinte, em causa, neste lugar, a apreciação do acto praticado pelo Município conducente à aprovação das obras, nem tal foi pedido pelos requerentes, caso em que o meio processual adequado, em sede de procedimentos cautelares, seria a suspensão de eficácia do acto (cfr. artigos 86º, nº3 , e 76º, da LPTA.).
Assim, e tendo em conta que o Município sempre poderá efectivar a defesa dos seus interesses na acção definitiva de que o presente procedimento foi preliminar e é dependente e que o fundamento decisório consistiu no fundado receio de violação pelas empresas requeridas das normas referentes ao PDM de Lisboa, e não na apreciação do acto de legalização dessas obras por parte do Município, nem do eventual acto de autorização para utilização daquele espaço, o entendimento sufragado na decisão recorrida ao decretar o procedimento sem a intervenção da recorrente, impedindo as recorridas de utilizarem aquele espaço urbano, na hipótese de a CML vir a autorizar a sua utilização com violação das normas constantes dos artigo referidos no regulamento que aprovou o PDM de Lisboa, observou pois, os princípios consagrados nos artigos 2º e 20º, nº1 e 4, da Constituição da República, interpretando-os de modo não censurável jurídico-constitucionalmente.
Nos termos da alínea a) do nº 1 do citado artigo 90º da LPTA, a medida de intimação caduca se, ocorrendo o acto de autorização do Município, não for requerida a suspensão da sua eficácia e a respectiva impugnação contenciosa. Daqui resulta que a medida não pode esvaziar de efeitos um acto administrativo que, pela sua existência, torna necessário o recurso aos meios administrativos ou contenciosos adequados com a correspondente intervenção da autoridade administrativa.
4.- Invoca ainda o recorrente a violação da norma do artigo
111º, nº1, conjugado com o artigo 266º da Constituição, no entendimento de que o Tribunal, ao decretar a providência sem a intervenção do recorrente, nos termos já referidos, permite que sejam paralisados os efeitos de actos administrativos praticados ou a praticar, o que constituiria uma ingerência nos poderes próprios da Administração.
Esta questão leva-nos a abordar a problemática do conteúdo dos poderes do tribunal na sentença relativa a uma intimação para um comportamento. Como escreve Freitas do Amaral:
'No caso da intimação para um comportamento, o juiz pode intimar os destinatários a adoptar um certo comportamento, positivo ou negativo, e sujeitar os responsáveis a uma medida compulsória (...) Trata-se de um poder de decisão particularmente enérgico e eficaz, dos mais fortes que a qualquer tribunal podem ser atribuídos pela ordem jurídica' (Direito Administrativo, Vol. IV, Lisboa,
1988, págs. 333/334).
Mas, acrescenta o mesmo Autor, '... este meio processual não pode, segundo a nossa lei, ser usado contra a Administração Pública, mas apenas contra
'particulares e concessionários'. Quanto aos poderes do Tribunal Administrativo na intimação, escreve Ricardo Leite Pinto (ob.cit. págs. 52 e segs.):
' (...) um ponto é indiscutível: este tipo de processo afasta-se do contencioso de mera legalidade ou anulatório, que é a regra entre nós. Mas também não se compara às formas processuais típicas dos países onde vigora um sistema de administração judiciária de tipo britânico, onde os tribunais podem dirigir intimações e aplicar medidas compulsórias à Administração - o writ e injuntions que os tribunais proferem contra a Administração [cfr. Rui Machete, Contencioso Administrativo, in Estudos de Direito Público e Ciência Política, Lisboa, 1991, pág. 292] Ora, é um facto que na intimação para um comportamento o destinatário da medida
é um particular ou um concessionário (que pode inclusive ser um ente de Direito Público), e nunca a Administração. Contudo, como vimos, este meio processual acessório vive na dependência de um processo principal de natureza graciosa ou contenciosa, processo esse onde subjaza necessariamente uma actuação ilegal ou uma omissão da Administração. Ou seja, quer a intimação surja como incidente, por exemplo, de um recurso hierárquico, de um recurso contencioso, de uma acção para o reconhecimento de um direito, ou de uma acção sobre contratos, o que, em última ratio, está em discussão é uma acção ou omissão ilegal da Administração. Nesta perspectiva, dada a faculdade de o juiz poder determinar o tipo de comportamento, o prazo para o seu cumprimento e o responsável por este, pode a intimação traduzir-se numa sentença com algumas analogias com as decisões jurisdicionais substitutivas. Em rigor, através da intimação o Tribunal pode substituir-se à Administração, obrigando o particular ou concessionário que lese normas de direito administrativo, a ter certo comportamento. Tomemos o exemplo que Freitas do Amaral nos oferece nas suas páginas [Direito Administrativo, ob. cit. Vol. IV, pág. 330 e 331]. Um proprietário de um terreno constrói nele prédios urbanos sem a necessária licença da Câmara Municipal, e esta não embarga as obras a tempo e horas, fechando os olhos à continuação da ilegalidade. Ora, na hipótese vertente e porque a intimação depende da utilização dos meios administrativos ou contenciosos, próprios para a tutela do interesse do requerente, e não pode ser usada se ao cabo couber a suspensão da eficácia dos actos, o requerente (por hipótese o MP, em defesa da legalidade) peticionária a providência cautelar, alegando ir requerer ao Presidente da Câmara Municipal o embargo das obras e a sua posterior demolição, nos termos dos arts. 57º e 58º do Dec.-Lei 445/91, de 20 de Novembro. Mas o requerente (MP) poderia também, em momento posterior, após a formação de acto tácito negativo ou de acto expresso de indeferimento na sequência desse mesmo requerimento, solicitando o embargo e a demolição - e admitindo, obviamente, que os actos negativos não são susceptíveis de suspensão da eficácia
-, requerer previamente ao recurso contencioso de anulação ou, na pendência deste, a referida intimação. Ora, num ou noutro caso verificados o periculum in mora e o fumus boni juris, a decisão poderia determinar, por conta do particular violador das normas de direito administrativo, a suspensão ou demolição das obras ilegalmente construídas, num determinado prazo. Por aqui se vê que, em rigor, o Tribunal se pode substituir à Administração, suprindo a sua omissão - embora apenas à custa, do particular ou do concessionário recalcitrante.
Não se trata, pois, de um verdadeiro e próprio poder jurisdicional de substituição, mas de um meio jurisdicional indirecto e provisório de suprir a omissão ou a acção ilegal da Administração. Não envolverá este poder do Tribunal uma atenuação da fronteira entre a função jurisdicional e a função administrativa, no quadro básico de uma teoria constitucionalmente adequada das funções do Estado, sucedânea do princípio da separação de poderes? Aderindo à ideia, propugnada por Jorge Miranda [Funções, Actos e Órgão do estado, Lisboa 1990, págs. 24 e segs.], na linha de Marcello Caetano e também sufragada por Sérvulo Correia, de que formalmente a função administrativa se caracterizaria pela iniciativa e a parcialidade (na prossecução do interesse público) e a função jurisdicional pela passividade e imparcialidade, não parece que mesmo na expressão mais enérgica da intimação para um comportamento, esta saia fora das balizas da jurisdictio.'
Deste modo, sem esquecer que este meio processual não tem como destinatário directo a Administração e que esta sempre deverá intervir na discussão da medida cautelar de suspensão de eficácia e na acção principal, logo que haja um acto administrativo, e aí actuar no sentido da prossecução do interesse público que constitucionalmente lhe está reservado, não se pode concluir que se tenham ofendido os princípios consagrados nos artigos 2º, 20º, nº1 e 4, e 111º, nº1, conjugados com os artigos 266º, nº1 e 268º, nº4, da Constituição da República Portuguesa.
III
Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso. Lisboa, 26 de Setembro de 2002 Alberto Tavares da Costa José de Sousa e Brito Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (vencida quanto à questão da legitimidade, nos termos da declaração junta) Luís Nunes de Almeida
Declaração de voto
Votei vencida quanto à questão da legitimidade da Câmara Municipal de Lisboa para a interposição do presente recurso de constitucionalidade, no essencial, pelo seguinte: A competência dos órgãos da Administração Pública não fica diminuída ou afectada pelo facto de existir uma decisão judicial que impede o exercício de uma actividade que aqueles órgãos têm o poder de autorizar. Tal competência, qualquer que seja sua configuração legal, constitui por natureza um poder abstracto, exercitável em relação a um número indeterminado de situações e entidades – ou seja, na matéria em questão, a um número indeterminado de terminais e empresas de transporte. Se algumas empresas, por força de uma decisão judicial, e por razões de legalidade, não puderem utilizar um dado terminal rodoviário, a competência camarária permanece intacta, como intacta permaneceria se a infracção das normas do Plano Director Municipal tivesse sido verificada depois de concedida a autorização, mediante uma sentença anulatória. A legitimidade contenciosa activa dos órgãos administrativos (nomeadamente para a interposição de recursos jurisdicionais) não se funda no interesse da preservação da competência, mas sim no da preservação dos efeitos duma decisão concreta. Não existindo esta decisão, porque a concretização judicial dos parâmetros da legalidade é feita a priori ou preventivamente, não chega a ser posta em crise a autoridade do órgão administrativo e este não terá, em consequência, qualquer interesse relevante a defender. Maria dos Prazeres Pizarro Beleza