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Procº nº 98/2002.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Em processo comum com intervenção do tribunal singular e em que figurava como arguido A, o Juiz do 2º Juízo Criminal do Tribunal de comarca de Cascais proferiu, em 19 de Novembro de 2001, sentença, onde, em dados passos e para o que ora releva, escreveu:-
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c) Quanto à incriminação da condução sem habilitação legal, prevista no art. 3.º, n.º 2 do DL n.º 2/98 de 3/1, uma vez que o arguido conduzia a viatura automóvel 34-05-NJ, nas circunstâncias descritas, i.e., na Variante de Alcabideche, não sendo titular de licença que o habilitasse para o efeito, verifica-se o preenchimento dos elementos do tipo objectivo - condução de veículo automóvel, em via pública, sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada.
O arguido conhecia estes factos e actuou com a intenção de os realizar, sabendo não lhe ser permitida tal conduta, pelo que possuía o dolo do tipo de crime, bem como a respectiva consciência da ilicitude (art. 14.º, a) e
17.º do Código Penal).
No entanto, este tipo criminal levanta questões de legitimidade material.
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Desta forma, de entre as diversas circunstâncias que acompanham e justificam o cometimento do crime em causa, que a seguir se apresentam, apenas uma traduz uma avaliação minimamente aceitável em Direito Penal sobre a realidade de um facto danoso ou de risco.
Pode-se cometer este crime:
1. por nunca se ter requerido a concessão da adequada habilitação legal;
2. por não se ter revalidado o título de condução que se possuía;
3. por não se possuir título de condução válido à luz da lei portuguesa (v.g. licença de condução estrangeira não abrangida pela alínea e) do art. 125.º, n.º
1 do Código da Estrada;
4. por se ter visto indeferida a pretensão de obtenção da adequada habilitação legal.
Apenas neste último caso, atendendo aos eventuais motivos indicados, se poderia presumir, por indícios minimamente seguros, da perigosidade do agente, designadamente por inaptidão para a condução do veículo em causa.
3. Bem jurídico e tutela penal
Assim concebida a conduta criminosa em causa está desprovida de um qualquer substrato ético-social.
Isto é, se bem que seja possível descortinar um bem jurídico protegido por esta incriminação cuja determinação e precisão são constitucionalmente aceitáveis ao ponto de permitir esta restrição da liberdade
- esse bem é, necessariamente, a segurança rodoviária -, aceitando-se ainda, de uma outra perspectiva, um grau razoável de antecipação de protecção de bens singulares - bens pessoais e o património -, a verdade é que falece a relação necessária entre a protecção ora referida e a incriminação em causa.
Os crimes de perigo abstracto, quando se apresentem como um «bem jurídico intermédio espiritualizado», ou de referente individual, admitem o fortalecimento da sua legitimidade democrática por poderem ser apreendidos como crimes de lesão desses bens intermédios.
No entanto, a proibição de que aqui se trata devia estar remetida ao Direito de Mera ordenação Social porque o «substrato da valoração jurídica não é aqui constituído apenas pela conduta como tal, antes por esta acrescida de um elemento novo: a proibição legal»
Desta forma o ilícito em causa aparece como meramente formal, sem a preexistência de um bem jurídico-penal que apresente o referente axiológico jurídico--constitucional que permita a sua validade.
Não deve ser esta a técnica de fundamentação de bens jurídicos protegidos em Direito penal pois, independentemente do acolhimento de bens de natureza mais ou menos precisa, de tutela mais ou menos antecipada, não é possível punir criminalmente alguém com base em raciocínios formais, meras lógicas de títulos ou autorizações administrativas, que apenas se entendem segundo critérios de ordenação social.
A inconstitucionalidade material é a consequência desta apreciação, por aferição com o art. 18.º, n.º 2 da CRP que exige um fundamento de valor essencial para permitir restrições de direitos, liberdades e garantias.
Desta forma vai decidir-se não aplicar o art. 3º., n.º 1 e n.º 2 do DL n.º 2/98 de 3/2 com fundamento na sua inconstitucionalidade, ao abrigo do art. 207.º da Constituição.
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Da referida sentença recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, a Representante do Ministério Público junto do Tribunal de comarca de Cascais.
Determinada a feitura de alegações, concluiu a entidade recorrente a por si formulada com as seguintes «conclusões»:-
'1º - O legislador infraconstitucional goza de uma ampla margem de discricionariedade legislativa na formulação das opções consistentes em tipificar criminalmente determinados comportamentos ilícitos ou apenas os situar no domínio do ilícito de mera ordenação social.
2º - Não traduz solução legislativa manifestamente arbitrária ou excessiva a que se traduz em criminalizar a condução de veículos na via pública por quem não é detentor de título válido que a tal o habilite, já que a tipificação assenta na tutela de valores constitucionalmente relevantes [e] tem na sua base a evidente e manifesta perigosidade [d]e tal comportamento.
3º - Termos em que deverá manifestamente proceder o presente recurso, em conformidade com o juízo de constitucionalidade das normas desaplicadas'.
Por seu turno, o arguido propugnou pelo improvimento do recurso.
Cumpre decidir.
2. A questão de constitucionalidade que importa averiguar no presente processo consiste em apurar se existe um fundamento de valor essencial para se proceder à incriminação da condução sem habilitação legal - prevista no artº 3º, nº 2, do Decreto-Lei nº 2/98 de 3 de Janeiro - e, assim, tendo por parâmetro o nº 2 do artigo 18º da Constituição, proceder a uma constrição do direito do sujeito a julgamento criminal por aquele ilícito, sabido como é que, num Estado de direito democrático e social, o Direito Penal deverá ter um carácter fragmentário, cumprindo uma função de ultima ratio.
No citado diploma de 1998, onde, inter alia, se define o tipo legal de crime de condução de veículos automóveis por quem não se encontre habilitado para tal (diploma que foi editado pelo Governo no uso da competente autorização legislativa), houve, inequivocamente, a preocupação de, tendo em conta os elevados índices de sinistralidade com que se depara o nosso País, instituir como ilícito criminal a infracção consistente em se conduzir veículos automóveis sem que o condutor se encontrasse habilitado à condução com um dos títulos legalmente previstos (na esteira, aliás, de já antiga tradição existente no nosso País). É que, uma tal situação constitui, inequivocamente, algo que, pela sua objectiva gravidade - a colocação em circulação de um factor objectivo de risco - vai pôr em causa a segurança – a vida e os bens - de todos aqueles que utilizam as vias públicas.
Em face desse intuito legislativo, optou o Governo por tutelar o bem jurídico subjacente por forma a que a infracção desse particular aspecto da circulação rodoviária viesse a ser punida por um crime, e não pelo gizar de um ilícito de mera ordenação social.
Será censurável, do ponto de vista constitucional, essa opção legislativa? É essa, pois, a questão que cumprirá dilucidar.
3. Isto conduz a que é mister saber se o estatuído no artº 3º, nº 2, do Decreto-Lei em causa viola o princípio da congruência ou da analogia substancial entre a ordem axiológica constitucional e a ordem legal dos bens jurídicos protegidos pelo direito penal.
Vejamos, então.
Como se escreveu no Acórdão deste Tribunal nº 83/95 (publicado na 2ª Série do Diário da República de 16 de Junho de 1995), ' o direito penal de um Estado de Direito tem de edificar-se sobre o homem como ser pessoal e livre para se decidir pelo direito ou contra o direito – de um homem, por isso mesmo, responsável pelos próprios actos e responsável para estar com os outros. Há-de ser, assim, um direito penal todo ancorado na dignidade da pessoa humana'.
É ponto assente que o direito criminal tem que entender-se como um direito de protecção, só devendo intervir para proteger bens jurídicos - e como um direito limite -, no sentido de a sua intervenção apenas se justificar se não for possível o recurso a outras medidas de política social, que sejam igualmente eficazes, mas menos «violentas» que as sanções criminais previstas por este ramo de direito.
Esse ramo caracteriza-se, pois, por ser um direito com um carácter fragmentário (o direito penal há-de limitar-se à defesa das perturbações graves da ordem social e à protecção das condições essenciais indispensáveis ao viver comunitário) e subsidiário (pautando-se o princípio da subsidariedade pela consideração de que, de entre as várias sanções que o Estado põe à disposição do legislador, as sanções penais hão-de ser sempre o último recurso), cumprindo, como se disse, uma função de ultima ratio da intervenção do Estado na esfera individual da pessoa humana.
Assim, refere Eduardo Correia (Estudos sobre a reforma do direito penal depois de 1974, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 1974, 6) que, para 'se considerar como necessária uma reacção criminal, é mister que os bens jurídicos que com ela se afirmam tenham também ressonância ética, melhor, dignidade penal'. E, acrescenta: 'o ponto de referência de um conceito material de crime, supõe sempre que o agente seja merecedor da pena – ideia a conjugar com a sua necessidade.'
De idêntico modo, Figueiredo Dias (O sistema sancionatório no direito penal português', Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Eduardo Correia, 1, Boletim da Faculdade de Direito, número especial, Coimbra, 1984,
807), faz apelo ao princípio da necessidade como limite à criminalização das condutas: 'num Estado de Direito material, de raiz social e democrática, o direito penal só pode intervir onde se verifiquem lesões insuportáveis das condições comunitárias essenciais de livre desenvolvimento e realização da personalidade de cada homem', chamando a atenção, mais adiante (814), depois de salientar que, por imperativo constitucional, toda a política criminal se deve conformar com a ideia de Estado de Direito, para outro princípio que o legislador deve observar nesta matéria, justamente o já aludido princípio da congruência ou da analogia substancial entre a ordem axiológica constitucional e a ordem legal dos bens jurídicos protegidos pelo direito penal (cfr., igualmente, Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, 1997, parte geral, I, 140 e 141).
Como já foi referido por este Tribunal (cfr., por entre outros, os Acórdãos números 634/93 (Diário da República, 2ª Série, de 31 de Março de 1994),
83/95 (já acima citado), 108/99 (mesmos jornal oficial e Série, de 1 de Abril de
1999), citando José de Sousa e Brito (A lei penal na Constituição, Estudos sobre a Constituição, 2º volume, 218), entende-se 'que as sanções penais só se justificam quando forem necessárias, isto é, indispensáveis, tanto na sua existência como na sua medida, à conservação e à paz da sociedade civil'; e, uma vez que as sanções penais se traduzem numa limitação mais ou menos grave dos direitos individuais, o princípio restritivo dirá que essa limitação será a menor que as necessidades da conservação e da paz sociais consentirem. Haverá que adquirir em cada caso a convicção de que, se a sanção fosse suprimida ou reduzida, a ordem social poderia ser posta em causa.
3.1. Dir-se-á, assim, que, em face dos próprios princípios da justiça e da proporcionalidade dos meios (proporção de excesso) - cf. Jescheck
(Tratado de Derecho Penal - Parte General, tradução espanhola, 1986, 34) - o legislador só deve criminalizar condutas que violem bens jurídicos essenciais ao viver comunitário, pois só estes bens jurídicos têm dignidade penal. Dito de outro modo: só os comportamentos que se traduzam em violações de direitos e interesses que, no contexto da ordem axiológica jurídico-constitucional, tenham ou devam ter o adequado valor (e por isso, sejam elevados à dignidade de bens jurídicos, de bens jurídico-penais) podem cair no âmbito da protecção do direito penal.
Neste contexto, cabido é perguntar se a segurança que deve presidir
à circulação rodoviária, que o legislador pretendeu proteger com a punição da conduta em apreço, é um bem que, à luz da ordem jurídico-constitucional, deve ser especialmente tutelado por sorte a que legitime a intervenção do Direito Penal e permita que este ramo de direito o reclame como seu e o assuma como bem jurídico-penal carecido dessa tutela, assim podendo criminalizar a actuação de quem o viole.
A resposta a esta questão, numa primeira aproximação, não poderá deixar de ser afirmativa, como adiante melhor se verá.
3.2. Na verdade, como se escreveu no aludido Acórdão 83/95, 'alguns, sendo embora princípios metajurídicos , acham-se precipitados, desde logo, na ideia de estado de direito. É o caso do princípio da justiça que impede que o legislador, quando decide punir uma conduta, actue de forma voluntarista ou arbitrária: ele deve sentir-se, antes e sempre, limitado (...) pelas concepções de justiça que todo o concreto ordenamento pressupõe. E é o caso ainda do princípio de humanidade que reclama que as penas que o legislador cominar (o que só deve fazer se elas forem necessárias) sejam tão suaves quanto possível
(...)'.
Isto significa, por um lado, que, desde que respeitados determinados princípios básicos que se estabelecem na relação de necessária imbricação entre o Direito Penal e o Direito Constitucional, numa ordem, relação ou plataforma de mútua referência, o legislador ordinário tem uma ampla margem de discricionariedade que lhe permite punir ou não como crime determinadas condutas
(como se referiu no Acórdão nº 634/93 citado 'o juízo sobre a necessidade do recurso aos meios penais cabe, em primeira linha, ao legislador, ao qual se há-de reconhecer, também nesta matéria, um largo âmbito de discricionariedade'), não devendo o intérprete ou aplicador do direito – não podendo confundir o juízo de constitucionalidade com o juízo sobre o mérito da lei – como referiu o representante do Ministério Público neste Tribunal, nas suas alegações, ' sobrepor irrestritamente ao legislador as suas concepções pessoais na determinação das opões políticas sobre a necessidade ou conveniência de criminalizar determinados comportamentos, ou, pelo contrário, apenas os sancionar no domínio do ilícito de mera ordenação social'.
Mas, por outro, impõe-se sublinhar que a liberdade de conformação do legislador pode, porém, ser limitada quando a punição criminal se apresente como algo de manifestamente excessivo.
Por consequência, quando se não esteja em presença de uma situação de excesso - ou, pelo menos, não seja manifesto que tal aconteça –, a norma incriminadora não pode ser censurada sub specie constitutionis, em face do estrito parâmetro regido pelo princípio da proporcionalidade.
E isto ainda se torna mais nítido mesmo para quem entenda que a Constituição não contém qualquer imposição de criminalização (ressalvados, porventura, determinados casos ou situações em que, estando em causa a protecção de valores jurídicos essenciais consagrados na Lei Fundamental, essa circunstância reclama que, para a respectiva tutela, seja exigido o desenho do ilícito criminal para as respectivas violações). De facto, observados os princípios que se deixaram apontados, ao legislador deve ser conferido um largo espaço de liberdade na individualização dos bens jurídicos que entenda carecidos de tutela penal para, assim, tomar a decisão de quais os comportamentos lesivos de direitos ou interesses que, na sua perspectiva, devam sofrer protecção adequada através da tutela penal (no dizer de Gomes Canotilho, Teoria da legislação geral e teoria da legislação penal, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Eduardo Correia, 855), 'há que confiar na sabedoria do legislador').
E daí que se torne necessário apurar, quando se coloca a questão de saber se uma dada opção legislativa de criminalizar certa conduta é aceitável do ponto de vista constitucional, se, 'assente que se não põe em causa que deflui dos princípios constitucionais da justiça e da proporcionalidade decorrentes da ideia de Estado de direito democrático e da dignidade da pessoa humana a exigência de uma subsidariedade da tutela penal ou, como já foi assinalado, o princípio da máxima restrição das penas (...) se a consagração da tutela penal, da forma como é levada a efeito' (citaram-se as palavras do Acórdão nº 572/95, publicado na 2ª Série do Diário da República, de 13 de Março de 1996) no caso que se tenha em apreciação, 'é algo que se apresenta como manifestamente desproporcionado, excessivo ou sem justa medida'.
Pois bem.
4. A segurança rodoviária é, indiscutivelmente, um valor ou um bem que deve preservar-se. A circulação nas vias públicas é, também inquestionavelmente, um factor contributivo do desenvolvimento de um país, a par de ser um factor que, de certo jeito, não deixa de implicar uma manifestação de liberdade por parte dos cidadãos.
Impõe-se, consequentemente, que a circulação seja pautada por regras que definam o comportamento dos utentes das vias.
Por outra banda, os veículos, mormente os auto-motorizados, são, reconhecidamente, geradores de risco para a vida, integridade física e para os bens, seja de toda a comunidade, seja de todos aqueles que utilizam as vias públicas ou fazem utilização das suas margens ou proximidades.
Como a condução de veículos auto-motorizados não é, em regra, inata
às faculdades humanas, requerendo, por isso, aprendizagem, quer das respectivas técnicas, quer das regras a que deve obedecer a circulação rodoviária, é facilmente aceitável a ideia de que ao Estado se imponham especiais cautelas para apurar da suficiência dessa aprendizagem, não permitindo que quem não seja detentor de tal suficiência possa livremente levar a efeito a condução.
Se alguém a pratica, sem que o apuramento pelo Estado seja certificado, a presunção de que a prática da condução nessas condições não tem um mínimo de segurança não se antolha como um despropósito ou um excesso.
E, para obviar ao acrescido risco decorrente dessa presunção (para além de se não poder, nem dever, escamotear que são inúmeros os casos de condução por quem legalmente não está legalmente habilitado para tanto e que é mui elevada a sinistralidade, mesmo atendendo aos que estão habilitados) não se mostra minimamente como implicando uma injusta medida a «desincentivação» dos comportamentos consistentes na condução sem título, «desincentivação» essa que é efectuada através da respectiva criminalização.
Os interesses subjacentes à circulação rodoviária, acima enunciados, não se postam, desta arte, como desproporcionados e excessivos reportadamente à criminalização da condução de um veículo automóvel por quem não possua título legalmente bastante.
Poder-se-ia, até, dizer aqui que (não fora a circunstância de, de certo modo, se poder dizer que a criminalização da condução de veículos automóveis sem qualquer título habilitador até constituiu uma tradição do nosso ordenamento) esta era uma das situações em que manifestamente era admissível a neocriminalização, já que a hodierna circulação rodoviária se assumia com contornos de 'novos fenómenos sociais, anteriormente inexistentes ou muito raros', que desencadeavam 'consequências comunitariamente insuportáveis e contra e contra as quais se tenha de fazer intervir a tutela penal em detrimento de um paulatino desenvolvimento de estratégias não criminais de controlo social' (vide Figueiredo Dias, O Sistema Sancionatório do Direito Penal Português, 807).
Do exposto resulta que se há-de concluir que a norma em apreço apresenta aquele mínimo de ressonância ética que expressa os valores da colectividade, consequentemente não se mostrando, ao desenhar como ilícito criminal a conduta nela tipificada, como desproporcionada, excessiva ou ultrapassadora de uma justa medida e, por isso, se afigurando como compatível com a dignidade humana o sancionamento criminal que leva a efeito.
5. E nem se diga, como parece resultar da sentença impugnada, que a outra solução se deveria chegar quando se confronta a situação em apreço com aquela a que se reportam os casos em que somente é sancionado com uma contra-ordenação quem, embora detendo título legalmente bastante para conduzir determinada classe de veículos, conduz outros de classe diferente, para os quais não tem legal habilitação.
É que, como desde logo parece claro, nestes casos há, ao menos, uma aprendizagem quanto à circulação de veículos e uma certificação - esta por parte do Estado -, do conhecimento das regras da circulação rodoviária, o que diminui acentuadamente o factor de insegurança que legitimamente se pode suscitar relativamente a quem não possui algum daqueles requisitos.
6. Em face do exposto, concede-se provimento ao recurso, sequentemente se determinando a reforma da sentença impugnada em consonância com o ora decidido sobre a questão de constitucionalidade. Lisboa, 10 de Julho de 2002- Bravo Serra Maria Fernanda Palma Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa